sábado, 7 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12014: Os nossos seres, saberes e lazeres (55): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (3) (Tony Borié)

1. Em mensagem do dia 31 de Agosto de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos o terceiro episódio da sua viagem/aventura de férias, num percurso de 7000 milhas (sensivelmente 11.265 quilómetros) através dos Estados Unidos da América.



7000 milhas através dos USA - 3

Já devem de estar a pensar:
- Olha, lá vem a viagem, vamos lá ver o que é que eles fizeram hoje?

Pois vamos continuar companheiros de “Jornada”

Pela manhã, depois de tomar o pequeno almoço, a medicina, olhar o tempo que fazia lá fora, resolveram colocar no corpo roupa de inverno, porque parecia que iria chover dentro de pouco tempo.

A estrada número 70, que atravessa todo o Estado do Missouri, em direcção ao estado do Kansas, é uma grande estrada, com duas vias para cada lado, separadas por uma grande extensão de terreno, com distâncias consideráveis de rectas, das quais não se via o final, tendo, de um lado e de outro, pastagens onde se via algum gado bobino, poços de petróleo com as bombas em pleno movimento e alguns moinhos gigantes de energia, aqui e ali havia algumas casas de quintas, principalmente estábulos, uns em bom estado, outros abandonados, em alguns locais havia mesmo casas, com algumas árvores próximas, que pareciam novas ou quase novas, mas algumas sem janelas ou portas, parecendo abandonadas.

No início, pela manhã, ao sairmos da povoação onde dormimos, que era St. Charles, no Estado de Missouri, ainda se via ao longo da estrada algumas plantações de milho e amendoim, às vezes até por uma distância de milhas, mas que foram desaparecendo à medida que viajávamos para oeste, dando lugar à paisagem que descrevemos em cima.

Isto era a paisagem enquanto se via, pois quando começou a chover, como se de um tornado se tratasse, às vezes com mais intensidade do que estavam acostumados no Estado da Flórida, até mesmo do que o Tony se lembrava, quando da sua estadia em África, quando em cenário de guerra, naquela que então chamavam Guiné Portuguesa. Era uma chuva contínua que alagava a estrada, tendo que se viajar a 10 ou 15 milhas por hora e com as luzes acesas. Todo o cuidado era pouco, viam-se carros parados na berma da estrada com as luzes em posição de pisca- pisca. Choveu por horas, o vento puxava a chuva contra os vidros do jeep, em todas as direcções, fazendo-o balançar, e em alguns momentos ficava sem direcção, suspenso no ar, mas muito devagar fomos avançando, e lá mais para a frente, já havia algumas abertas, com menos chuva e a velocidade aumentou. Fomos progredindo no terreno.


Neste trajecto da nossa rota, era o local onde devíamos parar e viajar pela “Santa Fé Trail”, pois levávamos equipamento para o fazer, e era um dos nossos objectivos, caminhar por onde os nossos emigrantes caminharam centenas de anos atrás, quando saíam do rio Mississippi, em St. Louis e iam a caminho do oeste, mas não o pudemos fazer, talvez fique para a próxima, quem sabe! 

Quando a chuva abrandou um pouco, passámos próximo da povoação de Arrow Rock, que é hoje considerada “Nacional Históric Landmark”, tal como a povoação de Black Water, que fica próxima. Visitámos ambas as povoações, onde existe casas e ruas como eram há duzentos anos, tudo está conservado com algumas casas habitadas. Ambas as povoações faziam parte da “Santa Fé Trail”. Algumas pessoas deslocam-se de outros Estados para percorrerem alguns trilhos, que estão sinalizados, pelo menos dentro destas povoações, o que nós também fizemos.


Como dizíamos, estas localidades faziam parte do famoso trilho de Santa Fé, que era uma via que passava por vales, planícies e montanhas, cruzando os rios que eram atravessados por jangadas, que ia através do centro norte da América, desde o então Estado independente de Missouri até Santa Fé, no Estado de Novo México, seguindo daí para o México com o nome de “Caminho Real”. Era quase como quando o Tony tinha o nome de guerra de “Cifra” e estava estacionado na então província da Guiné, e ia de Mansoa para o Olossato, só que não havia vales nem montanhas.


Nesta localidade comeram no restaurante local a única ementa que havia, que era o que as pessoas comiam há centenas de anos, presunto de porco fumado, depois cosido em vapor, duas espigas de milho cosidas, pão de mistura de trigo, milho e beterraba, e chá de diversas plantas, incluindo a planta do tabaco. Um cálice de “moonshine” e um charuto terminava a refeição.
Uma senhora, muito gentil, que nos servia, vestida tal como há cem anos, com a face parecida com as que vemos nos filmes do oeste americano em que entram algumas vezes os tais “índios e cowboys”, tinha uma face linda de “pele vermelha”, não se calava, falando mal dos ingleses que eram umas pessoas más, que vieram da Europa ocupar esta terra tão bonita, que era deles, dos americanos!
O Tony não sabe onde é que já ouviu isto, mas falado em português "acrioulado"



Voltando à estrada número 70, seguimos em direcção à cidade de Kansas, e para os que não sabem, existem duas Kansas City, uma do lado do Estado de Missouri, outra do lado do Estado de Kansas. Há uma divisão, que não é divisão nenhuma, vimos os estádios de futebol e pouco mais, pois a chuva não nos largava. Atravessámos as cidades sempre debaixo de chuva, só com uma pequena paragem para mudança de óleo no Jeep, num estabelecimento especializado, previamente marcada.

Mencionando uma pequena curiosidade, na cidade de Kansas City existe um banco com o nome de “Jesse James”, o famoso pistoleiro, ladrão de bancos, das películas de Hollywood, pois os habitantes dizem que era oriundo de Kansas e têm orgulho em dizê-lo.

Em Kansas, muitos emigrantes, alemães, irlandeses, ingleses, suecos e russos, os tais que transitavam na “Santa Fé Trail”, que em tempos tinham vindo da Europa, por aqui ficaram e povoaram a região com a ajuda do governo, que foi negociando com as tribos de nativos, que gradualmente se foram transferindo para o norte, para um território que hoje se chama Oklahoma. O governo queria um território povoado para que se tornasse independente, a que deu o nome Kansas, pois anteriormente era um território indígena, juntamente com o Nebrasca e Oklahoma.


Seguindo a nossa rota em direcção ao Estado de Colorado, sempre na estrada número 70, que nos dava alguma segurança, passámos pelas cidades de Lawrence, mais adiante Topeka, tudo localidades isoladas no meio de nada. A paisagem continuava a ser, pastagens, estábulos, alguns abandonados, poços de petróleo, moinhos de energia e pouco mais. Havia, aqui e ali, de um lado da estrada, mas retirado, onde a paisagem era completamente deserta e plana, uma espécie de “barricada”, colocada estrategicamente no terreno, construída em madeira, com algumas aberturas, que se prolongava às vezes, por talvez um quarto de milha, que mais tarde o Tony veio a saber que era para protecção da estrada, e que tirava alguma velocidade aos vários “tornados”, nesta zona são frequentes.


Parámos em Junction City e fomos ver o “Fort Riley”, cujo nome foi dado em homenagem ao Major general Bennett C. Riley, que foi o primeiro militar a prestar suporte e alguma segurança ao longo da “Santa Fé Trail” e ajudava as pessoas que se movimentavam e faziam negócios ao longo dos caminhos que seguiam para o Oregon, Califórnia e Santa Fé. Em 1887, o Fort Riley passou a ser uma escola de cavalaria dos Estados Unidos, onde se formaram os famosos “all-black”, os 9.º e 10.º Regimentos de Cavalaria, que eram soldados a quem chamavam “Buffalo Soldieres”, que ali ficaram estacionados. O Fort Riley foi sempre uma importante base que ajudou em muitas situações e ainda hoje se mantém operacional.

Já perto da noite, cansados e com algum apetite, comemos e dormimos na simpática povoação de Hays, ainda no estado de Kansas, o que para nós foi tal e qual como um “oásis em pleno deserto”.

Tony Borie,
Agosto de 2013

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11995: Os nosssos seres, saberes e lazeres (54): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (2) (Tony Borié)

9 comentários:

Antº Rosinha disse...

Finalmente o Tony já se cruzou na vida com uma cozinheira índia de pele vermelha.

Só que essa índia já contou ao Tony a história ao contrário.

Já lhe disse ao Tony que os ingleses "vieram da Europa ocupar esta terra tão bonita, que era deles, dos americanos!"

É uma maneira de ver as coisas.

Cumprimentos




Hélder Valério disse...

Caro Tony

Trata-se de uma viagem com várias peripécias, daquelas que acabam sempre por ser 'marcantes'.
Tornados 'ao vivo', chuva a 'cântaros', estradas infindáveis, comida típica, diálogos ou frases interessantes.....

Uma das coisas que gostei de 'ver' é esse “Santa Fé Trail”, que vi citado em vários filmes de 'cábóis'.

Continua, que sempre se aprende mais alguma coisa.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

António (Tony) Borié

1 - Foi aquela aventura quase sem sair da Route 70!
Como já aqui escrevi, gostava de fazer os States de costa a costa, embora conheça alguma coisa de ambas as costas e uma ou outra cidade do interior. MAS devolveria o carro no destino e regressaria de avião...
2 - E têm os States 200 anos de vida! Se eles tivessem quase 900 como Portugal, que histórias de árabes, espanhóis, franceses... eles contariam ao forasteiro!
E, se de permeio, tivessem, no séc. xv, feito as viagens marítimas e os descobrimentos que nós fizemos? Que filmes de heroicidades e grandezas que os americanos já teriam feito! Não precisariam dos westerns...
3 - Sugiro a conversão das milhas em Kms. para que a gente possa entender melhor as distâncias percorridas.

Um abraço
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

Caro Tony Bórié e esposa

Continuo a acompanhar a vossa digressão pelos States...Desta vez, a chuva e até um tornado fez-vos companhia, o que me assustou um pouco, mas é interessante saber, que tb por aí há abandono de campos e casas, e que os Índios ainda por aí vivem.

Vou procurar a segunda parte da história porque me escapou.

Um abraço Luso

Felismina mealha

Tony Borie disse...

Olá companheiros.
Andei lá fora a cortar a relva.
Já não sei o que era melhor, se a limpeza da neve, às vezes pela noite dentro, durante mais de trinta anos, no norte, ou a relva aqui na Florida, pois aqui, tenho que pôr periodicamente fertilizante, gastar água e electricidade nos motores para a regar umas horas durante a noite, depois cresce, e tenho que a cortar, de outro modo, não posso entrar em casa, parece uma "selva", daquelas da guiné!.
Olhem, os vossos comentários são construtivos e fazem-me continuar na vossa companhia.
O António Rosinha, sabe o que diz, sabe "bem de mais", o que diz, e está certo, mas foi e é a lei da vida, até quando, ninguém sabe!.
O Hélder, analiza e entusiasma, gostava de o ter tido como companheiro, quando por lá andei na guerra da Guiné, pois sem qualquer dúvida que faria parte do grupo do "Cifra", os seus comentários são "obras de análise" e alguns já foram publicados em língua inglesa, em outros lugares para onde me pedem alguns dos meus "rabiscos", e eu mando tudo, até os seus comentários, pois muitos já fazem parte dos textos!.
O Alberto Branquinho, conhece muito terreno dos USA, fala com experiência de quem já por cá andou, e no meu entender, ainda está a tempo, pois fazer de "costa a costa", aqui, não é lá muito difícil, pode alugar carro, em Nova Iorque, e entregá-lo em Los Angeles, existem três ou quatro estradas, que vão do oceano Pacífico ao Atlântico, e numa ou duas semanas, pode realizar esse sonho, eu, quando o meu filho foi desmobilizado do Corpo de Marines, fui à Califórnia, pois era aí a sua base, e vim na sua companhia de carro, trazendo todos os seus haveres, viajámos na estrada número 10, que vem ao sul, parando onde julgávamos que era importante, e demorámos sete dias, a chegar a Nova Iorque, qualquer dia vou descrever essa viagem para todos vocês. Se o Alberto necessitar de qualquer apoio ou informação, terei muito gosto em ser-lhe útil.
Agora por último, queria perguntar à simpática Felismina Mealha, que sempre incentiva as pessoas, quando vai sair mais um dos seus lindos poemas, ou simplesmente um daqueles textos onde ela analisa as coisas em "3D", de tal maneira que é como se lá estivéssemos a ver, no local, naquele momento, e que só algumas pessoas têm esse "dom"!.
Olhem, um abraço do tamanho do mundo para todos vocês.
Tony Borie.

Anónimo disse...

Estou velho. Tu amigo Tony, andas esses Km's todos e continuas jovem, eu que fiz 300 a toda a velocidade (sempre prego a fundo, portanto a 80 90 à hora) tenho que descansar durante dois dias, com dores nas costas. Um abraço e vai mandando. Confesso-te que pouco conheço aí dos states, mas estou a aprender muita coisa contigo. Um abraço, obrigado pelos teus simpáticos comentários, ao que vou escrevendo.
do Veríssimo Ferreira

Anónimo disse...

Caros amigos,

A "Santa Fé Trail" que conhecemos dos filmes da "coboiada", ligou o Missouri e o Novo México. Aquele trilho, extremamente importante nas transações comerciais daquele tempo, levou um pouco mais de dois meses a ser aberto. Foi em 1821.

Para usar a linguagem que bem conhecemos, o trilho foi aberto através da Nação Comanche e acabou em Santa Fé, o objectivo principal, e que é hoje a capital do estado do Novo México. Santa Fé tem a particularidade de ser a cidade capital estadual mais antiga da União.

O Tony foi muito pertinente nas observações que fez sobre os amigos que me precederam. Mas julgo não foi nada, nadinha, simpático com o vizinho do Norte. É que o Branquinho disse que gostaria de viajar de costa a costa nos EUA, o Tony ofereceu Nova Iorque como ponto de partida.
Na verdade Boston, cidade berço das revoluções e dos patriotas, é o ponto de entrada com passagem obrigatória em Stoughton. Depois são quatro horas para Nova Iorque.

Sei que compreenderás o teu vizinho do Norte.

Abraço,
José Câmara

Anónimo disse...

Obrigado, José Câmara

Estive em Boston duas ou três vezes, com os seus jardins e parques muito acolhedores, como se fosse uma cidade de província em Portugal (se estiver bem cuidada...)e os prédios só de três andares (talvez quatro). Stoughton, só de passagem. Nada que se pareça com o "charme", confusão e diversidade de N.Y., que conheço muito melhor. É preferível fazer a "saída" por uma cidade pequena.
Abraço
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

Compreendi. Do fundo coracao se um dia resolveres cruzar o Atlântico.
Abraço,
José Câmara