1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Maio de 2013:
Queridos amigos,
Lá encontrei mais uma história de unidade combatente na Guiné, andou entre o sector Leste, passou a correr por Mansoa e instalou-se em São Domingos.
Trata-se de um relatório minucioso com descrições de indiscutível utilidade quando fala do Leste e aponta a natureza da presença do PAIGC, com pendor ofensivo e uma extrema agressividade às populações nossas apoiantes.
É igualmente interessante ver a evolução na região de São Domingos num tempo em que o Senegal se tornou muito mais liberal com a presença do PAIGC, é desse tempo que data o fortalecimento das bases que irão inquietar profundamente as nossas tropas depois dos anos 70.
Um abraço do
Mário
BCAÇ 1933, História da Unidade
Beja Santos
O BCAÇ 1933 formou-se no RI15, depois concentrou-se no CIM de Santa Margarida e embarcou nos finais de Setembro de 1967 para a Guiné. No princípio de Outubro, o Comando e a CCS seguiram para Nova Lamego, o sector L3 ficou à sua responsabilidade bem como das CCAÇ 1586, 1588, 1589, 1683 e da CCAÇ 5, como também as CCAV 1651 e 1662 e a CART 1742, PEL MORT 1191, PEL AM DAIMLER 1143 e PEL CAN S/R 1200.
De acordo com a apreciação sobre a situação geral, a guerrilha tinha-se intensificado nos últimos meses de 1967, crescera a implantação de engenhos explosivos, ações contra as populações, incêndio de tabancas, etc. As flagelações a Buruntuma, Madina do Boé, Beli e Che-Che mantiveram-se a níveis de alta intensidade. Supunha-se que durante tal período houvera deserções constantes nas fileiras do PAIGC, esses elementos teriam ido para o Senegal.
O sector L3 tinha uma superfície correspondente a cerca de um quinto da área total da Guiné, o sector era servido pela estrada Bafatá-Nova Lamego-Piche-Buruntuma, dessa coluna vertebral ramificavam estradas para Bajocunda, Pirada, Cabuca, Che-Che, Madina do Boé e Beli, Canquelifá, Copá, Pirada, Paunca e Sonaco. Designadamente na época das chuvas, alguns destes itinerários ficavam intransitáveis, o que ditava o isolamento de Che-Che, Beli e Madina de Boé.
O sector dispunha de pistas de aterragem em Nova Lamego, Bajocunda, Canquelifá, Buruntuma, Piche, Madina do Boé, Copá e Beli. A população de todo o sector era de cerca de 45 mil habitantes, 1/12 da população total, com uma densidade populacional baixíssima, disseminada pelos regulados de Propana, Maná, Pachana, Pachisse, Boé, Chana, Tumaná de Cima e Cancumba. As etnias predominantes eram os Fulas, Mandingas e Pajadincas.
Na mesma apreciação, registava-se uma nova tática do IN que o uso de franco-atiradores colocados nos morros em torno do aquartelamento de Madina do Boé.
Enumera-se a disposição de todos os efetivos, seguindo-se o registo das operações ao longo do último trimestre, salientam-se as flagelações constantes a Madina do Boé, Che-Che e Beli, minas anticarro e antipessoal. Em Janeiro, dá-se a saber que o IN não parava de contactar as populações e praticar atos de banditismo; no mês seguinte, referenciava-se que o IN se instalara na região de SIAI, irradiando a sua ação no itinerário Canjadude - Che-Che e em vários regulados, intimidando populações civis mediante assaltos e flagelações. Nesse mês chegou a Nova Lamego o BCAÇ 2835, após um período de sobreposição, o Comando e a CCS do BCAÇ 1933 seguiram para Brá, ficando como reservado do Comando-Chefe e as CCAÇ 2315, 2316 e 2317 foram deslocadas para Binar, Bula e Mansabá respetivamente, segundo se descreve no relatório, o IN estava altamente posicionado em território senegalês e apontam-se os locais e os respetivos dirigentes militares.
É observado que a atuação do IN é pouco determinada, nas áreas de S. Domingos e Susana atuava quase exclusivamente por meio de minas e na área de Ingoré desenvolvia ações fortes contra as populações em autodefesa, ponto curioso é que fala-se em pouca determinação e pendor ofensivo e logo a seguir refere-se que o IN se tenta instalar em diferentes áreas, que atua contra aquartelamentos como os de Varela, São Domingos e Ingoré, destruía diversos pontões e reagia à atividade operacional das nossas tropas com emboscadas.
É bastante interessante o levantamento que procede aos aeródromos ou pistas de aterragem, portos, importância das povoações, enumeração dos grupos étnicos, modos de vida, línguas e dialetos e aspetos económicos. A partir de Abril, o sector do batalhão cobria a área de S. Domingos, havia notícia que o PAIGC melhorara o seu material, agora o BCAÇ 1933 dispunha de outros efetivos disseminados por São Domingos, Barro, Susana, Varela, Ingoré e Sedengal. Em Junho, escreve-se que a atividade do IN tinha sido praticamente nula, embora houvesse notícias sobre a sua movimentação além fronteira, em especial na região de São Domingos. O PAIGC não disporia de qualquer base na área do sector do batalhão e procurava-se perceber porquê: as populações Felupe e Baiote continuavam a colaborar com as nossas tropas, em São Domingos a população inicialmente desconfiada passava a colaborar mais, na região de Ingoré-Sedengal as populações manifestavam-se muito colaborantes, havia o reordenamento em Antotinha.
Em Outubro, surgem notícias de que o material IN começa a afluir a bases em território senegalês e fala-se em Koundara, Cumbamore, Samine e Sedjo. As flagelações são esporádicas, há o registo de minas anti-pessoal e algumas emboscadas a civis. O registo a patrulhamentos na região da fronteira senegalesa não tem conta. Reparam-se estradas e em Junho chegaram as chuvas. Em Julho, o BCAÇ 1933 regressava à metrópole.
O BCAÇ 1933 foi alvo de muitos sinistros, participou em dezenas de operações e ações, no abandono do quartel de Madina de Boé, no desastre do Che-Che pereceram por afogamento 25 elementos europeus e 5 nativos da CCAÇ 1790. As suas subunidades andaram dispersas por Farim, Aldeia Formosa para além das anteriormente citadas.
O historial da unidade que foi dado consultar está na Biblioteca da Liga dos Combatentes, tem imagens de Beli, Madina de Boé, Aldeia Formosa, São Domingos, aparecem vários relatórios de operações e até um plano de instrução para milícias, que me pareceu um dado curioso. Aparece também um depoimento do furriel José Gabriel de Assis Pacheco Moreira (falecido em Maio de 2005) que assim termina: “Guiné é poesia pelo seu pôr-do-sol, pelas suas chuvas, pela alegria dos seus povos e pelo amor que lhes dedico, porque lá sofri e porque lá vivi os melhores momentos da minha juventude, porque lá senti o que era a diferença entre civilizações distintas das minhas, mas que me ensinaram que, na sua simplicidade, eram muito mais perfeitas na relação com a natureza”.
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Nota do editor
Último poste da série de 2 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12000: Notas de leitura (516): "Le Naufrage des Caravelles", por René Pélissier (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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