1º Srgt Pombo, piloto de F-86-F Sabre, BA 5, Monte Real, 1961. Cortesia de José Cabeleira (2011) |
O nosso camarada, José Luis Pombo Rodrigues, popular e carinhosamente conhecido como o comandante Pombo, começou por falar-me dos problemas de saúde que o preocupam de momento, mas que vai superar, seguramente. Foi a convicção que lhe transmiti, em meu nome e em nome dos amigos e camaradas da Guiné. Depois disso, recuperada a saúde, ele arranjará, por certo, disposição para passar à escrita muitas das suas histórias e memórias e partilhá-las connosco.
Nunca nos encontrámos pessoalmente na Guiné, embora no tempo em que eu lá estive (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, maio de 1969/março de 1971), o comandante Pombo já fosse uma figura conhecida e respeitada. Aliás, eu transmiti-lhe (e reforcei) essa ideia, que pode ser colhida pela leitura do nosso blogue. A filha tem-lhe falado do blogue.
O Pombo é hoje capitão pil, reformado Fez, segundo bem percebi, 4 comissões na Guiné. Voltou há pouco para Portugal, vive hoje em Bucelas, e é amigo pessoal do major gen paraquedista Avelar de Sousa, que passou pelo TO da Guiné, integrando o BCP 12, como comandante da CCP 123 (1970/71), e foi ajudante de campo, entre 1976 e 1981, do gen Ramalho Eanes, 1º presidente da república eleito democraticamente no pós 25 de abril. E esse fato é relevante para se perceber a influência, discretíssima, que o comandante Pombo terá tido na libertação do ex-1º primeiro ministro da Guiné-Bissau, Luís Cabral, depois do golpe do ‘Nino’ Vieira em 1980.
O comandante Pombo privou com os dois, e dos dois era amigo. Ao ‘Nino’ Vieira tratava-o inclusive por tu. E o Pombo continuou a ser o comandante Pombo, depois da independência da Guiné-Bissau. Terá havido um acordo entre as novas autoridades de Bissau e o governo português para que ele ficasse na Guiné... O PAIGC não tinha pilotos. O comandante Pombo pilotava o pequeno Falcon que fora oferecido ao Luís Cabral. Este gostava muito dele, e sempre que viajava com ele trazia-lhe uma garrafa de.. champagne.
Depois veio o golpe do ‘Nino’ e o Luis Cabral ficou preso na Amura… Sem cinto!... O comandante Pombo foi visitá-lo e encontrou-o sem cinto, com as calças na mão… Diziam-lhe, os seus carcereiros, que era para ele não poder fugir. Achando essa uma situação indigna, o Pombo foi falar ao seu amigo ‘Nino’, que lhe deu razão…
Mais tarde o Pombo moveu as suas influências, junto do Avelar de Sousa… O presidente Ramalho Eanes, como é sabido publicamente, exerceu forte influência junto de ‘Nino’, no sentido de obter a libertação de Luís Cabral que, primeiro, foi para Cuba e mais tarde para Portugal, onde veio a morrer. Ramalho Eanes e Luís Cabral tinham muita estima mútua.
Mas, e contrariamente ao boato que corria na Guiné, no tempo da guerra colonial, o comandante Pombo não estava feito com os “turras”… E a prova disso é que umas das aeronaves (não era um Cessna, era uma outra avioneta tipo DO 27…) foi perseguida por dois mísseis Strela, já depois do último avião da FAP ter sido abatido…
Ele contou-me os pormenores ao telemóvel: deve ter sido, deduzo eu, por volta de março ou mesmo abril de 1974, um ano depois do aparecimento dos Strela. O comandante Pombo vinha de Bissau para Farim, na “carreira normal” dos TAGP… O PAIGC conhecia o horário e os apontadores do Strela estavam à espera dela nas imediações de Farim… Havia a indicação de que a guerrilha queira mesmo cortar todas as ligaçãoes aéreas com nordeste da Guiné. Deve ter havido falhas na segurança militar, nas imediações da pista de aviação… Para iludir os guerrilheiros, o comandante Pombo vinha coma sua avioneta a baixa altitude e a baixa velocidade. Mas antes de chegar ao destino ele fez uma mistura de combustível que não deixava rasto, isto é, fumaça… E, antes de aterrar, terá feito uma manobra de subida, na vertical, seguida de um voo a pique… Foi o que eu percebi, desculpem-me se o relato é tecnicamente grosseiro… Mesmo assim não se livrou de ver passar-lhe, por perto, dois Strelas que lhe vinham dirigidos…
Mas, finalmente, conseguiu aterrar em segurança… "Não ganhei para o susto: os auscultadores saltaram-me da cabeça!" ...
Enfim, é uma história incrível que merece ser, deste já, registada e partilhada aqui, com os nossos leitores.
Espero que o comandante recupere rapidamente a saúde e aceite o meu convite para se sentar à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande e nos poder contar, na primeira pessoa, estas e outras histórias da sua longa vida na Guiné…
2. O que muita gente não sabia (e eu também não …) é que o comandante Pombo é um orgulhoso sobrevivente da “Operação Atlas”, a primeira (e única) travessia Monte Real – Bissalanca, feita pela Esquadra 51/201 (BA 5), constituída por aviões F-86F “Sabre”, realizada em agosto de 1961… Era então um jovem 1º sargento piloto...
Fiquei com o bichinho da curiosidade e fui tentar saber mais, depois da nossa conversa ao telefone, que demorou ainda uns bons 20 minutos.
José Cabeleira, cap TMMA ref, Leiria |
José Cabeleira, que veio da aviação naval, é um histórico da Esquadra 51 da BA5 (Monte Real). É autor do livro “Trajecto de uma vida entre o mar e o ar – Memórias 1948-83” (edição de autor, J. Cabeleira, Leiria, J. Cabeleira, 2005).
O poste acima referido é uma transcrição do seu livro (que não consta da PorBase - Biblioteca Nacional)… Nele descreve os preparativos desta arrojada missão e as etapas emocionantes vividas pelos seus protagonistas (pilotos e mecânicos) desde o dia da partida (8 de agosto de 1961) ao dia de chegada a Bissalanca (15 de agosto de 1961), com várias escalas técnicas (Base do Montijo, aeroporto de Gando, nas Canárias, aeroporto do Sal, em Cabo Verde).
À guisa de conclusão escreve o José Cabeleira:
“Quero ainda sublinhar que foi a primeira e única “travessia” em aviões de “reacção” (F-86F “Sabre”) de Monte Real para a Guiné-Bissau (no total de 3.888 km e o tempo de 07H50 sobre o Atlântico) e pelo menos não é do meu conhecimento que estas aeronaves estando ao serviço de Forças Aéreas de outros países, nomeadamente os da NATO, tivessem percorrido distância semelhante sobre os Oceanos.”
Participaram na “travessia” Monte Real – Guiné-Bissau os seguintes pilotos:
(i) cap pilav Ramiro de Almeida Santos, chefe de missão;
(ii) cap pilav José Fernando de Almeida Brito;
(iii) ten pilav Aníbal José Coentro Pinho Freire;
(iv) ten pilav Alcides Telmo Teixeira Lopo;
(v) 1sgrt pil António Rodrigues Pereira;
(vi) 1Srgt pil José Luís Pombo Rodrigues;
(vii) 1sgrt pil Humberto João Cartaxo da Silva; e
(viii) 2sgrt pil Rui Salvado da Cunha.
Oito gloriosos "malucos" das máquinas voadoras, alguns infelizmente já desaparecidos (como o Almeida Brito, abatiodo por um Strela em 1973)...
Cortesia de José Cabeleira (2011).
Para além da perícia e coragem dos seus pilotos, esta façanha da FAP foi possível graças a uma vasta equipa que o José Cabeleira evoca e enumera individualmente, e com toda a justiça: (i) equipa técnica de apoio durante o movimento (escalão prrecursor); (ii) equipa técnica do escalão de apoio no destino; e (iii) equipa técnica de apoio às aeronaves do “ferry” na BA6 – Montijo.
Estes homens, nossos camaradas da FAP, reunem-se anualmente em Monte Real para relembrar e celebrar este feito. Imaginei um brilhozinho nos olhos do comandante Pombo quando ele me falou deste feito e do encontro anual dos que ainda estão vivos.
E conclui o nosso camarada José Cabeleira (que deve ser um "jovem" camarada com 80 e picos anos e para quem envio um abraço com votos de grande apreço, homenagem e muita saúde):
“Finalmente, alguns militares que tiveram a alegria de participar neste evento, que na época foi um risco, mas como ficou provado muito bem calculado e superiormente executado (com o factor sorte do nosso lado), já não estão connosco em corpo, aqui lhes presto a minha singela e comovida homenagem e quem sabe, talvez ainda haja tempo de lhes prestar uma justa e merecida homenagem a título póstumo.”
Paraq quem quiser saber mais, a pormenorizada descrição da Operação Atlas está disponivel aqui. [E, a propósito, é triste que não haja um único comentário, de aplauso e de apreço pela partilha destas memórias, no blogue do José Cabeleira].
Cortesia de José Cabeleira (2011)
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Nota do editor:
Último poste da série > 3 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14216: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (31): Os CESSNA dos TAGP e os seus pilotos - Um aparelho com piloto automático? (Luís Paulino, ex-Fur Mil da CCAÇ 2726, Cacine e Cameconde, 1970/72)
Último poste da série > 3 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14216: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (31): Os CESSNA dos TAGP e os seus pilotos - Um aparelho com piloto automático? (Luís Paulino, ex-Fur Mil da CCAÇ 2726, Cacine e Cameconde, 1970/72)
6 comentários:
Os nossos "gloriosos malucos das máquinas voadoras", essa elite das FAP, com a sua farda azul ou beije de "terylene", serão responsáveis pela longevidade da guerra da Guiné... Pelo que se depreende, sem eles e sem o seu desempenho, essa guerra não teria durado 13 anos; nem talvez 13 meses. Ficaria logo resolvida na Operação Tridente: a Guiné era República Independente do Como; Bissau e Safim estava oprimidos pela ocupação portuguesa...
A nossa segunda operação de intervenção, talvez em Setembro de 1964, foi a Talicó, creio que no Oio. Andávamos há dois dias a "embrulhar" rajadas de "costureirinhas", ninguém aparecia a dar-nos batalha e a nosso patrulhamento foi orientado no sentido donde nos chegavam indícios de de movimentações e fomos encontrar-nos com uma grande manada de vacas, em transumância, com dois vaqueiros, montados em burros. Os condutores fugiram, um burro morreu logo em combate e o outro fugiu. Recebemos ordem para o abate das vacas, que se revelou inexequível. Tiro de frente, tiro de lado, tiro de trás, rajadas, as vacas "resistiam" e as munições a escassear. Então o comandante pediu o apoio da aviação e, dali a bocado, surgiram sobre as nossas cabeças dois F86, velozes e barulhentos, que logo se negaram a disparar sobre as vacas (aviões de combate da última geração contra vacas pacatas e famintas...), voaram em círculo, foram no sentido dos vaqueiros foragidos e do burro sobrevivo, largaram duas "ameixas", voltaram a roncar sobre as nossa cabeças e dedicaram-nos umas acrobacias, ante de regressar a Bissalanca. Foi a primeira vez que interagimos com os gloriosos malucos nossos camaradas e seus pássaros de ferro, com o currículo de haverem malhado nos coreanos e entrado em duelo com os MIG...
Atentem nesta confissão de interesses. Nos meus 22 meses de operacional, 1 ano a partir da Amura, de reserva às ordens dp Chefe e 10 meses em Buruntuma, no extremo Leste, o meu ritmo cardíaco só não se alterava quando esses passáros mecânicos nos sobrevoavam...
Manuel Luís Lomba
Eis o que se diz na Wikipédia em português sobre o F-86 e a sua utilização no TO da Guiné... São excertos de uma longa entrada sobre o F-86 Sabre (,"caça de combate diurno a jato, subsónico, desenvolvido pela North American a partir do final de 1944 (...) veio a ser um dos caças mais produzidos no mundo Ocidental, no tempo da Guerra fria" (...), tendo ficado "famoso pelo seu envolvimento na Guerra da Coreia, onde defrontou com sucesso o seu principal oponente o MiG-15".
http://pt.wikipedia.org/wiki/F-86_Sabre
O F-86 na Força Aérea Portuguesa (...)
Os primeiros anos (..:)
Em 1955 durante as negociações para a renovação do acordo de cedência da Base Aérea das Lajes aos Estados Unidos, foram solicitados mais aviões F-84G para complementar as 50 unidades a operarem na Base Aérea n.º 2 na Ota, a resposta foi afirmativa e foi ainda proposto o fornecimento do F-86E para constituírem duas esquadras, com a condição de uma das esquadras ficar operar na Base Aérea das Lajes nos Açores. (...)
F-86F da FAP, preservado na BA 5 Monte Real
Com a assinatura do acordo em Novembro de 1957, foi criada a esquadra 50 em Fevereiro de 1958, sob o comando do Major Moura Pinto,nota 4 interinamente a operar na Base Aérea n.º 2 na Ota até à inauguração da futura Base Aérea n.º 5 em Monte Real. Os primeiros F-86 começaram a chegar a partir de Agosto de 1958, provenientes dos stocks da USAF. No entanto os 65 aviões fornecidos foram na totalidade do modelo "F" bloco 35 e não do modelo "E" como acordado originalmente, foram elevados ao padrão F-86F bloco 40, com capacidade de transporte e disparo do míssil AIM-9B Sidewinder, os quais foram adquiridos em 1962.(...)
No dia 4 de Outubro de 1959 a Base Aérea n.º 5 em Monte Real ficou operacional e até Dezembro toda a logística e todos os F-86 finalizaram a mudança, onde ficaram a operar na esquadra 51 (…) , "Falcões" e na recém criada esquadra 52 "Galos", ambas integradas no grupo operacional 501. Devido à necessidade de assegurar compromissos com a segurança dos territórios em África a esquadra 52 "Galos" foi desativada a 12 de junho de 1961, os seus pilotos atribuídos a outras tarefas e os seus aviões integrados na esquadra 51. (...)
Envolvimento em África (…)
A 9 de Julho de 1961 oito F-86F, com os n.ºs de cauda 5307, 5314, 5322, 5326, 5354, 5356, 5361, 5362, iniciaram uma viagem de 3 800Km o equivalente a seis horas e dez minutos de voo, um recorde para Força Aérea Portuguesa ao tempo, que os levou até Bissalanca, à época um aeródromo junto a Bissau na Guiné Portuguesa, atual Guiné-Bissau, constituindo o destacamento 52. A missão que ficou conhecida pelo nome de código Atlas, foi comandada pelo Major Ramiro de Almeida Santos e era suposto ficarem no terreno apenas 8 dias, fazendo uma demonstração de força, no sentido de evitar acontecimentos semelhantes aos verificados meses antes na então província de Angola e nos quais foram chacinados várias centenas de colonos e nativos. (…)
(Continua)
(Continuação)
No entanto com o agravar da situação em Angola e com o início das movimentações dos guerrilheiros do PAIGC, os F-86 foram ficando, mas apenas entraram em operações de combate no verão de 1963, quando a parte sul da colónia teve que ser evacuada, devido a intensa atividade da guerrilha. Entre agosto de 1963 e outubro de 1964, os F-86 voaram 577 missões a maioria das quais de ataque ao solo ou apoio aéreo próximo. Dos oito aviões destacados, sete foram atingidos por fogo inimigo, mas sempre conseguiram regressar. Dois foram destruídos, o 5314 a 17 de Agosto de 1962 numa aterragem de emergência, ainda com as bombas nos suportes de fixação externos e o 5322 a 31 de maio de 1963 abatido por fogo antiaéreo inimigo. Em ambos os casos os pilotos foram recuperados de imediato com vida.
Fortes pressões políticas exercidas pala Administração Norte-Americana, inviabilizaram a continuação da operação e ditaram o regresso dos Sabres a Portugal, já que os mesmos tinham sido fornecidos no âmbito da NATO e destinavam-se à proteção do seu flanco sul. A última missão operacional, aconteceu a 20 de Outubro de 1964 e foi protagonizada pelo Major Barbeitos de Sousa, após a qual o destacamento 52 foi dissolvido, passando as suas missões a serem asseguradas pelos Fiat G.91/R4 e North-American T-6 Havard. (..)
http://pt.wikipedia.org/wiki/F-86_Sabre
Luís Graça
5 fev 2015 10:36
Maria João:
Espero não ter cometido inconfidências... Um abraço para o pai, um bj. para si. Um dia destes telefono-lhe. As melhoras para ele, Faço questão que ele aceite integrar o nosso blogue. Ele deve ter fotos dos primeiros tempos de Guiné. Fui descorbri uma , de 1961... Luis
Maria Rodrigues
5 fev 2015 21:46
Boa noite Luís,
Hoje o dia foi longo... Fui dar um passeio de helicoptero com o meu pai antes da consulta (...) . Tenho a quem sair pois gosto mt de emoções fortes e de voar. Gostei mt de ler o seu post no blogue que tem, de facto, muito valor e faz-nos viajar na história.
Espero conseguir ajudar o meu pai, em breve, a partilhar algumas memórias da Guiné. Bem haja! Vou ver se descubro fotos antigas aqui por casa. Obrigada. Até breve. Bjs
MJ
Olá, boa tarde. Sou jornalista do Diario de Notícias e gostaria de chegar à fala com o autor do blogue, é possível? Posso ser contactada em fernandacanciodn@gmail.com.
Muito obrigada, cumprimentos
Fernanda Câncio
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