Trigésimo quarto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 7 de Setembro de 2015.
...Oh pá, empresta-me aí três pesos
Não queremos lembrar mais uma vez que lá fomos parar, porque um tal Álvaro Fernandes, por volta do ano de 1446, largando do sul da Europa, navegando quase sempre com terra à vista, alcançou território da Guiné, claro, escreveu as coordenadas no livro de bordo. Anos mais tarde outro navegador, de nome Diogo Gomes, achando curiosidade de onde vinha aquela água lamacenta, onde havia alguma vegetação, aquilo devia de ter interesse, sobe o rio Geba e pouco mais, até que outro explorador de nome Pedro Sintra, andou por lá, gostou daquela costa, pelo menos junto ao mar e recomendou a sua colonização, talvez por pessoas das ilhas de Cabo Verde, pois estavam habituadas ao calor infernal que por lá havia. Assim, forçados ou não, estabeleceram-se, formando uma aldeia em Cacheu, depois continuaram a exploração, no verdadeiro sentido da palavra, até que nós Europeus, lá fomos parar em defesa da nossa Pátria, da nossa bandeira.
Até aqui já todos nós sabemos, mas tenho uma questão que é, quanto ganhávamos nós, naqueles anos da “farda amarela”, lá na Guiné, em pleno cenário de guerra, como soldados ou 1.ºs Cabos? Não nos lembramos, mas cremos que o “pré” não chegava a quatrocentos escudos mensais. Metade ficava na Europa, para ajudar a sobreviver a mãe Joana e o pai Tónio, portanto andava pelos duzentos escudos mensais para pagar à lavadeira, cigarros, bebidas alcoólicas e outras despesas.
Era pouco? Muito pouco? Assim, assim? Francamente que era pouco, ao meio do mês já se andava à crava de cigarros, a solução era activar o sistema bancário do aquartelamento, que era um sistema em que acreditávamos, os mais poupados emprestavam aos mais gastadores, onde nós nos incluíamos, já nos conhecíamos, a palavra dada era um valor, pois só acreditando uns nos outros é que o dinheiro tem valor, sem essa credibilidade o dinheiro é apenas papel.
Um aceno, um gesto com os dedos, uma piscadela de olho entre nós, activavam a prática do sistema bancário. O “Mister Hóstia”, aquele soldado do Pelotão de Morteiros, muito educado e religioso, era o “Federal Banco de Reserva”, nós éramos, os outros, talvez o povo, onde existe algumas pessoas que, por isto ou por aquilo, em termos do tal papel impresso, a que chamam dinheiro, não conseguem viver com o miserável salário que auferem, mas o “Mister Hóstia”, uma pessoa simples que não conhecia o sistema actual de que emprestando muitas vezes, faz aumentar, às vezes centenas ou milhares de vezes, o valor do seu dinheiro. Ele emprestava muitas vezes e não fazia render o seu dinheiro, mas também não perdia, o seu lucro era a simpatia com que o tratávamos, além de pequenos presentes simples, como rebuçados e chocolates, às vezes roubados no bar, na messe dos sargentos, ou dizendo-lhe que sim, que íamos assistir à missa dominical, onde ele era um dos intervenientes.
O “Mister Hóstia” fazia favores, hoje, os favores matam mais do que uma bala traiçoeira numa emboscada no meio de uma savana ou daquele tarrafo e rios de lama, onde o catrapum-pum-pum da “costureirinha”, que era aquela maldita metralhadora com que os guerrilheiros nos combatiam, ou a explosão de uma granada de morteiro, nos martirizava e destruía lentamente.
Nós, hoje, somos impotentes na tentativa de parar a manipulação do dinheiro, porquê? Porque fomos ensinados a acreditar em pedaços de papel impressos, julgando que têm um valor especial e, porque sabemos que os outros também acreditam, por isso estamos dispostos a trabalhar todas as nossas vidas para o conseguir, o que estamos convictos que afinal, os outros também acreditam.
Tony Borie, Setembro de 2015.
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Nota do editor
Último poste da série de 6 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15078: Libertando-me (Tony Borié) (33): O Sonho Americano (3)/a>
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Bravo Tony!
A brincar... a brincar... é que lixaram o mexilhão. Pois como se deve saber, o sistema de crises instalado, não passa de fetiches financeiros já denunciados por prémios Nobel como Joseph Liebnitz. A crise portuguesa, que tentaram camuflar como se tivesse surgido em consequência da americana, n-ao passou de uma amostragem bancária sucedânea da D. Branca. Quero dizer, que os argumentos justificativos são exclusivamente nossos e têm a ver com a voracidade de lucros, e com a falta de transparência dos reguladores e de uma associação de bancos naturalmente fiel aos interesses gananciosos da alta finança, que, nestas coisas, é conveniente contar com a cumplicidade de governantes e outros agentes de influência como os "opinion makers".
A política, como a actividade financeira é muito simples de praticar, se evitar a influência sofisticada de fórmulas e mais fórmulas para confundir os ingénuos clientes - chega a haver fórmulas de cálculo de rendimentos com 2 e 3 linhas e factores subjectivos, que prometem até sedutoras percentagens, se não derem para o torto.
Nada mais oportuno do que saber que na nossa Guiné houve uma actividade "bancária" conduzida com grande decência (ética) e em apoio das dificuldades de uma comunidade camarada.
É o que falta na actividade bancária entre nós, decência e ética, convenientemente balizadas por reguladores independentes, e não tenho dúvidas, de que se tivéssemos ao dispor um instrumento jurídico para fiscalização e controle das actividades dos políticos e do funcionamento das instituições, provavelmente estaríamos livres desta saga de crises, conforme já constato em outras opiniões.
Um grande abraço
JD
Bravo Tony!
A brincar... a brincar... é que lixaram o mexilhão. Pois como se deve saber, o sistema de crises instalado, não passa de fetiches financeiros já denunciados por prémios Nobel como Joseph Liebnitz. A crise portuguesa, que tentaram camuflar como se tivesse surgido em consequência da americana, n-ao passou de uma amostragem bancária sucedânea da D. Branca. Quero dizer, que os argumentos justificativos são exclusivamente nossos e têm a ver com a voracidade de lucros, e com a falta de transparência dos reguladores e de uma associação de bancos naturalmente fiel aos interesses gananciosos da alta finança, que, nestas coisas, é conveniente contar com a cumplicidade de governantes e outros agentes de influência como os "opinion makers".
A política, como a actividade financeira é muito simples de praticar, se evitar a influência sofisticada de fórmulas e mais fórmulas para confundir os ingénuos clientes - chega a haver fórmulas de cálculo de rendimentos com 2 e 3 linhas e factores subjectivos, que prometem até sedutoras percentagens, se não derem para o torto.
Nada mais oportuno do que saber que na nossa Guiné houve uma actividade "bancária" conduzida com grande decência (ética) e em apoio das dificuldades de uma comunidade camarada.
É o que falta na actividade bancária entre nós, decência e ética, convenientemente balizadas por reguladores independentes, e não tenho dúvidas, de que se tivéssemos ao dispor um instrumento jurídico para fiscalização e controle das actividades dos políticos e do funcionamento das instituições, provavelmente estaríamos livres desta saga de crises, conforme já constato em outras opiniões.
Um grande abraço
JD
Caro Tony
Assim, a brincar, colocas o dedo num dos problemas da sociedade actual.
Actual? Bem, desde que a "moeda" se transformou em "mercadoria" que a questão se põe, mas na realidade ela move-se com base na "confiança".
Portanto, a "confiança" é a base de tudo.
Lá no mato era ela que levava a funcionar o 'sistema bancário interno'.
Por cá, também, salvo raras excepções, as pessoas confiavam nos Bancos e nos Banqueiros, embora tal como a sociedade está organizada e as pessoas e empresas se relacionam seja inevitável a utilização do Sistema.
O problema é quando não há forma de acreditar.
Eu não acredito. Não confio em nenhum banqueiro.
Abraço
Hélder S.
O pré, penso que seria perto de 1000 escudos.
Eu como furriel em 1961 eram 3500$00 incorporado lá, quem ia daqui talvez fosse mais algum.
É o que se chama "pagar para ver".
Pagámos para ver, e já havia mercenários BRANCOS em ex-colónias francofonas e aglófonas a ganhar 40 e 50 contos.
Casos do Catanga e do Biafra, que tinham abrigo em Angola e São Tomé, que eram conhecidos em Luanda.
Quando se deu o 25 de Abril e a malta se "abriu" dizia uma antigo tropa dos comandos, que "agora em África, só com dois grandes ordenados: um por não ser africano, e outro para fazer alguma coisa"
Desculpa Tony, mas lembras-me cada uma!
Essa do pré, é mesmo de cabo de esquadra!
A propósito de pré meu caro Rosinha quando cheguei à Guiné em 68 um Furriel ganhava menos cerca de 5oo$oo do que em Angola ou Moçambique com a chegada do General Spínola passado algum tempo ficou tudo igual.
Manuel Carvalho
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