Dois comentários (*) de António Rosinha:
[, foto à direita: emigrou para Angola nos anos 50, foi fur mil em 1961/62; saiu de Angola com a independência, emigrou para o Brasil e finalmente foi topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93; é um "ex-colon e retornado", como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar; é membro sénior da Tabanca Grande]:
1. O impacto destes panfletos eram de uma ingenuidade tremenda, cujos efeitos pretendidos seria mínimo (*).
Daí o insucesso político e social redundante do MPLA, UPA e UNITA, só lá foram a ferro e fogo (30 anos).
Também os cabo-verdianos do PAIGC com o crioulo se perderam naquele labirinto étnico.
(*) Vd. poste de 14 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15619: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (5): Os nossos cartazes de propaganda
Talvez em conjunto com a política de Spínola da "Guiné melhor" ajudasse um pouquinho, nas cidades e vilas. Quem sabia ler no mato em português? Alguns chefes do PAIGC. Daí a tradução era ao gosto de cada um.
Em Angola havia uma comunicação oral multilingue através de rádio, comerciantes, administrativos, fazendeiros e mesmo militares brancos que já tinham sido nados e criados nos muceques e junto de sanzalas onde se falava africanês.
Daí o insucesso político e social redundante do MPLA, UPA e UNITA, só lá foram a ferro e fogo (30 anos).
Também os cabo-verdianos do PAIGC com o crioulo se perderam naquele labirinto étnico.
Amílcar Cabral ganhou em todos os campos, mesmo em Lisboa, mas não ganhou na terra dele.
Para mal dos guineenses, e dos angolanos de quem também era fundador do MPLA. Para mal, porque a guerra continua, é uma babilónia custa a entenderem-se.
...E parecia tudo tão fácil, em 1960!
2. Eu quando digo que em Angola tínhamos a "arma do domínio das línguas tribais", sei que na Guiné não havia essa arma.
José Câmara e Torcato Mendonça, na Guiné não havia essa arma nem nas mãos do "colon" metropolitano nem do "colon" cabo-verdiano (aí o maior fracasso de Amílcar Cabral e Luís Cabral, que de uma maneira ou outra não alcançaram o objectivo pessoal a tal UNIDADE Guiné-Cabo Verde).
Devido à "invenção" do crioulo, ninguém queria saber das línguas étnicas, muitas, e com reduzido número de falantes cada uma.
Para mal dos guineenses, e dos angolanos de quem também era fundador do MPLA. Para mal, porque a guerra continua, é uma babilónia custa a entenderem-se.
...E parecia tudo tão fácil, em 1960!
2. Eu quando digo que em Angola tínhamos a "arma do domínio das línguas tribais", sei que na Guiné não havia essa arma.
José Câmara e Torcato Mendonça, na Guiné não havia essa arma nem nas mãos do "colon" metropolitano nem do "colon" cabo-verdiano (aí o maior fracasso de Amílcar Cabral e Luís Cabral, que de uma maneira ou outra não alcançaram o objectivo pessoal a tal UNIDADE Guiné-Cabo Verde).
Devido à "invenção" do crioulo, ninguém queria saber das línguas étnicas, muitas, e com reduzido número de falantes cada uma.
O que não acontecia em Angola, onde havia muitos milhares de falantes em etnias do tamanho de meio Portugal ou mesmo do tamanho de Portugal (bailundos)
E onde muitos brancos e mestiços nascidos ou residentes tinham que assumir naturalmente essas línguas, há muitos anos.
Ainda após a independência, na Guiné é necessário frequentemente tradutores/intérpretes para transmitir os discursos e palestras dos governantes em cada região.
Em Angola qualquer chefe de posto, comerciante, fazendeiro e muitos tropas, falavam uma e mais línguas.
Tive colegas de profissão, brancos e mestiços, que falavam corretamente duas e mais línguas, o que não era comum acontecer com os próprios chamados indígenas que só falavam a própria língua.
Claro que contra os canhões e morteiros russos e cubanos não há diálogo que funcione nem em balanta nem crioulo nem francês nem bailundo.
Mas para dissuadir naquele tempo as populações, fosse na Guiné ou em Angola, a melhor arma era usar a língua dessa população.
E essa arma das línguas foi usada em Angola em todas as frentes, governadores de distrito, comerciantes, pide e chefes de posto e militares, testemunhei ao vivo.
Mas também testemunhei na Guiné, pela boca do povo, que o que foi mais devastador para o PAIGC foi precisamente a campanha psicológica spinolista por uma "Guiné Melhor". Ou seja, o tal diálogo (e obras) com o povo, em crioulo/português, que se fosse nas línguas nativas, digo eu, o efeito desmultiplicava-se indefinidamente.
Era surpreendente a empatia das populações indígenas do interior de Angola quando contactadas por estranhos, na sua própria língua.
Era como se houvesse um efeito hipnótico, é a melhor maneira que tenho para explicar situações que vi.
Ainda após a independência, na Guiné é necessário frequentemente tradutores/intérpretes para transmitir os discursos e palestras dos governantes em cada região.
Em Angola qualquer chefe de posto, comerciante, fazendeiro e muitos tropas, falavam uma e mais línguas.
Tive colegas de profissão, brancos e mestiços, que falavam corretamente duas e mais línguas, o que não era comum acontecer com os próprios chamados indígenas que só falavam a própria língua.
Claro que contra os canhões e morteiros russos e cubanos não há diálogo que funcione nem em balanta nem crioulo nem francês nem bailundo.
Mas para dissuadir naquele tempo as populações, fosse na Guiné ou em Angola, a melhor arma era usar a língua dessa população.
E essa arma das línguas foi usada em Angola em todas as frentes, governadores de distrito, comerciantes, pide e chefes de posto e militares, testemunhei ao vivo.
Mas também testemunhei na Guiné, pela boca do povo, que o que foi mais devastador para o PAIGC foi precisamente a campanha psicológica spinolista por uma "Guiné Melhor". Ou seja, o tal diálogo (e obras) com o povo, em crioulo/português, que se fosse nas línguas nativas, digo eu, o efeito desmultiplicava-se indefinidamente.
Era surpreendente a empatia das populações indígenas do interior de Angola quando contactadas por estranhos, na sua própria língua.
Era como se houvesse um efeito hipnótico, é a melhor maneira que tenho para explicar situações que vi.
E, em surdina para o PAIGC não ouvir, ouvi em Bissau, guineenses falarem de Spínola como se fosse alguém por quem podiam dar a vida.
Ainda haverá um dia algum guineense, escritor que escreva livremente, sem complexos aquilo que se passou do lado deles, sobre todos os pontos de vista, porque do nosso lado (ex-metrópole) já está ficando tudo bem esmiuçado para quem venha historiar. (**)
Ainda haverá um dia algum guineense, escritor que escreva livremente, sem complexos aquilo que se passou do lado deles, sobre todos os pontos de vista, porque do nosso lado (ex-metrópole) já está ficando tudo bem esmiuçado para quem venha historiar. (**)
________________
Notas do editor:
(**) Último poste da série > 9 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15464: Caderno de Notas de um Mais Velho (40): "A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria" -Guiné Bissau (Sobre a reportagem do jornal Público)
4 comentários:
Agora, actualmente, neste momento, a língua oficial da Guiné-Bissau é o português.
Todas as leis e todos o documentos oficiais são em português.
Até quando, com certeza até daqui a muitos anos.
Não sei da influência do governo francês na conservação da língua francesa, por ex. no Senegal e noutros territórios de colonização francesa, julgo que ainda se mantém o francês com língua oficial.
Mas não ficava muito admirado, já não vou ter idade para isso, que a língua oficial
da Guiné-Bissau, daqui a alguns anos seja um crioulo/português com misturo do francês na zona leste do país.
Se os meus bisnetos-trinetos forem à Guiné-Bissau, daqui a 50/75 anos, e ouvirem dizer 'a mim cá tem patacão', sabem que os portugueses andaram por lá e, como os
gregos, romanos ou árabes deixaram a sua língua neste nosso território, também por lá ficou um idioma de origem portuguesa.
Valdemar Queiroz
Acho os crioulos (e nomeadamente, os de Cabo Verde e da Guiné) umas das mais belas criações dos portugueses e dos povos da África Ocidental com quem contactaram, se relacionaram, negociaram, fizeram a guerra, se misturaram... Ver aqui alguns poemas em crioulo da Guiné (com a respetiva tradução em português)
A POESIA CRIOULA BISSAU-GUINEENSE
Hildo Honório do Couto (Universidade de Brasília)
PAPIA 18, 2008, p. 83-100 83
https://kriol.files.wordpress.com/2010/02/55-poemas-em-crioulo.pdf
Si mortu ten di leban [Se a morte tem que me levar]
Si mortu ten [Se a morte tem]
de leban [que me levar]
pa i pera n bokadiñu son [que ela espere só um pouquinho]
N misti mati [Eu quero participar]
sabura di no tera [das coisas boas de nossa terra]
N misti mati [eu quero ver]
avansu di no povu [os avanços de nossa gente]
N misti odja [eu quero ver]
garasa mais bunitu [a grande beleza que há]
na rostu di mininus [no rosto das crianças]
Pa se bariga [Que suas barrigas]
ka orfa di fomi [não sejam de órfãos famintos]
pa e tene mesiñu [que tenham remédios]
e tene skola [e escola]
pa no garandis [que nossos anciãos]
ka muri di fadiga [não morram de cansaço]
N misti odja tudu [eu quero ver tudo]
kila ña djintis [o meu povo]
antis di N muri [antes de morrer].
Dulce Maria Vieira das Neves, ou simplesmente Dulce Neves, é conhedida sobretudo
como uma pessoa da música. Assim, compõe melodias, letras e canta. Ela não
participou de nenhuma das antologias de poemas publicadas no país, fato que se explica
por ser tida como musicista, não poetisa, como acontece com outros letristas. Praticamente
todos os seis poemas seus que aparecem em Kebur são “letras” de canções.
Isso lembra um pouco Chico Buarque de Holanda e Vinicius de Moraes, sobretudo o
segundo que, além de ótimo poeta, foi um grande compositor, além de cantor. Vejamos
o poema “Si mortu ten di leban” (se a morte tem que me levar).
Excerto de:
A POESIA CRIOULA BISSAU-GUINEENSE
Hildo Honório do Couto (Universidade de Brasília)
PAPIA 18, 2008, p. 83-100 83
https://kriol.files.wordpress.com/2010/02/55-poemas-em-crioulo.pdf
Os suecos tentaram financiar uma gramática e livros para ensinar e desenvolver o crioulo na Guiné, há mais de 25 anos.
Não sei em que ficou isso, mas como os cooperantes suecos se cansaram depressa, penso que ficou em nada.
(cooperar cansa, escreviam que estavam a ensinar aos guineenses aquilo que os portugueses não ensinaram em 500 anos)
500 anos não é para todos, mas penso que o resultado dos 50 anos suecos também não terá tido o resultado pretendido.
É possível fazer do crioulo uma língua tão completa como o português ou o francês ou inglês.
Se nós temos desde galicismos e anglicismos e estrangeirismos, o crioulo também pode fazer o mesmo e tornar-se uma língua completa.
Mas devido ao número reduzido de falantes será sempre para uso interno
Também São Tomé tem um crioulo próprio.
E dizem os caboverdeanos, que nem todas as ilhas concordam com o crioulo umas das outras.
Mas tanto na Guiné como em Caboverde o Francês já funciona como língua oficial assim como o Inglês em Moçambique.
E no caso da Guiné já é também a moeda igual ao Senegal sob as ordens das Finanças de Paris.
Mas alguém duvida que era para desaparecer tudo, como aconteceu com Goa e quase com Timor?
Quem ia respeitar o "petróleo e diamantes e o oiro e as especiarias e o jindungo" daquelas terras, se não fossem a nossa teimosia daqueles 13 anos de guerra?
E nós nem drones temos, vamos ver o que sobra.
O pessimista Valdemar Queiroz deve ter visto reportagens de jornalistas que andaram pelo Sri Lanca, (Ceilão), e outros relatos de vestígios de quando Camões andou por lá.
Cumprimentos
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