LÁ IRÁS PARA ONDE O PAGUES
Capa do livro do Juvenal Amado (Chiado Editora, Lisbopa, 2'015) que vai ser lançado no próximo dia 23, sábado, às 16h30 (*) |
Na década de sessenta com a guerra ainda em expansão, nós, os miúdos, olhávamos para ela como coisa longínqua. Na verdade ela ia atingindo as famílias de tal forma que só tornava importante quando sabíamos que alguém perto de nós tinha sido mobilizado.
Aceitávamos como um assunto para nos preocuparmos na devida altura.
Eu tinha dezasseis anos quando o meu irmão foi mobilizado para Moçambique e a guerra ficou mais próxima. Até demais.
Mas isso não impediu de grande parte dos jovens desse tempo continuassem a viver sem se preocupar em demasia com o assunto e só sofríamos um sobressalto,
quando se sabia que tinha morrido fulano, sicrano, beltrano, ou filho de...
Na grande maioria tinham ido trabalhar mal fizeram a quarta classe, pois o rendimento das famílias era pequeno e seguir os estudos não era para todos, ou direi melhor, era para bem poucos.
Beber uns copos, noitadas, deixar crescer o cabelo assim que conseguíamos rodear as ordens dadas no barbeiro para termos sempre à nossa disposição, um corte de cabelo à “inglesa curta”. Mas em lugar cimeiro estavam as motorizadas, quem não tinha babava-se e tinha pena de não ter.
Compradas a muito custo para possibilitar trabalhar mais longe de casa, serviam depois para ir aos bailaricos e para toda a espécie de gincanas junto das moças. Não eram poucas vezes que essas exibições não resultavam de quedas aparatosas e na assistência haver manifestações de regozijo por as “habilidades“ nas duas rodas, terem resultado em malhanço com o nariz no chão.
Regozijar-nos com o mal dos outros, não deve ser só uma atitude portuguesa, mas também por vezes escondia uma disfarçada inveja pelo o tipo de “máquina” que o fulano tinha, a quem responsabilizávamos pelo maior sucesso que ele tinha junto do sexo feminino.
Assim o improvisado “artista” mal caía, levantava-se logo como se tivesse molas e mesmo perdido de dores, sorria para a multidão como se nada se tivesse passado e acelerava a 50 centímetros cúbicos, Famel ou Zundapp, casos mais raros uma Honda ou V5. Depois aparecia no café no mesmo dia ou dias depois, consoante a pancada.
Os mais velhos diziam, então, que a tropa nos estava a fazer falta e que lá iam fazer de nós uns homens.
Nasce então o termo que soava a ameaça, desejo ou premonição, “lá irás para onde o pagues”, ou “a tropa é que vai fazer de ti um homem”.
Não sei se foi isso resultou comigo, mas como saber ? (**)
Um abraço para todos
Juvenal Amado
Texto e foto: © Juvenal Amado (2016). Todos os direitos reservados.
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Notas do editor:
(*) Vd.poste de 12 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15608: Agenda cultural (455): Sessão de lançamento do livro do Juvenal Amado, "A tropa vai fazer de ti um homem": Lisboa, Chiado Clube Literário & Bar, Av da Liberdade, sábado, 23 de janeiro, 16h30, com a presença em força da malta tabanqueira
(**) Último poste da série > 4 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15445: História de vida (43): Anda(va) meio mundo a enganar o outro... Ou o conto do vigário em que caiu a minha pobre mãe quando eu estava em Galomaro e lhe apareceu à porta de casa um falso camarada meu... (Juvenal Amado, autor de "A tropa vai fazer de ti um homem", Lisboa, Chiado, Editora, 2015, 308 pp.)
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