domingo, 10 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15602: Atlanticando-me (Tony Borié) (1): Nunca é tarde (1)

Ano Novo, nova série do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66). Hoje iniciamos "Atlanticando-me" com o primeiro episódio de Nunca é tarde.




Nunca é tarde - Capítulo 1

Ano Novo, “Título Novo”, desta vez chama-se “Atlanticando-me”, não sabemos se está bem escrito, perdoem lá, vai ficar assim, pelo menos este ano de 2016, a palavra, no nosso modesto entender, quer mais ou menos dizer, que os nossos desejos são aproximar-nos ainda mais desse lindo País, que é Portugal!


Posto isto, vamos à conversa de hoje.

Companheiros, já lá vão uns anos, o nosso filho estava no cumprimento do seu dever, fazendo parte do Corpo de Marines dos USA, estacionado numa base da Califórnia, nós, dadas as facilidades de transporte, pois havia uma companhia aérea que saía de Nova Iorque pela manhã, chegando a Los Angeles à noite, tinha oito ou nove paragens, em diversas cidades, carregando e descarregando pessoas e mercadoria, era uma espécie avião de correio, os lugares eram sem marcação, portanto se saísse num aeroporto e regressasse ao avião, já o nosso lugar poderia estar ocupado por outro passageiro, mas era barato, era quase o preço de um jantar para dois.

Deste modo, talvez duas vezes ao mês, íamos à Califórnia, fazíamos companhia ao nosso filho, levando-lhe entre outras coisas, comida da mãe, muitas vezes estava cumprindo as suas tarefas, logo, não podia estar connosco, então andávamos por ali, frequentando algumas vezes o clube dos Açores, que havia numa cidade próxima, onde um senhor, já de uma certa idade, nascido nos USA, cujo pai fora emigrante, oriundo dos Açores, depois de alguma conversa, sabendo que éramos oriundos da região de Aveiro, nos foi contando a história desta personagem. Nós, pela informação que fomos recolhendo, vamos descrever a história, vai ser em alguns capítulos, pois o espaço no nosso blogue é de ouro, mas vale a pena ler, é uma odisseia de um emigrante, de uma geração antes da nossa. O título é “nunca é tarde”, cá vai o primeiro capítulo:


Os pais do Nico tinham algumas terras na região das areias, mais propriamente nas Gafanhas, mesmo encostadas ao canal de água salgada, a sua mãe, quando o via chegar a casa, todo sujo, com alguma lama nas pernas, logo lhe dizia, com cara de pai:
- Qualquer dia vais ficar enterrado na areia, ninguém te lá vai buscar. Vai lavar-te e não entres em casa assim.

E já mais calma, pensava:
- Isto é que é um vício. Não precisamos de berbigão para nada, pois é tanto, que até o damos aos porcos, este rapaz, sempre metido na areia suja, valha-me Deus!

O Nico, o seu verdadeiro nome era Eurico mas todos lhe chamavam assim, era aquele rapaz muito popular, tipo “o rapaz nosso amigo, da casa do nosso vizinho”, havia muitas pessoas no lugar, que conviviam com ele desde que nasceu, não sabendo o seu verdadeiro nome, era o Nico, que todos gostavam e andava por ali. Na primavera, o seu passatempo preferido era andar aos ninhos, pois já sabia onde os pássaros das terras alagadiças costumavam pôr os ovos. Ajudava os pais no que podia, às vezes ia à taverna fazer recados aos vizinhos, mas a maior parte do seu tempo era passado chafurdando na areia escura, durante a maré baixa, procurando berbigão e às vezes enguias.

Os seus pais tinham tido uma menina antes, que morreu ainda bebé com uma doença ruim, como eles diziam, depois nasceu o Nico, faziam tudo para que o rapaz crescesse com alguma saúde, não gostavam muito que andasse sozinho, mas ele gostava de andar pela beira das terras, encostadas ao canal, descalço, metido na areia, com alguma lama, às vezes, quando a maré já começava a subir, ele até tentava nadar para o meio do canal, era assim, estava-lhe no sangue, adorava água, correr pelas terras, descalço, queria liberdade. Chega a idade, frequenta e termina a escola primária, os pais matriculam-no numa escola da cidade de Aveiro, compram-lhe uma bicicleta, para ir e vir todos os dias, com alguma dificuldade, pois não era muito bom aluno, termina o quinto ano na área de indústria.

Os pais, procurando um futuro para o seu filho, assim que souberam que o senhor Capitão João, que andava na pesca do bacalhau na Terra Nova, estava em terra, logo foram ter com ele, pedindo-lhe:
- Senhor capitão, queríamos pedir a vossa senhoria, o favor, se podia recomendar o meu Nico para embarcar na próxima safra, pois já completou o curso industrial.

O senhor capitão João, informa-os de como devem proceder, o Nico faz os exames, tira a cédula marítima, embarcando como serralheiro mecânico, na próxima safra, no navio bacalhoeiro onde o senhor capitão João era o comandante, seguindo rumo às águas frias do norte do Atlântico, mais propriamente à região de Newfoundland, mais conhecida entre os pescadores portugueses, por Terra Nova.

A Dina, cujo verdadeiro nome era Albertina, era mais nova uns meses do que o Nico, vivia umas casas acima, no mesmo lugar onde vivia o Nico, conheciam-se desde crianças, os vizinhos diziam sempre que eles eram namorados, eram um para o outro, ela completou a escola primária, aprendendo em seguida costura, era a costureira do lugar, muito boa rapariga, todos sabiam que andava perdida de amores pelo Nico.

Quando o Nico completou o quinto ano da escola industrial, os pais deram uma pequena festa para a família e vizinhos mais próximos, onde compareceu a Dina, sempre sorridente e amável para com o Nico, que se enche de coragem e lhe diz:
- Dina, não sei como começar.., mas agora que já completei a escola e vou trabalhar, queria que fosses a minha namorada.

A Dina não cabendo em si de alegria, agarrou-se aos beijos ao Nico, na frente de todos, fazendo estes compreenderem que algo de verdadeiro e sério iria começar entre os dois. Passavam muito tempo juntos, faziam planos para o futuro, a Dina começou a costurar o seu enxoval, entretanto o Nico, embarca para a primeira safra do bacalhau, houve beijos e lágrimas de despedida, promessas de amor eterno, que seriam um do outro até à morte, vieram todos ver o barco sair a barra, junto farol.

No navio, a vida era totalmente diferente do que o Nico imaginava, havia muita disciplina, muito trabalho, as horas de dormir estavam marcadas, tinham que se ajudar uns aos outros, o Nico adorava liberdade, correr pelas terras alagadiças, andar descalço, foi muito difícil os primeiros tempos, até que começou compreender o regime de bordo, aos poucos foi-se habituando, cumprindo o melhor que podia as suas tarefas, regressando com alguma alegria ao ver a Dina, na entrada da barra, acenando-lhe com os braços abertos, assim como os seus pais, esperando-o.

No tempo que está em terra namora a Dina, continuam com as promessas de amor eterno, arranja um trabalho temporário na cidade de Aveiro. Matricula-se outra vez na escola só para aprender o idioma inglês, chegou a altura de embarcar de novo, outra vez beijos, abraços, lágrimas, e lá vai o Nico em direcção aos mares da Terra Nova, já tem alguma prática, tem algum controle no seu tempo, já resolve alguns problemas mecânicos a bordo, já o consideram uma pessoa quase indispensável, vêm a terra, cremos que ao porto de St. John’s, no mar na Terra Nova, abastecer o barco, entre outras coisas de água fresca e de isco para a faina da pesca, como já fala algumas palavras em inglês, todos o querem acompanhar, já é popular a bordo.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015
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