Ano Novo, nova série do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66). Hoje iniciamos "Atlanticando-me" com o primeiro episódio de Nunca é tarde.
Nunca é tarde - Capítulo 1
Ano Novo, “Título Novo”, desta vez chama-se
“Atlanticando-me”, não sabemos se está bem escrito,
perdoem lá, vai ficar assim, pelo menos este ano de 2016,
a palavra, no nosso modesto entender, quer mais ou
menos dizer, que os nossos desejos são aproximar-nos
ainda mais desse lindo País, que é Portugal!
Posto isto, vamos à conversa de hoje.
Companheiros, já
lá vão uns anos, o nosso filho estava no cumprimento do
seu dever, fazendo parte do Corpo de Marines dos USA,
estacionado numa base da Califórnia, nós, dadas as
facilidades de transporte, pois havia uma companhia
aérea que saía de Nova Iorque pela manhã, chegando a
Los Angeles à noite, tinha oito ou nove paragens, em
diversas cidades, carregando e descarregando pessoas e
mercadoria, era uma espécie avião de correio, os lugares
eram sem marcação, portanto se saísse num aeroporto e
regressasse ao avião, já o nosso lugar poderia estar
ocupado por outro passageiro, mas era barato, era quase
o preço de um jantar para dois.
Deste modo, talvez duas
vezes ao mês, íamos à Califórnia, fazíamos companhia
ao nosso filho, levando-lhe entre outras coisas, comida da
mãe, muitas vezes estava cumprindo as suas tarefas,
logo, não podia estar connosco, então andávamos por
ali, frequentando algumas vezes o clube dos Açores, que
havia numa cidade próxima, onde um senhor, já de uma
certa idade, nascido nos USA, cujo pai fora emigrante,
oriundo dos Açores, depois de alguma conversa, sabendo
que éramos oriundos da região de Aveiro, nos foi
contando a história desta personagem. Nós, pela
informação que fomos recolhendo, vamos descrever a
história, vai ser em alguns capítulos, pois o espaço no
nosso blogue é de ouro, mas vale a pena ler, é uma
odisseia de um emigrante, de uma geração antes da
nossa. O título é “nunca é tarde”, cá vai o primeiro
capítulo:
Os pais do Nico tinham algumas terras na região das
areias, mais propriamente nas Gafanhas, mesmo
encostadas ao canal de água salgada, a sua mãe, quando
o via chegar a casa, todo sujo, com alguma lama nas
pernas, logo lhe dizia, com cara de pai:
- Qualquer dia vais ficar enterrado na areia, ninguém te
lá vai buscar. Vai lavar-te e não entres em casa assim.
E já mais calma, pensava:
- Isto é que é um vício. Não precisamos de berbigão
para nada, pois é tanto, que até o damos aos porcos,
este rapaz, sempre metido na areia suja, valha-me Deus!
O Nico, o seu verdadeiro nome era Eurico mas todos
lhe chamavam assim, era aquele rapaz muito popular, tipo
“o rapaz nosso amigo, da casa do nosso vizinho”, havia
muitas pessoas no lugar, que conviviam com ele desde
que nasceu, não sabendo o seu verdadeiro nome, era o
Nico, que todos gostavam e andava por ali. Na primavera,
o seu passatempo preferido era andar aos ninhos, pois já
sabia onde os pássaros das terras alagadiças
costumavam pôr os ovos. Ajudava os pais no que podia,
às vezes ia à taverna fazer recados aos vizinhos, mas a
maior parte do seu tempo era passado chafurdando na
areia escura, durante a maré baixa, procurando berbigão
e às vezes enguias.
Os seus pais tinham tido uma menina antes, que
morreu ainda bebé com uma doença ruim, como eles
diziam, depois nasceu o Nico, faziam tudo para que o
rapaz crescesse com alguma saúde, não gostavam muito
que andasse sozinho, mas ele gostava de andar pela
beira das terras, encostadas ao canal, descalço, metido
na areia, com alguma lama, às vezes, quando a maré já
começava a subir, ele até tentava nadar para o meio do
canal, era assim, estava-lhe no sangue, adorava água,
correr pelas terras, descalço, queria liberdade.
Chega a idade, frequenta e termina a escola primária,
os pais matriculam-no numa escola da cidade de Aveiro,
compram-lhe uma bicicleta, para ir e vir todos os dias,
com alguma dificuldade, pois não era muito bom aluno,
termina o quinto ano na área de indústria.
Os pais, procurando um futuro para o seu filho, assim
que souberam que o senhor Capitão João, que andava na
pesca do bacalhau na Terra Nova, estava em terra, logo
foram ter com ele, pedindo-lhe:
- Senhor capitão, queríamos pedir a vossa senhoria, o
favor, se podia recomendar o meu Nico para embarcar na
próxima safra, pois já completou o curso industrial.
O senhor capitão João, informa-os de como devem
proceder, o Nico faz os exames, tira a cédula marítima,
embarcando como serralheiro mecânico, na próxima
safra, no navio bacalhoeiro onde o senhor capitão João
era o comandante, seguindo rumo às águas frias do norte
do Atlântico, mais propriamente à região de
Newfoundland, mais conhecida entre os pescadores
portugueses, por Terra Nova.
A Dina, cujo verdadeiro nome era Albertina, era mais
nova uns meses do que o Nico, vivia umas casas acima,
no mesmo lugar onde vivia o Nico, conheciam-se desde
crianças, os vizinhos diziam sempre que eles eram
namorados, eram um para o outro, ela completou a
escola primária, aprendendo em seguida costura, era a
costureira do lugar, muito boa rapariga, todos sabiam que
andava perdida de amores pelo Nico.
Quando o Nico completou o quinto ano da escola industrial, os pais
deram uma pequena festa para a família e vizinhos mais
próximos, onde compareceu a Dina, sempre sorridente e
amável para com o Nico, que se enche de coragem e lhe
diz:
- Dina, não sei como começar.., mas agora que já
completei a escola e vou trabalhar, queria que fosses a
minha namorada.
A Dina não cabendo em si de alegria, agarrou-se aos
beijos ao Nico, na frente de todos, fazendo estes
compreenderem que algo de verdadeiro e sério iria
começar entre os dois. Passavam muito tempo juntos,
faziam planos para o futuro, a Dina começou a costurar o
seu enxoval, entretanto o Nico, embarca para a primeira
safra do bacalhau, houve beijos e lágrimas de despedida,
promessas de amor eterno, que seriam um do outro até à
morte, vieram todos ver o barco sair a barra, junto farol.
No navio, a vida era totalmente diferente do que o Nico
imaginava, havia muita disciplina, muito trabalho, as horas
de dormir estavam marcadas, tinham que se ajudar uns
aos outros, o Nico adorava liberdade, correr pelas terras
alagadiças, andar descalço, foi muito difícil os primeiros
tempos, até que começou compreender o regime de
bordo, aos poucos foi-se habituando, cumprindo o
melhor que podia as suas tarefas, regressando com
alguma alegria ao ver a Dina, na entrada da barra,
acenando-lhe com os braços abertos, assim como os
seus pais, esperando-o.
No tempo que está em terra namora a Dina, continuam
com as promessas de amor eterno, arranja um trabalho
temporário na cidade de Aveiro. Matricula-se outra vez na escola só para aprender o idioma inglês, chegou a altura
de embarcar de novo, outra vez beijos, abraços, lágrimas,
e lá vai o Nico em direcção aos mares da Terra Nova, já
tem alguma prática, tem algum controle no seu
tempo, já resolve alguns problemas mecânicos a bordo,
já o consideram uma pessoa quase indispensável, vêm a
terra, cremos que ao porto de St. John’s, no mar na Terra
Nova, abastecer o barco, entre outras coisas de água
fresca e de isco para a faina da pesca, como já fala
algumas palavras em inglês, todos o querem acompanhar,
já é popular a bordo.
(continua)
Tony Borie, Julho de 2015
____________
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário