segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15752: Notas de leitura (808): “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Na releitura desta obra de Luís Nuno Rodrigues fui agradavelmente surpreendido por um dado que já era óbvio na primeira leitura: o investigador deixa bem escarrapachado que Spínola nunca se furtou a informar os seus superiores sobre a evolução militar, em todas as fases críticas, nos cinco anos em que foi Comandante-Chefe. Se é facto que vai ziguezaguear em Maio de 1973, aceitando inicialmente a retração do dispositivo, prontamente se apercebeu que ficaria manietado no coração da Guiné, perdendo o controlo das franjas e desconhecendo inteiramente o que a guerrilha e a Organização da Unidade Africana preparavam depois da declaração unilateral de independência.
Spínola deixa a Guiné mas o mito ficara intocado e apresentar-se-á como o militar providencial no Largo do Carmo.

Um abraço do
Mário


Spínola e a evolução militar da Guiné (1968-1973) (2)

Beja Santos

A correspondência trocada entre Spínola e os seus superiores, no comando da Guiné, à luz do trabalho desenvolvido por Luís Nuno Rodrigues na biografia que escreveu sobre o mediático homem do monóculo, A Esfera dos Livros, 2010, torna claro, a despeito de certos excessos de pendor melodramático que a verificação que era transmitida sobre a evolução militar era fiável e baseada em dados fundamentados. 

Não cabe, neste tipo de apontamentos, explanar sobre o desenvolvimento económico e social que Spínola imprimiu à província. Terá certamente sentido ver como ele pretendeu encontrar soluções políticas confiando que Marcello Caetano apostasse numa política de “autonomia progressiva”. Os dois encontram-se no Buçaco no Verão de 1970, Caetano trabalha na proposta de revisão condicional. Spínola compromete-se a enviar um documento, envia-lhe em Outubro um relatório que servirá de base ao seu livro "Portugal e o Futuro"; relatório que ele intitulará “Algumas ideias sobre a estruturação política da Nação”

Sente-se animado pela tese federativa. Mas, inexoravelmente, caminhava-se para a deterioração das relações. Spínola aspirava a uma candidatura presidencial, Caetano aposta em manter Américo Tomás. A chamada Ala Liberal parecia entusiasmada com a eventual candidatura de Spínola à presidência da república. Depois Spínola é repreendido por Caetano quando concedeu uma entrevista ao Diário de Lisboa. E visando uma solução negocial para o problema guineense, Spínola pede a Caetano para se encontrar com Senghor. Sabemos como posteriormente Caetano desautorizou Spínola para novos encontros, na correspondência de ambos transparece um tom discordante onde outrora havia coloquialidade. 

Segundo Luís Nuno Rodrigues, em Outubro de 1972, Spínola, em férias no Luso, recebeu uma mensagem urgente do inspetor Fragoso Allas, o responsável pela PIDE da Guiné, dizendo que Amílcar Cabral estava na disposição de ir a Bissau conferenciar consigo e, inclusivamente, com o próprio Marcello Caetano. Este continua a rejeitar qualquer tipo de contactos. 

Spínola escreve-lhe em 24 de Outubro, reiterando as suas apreensões, seria “a última hipótese do Governador da Guiné dialogar com Amílcar Cabral em situação transitória de manifesta superioridade”. Caetano responde que “para a defesa global do ultramar é preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra, do que por um acordo negociado com os terroristas, abrindo caminho a outras negociações”.

1973 é o ano crítico das suas relações. A 20 de Janeiro é assassinado Amílcar Cabral. Não vale a pena entrar na polémica sobre os labirintos deste assassinato, continua tudo por esclarecer, o importante são as grandes mudanças no terreno, ditadas pela chegada dos misseis antiaéreos Strela. Perdida a supremacia aérea, ocorre em Maio uma grande ofensiva militar do PAIGC que deixou marcas indeléveis. 

A 22 de Maio Spínola envia ao General Costa Gomes um conjunto de pareceres e propostas relativos à nova situação militar na Guiné, evocava uma reunião extraordinária de Comandos realizada a 15 de Maio. Impunha-se tomar decisões urgentes no âmbito da manobra militar, abriam-se três alternativas: redução da área a defender com vista à economia de forças; conservação do atual dispositivo sem qualquer reforço à luz de um espírito de defesa a todo o custo; e reforço do teatro de operações em meios, em ordem a manter a superioridade sobre o inimigo no quadro da manobra atual. 

Nesse mesmo dia Spínola escreve ao Ministro do Ultramar: “o governador apenas pode informar o Governo central sobre a gravidade do momento, em ordem a que as medidas adequadas sejam tomadas por quem tem competência para as adotar, nada mais restava fazer do que aguardar serenamente o desfecho que prevemos, o colapso militar"

Em Junho, poucos dias depois do ataque a Gadamael, Costa Gomes deslocou-se a Bissau. O centro das discussões passa pela adaptação do conceito de manobra. Spínola declara a necessidade do recuo de “muitas das guarnições de fronteira para posições previamente selecionadas mais no interior que, pelo seu menor número e adequada localização, minimizem os riscos a que atualmente estão expostas e permitam obviar quando possível à situação crítica que a escalada do inimigo nos criou”

Costa Gomes concorda com a análise de Spínola, a manutenção do dispositivo só seria possível com volumosos meios adicionais, absolutamente impossível de os fornecer. Anos mais tarde, numa fase litigiosa com Costa Gomes, Spínola dirá que foi este quem fizera semelhante proposta, o que é falso.

Mas Spínola acabaria por mudar de ideias, opondo-se à retração do dispositivo militar, pelo menos enquanto essa retração não fosse acompanhada de um reforço substancial dos meios à sua disposição. Volta a queixar-se amargamente ao Ministro do Ultramar, diz-lhe sem rebuço que a guerra na Guiné exigia medidas que iam frontalmente contra a linha política a que ele se considerava vinculado, a seu tempo propusera soluções para o problema da Guiné que tinham sido rejeitadas: 

“Agudiza-se o problema da minha substituição que peço a Vossa Excelência seja considerada a tempo de possibilitar a alteração do dispositivo militar que é mister fazer”.

E Luís Nuno Rodrigues finaliza dizendo que perante a impossibilidade na solução política e face a um cenário de eventual repetição da situação de Goa em 1961, Spínola decidia abandonar as suas funções na Guiné. Chegou a Lisboa em 6 de Agosto de 1973, e comunicou a sua decisão a Caetano: “Senhor Presidente do Conselho, venho dizer-lhe que regressei de vez”.

Um talentoso General, Bethencourt Rodrigues, aceita, depois de muito rogo de Caetano, substitui Spínola. Na aparência, a guerrilha não ganha intensidade, o PAIGC tinha preparado nova ofensiva para Maio de 1974, novamente no Norte. A situação política em Portugal decompunha-se no início do ano, Caetano, em desespero, procura negociações à revelia da sua matriz ideológica. É tarde, muito tarde, os militares, sobretudo aqueles que conheciam a Guiné, sabem que já não há solução militar possível para a Guiné e para Moçambique. Tudo acabará num quase sereno golpe militar, no Largo do Carmo, em meados da tarde de 25 de Abril, Caetano entrega simbolicamente a Spínola.
A descolonização vai começar.
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Nota do editor

Poste anterior de 12 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15738: Notas de leitura (807): “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010 (1) (Mário Beja Santos)

8 comentários:

Antº Rosinha disse...

"em Outubro de 1972, Spínola, em férias no Luso, recebeu uma mensagem urgente do inspetor Fragoso Allas, o responsável pela PIDE da Guiné, dizendo que Amílcar Cabral estava na disposição de ir a Bissau".

Se era ou não bluff ou mentira do PAIGC, ou dos russos ou da PIDE, os caboverdeanos da luta é que podiam esmiuçar.

O que é certo, é que de Outubro de 1972, até Janeiro de 1973, faltavam 3 mesinhos para a eliminação de Amílcar Cabral.


Luís Graça disse...

O que um bom jurista, grande professor, mau político, e pior líder como Marcelo Caetano nunca entendeu, foi a célebre frase de Clausewitz: "a guerra não é mais do que a continuação da política de Estado por outros meios"...

Parafraseando o célebre general prussiano que se celebrizou nas campanhas napoleónicas como estratego militar, qualquer estudante de sociologia sabe que o conflito (social) não é mais do que a continuação da negociação por outros meios.

Na realidade, o conflito (incluindo a guerra) é indissociável do poder. Ou se quisermos, o "enjeu" do conflito, o que está em jogo num conflito, é sempre ou quase sempre o poder, ou melhor, as relações de poder entre dois actores sociais, ou duas partes, interdependentes uma da outra (formando um todo, fazendo "parte integrante" de um sistema).

Aliança/cooperança, conflito, negociação (... e às vezes "paz podre") são os vértices do triângulo em que assentam os sistemas sociais...

Caetano e Spínola podiam ter ficado noutro pedestal da história se tivessem conseguido entender-se e fazer a transição (controlado) da guerra para a paz e da ditadura para a democracia... Ambos não perceberam as potencialidades e a importância da negociação...

Qualquer estudante de sociologia sabe que toda a relação social envolve poder. Nas organizações, um dos resultados do poder é o conflito. O mesmo se passa nas sociedades, nas nações, nos países... O conflito é o "estado normal", nem é inevitável: o resultado normal, nas nossas organizações e nas nossas sociedades é a "compliance", a boa vontade, a adesão, a colaboração, a conformidade, a obediência, a integração...

No entanto, um certo nível de conflitualidade (tanto a nível interno como externo) pode ser crucial, por exemplo para as organizações (e em parte as sociedades): é a partir dos conflitos que muitas mudanças ocorrem... E às vezes é preferível a ocorrência de um conflito para prevenir outros conflitos mais graves...

A história do nosso País na segunda metade do Séc. XX é disso um exemplo: a incapacidade política (e militar) do Estado Novo e da sua estreita elite dirigente para "negociar" e resolver o problema da guerra colonial em África foi uma das causas qu estiveram origem do Movimento das Forças Armadas (MFA) e da golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 (e as consequentes mudanças políticas e sociais que se lhe seguiram...).

Foi pena o Caetano e o Spínola não o terem conseguido... Isto é, primeiro entender-se e depois aprender a negociar... Não vale a pena arranjar desculpas: não tinham estatura de líderes ou foram líderes fracos... Nem um nem outro. Não estiveram à altura desse momento crucial da nossa história...

Unknown disse...

...pois é, o Professor sendo o "eterno Delfim",e ao mesmo tempo, se querendo o mais contundente critico dos colaboradores próximos do Último Imperador, quando chegou a sua vez...deu o que deu.
Forte abraço.
VP

Luís Graça disse...

"Mea culpa", maldiat gralha!... O que que queria dizer: O conflito NÃO é o "estado normal", nem é inevitável: o resultado normal das nossas relações de poder, nas nossas organizações e nas nossas sociedades, é a "compliance", a boa vontade, a adesão, a colaboração, a conformidade, a obediência, a integração...

As organizações (, os grupos, as comunidades, os países...) são "construídos sociais" ou sistemas que tendem para um "equilíbrio dinâmico", e não propriamente estruturas cristalizadas em que "o poder seria uma soma nula": uns, poucos, tê-no, os outros (a grande maioria) não o têm... Conmfundimos poder com fontes ou trunfos de poder, "recursos polítycios, como a autoridade, o estatuto, as regras, a informação, o conhecimento, o dinheiro, etc.

Pelo contrário, é o jogo das relações de poder, a nível interno e externo, que permite a sua regulação. Marcelo Caetano foi incapaz de fazer uma análise estratégica de poder: foi pena que ele nunca tivesse estudado sociologia... O homem nem sequer tinha o viço do jogo!... Acho que os nossos políticos deviam começar por fazer estágios no casino do Estoril, na feira da Ladra ou na feira dos 300...

Como jurista e administrativista, Caetano só podia ter uma visão jurídico-administrativa das coisas, da vida, e do mundo!...

Numa perspectiva estratégica, o conflito (incluindo a guerra, que é por excelência o conflito) pode ser visto como uma rutura das negociações ou, antes, das formas habituais de negociação que conduzirá a uma retomada das negociações formais ou informais, com novos trunfos na mesa, com paradas mais altas, com novas regras de jogo, etc.

O conflito acaba, pois, de uma maneira ou de outra, por mudar as relações de força no campo social. Foi pena que o Caetano tenha proibido o Spínola de continuar a "conversar" com o Senghor, um homem que, como Cabral, se calhar era mais português do que alguns portugueses... Nunca se deve desperdiçar a oportunidade de "ouvir o outro", sem o que nunca se abrirão portas para negociar o quer que seja... Como povos mediterrânicos (europeus do sul) e africanos (do norte), temos uma cultura de "regateio", "negociação", "barganha" (com dizem os brasileiros)... A guerra não foi sempre a regra geral... E como é que umas escassas centenas de milhares de portugueses, nos séc. XV e XVI, abriram a "autoestrada da globalização"... Não foi só pela força das armas... ou da vantagem tecnológica das armas!

JD disse...

Camaradas,
Gostei deste conjunto de dois textos que constituem a recensão sobre a biografia de Spinola, da autoria de Beja Santos sobre Luís Nunes Rodrigues. Ficam para a história algumas coisas que não são agradáveis de aceitar: desde logo a teimosia do Estado Novo (Salazar e sus muchachos) que foi adepto da estagnação ultramarina, apesar da reacção nacional à intencionalidade britânica sobre o Mapa Côr de Rosa. Em 1961 foi Angola que deu um alerta sobre a homogeneidade da nação, através da falsa ameaça de Deslandes e do inicio do terrorismo. Também houve três iniciativas para negociações de Amilcar Cabral que o governo rejeitou liminarmente, em inequívoca escolha da solução pela guerra. Em todo este tempo decorrido, o governo não revelou capacidade para descortinar como era economicamente dependente do ultramar, que lhe entregava preciosas rendas das exportações, e era escuadoro para a produção metropolitana que não podia concorrer com outros produtos do mercado internacional. Faltou ao Estado Novo essa visão de conjunto, e em vez de tentar harmonizar as relações, arrogante, fê-las extravasar para o conflito. Tudo num caldo de ideias anti-colonialistas, que já provaram não terem servido aos destinatários, como nós, que lá vivemos, sabíamos que não lhes serviriam. Além disso, os portugueses pela sua índole foram os colonialistas que se integraram, que partilharam, que foram solidários com os nativos e com eles estabeleceram tantos laços de sangue e de confiança recíproca.
Não exagero, lá como cá sempre houve explorados e exploradores, mas reforço a ideia de que as sociedades ultramarinas viviam em paz, mesmo quando passou a medrar o conceito de independência, muito assente no pressuposto de que depois serão os nativos os donos de tudo. Não foram, nem nunca o serão. Até Dos Santos é um mero testa-de-ferro dos interesses oligarquicos americanos.
Não concordo com o último paragrafo e a opinião expressa de que os militares chegaram à conclusão de que a guerra estava perdida, razão suficiente para o golpe. A sociedade portuguesa desde os anos 60 estava a evoluir e a querer equiparar-se a outras mais avançadas. O Estado Novo não aprendeu nada com as dificuldades militares em que esteve envolvido. Os 13 anos da guerra de África causaram muitos estigmas familiares, que na minha opinião foram a principal causa do cansaço dos militares, e a habitual generosidade dos milicianos também passou a sofrer pressões de diferentes tipos, pelo que uns e outros mostravam-se cada vez mais relutantes. Mas não foi por aí. Foi aquele cansaço, talvez conjugado com outras influências, que determinaram o final daquele regime, teimoso e caduco, em correspondência com um movimento corporativo, que a breve trecho revelou-se sem coesão de práticas e de ideias, provocando uma das mais graves crises da nossa história, que ainda perdura. Lembro-me de uma ocasião na 5ª. Rep. ter estado numa mesa com um capitão e mais três milicianos. Ali perto passou outro capitão que nos cumprimentou. Depois ouvi um comentário do primeiro, que lançou uma atoarda sobre o que passara. Ora, não bastando a guerra, e muitos dos capitães refugiavam-se dela, estas coisas cansam, não só pelos boatos, mas pelas indignidades que se pretendem alcançar com ou sem razão. A visão simplista de que a guerra acabou porque era injusta, não alcança qualquer razoabilidade, tanto mais que os oficiais do MFA nunca intervieram a repor a democracia, a paz e a justiça social depois do golpe.
Abraços fraternos
JD

Antº Rosinha disse...

"Nem um nem outro. Não estiveram à altura desse momento crucial da nossa história..."

É uma verdade Luís Graça, mas não foi só Spínola e Caetano, os dois não podem ficar isolados nas responsabilidades.

Só é de admirar como é que a máquina andou por inércia de 1968 a 1974.

Caetano foi parar ao Brasil, e curioso que Spínola também lá foi parar, sem monóculo e com a gravata desalinhada, uma tristeza.

Uma imagem terceiro-mundista, que deixava triste a qualquer português dos milhões que lá estavam, que gostam sempre de uma boa imagem de Portugal e dos portugueses nas terras de Vera Cruz.

Quando vi aquela figura cansada de Spínola, de fato escuro desalinhado de longa viagem, não era uma imagem bonita de um oficial com uma certa ideia de um militar português.

Lembrei-me de outra triste figura de um capitão que tinha aportado ao Brasil em 1961 que foi Henrique Galvão, com aquela imagem de pirata de-los-mares, quando assaltou o Santa Maria.

Manuel Luís Lomba disse...

Notáveis camaradas:
. O MBS desempenha-se como que leitor de serviço ao nosso blogue e agradeço-lhe mais esta recensão de mais um livro temático da guerra e da derrota de Exército Português na Guiné, focando o general Spínola como um dos seus principais actores. Tratar-se-à de mais uma narrativa de investigação, que terá factos por base, porém interpretados por quem nem foi seu actor nem os viveu.
. Como a maioria dos "camarigos" foram actores da guerra da Guiné, a desempenhar-se como alferes e furriéis (as patentes mais elevadas confirmam a regra), podemos questionar, por conhecimento de causa e sem tabus (Hitler não passou de cabo (RD ou "chico", na linguagem de caserna) na I Guerra Mundial e virá a superar os generais e os estados-maiores do exército alemão em génio táctico (e na loucura em estratégia...) na II Guerra Mundial.
. Em 1972, Amílcar e o PAIGC acusavam o mais elevado desgaste; os impulsionadores e financiadores da sua guerra, não...
. Em 1973, a massa combatente do PAIGC, incluindo mercenários, era inferior a 4000 combatentes, ao passo que a tropa, polícia, militarizadas e auto-defesa eram superiores a 45000,rácio muito superior aos dos franceses na Argélia e aos americanos no Vietname...
. Em 1974, o PAIGC controlava menos de 15% da população da Guiné, incluindo os refugiados nos países limítrofes (levantamento do insuspeito e antigo major Carlos Azeredo, autor do 25 de Abril do Norte)...
. As manobras marítimas e fluviais do PAIGC foram geralmente de piroga e batelões (receberam 5 lanchas rápidas da URSS, mas Alpoim Calvão e a sua malta foram a Conacri afundá-las, em 1970)...
. Tão decisivos no desequilíbrio e abandono da luta, os aviões MiG do PAIGC foram sempre invisíveis...
O general Spínola foi um grande cabo de guerra?
Da guerra à escala de general, talvez - e dos melhores. As proporções atingidas pela guerra da Guiné serão devidas à negligencia táctica e estratégica na impermeabilização das suas fronteiras. O blogue do José Martins (nosso investigador de serviço) diz-nos que começaram timidamente no primeiro semestre de 1963, no consulado do brigadeiro Louro de Sousa (na base dos Caçadores Indígenas, reforçadas pelo general Schulz, mas rarefeita pelo general Spínola: meia dúzia de Companhias de guarnição a quase 700 km de fronteira...
. O PAIGC dobrou a sua massa combativa no consulado do general Spínola, mas este triplicou o efectivo, comparativamente ao do consulado do general Schulz...
. O general Spínola não foi nem o Sagan de Argel nem o De Gaulle de Paris; e ao expulsar Caetano, e o MFA não expulsou nem o passado, nem o presente nem o futuro da Guiné...
Soldados portugueses vencidos na Guiné? Não; apenas os mortos... E duplamente, para aqueles que foram abandonados...
. Etc, etc, etc...

antonio graça de abreu disse...

Diz o Mário Beja Santos “Perdida a supremacia aérea”, (em 1973), e mais abaixo cita carta do Spínola ao Ministro do Ultramar onde o homem do monóculo escreve: “ nada mais restava fazer do que aguardar serenamente o desfecho que prevemos, o colapso militar."

Os Strella afectaram a nossa Força Aérea, (cinco aviões abatidos em Abril) mas em Maio de 1973 já os Fiats voavam outra vez e bombardeavam a sério, toneladas e toneladas de bombas sobre os guerrilheiros do PAIGC, por exemplo em Guileje, antes do abandono do aquartelamento. Não é verdade, alferes Manuel Reis, não é verdade coronel Coutinho e Lima? Sim, eu sei que durante quase dois meses não se fizeram evacuações do mato, o que diminuiu a nossa capacidade e motivação de combate, mas depois quase tudo voltou à normalidade. Eu estive em Cufar, de Junho de 1973 a Abril de 1974, CAOP 1, num Comando de Operações onde tínhamos toda a logística dos aviões e hélis controlada no sul da Guiné. Todos os dias chegavam meios aéreos, desde Bissalanca. E o nosso tenente-general António Martins de Matos, piloto dos Fiats nessa altura, o coronel Miguel Pessoa, também, já explicaram aqui no blogue, como intervenientes directos no combate nos céus na Guiné que não perdemos “a supremacia aérea” Mas há quem continue a mistificar, distorcer, aldrabar. Pós Strella, quantos milhares de missões foram levadas a cabo pelos nossos homens dos aviões, com os Fiats G 93, os Dos 27, os Dakotas, os Nordatlas, os T 6 e os hélis Allouette 3? Entre Abril de 1973 e Abril de 1974, apenas um Fiat do tenente Gil foi atingido por um Strella, a 31 de Janeiro de 1974, perto de Copá. A Força Aérea voou e bombardeou como nunca. Esta é a verdade.
“Perdida a supremacia aérea”,diz o Mário Beja Santos. A supremacia aérea deve ter passado para o lado do PAICG que “tinha” os seus Migs na Guiné-Conacry, Migs que nunca ninguém viu pela simples razão de que não existiam. Até quando teremos de ouvir e ler estes dislates, neste caso saídos da pena do especialista Mário Beja Santos?

Quanto às palavras do Spínola, “nada mais restava fazer do que aguardar serenamente o desfecho que prevemos, o colapso militar" as palavras não correspondiam, nem pouco mais ou menos à realidade dos factos, nem à situação militar no terreno da Guiné, nem à forma como evoluiu. Spínola pedia mais meios militares a Lisboa, Marcelo Caetano não lhos concedia, Spínola fazia chantagem com o governo de Lisboa, pintava de negro o evoluir da guerra para as NT. Claro, todos sabemos que os tempos não eram cor-de-rosa, com certeza, mas também sabemos todos que depois de Spínola, a guerra não avançou, não teve o desfecho de “um colapso militar.” Aguentámos bravamente até ao 25 de Abril, controlando, por terra, mar (rios) e ar praticamente todo o território da Guiné.
Estávamos, naturalmente cansados de uma guerra que não tinha solução, não a íriamos ganhar, militarmente e politicamente falando, também não a perdemos no campo militar.Sempre fomos superiores ao PAIGC, em termos militares.
O resto foram os “ventos da História”, a inevitabilidade das independências. Depois de tanto sofrimento, o futuro infelizmente não seria muito risonho para os povos nossos amigos da Guiné. Mas isso são outras histórias.

Abraço,

António Graça de Abreu