segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15748: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): As riquezas das matéria primas africanas e as fantasias criadas

1. Texto do Antº Rosinha:

[, foto à direita: emigrou para Angola nos anos 50, foi fur mil em 1961/62; saiu de Angola com a independência, emigrou para o Brasil e finalmente foi topógrafo da TECNIL, "cooperante", na Guiné-Bissau, em 1979/93; é um "ex-colon e retornado", como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar; é membro sénior da Tabanca Grande]



Data: 12 de fevereiro de 2016 às 15:47
Assunto: As riquezas das matéria primas Africanas e as fantasias criadas


Ou seja, falemos de coisas que toda a gente fala, mas que os responsáveis não  abordam  politicamente, menorizando um assunto imensamente importante e grave.

Toda a África daqueles anos em que nós aqui andámos por lá, era alvo  de enorme atenção mundial quanto às suas riquezas por explorar.

Falava-se no ouro da África do Sul, uma realidade e que muita gente acreditava que todos os países africanos só precisavam de "brancos" ou "amarelos" para explorar da mesma maneira que faziam os boeres e o explorador Rhodes.

No nosso caso, de portugueses das riquezas do azeitinho, do vinhinho, e da corticinha, queixávamo-nos da culpa do atrasado do Salazar, que  escondia as riquezas das colónias para ninguém cobiçar o que era nosso.

Tudo isto não é novidade para quase ninguém, mas estas coisas ouvidas em Angola antes e durante a guerra,  por independentistas tipo pessoas em que podemos enquadrar gente como  os futuros dirigentes do MPLA e PAIGC, servia para aliciar os nativos, e  principalmente quem vivia nas cidades, criados, serventes nas obras, vendedores de jornais e pipocas, estudantes nas escolas e liceus, e em geral todos os jovens citadinos.

Todos, menos os velhos sobas e régulos que desconfiavam das farturas, e sabemos que uma grande maioria pagou com a vida e a destruição e perseguição, principalmente em Angola com 3 movimentos inimigos.

Mas nós, muito  povo português da metrópole, caíamos também nessa cantilena, das riquezas e diamantes a pontapé, e até hoje passados 40 anos muito patinho ainda escorregou na casca da banana, alguns até foram ao parlamento explicar aos deputados para onde foi tanto dinheiro.

Na Guiné, essa miragem das riquezas «escondidas» também foi vendida e de que maneira. Estrangeiro que chegasse a Bissau, nos primeiros vários anos após a independência com partido único, PAIGC, verificava que  essa fantasia das riquezas escondidas, ainda era vendida entre os jovens e principalmente entre a Juventude Amílcar Cabral (JAC).

E, embora Amílcar Cabral chamasse à atenção,  em discursos, que não queria uma Guiné igual aos países que continuavam  a ser explorados  por neocolonialistas, não evitou que o PAIGC criasse macaquinhos na cabeça de toda a gente.

Então estava criada uma ideia na cabeça de toda a gente, em Bissau, que a Guiné estava deitada sobre um enorme lençol de petróleo, e um grande travesseiro de fosfatos, que os portugueses escondiam.

Como tal, nem era  preciso semear o arrozinho, a mancarrazinha e o cajuzinho!,,, Alguém viria para explorar aquelas riquezas e era a felicidade total.

E assistiu-se vários anos a uma Guiné absolutamente paralizada, sem produzir nada, à espera das ofertas de dadores e doadores que tudo o que enviavam era distribuído entre os "membru" do partido, ou exportado para os vizinhos, e o povo naquela fome.

Outra ideia criada pelo PAIGC, e que  todas as ex-colónias alimentam, até os brasileiros, era que os portugueses, atrasados, não deram educação e ensino, por isso "estamos atrasados".

E os dadores e doadores vai  de recuperar o atraso dos portugueses,  a fazer com bolsas de estudo doutores e engenheiros como uma linha de montagem, e não havia mais  jovens  que quisesse permanecer na sua tabanca original, nem para criar vaca ou cultivar arroz.

Ora, como até agora não apareceram as tais riquezas que Salazar «escondeu»,  e é aí que eu quero chegar, podemos hoje, 40 anos após a independência, contraditoriamente, podemos confirmar que hoje os guineenses são dos povos menos pobres da toda a África e precisamente por essas riquezas continuarem escondidas.

Mais pobres que a Guiné são os Estados petrolíficos e diamantinos, como Angola, os Congos , Nigéria, Serra Leoa e muitos  outros, em que têm enormes cidades  com milhões de jovens a vaguear pelas ruas, sem qualquer perspectiva de vida, quer na agricultura, que ninguém produz porque há dinheiro para importar, nem na construção e indústria porque há dinheiro para pagar a portugueses e chineses e franceses e brasileiros fazerem, nem nas escolas porque não adianta estudar porque vêm engenheiros e doutores  europeus, chineses e  americanos  e ocupam os bons lugares de trabalho.

Um caso paradigmático quanto às riquezas petrolíferas é São Tomé, que são duas ilhas num mar de petróleo. E fantasiando riquezas mirabolantes, abandonaram aquelas maravilhosas e modelares fazendas de cacau do "colon" explorador, e agora estão esperando que um branco qualquer venha restaurar a exploração cacaueira, já passaram 40 anos.

Todos os países europeu coloniais sabiam das riquezas que havia naquelas colónias, e a melhor e mais económica e  "humana" maneira  de explorar essas riquezas, era a independência.

Mas,  exceptuando nós portugueses e os brancos do apartheid sul-africanos e rodesianos é que de uma maneira ou outra lutaram contra a demagogia de libertadores irresponsáveis daqueles "ventos da história", que ajudados pelo cinismo de neocolonialistas, iludiram com fantasias mirabolantes milhões de jovens que hoje (os pretos velhos nunca acreditaram) estão completamente desorientados.

Muitos desses jovens estão há vários anos  junto ao funil da mancha, outros no arame farpado de Ceuta, outros na Tunísia a olhar para Lampedusa. Estão a perguntar de quem é a responsabilidade sobre o desaparecimento daquelas riquezas, porque a eles não calhou nada.

Sabemos que África tem regiões com muitas riquezas naturais, mas sabemos que há outras tão pobres que nem a água das chuvas é regular. E podem nem ser essas as que vivem pior, Cabo Verde é um exemplo. Mas Cabo Verde é um caso africano à parte, não tem as mesmas contradições  da maioria dos outros países. Para os cabo-verdianos, o que conta são as únicas riquezas que têm: O seu tchon e as pessoas.

Nós,  portugueses, como os mais antigos colonizadores em África, bons ou maus colonizadores,  (não há colonizadores bons, mas dizem alguns guineenses que os franceses colonizam melhor que os portugueses),  temos obrigação, através dos que andámos na Guerra do Ultramar, escrever na história da África e da Europa que lutámos enquanto pudemos contra o caos daquelas descolonizações, que de terras onde não havia fome, hoje há fome, guerra, diamantes, petróleo, abandono e invasões indiscriminadas, até de religiões estranhas vindas de todas as latitudes, e não sabemos onde as coisas vão parar.

E uma das causas de muitos problemas africanos, são mesmo as riquezas «escondidas». A Europa, como vizinha de África,  e com algum sentimento de culpa, vai (está) a sentir na pele o que aí vem.

Cumprimentos

 Antº Rosinha



Suécia > s/l > s/d > Visita de uma delegação de um país africano... Segundo indicação do Cherno Baldé,  pelas vestes e traços fisionómicos, seriam representantes do povo massai, seminómadas; são menos de um milhão, e vivem no Quénia e no norte da Tanzânia.

Foto do arquivo de José Belo (sem indicação da fonte).
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de janeiro de 2016  > Guiné 63/74 - P15623: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (41): o que foi mais devastador para o PAIGC foi precisamente a campanha psicológica spinolista por uma "Guiné Melhor"


3 comentários:

JD disse...

Olá Rosinha,
Apreciei o teu texto carregado de ironia e verdade.
De facto, muitos independentistas carregados de oportunismo, aludiam ao roubo das riquezas em favor dos colonos, com a intenção de dividir a população, e colocarem-se em posições privilegiadas para substituirem os gestores das grandes empresas e apoderarem-se de outras iniciativas empresariais. O que chegou a acontecer.
O que não lhas passava pela cabeça, é que para as actividades económicas, para além do conhecimento prático, é necessário perceber de planeamento, ter conhecimento sobre as regras a adoptar ou a aplicar, coisas que por vezes exigem equipes multi-disciplinares de óbvia competência. Recordo que antes do golpe, já os empregados da Diamang eram invejados e considerados privilegiados, mas era o conjunto das actividades desempenhadas com competência que garantia estimáveis rendimentos ao Estado.
Durante anos, foi o café a maior riqueza de Angola, até que o petróleo passou a constituir a actividade mais rica.
Com ajuda de alguns militares do MFA, de que o General Silva Cardoso traça curiosas facetas de carácter, e descobre-lhes soezes intenções no afã da obsessão revolucionária, sobretudo alguns líderes do MPLA convenceram-se de que a vitória era certa, e de que lhes estavam a oferecer o caminho da felicidade. Perseguiram e liquidaram "colonialistas", mesmo os que não iam além de simples trabalhadores, e criaram um ambiente de volência e medo, que provocou a saída abrupta dos cidadãos não africanos, ou africanos não comprometidos com os movimentos, do que veio a resultar a paralisia económica, o roubo frequente, o abandono do interior, e a ruína dos equipamentos e infra-estruturas.
Mas eram revolucionários, e confundiram o que lhes caíu do céu, com o que dizem ter conquistado.
A actividade económica em Angola não se reduzia à exploração de matérias-primas, também se trabalhava com bons resultados na agricultura, na pecuária, na pesca, na indústria e na prestação de serviços, actividades que contribuíam para crescimento do produto e reforço da balança de transacções.

JD disse...

Queria visualizar e cliquei em publicar. Azelhice!

O que eu estava para dizer, é que antes de sermos portugueses, americanos ou angolanos, branco, pretos ou mulatos, somos cidadãos do mundo, e é perante o mundo e a preservação ou utilização racional das diferenças, da ecologia, dos recursos, enfim, dos modelos que melhor se adaptam e serão mais aconselháveis conforme as circunstâncias, que poderemos crescer e desenvolver a humanidade.
A tolice, porém, deu para ver como em Angola cresceram os arranha-céus (muitos continuam por ocupar, ou são ocupados por por orientações privilegiadas) apesar da extensão das terras, abriram-se estradas e fizeram-se construções sem cuidar de drenagens tão necessárias nos climas tropicais, e importa-se de tudo, porque não se levou em conta as necessidades da população com relação aos rendimentos.
Do anterior constata-se a imensa incompetência dos governos saídos dos movimentos, da guerra civil, e da luta pelo poder que mais convém às grandes potências.
Na guiné aconteceu algo de parecido. Houve investimentos muito mal feitos, como a fábrica da Citroen e a fábrica da cerveja, que segundo informação fidedigna que oculto, relativamente à segunda fábrica, não passava dos 10 a 15% da capacidade de trabalho, porque os investidores esqueceram-se de um pormenor: garantir a energia.
E assim pelos diferentes sectores da actividade, sendo que o maior erro poderá ter sido a substituição do arroz pelo caju, situação que não sei se foi ou não corrigida.
A descolonização em Moçambique passou por vicissitudes semelhantes, e pude perceber como as autoridades influenciaram ao desbaratar de de um vultoso reinvestimento na Textafrica, para além do aspecto de abandono geral e degradação do que terá sido a mais vaidosa das provincias ultramarinas.
"Angola- Anatomia de Uma Crise", Gen. Silva Cardoso, encontra-se barato em alfarrabistas; "Servindo o Futuro de Angola", Costa Oliveira, Luanda 1972, dificil de encontrar.
Abraços fraternos
JD
E pronto, coloridas com golpes diversos, nestas três nações parece que ainda se sonha bastante com o regresso dos portugueses, mas nada será como dantes. Pode ser que outros camaradas que lá tenham ido, possam aqui deixar testemunhos das experiências que tiveram.

Antº Rosinha disse...

JD, temos que atirar mais culpas pelo que se passa de mau em muitos países em África, para cima da Europa do que para a incapacidade de alguns países africanos se entenderem na governação.

JD, a irresponsabilidade da Europa e a incapacidade desta Europa de hoje, em resolver os seus problemas já se reflectiam naquele tempo por não conseguir enfrentar os problemas que estavam a aparecer por aquela guerra fria pelos donos do mundo, americanos e russos.

Esta incapacidade europeia, de hoje, já existia naquele tempo.em assumir as suas responsabilidades

Nós, do nosso tempo, só temos que insistir que fomos os últimos europeus a desistir, com imensos sacrifícios, e com imensas limitações históricas.