Capa do livro de Mario Faccioli (1922-2015), padre do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores), que esteve em Catió e teve problemas com as autoridades da Guiné, antes e depois da independência... Cortesia da página de Fernando Casimiro (Didinho). Neste livro autobiográfico refere a prisão do padre António Grillo, em 1963, e as suas próprias dificuldades de relacionamento com as autoridades portuguesas... Infelizmente ainda não tivemos acesso ao livro, só conhecemos o índice e alguns excertos.
1. Uma parte dos colonos que tinham estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas na Guiné, antes do início da guerra, eram de origem cabo-verdiana ou ou sírio-libanesa. Veja-se o caso do Álvaro Boaventura Camacho, sobre quem encontrámos a seguinte referência na Net, no blogue João Laurence / Bedanda. ( João Augusto Laurence viveu, na infãncia em Catió; em 1956 andava na escola. presumo que seja de origem cabo-verdiana; e possivelmente foi militar da FAP, a avaliar pelo agradecimento que faz ao Hospital das Forças Armadas Portugueses onde esteve internado em 2014; refere também, com gratidão, no seu blogue, a ação do padre Mario Faccioli) (*)
"Dezembro 13, 2007
Cufar
Cufar fica localizada na zona Sul da Guiné-Bissau, pertence a região de Tombalí. Antes do início da guerra colonial possuía um aeródromo que pertencia a um comerciante português de origem caboverdiano de nome Álvaro Boaventura Camacho" (...)
Esse aeródromo foi teria sido depois cedido "à Administração Colonial Portuguesa (sic) para instalar equipamento militar":
"Os largos fogos potentes e profundos da artilharia pesada que fustigavam o espaço aéreo de Bedanda Encossa partiam de Cufar com um único destino: Zona de Curá, Caboxanche, Cantanhede e limítrofes. Zona de mata densa, pantanosa e de difícil penetração, ocupada pelos guerrilheiros do PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-Verde. As Zonas eram referenciadas por “tchom"– chão. Por exemplo : Tchom de manjhaco,tchom de nalú que específicamente é a região de Tombali."
Temos que dedicar mais atenção à atuação dos missionários italianos, do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores), no território da Guiné, antes e depois da independência...
Temos menos de duas dezenas de referências no nossos blogue aos "missionários".
Os italianos, algunes deles, tiveram problemas com as "autoridades portuguesas": foi o caso do padre António Grillo (1925-2014), que esteve em Bambadinca e que era particularmente acarinhado pelos balantas de Samba Silate, uma enorme tabanca, com quase duas mil almas, que será destruídas pelas NT no princípio da guerra, no subsetor do Xime...
Recorde-se: foi detido pela então polícia política portuguesa, a PIDE, a 23 fevereiro de 1963, sob a acusação de atividades subversivas; esteve preso em Bissau e depois em Lisboa; acabou por ser libertado em 4 de julho de 1963 em homenagem, de Portugal, ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI (1898-1978), que em 21 de junho de 1963 tinha sucedido a João XXIII, na cátedra de São Pedro... Com a independência da Guiné-Bissau, o padre Grillo volta a Bambadinca, onde trabalha, de 1975 a 1986, associado ao PIME... Visitou Bamnbadinca em 2010, quatro anos antes de morrer.
O missionário que estava em Catió, o Mário Faccioli (1922-2015) também teve problemas com a PIDE e, depois da independência, com o 'Nino' que o expulsou da Guiné-Bissau...
2. Excerto do livro de Mário Faccioli, "Una vita missionaria: in Guinea Bissau 1956-2008".
Tradução da versão original em italiano para o português: Filomena Embaló. Reproduzido com a devida vénia da página de Fernando Casimiro (Didinho):
(...) A 25 de maio de 1947, em plena estação das grandes chuvas, desembarcaram no porto de Bissau, os primeiros sete missionários do PIME: Settimio Munno, o chefe do grupo, Arturo Biasutti, Luigi Andreoletti, Filippo Croci, Efrem Stevanin, Spartaco Marmugi e o irmão Vicenzo Benassi. A coragem e zelo destes primeiros homens enviados para a Guiné Bissau manifestaram de maneira brilhante e vivaz a força do carisma das gentes do PIME, de que deram provas desde o primeiro ano.
De 1947 a 1974 (data da independência da Guiné), o PIME enfrentou situações que não foram nada fáceis.
O regime colonial condicionava a vida e as ações dos missionários "estrangeiros" (como nos chamavam os Portugueses): as dificuldades não eram só socioeconómicas, mas sobretudo ao nível da evangelização, pois a presença dos colonizadores, "senhores e patrões", era um contra-testemunho extremamente negativo da mensagem cristã que nós trazíamos. A este respeito, eu digo "nós" porque, em 1956, nove anos depois da chegada dos sete primeiros, chegámos eu e o Irmão Luís Capelli.
A minha primeira experiência missionária na Guiné foi em Catió, cidade ao sul do país, no seio dos Balantas (uma das tribos mais numerosas), alguns muçulmanos e vários Portugueses, empregados comerciais e funcionários. O uso exclusivo da língua portuguesa era obrigatório e o relacionamento com os nativos da aldeia era bastante reduzido. Eu trabalhei na escola e no ensino e procurei conhecer pessoas, como também ajudá-las materialmente, enquanto continuava a acreditar que o caminho deveria ser outro (,..).
3. Sobre o padre Mario Faccioli escreveu João Laurence o seguinte no seu blogue, em 18 de março de 2008 (reproduzido por nós aqui com a devida vénia):
(...) "Parabéns Reverendíssimo Padre Mário Faccioli- Recordo-me de ter passado muita fome no ano de 1956. Foi o ano mais difí cil da minha vida, em que inclusivé reprovei na escola por motivos económicos. Nos anos 1957-58 fui convidado pelo Senhor Reverendo padre Mário Faccioli para integrar o Internato de Cátio, constituido por Salazar Salú Quetá de Cacine, Constantino Gomes de Cátio, os dois já falecidos, Tenente Joaquim Vieira e eu próprio, João Augusto Laurence. No Internato da Cátio, foi-nos fornecido alojamento e alimentação, patrocinado pelo Reverendíssimo Padre Mário Faccioli/PIME/Vaticano.
Recordo-me de ter caído numa valeta, perto da Adiministração do Concelho de Cátio, tendo sofrido várias escoriações. De imediato, fui assistido pelo Senhor Reverendo acima referido. Como as dores eram enormes autorizou-me a usufruir do quarto dos hóspedes, para uma melhor e mais rápida recuperação. Foi a primeira vez que dormi num colchão Molaflex.
Reflectindo sobre um altruísmo da atitude do Reverendíssimo tal marcou-me e considero que foi início de uma verdadeira arquitectura da minha vida. O Reverendo Padre Mário Faccioli, além de outras iniciativas de louvar, formou um grupo de teatro em Cátio e que foi encenado também em Empada-Guiné Bissau.
Sempre muito dinâmico, tinha como actividade lúdica a prática de caça desportiva como as Rolas e Perdizes na zona de Suá/Cátio. Rezou missa na zona de Geba e Gábu, zona prodominantemente afecta aos Muçulmanos.
Toda a sua vida foi passada na Guiné-Bissau ao serviço dos mais desprotegidos. Sacerdote de formação, com uma inteligência fora do normal, participou na construção do Seminário de Bissau que tanto tem contribuido para o formação dos guineenses.
Homem multifacetado, domina áreas como da electricidade, arquitectura e engenharia, para além obviamente, do dom da palavra na mensagem evangelizadora.
No preciso dia 27 de Março [de 2008], faz o Reverendo Padre Mário Faccioli 86 anos de vida, meio século dedicado à causa pacificadora na Guiné-Bissau. Portanto, aqui fica registado o meu profundo apreço e consideração por um ser humano de elevado carácter humanista.
Muitos parabéns Reverendíssimo Padre Mário Faccioli." (...)
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 5 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17652: Historiografia da presença portuguesa em África (85): Revista Turismo de Janeiro de 1956 (2) (Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf)
3 comentários:
O alf mil capelão Horácio Fernandes, por sinal meu conterrâneo e meu parente (os nossos bisavós de Ribamar eram irmãos), esteve em Catió, no BART 1913, em 1967/69, e conheceu o padre Mario Faccioli, em Bissau. Tinha deixado (ou sido compelido a deixar Catió e a sua comunidade cristã, composta de cabo-verdianos e balantas): "Parecia ressentido com as autoridades portuguesas e apenas deu respostas evasivas" às perguntas do capelão que, como padre, nunca foi aceite pelos "queridos balantas" do colega italiano..."A guerra e o clima de suspeição não favoreciam a estadia de um padre estrangeiro, a trabalhar junto da etnia balanta, a que em maior número alimentava as fileiras dos inimigos", para mais numa sede de circunscrição, Catió, onde predominava a etnia fula, de "religião e costumes muçulmanos"...
Para saber mais:
17 DE AGOSTO DE 2014
Guiné 63/74 - P13508: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Parte IV: Nem bem com Deus nem com César, ou a dupla dificuldade de ser-se sacerdote vestido de camuflado numa terra a ferro e fogo...
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2014/08/guine-6374-p13508-francisco-caboz-um.html
Concordo com o que disse o insuspeito António J. Pereira da Costa, cor art ref, um militar formado na Academia Militar, com duas comissões na Guiné...
Fomos todos de olhos vendados para a Guiné, dos oficiais e sargentos do quadro aos milicianos e tropa do contingente geral... Nenhum de nós sabia o que era a Guiné, a sua história, a sua cultura, a sua geografia, as suas gentes... Nem convinha que soubéssemos... O feitiço virou-se contra o feiticeiro: a geração que fez a última parte da guerra, ao tempo do gen Spínola e do gen Bettencourt Rodrigues, tinha muito mais informação e conhecimento sobre a realidade sociopolítica da Guiné do que os camaradas do tempo do Schulz (1964-68) e com-chefes anteriores...Nunca se ganhou uma guerras com tropas a quem se mente ou se esconde a realidade... E a propaganda não é suficiente para um homem matar e se deixar matar...
Luís Graça, todos os missionários americanos, italianos, alemães, quer fossem católicos ou protestantes, espalhados especialmente em Angola e Moçambique, eram "naturalmente" subversivos contra Portugal, em nome de Cristo e dos livros sagrados.
Para essa gente, a Deus o que era de Deus, a César(es) o que era deste(s).
Desde que o César não fosse um coitadito de um simples e atrasado portuguesito.
Claro que de todos os missionários, os que ficaram para a história foram os americanos evangélicos (?) com igrejas por todo o norte de Angola e Luanda, e Congo Ruanda e Burundi, amigos do Holden Roberto, cunhado de Mobutu que Kennedy, católico apoiou, e ficaram bem conhecidos os processos «psico-narcóticos» desses missionários dignos de uns Boko-Haram de hoje em dia.
Mas o papel dos missionários nas colónias pode ser um assunto bem interessante para este blog.
Já na 1ª Grande Guerra, os missionários alemães católicos «evangelizaram» ao lado do seu país para correr com os portugueses do norte de Moçambique.
A PIDE daquele tempo, teria um outro nome, também prendeu e deportou alguns missionários alemães.
Sempre houve uma atracção muito grande dos diversos missionários cristãos europeus e americanos pelas colónias portuguesas.
É um bom assunto, este dos missionários em África, e que todos em geral, "cortavam-nos" na casaca junto dos seus crentes africanos, sem dó nem piedade.
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