Guiné >Região do Gabu > Boé > Madina do Boé > 16 de novembro de 1973 > O jornalista alemão, da Reuters, Joachim Raffelberg, e o gen Bettencourt Rodrigues, governador-geral e com-chefe que, a partir de 21/9/1973, substituiu o carismático gen António Spínola.
1. Na página do Facebook do antigo jornalista da agência Reuters, Joachim Raffelberg, chamada Raffelnews, Serviço comunitário, encontrámos esta "preciosidade", um álbum sobre Madina do Boé, com fotos (legendadas em inglês), inseridas em 29 de janeiro de 2018, incluindo recortes de jornais portugueses (Diário de Notícias e Diário de Lisboa) que reproduziram a notícia da agência noticiosa portuguesa, ANI, dando conta de uma visita de jornalistas estrangeiras, de helicóptero, à antiga Madina do Boé, acompanhados do gen Bettencourt Rodrigues, o então novo comandante-chefe do CTIG.
A visita terá ocorrido no dia 16 de novembro de 1973, quase dois meses depois da proclamação unilateral da independência que o PAIGC reclamava ter sido feita na antiga Madina do Boé, evacuada em 6 de fevereiro de 1969. (*)
Com a devida vénia, reproduzimos alguns desses documentos, que são importantes para informação e conhecimento dos nossos leitores, antigos combatentes (**), com tradução nossa, livre, para português, das legendas (, no todo ou em parte), que se reproduzem, a seguir, em itálico:
Foto nº 1
(....) Os cerca de 500 anos de domínio colonial português estavam a chegar ao fim. (...) Apesar das minhas reportagens críticas, em 1971, sobre o uso de napalm no teatro de operações de Angola, o Governo português convidou-me, mais uma vez, para visitar uma das suas colónias africanas, desta vez, a Gyuiné, um pequeno ponto na costa da África Ocidental.
[O antigo jornalista também tem um pequeno álbum sobre o alegado uso de napalm em Angola, vd. aqui: Napalm in Angola 25 jan 2018]
(...) Aqui, na Guiné, o
PAIGC de Amílcar Cabral, um dos principais líderes anticoloniais africanos
(assassinado em janeiro de 1973), esforçava-se por derrubar as forças armadas portuguesas, primeiro sob o comando
do general do monóculo, António de
Spínola, e agora, em 1973, sob a liderança pelo general José Manuel de
Bettencourt Rodrigues, ex-ministro da Defesa.
Lisboa
sempre rejeitou, como falsa, a
reivindicação do PAIGC de extensas áreas libertadas no interior do território, mas quando o
PAIGC em 1973 declarou que tinha proclamado a independência da Guiné-Bissau
num local chamado Madina do Boé em 24 de
setembro, as autoridades militares portuguesas levaram, até lá, jornalistas estrangeiros, sete semanas depois, para provar que os rebeldes estavam errados.
Hoje já
sabemos qual foi o desfecho: o próprio General de Spínola abriu caminho aos libertadores, com o seu livro “Portugal e o Futuro”, que pôs em marcha a revolução dos cravos de
1974: ao som da canção “Grândola, vila morena”, tocada pela Rádio Renascença a partir da
meia-noite de 25 de abril, em menos de 24
horas, seria derrubada a ditadura mais antiga da Europa.(...)
Fotos nº 2:
Guenter Krabbe (...) e eu fomos acompanhados pelo governador Bettencourt Rodrigues (...) no nosso passeio de helicóptero ao local, situado a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conacri. Depois de Bafatá, o piloto vestiu o seu colete à prova de bala para não correr nenhum risco.
Verificamos o percurso no mapa do comandante. Em Madina do Boé, o
nosso grupo foi saudado por Forças Especiais Portuguesas [. tropas paraquedistas, CCP 122 / BCP 12,] que tinham enviadas previamente para limpar a área, em caso de necessidade. (***)
O general deu-nos 'uma pausa para o cigarro' , o tempo suficiente para dar uma olhadela no terreno à volta, antes de regressarmos. Tudo o que encontramos no terreno de savana foram os restos de um edifício que parecia um barraco e as fundações de várias palhotas. Não tínhamos permissão para inspecioná-los porque o local havia sido minado, conforme aviso que nos fora feito.
Se o PAIGC tivesse ter declarado aqui a independência, eles bem poderiam ter atravessado a fronteira próxima e regressado a correr, após uma possível breve cerimónia.
Embora o Krabbe tenha escrito que não havia nenhuma povoação em Madina do Boé, muito menos com aspeto de estar inserida numa zona libertada, os jornais portugueses citaram extensivamente a minha história com um enfoque no colete anti-balas do piloto.
Foto nº 3
(...) Sem mo dizer, o QG da Reuter tinha enviado, ao mesmo tempo que eu, um colega a Conakry para confirmar, do “outro lado”, a declaração de independência alegadamente feita em Madina do Boé, e a Reuters atrasou a transmissão da minha reportagem aos nossos nossos subscritores, até que eles validassem comigo as coordenadas do lugar que nos disseram ser Madina do Boé, uma vez que tinham detectado um erro no grau de latitude no meu fax. Acontece que o grau correto se perdeu na transmissão (...)
J. Raffelberg, na altura correspondente da Reuter em Bona, tinha recebido instruções para explorar a oportunidade de obter informação em primeira mão sobre um assunto controverso (a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau), o mesmo é dizer, conseguir um "furo jornalístico", mas o relato do repórter deveria passar primeiro pela sede da Reuter em Londres, com vista a garantir que os padrões da agência, de objectividade, imparcialidade e triangulação de fontes, estavam assegurados.
Foto nº 4
"Os marinheiros nos disseram ter [, a Cassiopeia.] participado da invasão marítima de Portugal à Guiné-Conacri em [22 de novembro] de 1970 para capturar ou matar Amílcar Cabral, mas a missão falhou. Quando naveguei com eles no rio Cacheu em 1973, o seu comandante era o 1.º tenente António Silva Miguel".
O gesto do novo comandante-chefe e governador-geral, gen Bettencourt Rodrigues, parece ter chegado demasiado tarde. E não terá tido grande repercussão na imprensa internacional: os dois jornalistas alemães terão estado menos de 15 minutos em Madina do Boé, e com forte protecção militar. Acrescente-se ainda o facto de a Op Leopardo não ter ficado barata, dada a mobilização de meios que implicou (parte do BCP 12 e parte da frota de Helis AL III).Não tenho qualquer dado para responder a isso, mas posso contar o que aconteceu em 69
Eram dois Helis, eu seguia num, com os Páras (picadores na especialidade). As ordens eram as seguintes: Eu largava um Pára que picaria o terreno para os Helis aterrarem. Assim foi executado.
Para que o IN pensasse que havia muita tropa, foi feita uma manobra de diversão. Enquanto o Gen Spínola estava em terra, os dois helis aterravam e levantavam fazendo voltas de pista, para sugerirem muitos efectivos.
As movimentações em terra eram feitas com muito cuidado. No único local onde há montes na Guiné [, as famosas Colinas do Boé,], os Helis apareciam e desapareciam para dar a ideia de muito aparato.
Recuperado o Chefe, Maj Durão, fotógrafo, e julgo mais um graduado, e os quatro Páras, que seguiram comigo, nunca mais voltei a aterrar em Madina do Boé.
Com estas fotos, Spínola queria mostrar que Madina ainda era controlada por nós, mesmo abandonada.
Porquê toda esta tosca explicação?
Acho que seria inapropriado o PAIGC ir com o seu Povo fazer uma cerimónia de independência num local que eles sabiam estar minado. Não saberia a FAP que eles nunca iriam a Madina ?
A cerimónia terá sido mesmo em Madina do Boé, dentro da Guiné? A Guiné-Conacri fica ali a dois passos.
Gostaria de saber se, em 1973, o Gen Bettencourt Rodrigues aterrou em Madina ou só fez umas passagens para ver se havia alguém.
Afinal não estou a esclarecer nada, estou a aumentar as dúvidas!!! (...)
Guiné > Região de Bafatá > Dulombi > Op ÇLeopardo (15-17 de nevembro de 1973) > Heli Al III estacionados em Dulombi.
Azeitão
Pelotão, nestas funções tomei ainda parte na Guarda de Honra que a CCP 121 fez à recepção da chegada do novo Governador da Província, General Bettencourt Rodrigues em 21 de Setembro de 1973. (...)
Comandei o Pelotão até 01Nov73, data em chegou um Alferes para o comandar, participei na Operação “Leopardo” de 15 a 17 de Nov73, em Madina do Boé em que participaram as CCP 121 e CCP 122, consistiu em levar uma equipa de fotógrafos ao local onde diziam que tinha sido declarada a Independência, mas quem lá foi disse que não havia lá nada, nem indícios, não há dúvidas que filmaram foi noutro local e não em Madina do Boé. (...)
12 comentários:
Tudo isto me parece normal, natural.
Há uma acção de propaganda. A ela segue-se a contrapropaganda.
E depois há a contra contrapropaganda. E assim por diante.
É normal e natural.
Hélder Sousa
Escrevi no meu Diário da Guiné. Tudo certinho.
Cufar, 6 de Dezembro de 1973
O governador, general Bettencourt Rodrigues foi mesmo de helicóptero a Madina do Boé, ao lugar onde o PAIGC diz ter declarado a independência. A ideia que tenho da região é de que se trata de zonas desabitadas, abandonadas há anos pelas NT devido à ausência de interesse estratégico da região, no extremo sudeste da Guiné. O governador esteve lá durante uma dezena de minutos, numa espécie de comprovação da impossibilidade de o PAIGC haver usado aquela “zona libertada” para declarar a independência. Houve um jornalista alemão que acompanhou a comitiva do Bettencourt Rodrigues e redigiu uma crónica datada de Madina do Boé. A propaganda é necessária. Também é verdade que não encontraram viva alma na antiga povoação do Boé, destruída pela guerra em anos passados. Onde estavam os heróis do PAIGC que declararam a independência da Guiné em Madina do Boé? Talvez não estivessem longe, mas ninguém os viu.
Abraço,
António Graça de Abreu
Observemos o mapa da Guiné em 1973, na zona do Boé, acompanhando o rio Corubal desde perto de Quebo quase a tocar a fronteira. até acima de Cabuca a entrar na Guiné-Conacri.
Qual será a área de toda essa zona? A dedo verificamos ser uma grande área do território, e vai daí abandona-se toda aquela região por não ter interesse estratégico. Sem interesse estratégico leia-se sem capacidade de manter a população nas várias tabancas mesmo com a segurança da NT.
E assim se abandona parte do território nacional.... vitoriosos e com muitos mortos.
Provavelmente, digo eu, como não havendo população em toda aquela região, o PAIGC também a abandonou por não ter interesse estratégico.
Valdemar Queiroz
Já agora gostava de saber se a Reuters chegou a transmitir a peça do J. Raffelberg...Só vasculhando os jornais estrangeiros da época. Mas parece ter havido uma divergência entre o repórter alemão e a sede em Londres por causa da geolocalização de Madina.Naquele tempo não havia GPS. Curiosamente no álbum que eu encontrei, no Facebook, só havia recortes de jornais portugueses, o DN e o DL.
No segundo semestre de 1969, no Sector L1, apanhamos com as consequências da retirada de Madina do Boe... O sul e o sudeste do "chão fula" ficaram desguarnecidos...Dizer que o Boé não tinha interesse estratégico é uma desculpa para tapar a nossa insuficiência de meios...Mas aquele buraco em 1973 seria pior que Guilejé..Sem abrigos contra o morteiro 120,os foguetões 122 ou a peça de artilharia 130...
Temos de reconhecer a coragem dos nossos dois generais: o gesto do gen Bettencourt Rodrigues já foi inédito, antes dele, quatro anos antes, o Spínola já lá tinha poisado, também para a fotografia, com 2 hélis (um dos quais pilotado pelo noss grande Jorge Félix, de quem eu tenho aqui, no blogue, muitas saudades, nunca o tendo conhecido pessoalmente...).
Coragem dos generais, mas sobretudo dos nossos pilotos e dos nossos paraquedistas...Se o relato do Jorge Félix está completo, então o Spínola foi apenas com 2 helis e uma pequena comitiva, um fotógrafo, claro, e cinco "picas" do BCP 12 para picar o terreno antes dos helis poisarem... Vocês estão a imaginar esta cena ?!...Já não me lembrava deste delicioso apontamento do Jorge Félix...Estamos a admitir que o Spínola foi lá sem os páras (um, dois ou até uma companhia inteira) a servir de escudo... Temerário ? Era típico dele... Por um triz escapou à chacina dos "3 majores" no chão manjaco... E é também do nosso tempo, a chegada dele aos nossos "buracos" só para nos cumprimentar, reforçar o moral ou dar uma espreitadela...
Passados muitos anos depois do 24 de Setembro de 1973, além Ché-Che continuava uma região esquecida no que a Bissau diz respeito.
Até dava a ideia que aquilo estava ali a mais, houve uma altura que a única ligação a Bissau, era com os médicos da AMI.
Será que aquela região também faria parte daquela troca com os franceses com Ziguinchor?
Ficaram as várias "Pontas" a que chamavamos Império, que os grandes por esquecimento abandonaram, e mesmo assim, mais tarde ainda havia a tentação de acabarem com tudo, o caso da frança com a Guiné e o caso da India com a Inglaterra, e a tentativa de Timor com todo o mundo.
Os habitantes de Lugajol, não se podem queixar que Portugal os colonizou, como se queixam os Papeis.
Em Angola havia regiões bem maiores que aquela da Guiné, que também não se queixavam de serem colonizados, isto até ao 25 de Abril de 1974, daí para cá, não sei, mas gostava de ir lá perguntar.
Perguntar em português sem interprete, porque naquele tempo só com interprete.
Na Guiné usa-se o termo Ponta, em Angola chama-se Fazenda, em Moçambique Machamba, em Portugal norte Quinta, no Alentejo Herdade, na Madeira Poio, no Algarve e Açores não sei.
Portugal é uma Ponta da Espanha, Angola e Moçambique são duas Pontas do Mapa cor de rosa, Timor uma Ponta da indonésia, e seria uma Ponta da India o Estado português da India.
O único escândalo foi o Brasil, mas que muitos brasileiros ainda hoje têm desgosto não terem sido colonizados pelos americanos.
Fizemos o que foi possível.
Não fizemos mais porque não nos deixaram.
Cumprimentos
Rosinha
Atenção, deves estar lembrado, o marinheiro dizia 'se não fizemos mais foi porque não podemos' e, o outro, o seminarista católico dizia 'vitoriosos ou mortos'.
Um deles ainda cá estava em Setembro/1973, o outro, com certeza às voltas no céu dos pardais, ou os pega de estaca que cá ficaram, moita carrasco com o abandono estratégico de parte do território nacional da província da Guiné.
Ao menos tivesse havido naquelas extraordinárias cabeças pensantes a ideia de povoamento estratégico, sem carta de chamada, de toda aquela região, com homiziados ou casais de patriotas da LP para continuar na defesa de Portugal uno e indivisível contra as ameaças do terrorismo internacional a soldo do imperialismo soviético.
Como vemos, os franceses e os belgas (da fazenda do Leopoldo) não perceberam nada do assunto e os ingleses também não. É fácil de observar a chegada a Lampeduza de centenas de ex-comerciantes, fazendeiros e proprietários de origem europeia a fugir das guerras e conflitos naqueles territórios africanos. Do médio oriente e por aí em frente é outra conversa.
E neste nosso tempo, até se pode arranjar uma mal comparada opinião:
- Coitados dos carteiristas e os apalpa cus, ou apanham covid ou são chateados por não cumprirem o distanciamento social de dois metros.
Ah! e o respectivo clamor 'disto é que ninguém fala'
Abraço, saúde e sempre se vai falando destas coisas.
Valdemar Queiroz
"povoamento estratégico" ? Valdemar, eramos 800 mil Retornados, e foi a barafunda que foi, imagina se fossem para o Boé e outros cantos os 700 mil que foram para o Brasil na 1ª República, mais 400 mil de 1930 a 1960? (wiquipedia)
Só se fosse para fazer uma independência para brancos como fizeram na Africa do Sul os boeres.
Porque essa multidão mais as respectivas proles, onde eu estava incluido, retornando aos trambolhões, até vos "comiamos vivos, carago".
Valdemar, encontrei isto sobre o emigrante nos anos 20 a seguir à I grande guerra.
O português pobre, ao desembarcar nos portos brasileiros, veste polaina de saragoça, (…) e calção, colete de baetão encarnado com seus corações e meia (…) geralmente desembarca dos navios com um pau às costas, duas réstias de cebolas, e outras tantas de alhos… e … uma trouxinha de pano de linho debaixo do braço. Eram minhotos que, para sobreviver, dormiam na rua e procuravam ajuda de instituições de caridade. ”
— Raimundo da Cunha Mattos, escritor.
Quem faz o que pode a mais não é obrigado, Valdemar.
Valdemar, afinal aquele emigrante castiço dos anos 20, é do outro século, mais ou menos quando foi a indepndência do Brasil.
Rosinha
Referia-me a Fevereiro de 1969, e ao despovoamento de toda a zona do Boé por razões de estratégia militar.
....evidentemente com uma certa ironia.
Essa dos portugueses desembarcarem nos portos brasileiros, já contava a minha mãe ter acontecido com os seus tios e muita outra gente daquela região do litoral minhoto.
Abraço e saúde sa boa
Valdemar Queiroz
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