terça-feira, 5 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23412: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (5): Então o comandante do navio não assinou o recibo de entrega do preso?... (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 2732, Mansabá, 1970/72)

1. Os pobres dos editores deste blogue mal têm tempo para se coçarem, quanto mais escrever as suas próprias histórias e editar os seus próprios postes... Há material (sobretudo os textos com montes de fotografais...) que pode levar algumas horas a editar...

Mas a verdada é que eles, editores,  também sabem escrever e até têm, além de memória, sentido de humor... Hoje fomos recuperar um comentário do nosso querido Carlos Vinhal, esquecido ou escondido na "montra traseira" (a caixa de comentários) do nosso blogue, no poste P23391 (*).

Afinal, é uma história (aliás, são duas) com "princípio, meio e fim", e que encaixa na perfeição na nossa nova série "A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra" (**)

Recorde-se que o nosso camarada, amigo e coeditor Carlos Vinhal (um histórico da Tabanca Grande, à qual pertence desde 25 de março de 2006)  foi  furriel miliciano atirador de artilharia  com a especialidade de minas e armadilhas. Incorporado como instruendo do CSM em Abril de 1969 nas Caldas da Rainha (RI5), tirou a a especialidade de atirador de artilharia em Vendas Novas (EPA), tendo passado ainda, em novembro, por Tancos (EPE) onde tirou o XXXIII Curso de Minas e Armadilhas... 

Em dezembro de 1969 rumou ao Funchal onde ajudou a dar a especialidade de atirador a um grupo de militares madeirenses com os quais se formaram as duas primeiras Companhias da Bateria de Artilharia de Guarnição n.º 2 (BAG2, a partir de 1970, GAG2) a irem para o Ultramar: a CART 2731 foi para Angola, e a sua, a CART 2732, embarcou no cais do Funchal para a Guiné no dia 13 de abril de 1970, onde chegou a 17. 

Como quase quase toda a malta, esteve "hospedado" uns dias, 
no Depósito de Adidos, em Brá, e  no dia 21 do mesmo mês seguiu, com os seus madeirenses da CART 2732,  para Mansabá (que ficava na região do Oio, entre Mansoa e Farim).  Aqui permanceu em quadrícula até finais de fevereiro de 1972.

Mas estas duas histórias, que metem 1.ºs cabos milicianos e presos (e que, por isso, têm o seu quê de pícaro), não se passam exatamente nos Adidos, nem em Lisboa, nem em Brá,  mas uns tempos antes, no GAG2 (Grupo de Artilharia de Guarnição nº 2), no Funchal... (O BAG2 /GAG2 teve origem nas unidades de artilharia estacionadas na Madeira pelo menos desde 1661; hoje está integrado no Regimento de Guarnição nº 3.)



O soldado do GAG2, Funchal, que foi 'repescado' nas águas do Tejo pela Polícia Militar...

No BAG2 / GAG2 (Funchal) havia uma cela com alguns presos. Ao domingo abria-se a porta e os presos iam com as famílias, esposas, filhos, pais, etc, dar umas voltas pelas redondezas. Ao fim da tarde regressavam à situação de presos. 

Uma situação complicada foi quando num dia em que o aspirante não foi à instrução que constava de uma progressão ao longo das levadas, um dos recrutas veio ter comigo e pediu para ir falar com o aspirante ao quartel. Anui.

Quando mais tarde voltei, estava tudo em alvoroço porque o tal recruta tinha abandonado o quartel e apanhado clandestinamente um navio para o continente. 

Fiquei mesmo atrapalhado, mas antes de manifestar a minha preocupação, perguntei naturalmente ao aspirante se o militar tinha estado com ele durante a manhã. Que tinha estado e que lhe tinha pedido para o deixar ir a casa porque morava ali perto. Só que não voltou à hora de almoço. 

Contactada Lisboa, no dia seguinte a PM estava à sua espera no cais. O recruta tendo-se apercebido da recepção que lhe estava destinada, atirou-se à água, sendo preciso algum trabalho para o capturar. A esta distância não me lembro quem era e se foi connosco.


Atão, e o recibo de entrega do preso, assinado pelo comandante do navio ?

Ainda outra história com prisioneiros. Um dos meus camaradas foi incumbido de levar um preso ao cais do Funchal para ser encaminhado sob prisão para Lisboa. Chegados a bordo, o cabo miliciano entregou o preso e os respectivos papéis. 

De volta ao quartel, o oficial de dia perguntou-lhe se o Comandante do navio tinha assinado o recibo de entrega do preso.
- Era preciso? 

Havia que voltar rapidamente ao cais antes que o navio zarpasse.

Carlos Vinhal

Notas do editor:

(**) Vd. poste de 25 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P632: Tabanca Grande: Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

(***) Último poste da série >  4  de julho de  2022 > Guiné 61/74 - P23409: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (4): peripécias de um aspirante miliciano, no Depósito de Adidos de Luanda, um mês e tal à espera de transporte para o CTIG (João Rodrigues Lobo, ex-alf mil, cmdt, PTE / BENG 447, Brá, 1967/71)

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos, ficamos a saber que até mesmo numa ilha (pedaço de terra cercado de mar por todos os lados..) havia, naquele tempo, homens com "engenho e arte" para se escapulirem, embarcando clandestinamente num navio, mesmo que depois ele os vá levar... à toca do lobo.

Uma história bem pícara, tiro-te o quico por a teres partilhado connosco...

Anónimo disse...

Caros amigos e companheiros,
O nosso Carlos Vinhal, o meu mano, irá perdoar-me pela minha ousadia em “desclassificar” uma troca de correspondência entre mim e ele, na qual ele referia a uma visita que fez ao Faial. Foram mais ou menos estas as palavras que ele tão bem escreveu na sua sensibilidade humana para descrever um pouco a vivência nas ilhas:
- “O vosso mundo acaba no fim da rua. Ali, junto ao mar, tanto quanto a vista alcança, começa o sonho”, uma verdade que vivi e, como é do vosso conhecimento, realizei.
Foram milhares na última metade do Século XX, mas também não podemos esquecer aqueles que assalto, fugindo às polícias marítimas, refrescavam as tripulações das barcas baleeiras que aproavam às ilhas na caça ao cachalote, fossem eles das ilhas dos Açores, Madeira e também de Cabo Verde. Alguns acabaram por singrar na baleação e chegaram a capitanear aquelas barcas.
Mais ainda, sabe-se que Madeirenses e alguns poucos Açorianos chegaram ao Havai no princípio dos anos 1800. Ainda hoje há muitos nomes portugueses e as Festas em Honra do Divino Espírito Santo são uma relíquia deixada pelos “emigrantes” de então.
Segundo reza a minha história familiar, o meu bisavô materno, que ainda tive a alegria de conhecer, foi um dos que deu o “salto” em direção aos EUA nos anos 1880 e adquiriu a cidadania americana. Foi essa cidadania que permitiu a emigra 1ão da minha família para este país americano.
Sei e compreendo que este meu desabafo não tem nada a ver com o “salto” do artigo supra. O que importa relevar é que o “salto” das ilhas foi, em muitos casos continua a ser, uma aventura, a realização de um sonho de vida. Mesmo que isso acabasse com um mergulho no Tejo.
Abraço transatlântico.
José Câmara

Carlos Vinhal disse...

Mano José
Como escrevi, a esta distância já não retenho a identidade do nosso recruta que rumou clandestinamente a Lisboa. Não sei se ficou preso no continente ou se acabou por ir numa das companhias (2731 ou 2732) para o ultramar. Os madeirenses também tinham o sonho americano que tanto podia ser os EUA como a Venezuela ou o Canadá. Julgo que alguns também rumavam a África do Sul.
Ouvi há dias na TV um madeirense (?) dizer que não é o mar que prende um ilhéu à sua ilha, é a própria ilha, já que o mar é imenso e uma grande porta de saída para o resto do mundo. Vem a propósito lembrar a quantidade de madeirenses e açorianos que, estando na diáspora, se apresentavam voluntariamente para cumprir o serviço militar.
Jamais esquecerei o camarada madeirense J.S.N. Vieira que, estando emigrado, veio à sua ilha cumprir o serviço militar, indo connosco para a Guiné. Apesar de alguma sorte por estar impedido na messe dos oficiais, acabou por falecer, vítima de uma queda abaixo de um Unimog que o ia levar a um abrigo para fazer o seu turno de reforço.
Casado e já pai, muito cedo terminou o seu sonho de uma vida próspera.
Grande abraço
Carlos Vinhal