Guiné > Estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole > 1969 > Efeitos da explosão de uma mina anticarro (I) © Humberto Reis (2006)
Guiné > Estrada Nhabijões-Bambadinca > 1971 > Efeitos da explosão de uma mina anticarro (II)
© Humberto Reis (2006)
Dos cadernos (1) do Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-furriel miliciano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612, que teve o seu momento de glória em Mansoa, em 9 de Setembro de 1974 (2).
POR AÍ NÃO... ESTÁ TUDO MINADO!
A mina era a mãe de todos os pesadelos,
Um temor... quando nos deslocávamos na picada,
Um flagelo constante para a nossa tropa
Qu’assim era traiçoeiramente estropiada.
O progresso na modernidade
Nas sociedades normais e sadias,
Evoluindo em paz e liberdade,
Seria a perfeita das harmonias.
Mas os ódios no mundo radicados,
Racismos, ditaduras, religiões,
Quezílias de terras e políticas
Geram conflitos e confrontações,
Que por vezes degeneram em guerra!
Entram os militares em acção!
Soldados, armas, estratégias...
Até que haja uma rendição!
Por vezes, os fins justificam os meios
E os métodos que são utilizados
Nem sempre respeitam as regras,
Tornando-se mesmo animalizados.
Bem no meio desta salgalhada
Existe uma raça, os guerreiros,
Aqueles que primam pela luta leal
Que no combate são os primeiros.
Formam uma estirpe elitista
A quem dá Honra e Orgulho pertencer
E pautam o seu ser pela divisa…
O firme Antes quebrar que torcer!
Amam a Pátria, a Paz, a Família
E s’algum dos três é posto em perigo
E eles têm que recorrer às armas,
Cuidem-se de tamanho inimigo.
Detestam tudo o que denote
Indícios de cobardia e traição
E esgotam todos os seus recursos
Para atingir a sua supressão.
Uma das traições mais frequentes
Qu’estes audazes querem derrotar
São as armadilhas sujas e desleais!
Das quais as minas são primeiro lugar .
Na Guerra do Ultramar, em África,
De todos os temores, o mais terrível
Era a mina dissimulada no chão,
Traiçoeira... funesta... invisível.
Dizem: - É uma arma de baixo custo!,
Que causava grande devastação
Entre as pessoas e as viaturas,
Podendo ser de sopro ou fragmentação.
Existem no mundo vários modelos
E por todas as Nações são usadas,
Aqui vou falar das antipessoal,
Criminosas e desumanizadas.
Montam-se com bastante facilidade,
Estuda-se no terreno um ponto,
Uma cova... põe-se a mina... tapa-se…
Arma-se o detonador e... pronto!
Disfarça-se a superfície à volta,
Do melhor modo camuflado,
E deixa-se ali ficar, a ratoeira,
Á espera d’um desgraçado.
É que, por incrível que pareça,
O seu objectivo não é matar...
Mas bem mais tenebroso e macabro
Ferir o corpo humano... retalhar!
Assim, a sua face mais infausta
É o medo dos graus de destruição
Tanto físicos como psicológicos
Que nas vítimas provocarão.
Será uma perna atingida... um pé?...
Enfim, que partes do corpo colherá?
Um ou dois olhos... os braços... as mãos?
Só a sorte ou o azar o dirá!
Basta um pé no sítio errado
E... está accionado o detonador!
Uma explosão, terra e pó no ar...
O resto... são os queixumes de dor.
O sangue na terra, a vida por um fio
Quanto sofrimento e agonia,
Corpo dilacerado... pedaço de vida,
Qu’ali deixa morto, sonhos e alegria.
Uma mina!... É o pânico geral!
Onde está uma, podem estar mais!
Quantas, duas, três?... uma incógnita!
Uma incerteza qu’arrasava os demais!
No cuidadoso planeamento das operações
Era tudo extremamente bem delineado,
Nos mapas evidenciavam-se zonas riscadas,
A vermelho, com avisos: - Local Minado! (3)
Ranger Magalhães Ribeiro
Furriel Mil.º da CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné
______________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1): o esplendor de Portugal
1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: Cancioneiro de Mansoa (2): Guiné, do Cumeré a Brá
7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLVI: Cancioneiro de Mansoa (3): um mosquiteiro barato para um pira...
10 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIV: Cancioneiro de Mansoa (4): a arte de ser 'ranger'
(2) vd. post de 21 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIV: Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)
(3) Alguns dos nossos posts sobre minas e armadilhas:
20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho (Luís Graça)
23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas (David J. Guimarães)
11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (Luís Graça)
23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)
2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2006
quarta-feira, 18 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P437: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos
Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > "É uma casa portuguesa, concerteza...". Uma morança com um homem grande e a sua família...
© José Teixeira (2005)
Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > A mulher do régulo e a filha...
© José Teixeira (2005)
Texto de Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71):
Companheiro Luís,
Continuo a acompanhar diariamente o teu/nosso blogue, o qual me tem permitido repescar do sótão da memória inúmeros episódios, alguns sofridos e outros intensamente gozados.
Na Guiné, além da guerra real, havia outra mais absurda – a dos papéis. Como Comandante de um Pelotão Independente, era inundado por um vultoso expediente, quer por via postal, quer através da rádio, o qual ia arquivando debaixo da cama.
A estória que hoje envio foi uma das minhas raras respostas às solicitações de Bissau, e ia tendo um péssimo resultado... Remeto, porque também tive momentos de tristeza, dois poemas, um escrito em Fá e outro em Finete, onde passei quinze dias à espera do "IN".
Um Grande Abraço de até Sempre e em Todos os Dias,
Jorge
O Jagudi de Barcelos (1)
Dos quatro Comandantes de Bambadinca que conheci, apenas o Polidoro Monteiro me mereceu consideração. Dos outros nem vou dizer o nome, e de dois a imagem que guardo é patética (2).
Assim, no rescaldo do ataque ao Batalhão (3), lembro o primeiro, à noite, de G3 em bandoleira, pedir-nos:
- Se houver ataque, acordem-me . - Eu, então periquito, fiquei inteirado…
Do substituto deste, recordo o Xime e o Posto de Socorros, no qual ele resolveu tratar uma fístula anal, cena presenciada por toda a tropa que ali se encontrava, para iniciar uma operação. (Estava lá a CCAÇ 12, foi a do dilagrama)(4).
Quanto ao Polidoro, não sei porquê, meteu na cabeça que eu devia ser louvado pelo Com-Chefe, tendo até, para o efeito, ido a Bissau. Afinal estraguei tudo… Em vez de tal louvor, o que o Tenente-Coronel conseguiu, foi livrar-me de uma porrada.
É que, precisamente nessa altura (meados de Julho de 71, muito após ter completado dois anos de mato), recebi uma mensagem, perguntando-me qual o tipo de habitações que se deviam construir para os soldados africanos. Perante o absurdo, não hesitei, e acto continuo respondi:
Uma casa portuguesa, com certeza.
Não há mesa, mas no chão um alguidar com bianda e peixinho da bolanha... fica bem.
Um raminho de capim. E claro, à entrada, de Barcelos, um Jagudi….
Jorge Cabral (2006)
Molhi Daaba
Molhi Daaba no meu lençol
Fecha o seu corpo
Como Flor
Que teme o sol.
Com medo e dó
Não dá - Empresta
E desta noite
Nada me resta.
“Estou só”
Nov. 69, Fá Mandinga
Jorge Cabral
Sala de Operações
Néscio, burro, o Major aponta
No mapa a linha de Água
(Que é um largo rio). Faço de conta
E gozando, mascaro a minha mágoa.
Claro que sim, meu Major
Golpe de pé, Golpe de mão
De Badora ao Cuor
E penso (Que cabrão…)
O major planeia a promoção
Eu nada planeio. Adio a vida
Até poder dizer que não
Quando não for, a Esperança proibida.
Jorge Cabral
Finete, 19/2/71
_____________
Notas de L.G.
(1) Vd posts de 5 de Janeiro de 2006 >
Guiné 63/74 - CDXXII: Rally turra ? (estórias cabralianas)
Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum...
Vd. post de 7 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXIX: Estórias cabralianas (3): o básico apaixonado
(2) Algumas destes nossos comandantes já aqui foram evocados, por mim e pelo David Guimarães. Vd posts de:
29 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (1)
26 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXVI: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (6)
(3) Em 28 de Maio de 1969. Vd. post de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
(4) Vd post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)
© José Teixeira (2005)
Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > A mulher do régulo e a filha...
© José Teixeira (2005)
Texto de Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71):
Companheiro Luís,
Continuo a acompanhar diariamente o teu/nosso blogue, o qual me tem permitido repescar do sótão da memória inúmeros episódios, alguns sofridos e outros intensamente gozados.
Na Guiné, além da guerra real, havia outra mais absurda – a dos papéis. Como Comandante de um Pelotão Independente, era inundado por um vultoso expediente, quer por via postal, quer através da rádio, o qual ia arquivando debaixo da cama.
A estória que hoje envio foi uma das minhas raras respostas às solicitações de Bissau, e ia tendo um péssimo resultado... Remeto, porque também tive momentos de tristeza, dois poemas, um escrito em Fá e outro em Finete, onde passei quinze dias à espera do "IN".
Um Grande Abraço de até Sempre e em Todos os Dias,
Jorge
O Jagudi de Barcelos (1)
Dos quatro Comandantes de Bambadinca que conheci, apenas o Polidoro Monteiro me mereceu consideração. Dos outros nem vou dizer o nome, e de dois a imagem que guardo é patética (2).
Assim, no rescaldo do ataque ao Batalhão (3), lembro o primeiro, à noite, de G3 em bandoleira, pedir-nos:
- Se houver ataque, acordem-me . - Eu, então periquito, fiquei inteirado…
Do substituto deste, recordo o Xime e o Posto de Socorros, no qual ele resolveu tratar uma fístula anal, cena presenciada por toda a tropa que ali se encontrava, para iniciar uma operação. (Estava lá a CCAÇ 12, foi a do dilagrama)(4).
Quanto ao Polidoro, não sei porquê, meteu na cabeça que eu devia ser louvado pelo Com-Chefe, tendo até, para o efeito, ido a Bissau. Afinal estraguei tudo… Em vez de tal louvor, o que o Tenente-Coronel conseguiu, foi livrar-me de uma porrada.
É que, precisamente nessa altura (meados de Julho de 71, muito após ter completado dois anos de mato), recebi uma mensagem, perguntando-me qual o tipo de habitações que se deviam construir para os soldados africanos. Perante o absurdo, não hesitei, e acto continuo respondi:
Uma casa portuguesa, com certeza.
Não há mesa, mas no chão um alguidar com bianda e peixinho da bolanha... fica bem.
Um raminho de capim. E claro, à entrada, de Barcelos, um Jagudi….
Jorge Cabral (2006)
Molhi Daaba
Molhi Daaba no meu lençol
Fecha o seu corpo
Como Flor
Que teme o sol.
Com medo e dó
Não dá - Empresta
E desta noite
Nada me resta.
“Estou só”
Nov. 69, Fá Mandinga
Jorge Cabral
Sala de Operações
Néscio, burro, o Major aponta
No mapa a linha de Água
(Que é um largo rio). Faço de conta
E gozando, mascaro a minha mágoa.
Claro que sim, meu Major
Golpe de pé, Golpe de mão
De Badora ao Cuor
E penso (Que cabrão…)
O major planeia a promoção
Eu nada planeio. Adio a vida
Até poder dizer que não
Quando não for, a Esperança proibida.
Jorge Cabral
Finete, 19/2/71
_____________
Notas de L.G.
(1) Vd posts de 5 de Janeiro de 2006 >
Guiné 63/74 - CDXXII: Rally turra ? (estórias cabralianas)
Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum...
Vd. post de 7 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXIX: Estórias cabralianas (3): o básico apaixonado
(2) Algumas destes nossos comandantes já aqui foram evocados, por mim e pelo David Guimarães. Vd posts de:
29 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (1)
26 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXVI: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (6)
(3) Em 28 de Maio de 1969. Vd. post de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
(4) Vd post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)
Guiné 63/74 - P436: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (9): História e estórias
Guiné-Bissau > Xime > 2006 > Antigos tropas ao serviço dos tugas... Onde está a verdade do colaboraccionismo dos guinéus ? Onde ficou a mentira da missão civilizacional dos tugas ? Que diria hoje Amílcar Cabral, se fosse vivo, dos seus guerrilheiros que estão no poder ?
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
Texto do Paulo Salgado:
Camaradas e Amigos:
Tenho andado muito ocupado com o trabalho. O meu bombolom ainda não tocou neste ano da graça (ou da desgraça?) de 2006. Há-de tocar e acerca do que está epigrafado.
Quero dizer-vos, companheiros de uma jornada que está gravada nas nossas cabeças (alguns nem sequer querem tocar no assunto, não esqueçais!), que foi a que fizemos durante quase dois anos (alguns mais, pois eram mal comportados), quero dizer-vos - escrevia - duas coisas muito simples e que para mim fazem muito sentido:
Primeira: aquela foi uma guerra feita de retalhos, de bocados, de solavancos, de conhecimentos muito parciais da realidade global, de ignorância do que se passava noutros pontos da retalhada Guiné. Por isso, a História, a fazer ou a construir, tem que basear-se em factos parciais, parcelarmente conhecidos e narrados com fidelidade ao que se passou. E quem a fizer, se não for um profundo admirador da Verdade (como se defende - e bem - nas palavras do Mário Dias), mas antes um oportunista amigo dos tostões que caem de editoras empenhadas em vender milhares de livros, então nunca se fará História. Será uma História inimiga da Verdade.
Guiné-Bissau > Xime > 2006 > Restos do cais por onde se entrava e saía da Zona Leste...
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
Guiné-Bissau > Xime > Ponte de Taliuará (?) > 2006 > É que é que esta imagem pode contribuir para a construção da História da Guerra Colonial na Guiné (Paulo Salgado) ?
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
Segunda: Pedaços de estórias vividas por nós, em grupo, podem ser contadas de maneira diferente. Por vezes enviezada, não por sobranceria, não por melhor conhecer os factos, mas pela simples razão de que foram observadas em situações algo distintas mesmo que vividas simultaneamente: será aquilo a que poderíamos chamar o engajamento psicológico face a uma determinada situação. Poderia contar um caso que aconteceu com dois grupos de combate em acção conjunta (sob o comamdo do comandante de companhia), um dos quais comandado por mim, e que fazia a protecção ao outro que executou um golpe de mão (não interessa se teve êxito ou não...).
Pois bem: ainda num recente almoço de confraternização, reparei que aguns camaradas (valentes e amigos, claro) acusavam o grupo que eu comandava de que terá havido negligência na cobertura da sua retirada. Eu limitei-me a sorrir, apesar de o MM tentar contar as coisas de outra maneira - afinal aquela que nós pensávamos ser a verdadeira e que parece ainda hoje - porque estávamos em posições diferentes no mato, porque os turras também sabiam actuar, etc.
Na verdade, a acusação era a de que deixámos passar o IN para ir ter com eles e fazer fogo, o que aconteceu, de facto; ao que nós ripostámos: nada disso é verdade, o IN preferiu atacar o grupos que se retirava e ná se mostrou ao grupo que fazia a protecção...coiasas de táctica...que eles conheciam bem...
Como vedes, esta estória pôde ser contada pelo menos de duas maneiras. Por isso, tenho alguma relutância em falar da História, preferindo contar pedaços vividos: nas casernas, nos patrulhamentos, nas emboscadas, nos contactos com a população, na ternura dos olhos sorridentes dos meninos e meninas, no encanto das bajudas, nas conversas com os homens grandes, na chegada do avião com as cartas e aerogramas, nas batucadas, nas fugas para as valas - e no que isso trouxe de engrandecimento ou de empobrecimento, de solidariedade ou de desconfiança, de amizade ou de reacção negativa. Aí, de certeza, que estaremos de acordo.
O que não poderemos nunca, Amigos, é deixar-nos entusiasmar pelos nossos sucessos, nem permitir que construam uma História falsa. Nunca. Por isso, creio bem, só quem estiver preparado cientificamente, e tiver sabido contar o que viveu localmente, ou saber interpretar o que foi contado, merece trabalhar na construção da História da Guerra Colonial na Guiné.
Viva a verdade dos factos.
Bissau, Paulo Salgado
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
Texto do Paulo Salgado:
Camaradas e Amigos:
Tenho andado muito ocupado com o trabalho. O meu bombolom ainda não tocou neste ano da graça (ou da desgraça?) de 2006. Há-de tocar e acerca do que está epigrafado.
Quero dizer-vos, companheiros de uma jornada que está gravada nas nossas cabeças (alguns nem sequer querem tocar no assunto, não esqueçais!), que foi a que fizemos durante quase dois anos (alguns mais, pois eram mal comportados), quero dizer-vos - escrevia - duas coisas muito simples e que para mim fazem muito sentido:
Primeira: aquela foi uma guerra feita de retalhos, de bocados, de solavancos, de conhecimentos muito parciais da realidade global, de ignorância do que se passava noutros pontos da retalhada Guiné. Por isso, a História, a fazer ou a construir, tem que basear-se em factos parciais, parcelarmente conhecidos e narrados com fidelidade ao que se passou. E quem a fizer, se não for um profundo admirador da Verdade (como se defende - e bem - nas palavras do Mário Dias), mas antes um oportunista amigo dos tostões que caem de editoras empenhadas em vender milhares de livros, então nunca se fará História. Será uma História inimiga da Verdade.
Guiné-Bissau > Xime > 2006 > Restos do cais por onde se entrava e saía da Zona Leste...
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
Guiné-Bissau > Xime > Ponte de Taliuará (?) > 2006 > É que é que esta imagem pode contribuir para a construção da História da Guerra Colonial na Guiné (Paulo Salgado) ?
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
Segunda: Pedaços de estórias vividas por nós, em grupo, podem ser contadas de maneira diferente. Por vezes enviezada, não por sobranceria, não por melhor conhecer os factos, mas pela simples razão de que foram observadas em situações algo distintas mesmo que vividas simultaneamente: será aquilo a que poderíamos chamar o engajamento psicológico face a uma determinada situação. Poderia contar um caso que aconteceu com dois grupos de combate em acção conjunta (sob o comamdo do comandante de companhia), um dos quais comandado por mim, e que fazia a protecção ao outro que executou um golpe de mão (não interessa se teve êxito ou não...).
Pois bem: ainda num recente almoço de confraternização, reparei que aguns camaradas (valentes e amigos, claro) acusavam o grupo que eu comandava de que terá havido negligência na cobertura da sua retirada. Eu limitei-me a sorrir, apesar de o MM tentar contar as coisas de outra maneira - afinal aquela que nós pensávamos ser a verdadeira e que parece ainda hoje - porque estávamos em posições diferentes no mato, porque os turras também sabiam actuar, etc.
Na verdade, a acusação era a de que deixámos passar o IN para ir ter com eles e fazer fogo, o que aconteceu, de facto; ao que nós ripostámos: nada disso é verdade, o IN preferiu atacar o grupos que se retirava e ná se mostrou ao grupo que fazia a protecção...coiasas de táctica...que eles conheciam bem...
Como vedes, esta estória pôde ser contada pelo menos de duas maneiras. Por isso, tenho alguma relutância em falar da História, preferindo contar pedaços vividos: nas casernas, nos patrulhamentos, nas emboscadas, nos contactos com a população, na ternura dos olhos sorridentes dos meninos e meninas, no encanto das bajudas, nas conversas com os homens grandes, na chegada do avião com as cartas e aerogramas, nas batucadas, nas fugas para as valas - e no que isso trouxe de engrandecimento ou de empobrecimento, de solidariedade ou de desconfiança, de amizade ou de reacção negativa. Aí, de certeza, que estaremos de acordo.
O que não poderemos nunca, Amigos, é deixar-nos entusiasmar pelos nossos sucessos, nem permitir que construam uma História falsa. Nunca. Por isso, creio bem, só quem estiver preparado cientificamente, e tiver sabido contar o que viveu localmente, ou saber interpretar o que foi contado, merece trabalhar na construção da História da Guerra Colonial na Guiné.
Viva a verdade dos factos.
Bissau, Paulo Salgado
terça-feira, 17 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P435: De Lisboa para o Xitole, com amor (Humberto Reis)
Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001 > Restos do aquartelamento do Xitole: a a antiga parada e, à direita, a casa dos oficiais.
© David J. Guimarães (2005)
Já aqui evocámos e descrevemos, noutra ocasião, o que era o inferno das colunas logísticas na Guiné, e em particular na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole (1), que muitos de nós conhecemos tão bem (eu, o Humberto Reis, o David J. Guimarães, o Carlos Marques dos Santos, etc.)...
Recorde-se que desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.
Nove meses depois, a 4 de Agosto de 1969, a CCAÇ 12 participou na reabertura desse itinerário, que era absolutamente vital para as NT (aquarteladas em Mansambo, Xitole, Saltinho...). Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (o pelotão do Humberto Reis e do Tony Levezinho) com forças da CART 2339 (Mansambo) - a que pertencia o Carlos Marques dos Santos - formando o Destacamento A. Nessa operação, não foram encontradas minas nem abatizes no itinerário mas o IN emboscou 1 Gr Com do Dest B, constituído por forças da CART 2413 do Xitole, na Ponte dos Fulas, quando as NT estavam a reabastecer-se de água.
Hoje relembramos, através de alguns dos cerca de 100 diapostivos do Humberto Reis (em boa hora recuperados e digitalizados), aspectos menos dramáticos, mais triviais, mais humanos, dessas colunas, periódicas, em que levávamos a bianda aos nossos camaradas de Mansambo, Xitole e também Saltinho...
Guiné > Xitole > 1970 > Uma coluna logística, vinda de Bambadinca, passa pela Ponte dos Fulas, sobre o Rio Pulom, a caminho do Xitole (CART 2716, 1970/72)
© Humberto Reis (2006)
Comentário do David J. Guimarães (ex-furriel miliciano da CART 2716, aquartelada no Xitole (1970/1972), e pertencente ao BART 2917, sediado em Bambadinca.
" (...) Efectivamente lá ao fundo da fotografia vê-se bem o Fortim, junto à ponte, e em cima dela pelo que vejo é a primeira viatura militar que está na foto.
"Esta fotografia foi tirada do ponto mais alto do destacamento da Ponte dos Fulas. Quem tirou a fotografia [o Humberto Reis] tinha um abrigo à sua esquerda e mais atrás o local onde comíamos, reuníamos, limpávamos armas, conversávamos, etc. E ra um coberto ao ar livre...
"Como se verifica a estrada passava pelo meio deste acampamento onde nós só estávamos para guardar a ponte sobre o rio Pulom (Ponte dos Fulas). Era um local isolado. Tínhamos um bem: não saíamos em patrulhamento.
"Tínhamos montadas duas Metralhadoras Pesadas Bredas .. Um dentro do Fortim e outra bem cá em cima junto ao coberto acima referido ... Essa estava apontada para a zona do Xitole, que distava 3 Km dali....
"Foi aqui que comecei a minha comissão no mato, pois o 3º Grupo de Combate a que eu pertencia, foi por sorteio o que calhou ir para ali ao 3º mês... De notar que os Morteiros do Xitole também protegiam aquela zona, estando perfeitamente com orientações para aquela direcção - bem mas isso era com os tipos das armas pesadas. Nunca tivémos ali nenhum ataque e ainda bem, senão tenho a sensação de que estaria aqui a contar outra história ou como ex-prisioneiro ou então... estaria com o Cunha, agora, no outro mundo...
"As colunas para nós eram um espectáculo mesmo... Não mais que isso, pois nada fazíamos senão vermos a passar os carros todos para um lado e, depois ao fim da tarde, para o outro ... Até ao próximo mês... E lá ficavamos nós na Ponte dos Fulas... No meio do silêncio da savana. A beber uns copos, claro...
"Diariamente do Xitole deslocava-se lá um Pelotão que nos ia levar géneros ao almoço e ao jantar... Note-se que tinhamos a noção exacta de que a área circundante e a zona entre o Xitole e a cerca deste destacamento - eram terra de ninguém onde o IN andaria mais ou menos à vontade...
"O único civil que lá recebíamos era o Mamadu, um pescador, bom homem, bem alto ... e que já morreu".
Guiné > Xitole > 1970 > Vista aérea do Xitole (aquartelamento, posto administrativo e tabanca)
© Humberto Reis (2006)
Comentário do David J. Guimarães:
"Esta foto aérea terá se ser comparada com outras, que eu tirei em 2001, já publicadas na página do Xitole, e que identificam os edifícios que ainda existem (ou exitima). Vamos lá descrever o que vejo, possivelmente a bordo de uma DO - não sei, deverá ser...
"Da direita para a esquerda, os edifícios: em primeiro lugar, a cozinha das praças notando-se na esquina um abrigo subterrâneo - era nesse abrigo que dormia parte do 4º Grupo de Combate... Depois andando mais para a esquerda vemos outro abrigo e depois uma casa civil - era a casa do Chefe de Posto, hoje ainda existente... Continuando, vemos uma casinha pequenina e à frente outro abrigo - aí era o ninho de um dos morteiros 81 e o abrigo da secção de armas pesadas que lá se encontrava...
"Depois mais à frente aparece um grande abrigo - sei que lá se instalava parte do 1º Grupo de Combate... Continuando mais à frente vê-se uma casinha pequenina - era a capela da companhia (tenho eu que enviar uma fotografia onde eu estou na frente) Notem agora uma arvore frondosa - é a árvore grande ainda hoje existente - da parte de vê-se outro abrigo: também ele com o resto do 1º Grupo de Combate... Por detrás da capela e debaixo dessa árvore grande verde, é exactamente o bar do soldado, aquele bar onde o Humberto e o Levezinho se encontram a conversar em fotografia que vem mais abaixo, neste post...
"Mais à esquerda vemos outra árvore de bom porte: é o local da porta de armas... Seguindo agora desse modo no sentido da pista, vemos um edifício escuro: é a Oficina Mecânica, o depósito de armamento, enfermaria etc... Caminhamos mais para a direita e novo edifício e abrigo - messe e abrigo dos oficiais... Antes e bem junto nota-se para lá qualquer coisa: ninho da metralhadora Breda e abrigo... Mais para à direita casa dos oficiais, surge então a sala de operações, a messe dos sargentos, a secretaria etc... Deixamos esse edifício comprido e logo vemos outro: depósito de géneros.... Mais à frente e com árvores notam-se edifícios: são casas de banho... Mais um abrigo voltado para a pista e mais uma arrecadação... Enfim, era por ali que se instalou também e já coberto pelas árvores o ninho do morteiro 10.7 ...
"E estamos muito perto do ponto de partida, a cozinha dos soldados.... Aí existia outro abrigo idêntico àquele que se situa ao lado da cozinha... Bem ao fundo nota-se então a pista dos aviões e um quadrado bem definido que é o heliporto....
"Toda a área circundante ao quartel antes da pista tinha uma vala, como era de esperar.... Ela percorria toda a zona habitável do aquartelamento...
"Agora bem à esquerda do aquartelamento aí está o Xitole civil ... Em frente à pista e do lado do heliporto nota-se um trilho que nos levava à Ponte Marechal Carmona... Pelo fundo da pista nota-se uma estrada que vai dar à que segue para o Saltinho... Pela frente e na zona mais arborizada existe um complexo: era onde havia um poço... Mais à esquerda sim, e quem sai da porta de armas, vê-se uma estrada - bem à esquerda da fotografia... Exactamente era por aí que entravam as colunas logísticas que vinham ao Xitole (1)...
"Ai, Luís e Humberto, ficaria toda a tarde a falar sobre isso - por agora vai isto assim... Descrito com emoção, os locais estão certos, o português está à atirador que era o que eu era"...
Guiné > Xitole > 1970 > "David: Ou a ti, a partir de Junho de 1970, ou à malta da CART 2413, anteriormente, costumávamos a ser nós, CCAÇ 12, a levar a bianda. Cera vez arranjei aí um amigo que me ajudou a comer a ração de combate".
© Humberto Reis (2006)
Guiné > Xitole > 1969/70 > Guiné >Xitole > 1970 > "Zé Vacas de Carvalho (2): Conheces este rapazinho de lencinho ao pescoço no Xitole? À tua direita, estou, e à esquerda - penso eu, se a memória me não falha - o furriel enfermeiro Godinho da CCS do BART 2917 que foi connosco, à turista... À direita, temos o nosso amigo e camarada da CCAÇ 12, o furriel miliciano T. Roda".
© Humberto Reis (2006)
Guiné > Xitole > 1970> Os furriéis milicianos Reis e Levezinho. "Tony: Esta no Xitole também está bem apanhada. Parecemos dois bonecos da bola".
© Humberto Reis (2006)
__________
Notas de L.G.
(1) Vd posts de
20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho
11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969)
(2) O Alf Mil Vacas de Carvalho era o comandante do Pelotão Daimler, estaccionado como nós, CCAÇ 12, em Bambadinca (1969/71).
© David J. Guimarães (2005)
Já aqui evocámos e descrevemos, noutra ocasião, o que era o inferno das colunas logísticas na Guiné, e em particular na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole (1), que muitos de nós conhecemos tão bem (eu, o Humberto Reis, o David J. Guimarães, o Carlos Marques dos Santos, etc.)...
Recorde-se que desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.
Nove meses depois, a 4 de Agosto de 1969, a CCAÇ 12 participou na reabertura desse itinerário, que era absolutamente vital para as NT (aquarteladas em Mansambo, Xitole, Saltinho...). Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (o pelotão do Humberto Reis e do Tony Levezinho) com forças da CART 2339 (Mansambo) - a que pertencia o Carlos Marques dos Santos - formando o Destacamento A. Nessa operação, não foram encontradas minas nem abatizes no itinerário mas o IN emboscou 1 Gr Com do Dest B, constituído por forças da CART 2413 do Xitole, na Ponte dos Fulas, quando as NT estavam a reabastecer-se de água.
Hoje relembramos, através de alguns dos cerca de 100 diapostivos do Humberto Reis (em boa hora recuperados e digitalizados), aspectos menos dramáticos, mais triviais, mais humanos, dessas colunas, periódicas, em que levávamos a bianda aos nossos camaradas de Mansambo, Xitole e também Saltinho...
Guiné > Xitole > 1970 > Uma coluna logística, vinda de Bambadinca, passa pela Ponte dos Fulas, sobre o Rio Pulom, a caminho do Xitole (CART 2716, 1970/72)
© Humberto Reis (2006)
Comentário do David J. Guimarães (ex-furriel miliciano da CART 2716, aquartelada no Xitole (1970/1972), e pertencente ao BART 2917, sediado em Bambadinca.
" (...) Efectivamente lá ao fundo da fotografia vê-se bem o Fortim, junto à ponte, e em cima dela pelo que vejo é a primeira viatura militar que está na foto.
"Esta fotografia foi tirada do ponto mais alto do destacamento da Ponte dos Fulas. Quem tirou a fotografia [o Humberto Reis] tinha um abrigo à sua esquerda e mais atrás o local onde comíamos, reuníamos, limpávamos armas, conversávamos, etc. E ra um coberto ao ar livre...
"Como se verifica a estrada passava pelo meio deste acampamento onde nós só estávamos para guardar a ponte sobre o rio Pulom (Ponte dos Fulas). Era um local isolado. Tínhamos um bem: não saíamos em patrulhamento.
"Tínhamos montadas duas Metralhadoras Pesadas Bredas .. Um dentro do Fortim e outra bem cá em cima junto ao coberto acima referido ... Essa estava apontada para a zona do Xitole, que distava 3 Km dali....
"Foi aqui que comecei a minha comissão no mato, pois o 3º Grupo de Combate a que eu pertencia, foi por sorteio o que calhou ir para ali ao 3º mês... De notar que os Morteiros do Xitole também protegiam aquela zona, estando perfeitamente com orientações para aquela direcção - bem mas isso era com os tipos das armas pesadas. Nunca tivémos ali nenhum ataque e ainda bem, senão tenho a sensação de que estaria aqui a contar outra história ou como ex-prisioneiro ou então... estaria com o Cunha, agora, no outro mundo...
"As colunas para nós eram um espectáculo mesmo... Não mais que isso, pois nada fazíamos senão vermos a passar os carros todos para um lado e, depois ao fim da tarde, para o outro ... Até ao próximo mês... E lá ficavamos nós na Ponte dos Fulas... No meio do silêncio da savana. A beber uns copos, claro...
"Diariamente do Xitole deslocava-se lá um Pelotão que nos ia levar géneros ao almoço e ao jantar... Note-se que tinhamos a noção exacta de que a área circundante e a zona entre o Xitole e a cerca deste destacamento - eram terra de ninguém onde o IN andaria mais ou menos à vontade...
"O único civil que lá recebíamos era o Mamadu, um pescador, bom homem, bem alto ... e que já morreu".
Guiné > Xitole > 1970 > Vista aérea do Xitole (aquartelamento, posto administrativo e tabanca)
© Humberto Reis (2006)
Comentário do David J. Guimarães:
"Esta foto aérea terá se ser comparada com outras, que eu tirei em 2001, já publicadas na página do Xitole, e que identificam os edifícios que ainda existem (ou exitima). Vamos lá descrever o que vejo, possivelmente a bordo de uma DO - não sei, deverá ser...
"Da direita para a esquerda, os edifícios: em primeiro lugar, a cozinha das praças notando-se na esquina um abrigo subterrâneo - era nesse abrigo que dormia parte do 4º Grupo de Combate... Depois andando mais para a esquerda vemos outro abrigo e depois uma casa civil - era a casa do Chefe de Posto, hoje ainda existente... Continuando, vemos uma casinha pequenina e à frente outro abrigo - aí era o ninho de um dos morteiros 81 e o abrigo da secção de armas pesadas que lá se encontrava...
"Depois mais à frente aparece um grande abrigo - sei que lá se instalava parte do 1º Grupo de Combate... Continuando mais à frente vê-se uma casinha pequenina - era a capela da companhia (tenho eu que enviar uma fotografia onde eu estou na frente) Notem agora uma arvore frondosa - é a árvore grande ainda hoje existente - da parte de vê-se outro abrigo: também ele com o resto do 1º Grupo de Combate... Por detrás da capela e debaixo dessa árvore grande verde, é exactamente o bar do soldado, aquele bar onde o Humberto e o Levezinho se encontram a conversar em fotografia que vem mais abaixo, neste post...
"Mais à esquerda vemos outra árvore de bom porte: é o local da porta de armas... Seguindo agora desse modo no sentido da pista, vemos um edifício escuro: é a Oficina Mecânica, o depósito de armamento, enfermaria etc... Caminhamos mais para a direita e novo edifício e abrigo - messe e abrigo dos oficiais... Antes e bem junto nota-se para lá qualquer coisa: ninho da metralhadora Breda e abrigo... Mais para à direita casa dos oficiais, surge então a sala de operações, a messe dos sargentos, a secretaria etc... Deixamos esse edifício comprido e logo vemos outro: depósito de géneros.... Mais à frente e com árvores notam-se edifícios: são casas de banho... Mais um abrigo voltado para a pista e mais uma arrecadação... Enfim, era por ali que se instalou também e já coberto pelas árvores o ninho do morteiro 10.7 ...
"E estamos muito perto do ponto de partida, a cozinha dos soldados.... Aí existia outro abrigo idêntico àquele que se situa ao lado da cozinha... Bem ao fundo nota-se então a pista dos aviões e um quadrado bem definido que é o heliporto....
"Toda a área circundante ao quartel antes da pista tinha uma vala, como era de esperar.... Ela percorria toda a zona habitável do aquartelamento...
"Agora bem à esquerda do aquartelamento aí está o Xitole civil ... Em frente à pista e do lado do heliporto nota-se um trilho que nos levava à Ponte Marechal Carmona... Pelo fundo da pista nota-se uma estrada que vai dar à que segue para o Saltinho... Pela frente e na zona mais arborizada existe um complexo: era onde havia um poço... Mais à esquerda sim, e quem sai da porta de armas, vê-se uma estrada - bem à esquerda da fotografia... Exactamente era por aí que entravam as colunas logísticas que vinham ao Xitole (1)...
"Ai, Luís e Humberto, ficaria toda a tarde a falar sobre isso - por agora vai isto assim... Descrito com emoção, os locais estão certos, o português está à atirador que era o que eu era"...
Guiné > Xitole > 1970 > "David: Ou a ti, a partir de Junho de 1970, ou à malta da CART 2413, anteriormente, costumávamos a ser nós, CCAÇ 12, a levar a bianda. Cera vez arranjei aí um amigo que me ajudou a comer a ração de combate".
© Humberto Reis (2006)
Guiné > Xitole > 1969/70 > Guiné >Xitole > 1970 > "Zé Vacas de Carvalho (2): Conheces este rapazinho de lencinho ao pescoço no Xitole? À tua direita, estou, e à esquerda - penso eu, se a memória me não falha - o furriel enfermeiro Godinho da CCS do BART 2917 que foi connosco, à turista... À direita, temos o nosso amigo e camarada da CCAÇ 12, o furriel miliciano T. Roda".
© Humberto Reis (2006)
Guiné > Xitole > 1970> Os furriéis milicianos Reis e Levezinho. "Tony: Esta no Xitole também está bem apanhada. Parecemos dois bonecos da bola".
© Humberto Reis (2006)
__________
Notas de L.G.
(1) Vd posts de
20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho
11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969)
(2) O Alf Mil Vacas de Carvalho era o comandante do Pelotão Daimler, estaccionado como nós, CCAÇ 12, em Bambadinca (1969/71).
Guiné 63/74 - P434: Comentário ao Diário de José Teixeira (J.C. Mussá Biai)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 1972:
Malta da CART 3494, em passeio despreocupado pela tabanca do José Carlos Mussá Biai, que na altura era criança... O segundo, a contar da esquerda, é o ex-1º cabo radiotelegrafista Castro. A CART 3494 (1972/74)esteve aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74). Pertencia ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
© Sousa de Castro (2005)
Meu caro Luís:
Acabo de ler o diário de José Teixeira que acho muito engraçado (no bom sentido) e com um sentido de humanismo raramente visto. Isso só demonstra o sentido de solidariedade e compaixão que une os dois povos.
Cumpre-me fazer algumas correcções:
(i) Aquilo que ele escreve como vianda devia ser bianda;
(ii) Aquilo que ele escreve vem na cume devia ser bim nô cumé;
(iii) O que escreve de gila deve ser guila e o significado não é contrabandista, mas sim, comerciante ambulante;
(iv) E o dialecto que ele identifica como sendo mandinga, não o é, mas sim fula.
O meu muito obrigado. Um abraço, amigo Luís.
José C. Mussá Biai
2. Comentário de L.G.:
Fico muito feliz por reencontrar, agora aqui no bosso blogue, o José Carlos, que faz parte da nossa tertúlia, como guineense, como português e como amigo. Recorde-se a sua história:
Nasceu no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 (1970/72), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74). O furriel miliciano enfermeiro, da CART 3494, de nome José Luís Carvalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida de outros meninos, por ter sido seu professor na única escola que lá havia, o Posto Escolar Militar nº 14.
Também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa. Fez a instrução primária debaixo de fogo. Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. O seu pai, um homem grande, mandinga, do Xime, o chefe religioso da comunidade islâmica local (um almanu).
A família, de etnia mandinga, teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Teve irmãos que fizeram o serviço militar em Farim e que depois foram presos. O José Carlos, nascido em 1963, foi para Bissau fazer o liceu. Foi cinco anos professor, até vir para Lisboa e obter uma bolsa de estudo da Fundação Gulbenkian. Hoje é formado em engenharia florestal. É casado. A sua mulher é natural do Xitole, filha de um comerciante conhecido dos tugas, o Braima.
Trabalha e vive em Portugal, no Instituto de Geográfico Português. Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime. O José Carlos é um exemplo de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano. Que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a ele que também pertence.
Malta da CART 3494, em passeio despreocupado pela tabanca do José Carlos Mussá Biai, que na altura era criança... O segundo, a contar da esquerda, é o ex-1º cabo radiotelegrafista Castro. A CART 3494 (1972/74)esteve aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74). Pertencia ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
© Sousa de Castro (2005)
Meu caro Luís:
Acabo de ler o diário de José Teixeira que acho muito engraçado (no bom sentido) e com um sentido de humanismo raramente visto. Isso só demonstra o sentido de solidariedade e compaixão que une os dois povos.
Cumpre-me fazer algumas correcções:
(i) Aquilo que ele escreve como vianda devia ser bianda;
(ii) Aquilo que ele escreve vem na cume devia ser bim nô cumé;
(iii) O que escreve de gila deve ser guila e o significado não é contrabandista, mas sim, comerciante ambulante;
(iv) E o dialecto que ele identifica como sendo mandinga, não o é, mas sim fula.
O meu muito obrigado. Um abraço, amigo Luís.
José C. Mussá Biai
2. Comentário de L.G.:
Fico muito feliz por reencontrar, agora aqui no bosso blogue, o José Carlos, que faz parte da nossa tertúlia, como guineense, como português e como amigo. Recorde-se a sua história:
Nasceu no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 (1970/72), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74). O furriel miliciano enfermeiro, da CART 3494, de nome José Luís Carvalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida de outros meninos, por ter sido seu professor na única escola que lá havia, o Posto Escolar Militar nº 14.
Também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa. Fez a instrução primária debaixo de fogo. Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. O seu pai, um homem grande, mandinga, do Xime, o chefe religioso da comunidade islâmica local (um almanu).
A família, de etnia mandinga, teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Teve irmãos que fizeram o serviço militar em Farim e que depois foram presos. O José Carlos, nascido em 1963, foi para Bissau fazer o liceu. Foi cinco anos professor, até vir para Lisboa e obter uma bolsa de estudo da Fundação Gulbenkian. Hoje é formado em engenharia florestal. É casado. A sua mulher é natural do Xitole, filha de um comerciante conhecido dos tugas, o Braima.
Trabalha e vive em Portugal, no Instituto de Geográfico Português. Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime. O José Carlos é um exemplo de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano. Que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a ele que também pertence.
Guiné 63/74 - P433: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (7): Mampatá, Outubro-Dezembro
Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):
Créditos fotográficos: © José Teixeira (2006)
Mampatá, 29 de Outubro de 1968
Quase seis meses se passaram, já, desde que deixei a Metrópole. Parece que estou a ver à minha frente o cais de embarque e milhares de pessoas que com as lágrimas nos olhos e lenços a esvoaçar diziam adeus aos jovens familiares que se lentamente se afastavam com destino à Guiné.
Este tempo, os primeiros meses da guerra, sempre o mais difícil, tem-me custado imenso a passar. Ambientes diferentes, um clima doentio que me marcará para sempre, a guerra com todos os seus perigos. Até a própria natureza parece diferente. Tudo isto são factores, que a par das saudades da família que ficou preocupada, da namorada que lá longe sofre na incerteza, influem no meu estado de espírito.
Guiné-Bissau > Empada > 2005 > A antiga enfermaria do José Teixeira
Já corri muitos perigos. Balas e estilhaços que mãos criminosas, inconscientes ou talvez conscientes do direito de terem a sua Pátria livre, lançaram sobre mim. Já percorri muitos quilómetros, conheci terras, povos e culturas, paisagens maravilhosas. Por muitos anos que viva, jamais esquecerei a Guiné, a forma natural como os seus povos vivem, a fraternidade que comungam entre si, a sua forma simples de Ser, em que o Ter não é importante, mas o viver cada dia como que o seguinte não existisse.
A família do sargenti di milícia Hamadu (1) estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:
- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos.
Guiné-Bissau > Quebo > 2005 > Um hospital (?)...
A refeição animada com a conversa sobre a forma de viver em Lisboa, quando chega um estranho elemento, carregado de panos e bujigangas, era um gila (contrabandista oriundo da Guiné Conacri). Começou o diálogo em Mandiga:
- Na pinda . .. Jame tum … - . O homem sentou-se e começou a comer connosco. O ditado Português diz “para mais um chega sempre”, agora para mais dois… mas chegou.
Após ter comido connosco a pouca vianda que havia tentou vender os panos que trazia, depois foi-se embora, com muitas saudações e com um Djarama nani ( muito obrigado) no final
Quem é? - perguntei.
- Ká sibi - É Gila vem de Conacri, tinha fome. Quando pessoal tem fome …
Mampatá, 1 de Novembro de 1968
Comemoro seis meses que saí da Mãe Pátria. O "Bandido" quis entrar na festa e veio fazer uma visita a Mampatá. Ontem cerca das 20 horas, com seis canhões sem recuo e um morteiro, fez um belo festival nocturno enviando-nos 112 canhoadas que não causaram danos físicos nem materiais. Ripostamos com o 81 e mal o inimigo cessou o fogo, os meus colegas e alguns soldados da Milícia saíram na sua perseguição, sem resultado porque o IN pôs- se de imediato em fuga.
Note-se a diferença de capacidade bélica. Eles trazem todo este material às costas. Isto é demais…
Gui Guiné-Bissau > 2005 > Uma campanha sanitária, tendo em vista a prevenção do paludismo...
Fui procurado pela irmã mais velha da Fámara Baldé. Trazia-me a sua filha com oito meses que estava doente. Tinha Paludismo e estava a entrar na fase crónica, de que quase todos os adultos de raça africana sofrem. Os que conseguem escapar na sua fase mais aguda. A criança apresentava-se muito magra, com 42 graus de temperatura, diarreia e vomitava tudo o que mamava, nem forças tinha para chorar. Acabava de chegar do Hospital de Bissau, segundo me disse a mãe a chorar, sem esperança.
Todos os dias de manhã tinha sua visita.
- Fermero parti-me mézinho para minina, na tem febre e bariga ramassa
Que fazer? Eu que apenas tinha aprendido a tratar feridos da guerra! Estes poucos meses de Guiné ensinaram-me a lutar contra o paludismo nos meus colegas e nos adultos africanos com bons resultados, mas nunca tinha deparado com uma situação tão delicada.
Pedi-lhe para voltar mais tarde que ia pensar o que fazer para salvar a bébé. Para combater o paludismo nos adultos servia-me de um antipalúdico injectável misturado com outro injectável para prever a reacção negativa do coração. Então pensei que, injectando na bebé umas milésimas destes dois produtos, talvez salvasse a criança.
Ontem assim fiz, com todo o cuidado, no posto de socorros ao ar livre, no coberto da casa da Answar. A reacção só se fez sentir cerca de um quarto de hora depois com um pulsar acelerado do coração e um avermelhamento da face. Depois a aceleração aumentou, os olhos dilataram-se e a menina ficou estática por duas ou três horas. Que momentos de ansiedade para mim e para aquela mãe que me confiou a sua filha. Esta chorava e dizia:
- Tu mataste minina! -. Eu pedia-lhe para ter calma e apelava para todos os Santos. Por fim a aceleração do coração começou a baixar e temperatura registou 39 graus. Estava ganha a vida da criança. Abraçamo-nos a chorar um ao outro e a mãe ofereceu-me a menina para minha mulher quando fosse grande.
Ao fim do dia deixei-a levar a menina para a tabanca e chorei sozinho de alegria. Hoje voltou para me dizer que a minina ká na tem xoro, já não vomitou a mamada (2).
Trazia-me água fresca numa cabaça, que ia buscar à bolanha a uma nascente de que se servia também o IN. (Que riscos por minha causa). Trazia-me cachos de bananas e eu tinha de todas as noites ao passar para o meu abrigo ir parte mantanhas ... à minha mulher. Se não o fizesse, a mãe chamava:
- Fermero tu não vens ver tua mudjer e parte mantanhas a ela !
Dizia-me muitas vezes que quando eu viesse para a Metrópole tinha de trazer a minha mudjer.
Assim foi até sair de Mampatá. Tornei-me um visitante da família Baldé. Fámara, Binta Auá e Answar. A mãe era uma velhinha que só falava o seu dialeto e o pai tinha-as abandonado suponho que era gila ( contrabandista) ou IN.
Mampatá, 3 de Novembro de 1968
O dia 3 de Novembro não será esquecido pelos "Amarelos de Mampatá" pois tivemos de travar uma luta de vida ou de morte com o IN que aproveitou a hora do almoço em que os militares se afastaram do seu posto de defesa para buscar na cozinha alimentação, para tentar entrar em Mampatá.
De algum modo eu fui o responsável pela situação criada, pois incentivei um sentinela durante a noite a mandar um tiro na direcção de uma vaca que estava entre as duas faixas de arame farpado e tocava neste, provocando o tilintar das garrafas que lá tínhamos colocado para não sermos surpreendidos pelo IN a tentar entrar pela calada da noite cortando o arame. Esta minha atitude passou-se durante a minha hora de ronda e o sentinela assim fez pouco depois, aparecendo de manhã uma vaca com um buraco numa coxa. Claro que o proprietário, o Régulo Alfero Aliu (Alferes da Milícia) vendeu a vaca à tropa.
Há mais de um mês que não comemos carne, porque os Africanos se recusam a vender qualquer animal. Assim foi fácil convencer o proprietário a vender a vaca ferida, mas ficou-nos cara.
Praticamente todos os postos de sentinela ficaram abandonados à hora do almoço o que não é habitual, mas o estranho foi o turra saber exactamente o que se estava a passar e atacou.
Quase todos os soldados tiveram de correr para as suas posições debaixo de fogo e durante quinze minutos a luta foi terrível com "eles" junto ao arame com fogo cerrado. Chegamos a ter a sensação que estavam cá dentro o que não se verificou graças à nossa capacidade de resistência e por sorte também. Ao tentarem entrar pelo lado de Buba, o Silva Algarvio que não tinha vindo buscar a comida ao refeitório por estar doente, aguentou-os até chegarem reforços e obrigou-os a retirar. Aliás foi ele que deu o sinal. Ao ver um grupo de africanos com armas que não eram a velha mauser a tentarem forçarem a porta em rede de arame farpado, estranhou e abriu fogo, depois… foi, cantinas de comida pelo ar e umas loucas correrias para os abrigos de protecção. Segui-se o “chocolate” do costume. Os assaltantes recuaram para selva e o fogo continuou.
Onze moranças ficaram destruídas pelo fogo, pois utilizaram balas incendiárias e também destruiram o paiol. Fiquei assustado e desorientado porque dada a intensidade do fogo e a estratégia adoptada pelo IN contava ter muito que fazer com os feridos talvez mortos, atendendo a que ninguém contava com tal surpresa e os postos estavam desguarnecidos e sobretudo porque tinha pouco material de socorro ( apenas 2 sacos de soro).
Ainda debaixo de fogo saí do abrigo onde me protegera e corri pela tabanca à procura de feridos, junto dos abrigos subterrâneos onde se abrigara a população. Felizmente nada aconteceu, foi só fogo de vista susto e prejuízos materiais. Graças a Deus.
Pergunto-me como que a população não foi atingida e as suas casas foram queimadas ? Ataque combinado ? Notámos que o “catequista” muçulmano saiu de manhã cedo para a bolanha, o que é estranho pois costuma estar sempre na tabanca a ensinar os putos e só voltou muito depois do ataque. Temos de o trazer debaixo de olho, como disse o Alferes Belo depois de saber a sua ausência.
Novo ataque de. . . formigas. Dormia a bom dormir depois de uma ronda de duas horas pelos postos de sentinela. Um colega dá um grito: Aiiiiiiiii. Logo de seguida, eu, e os outros dois colegas saltamos da cama pensando que era mais uma visita do IN. Aconteceu-nos exactamente o mesmo que aos colegas do posto do morteiro. Estávamos todos cravados de formigas e o chão era um autêntico tapete preto. Iniciamos logo o combate dirigido por mim pois já tinha experiência da sessão anterior com o Rio Maior.
Quem não gostou foi Djaló, pois a palhota dele sofreu um ataque di branco e ficou sem palha. Foi a única maneira de matarmos as formigas e podermos continuar a dormir descansados.
Foi aqui que pude apreciar a sua capacidade organizativa. Com a bota esmagava um grupo delas e logo as mais fortes se dirigiam para o local fazendo como que um cerco de protecção. Mais tarde nas minhas experiências pude verificar que ao interromper uma a fila de formigas, todo o grupo parava até vinte / trinta metros à frente e rectaguarda e iniciavam de imediato o envolvimento à zona afectada seguindo à frente as mais fortes.
Mampatá, 5 de Novembro de 1968
Atacaram Gandembel com o Morteiro 120 e às 3 horas da matina, Ponte Balana acordou debaixo de manga de chocolate (fogo intenso). Não sabemos se houve acidentes pessoais.
Parece incrível que a zona do Corubal que, segundo dizem é das mais lindas e mais ricas da Guiné, se encontre mal defendida. Há lá uma tabanca onde só existem três armas antigas, canhangulos. Da última vez que o IN a visitou, a população fugiu para o mato e eles entraram à vontade, roubaram o gado e incendiaram as tabancas.
Mampatá , 29 de Dezembro de 1968
Há uns tempos que não pego no Diário. Senti-me por uns tempos desorientado, mas agora estou melhor. Habituei-me ao ambiente e às situações que tenho de viver - estou em guerra - e tudo se tornou mais fácil, apesar de começar a não entender a razão desta guerra. A população quer paz para viver e nós, ao estarmos cá, trazemos-lhe a guerra. E de facto a guerra continua, mas a situação nesta área está mais calma e a relação com os povos locais - Fulas Mandingas, Fula Futas e Balantas - é excelente. Estou a gostar de viver aqui.
A bajuda Jobo Ansato (Joaninha, como eu lhe chamo), começou há tempos a ter um comportamento diferente para comigo. Várias vezes me ofertou fruta, chama-me muitas vezes à noite para a porta do abrigo subterrâneo onde dorme, gosta de conversar comigo e fica ciumenta quando me vê a conversar com outras bajudas. Com a Fámara, por exemplo, que é a jovem mais linda que eu vi em toda a minha vida. Eu, embora notasse essa mudança, não conseguia compreender a sua razão de ser.
Ontem, como tantas outras vezes fui até à sua tabanca e a conversa virou para os feridos de guerra as doenças da população e a acção dos enfermeiros e fiquei espantado ao ouvi-la dizer dizer:
- No último taque di bandido eu ver Tixera ir por Tabanca, baixo di fogo perguntá tudo dgente si ká na firido. A mim nesse dia ficá manga di contente com Tixera. Tixera i amigo di Africano.- Para meu espanto verifico que foi a partir da data do último ataque que sofremos que se deu esta mudança no seu comportamento. Como uma simples acção no cumprimento do meu dever pode influir tanto na maneira de pensar e agir de uma pessoa !
A minha fama de curandeiro depois da recuperação da Binta, assim se chama a bebé que curei, fez-me passar por outra aventura do género. Apareceu-me na Enfermaria improvisada, ao ar livre, uma mulher que não era da localidade a pedir-me para ir ver o seu minino que ramassa (vomita) e tem corpo quente, manga d'ele (temperatura).
O menino estava numa cubata perto da Enfermaria, deitado numa esteira no chão e apresentava os mesmos sintomas da Binta, muito magro, alta temperatura, sem forças nos braços. Era um pouco mais velho, mas estava esquelético
Hesitei, tal fora o susto que tinha passado e insisti para o levar a Aldeia Formosa e daí para Bissau na avioneta que viria dois dias depois trazer o correio para os militares, dado que não havia médico nesta localidade.
Numa mistura de Português, crioulo e dialecto da etnia, a mãe só me pedia:
- Cura minino. Dá quinino para minino ficar bom.
Preparei o medicamento servindo-me do mesmo sistema que utilizei na Binta, apenas em menor quantidade e dei a injecção ao miúdo, cujo nome não cheguei a saber.
As reacções foram as mesmas, só que desta vez a recuperação foi mais lenta. O coração parecia um cavalo, embora o corpo estivesse como que paralisado, apenas mexia os olhos dilatados.
Para meu azar, a mãe e a proprietária da cubata entraram em pânico, mais que eu próprio e começaram a ameaçar-me que se o menino morresse o marido me matava a mim, cortava-me o pescoço. Faziam o gesto com uma catana que sempre usam.
Eu só pedia calma e acompanhava o estado do bébé. Tal como da outra vez, ao fim de umas horas a temperatura baixou, a face deixou de estar avermelhada e os olhos perderam a dilatação.
Guiné-Bissau > Empada > 2005 > O ex-1º cabo enfermeiro Teixeira da CCAÇ 2381 encontra o seu antigo ajudante de enfermagem, Braima, 36 anos depois...
Deixei a criança entregue à mãe, recomendando que lhe desse uma pequena mamada e fosse aumentando a dose conforme ele fosse reagindo. Se a temperatura subisse ou vomitasse devia chamar-me de imediato. Se não houvesse nenhuma situação anormal, eu voltaria no dia seguinte para ver o menino.
À noite rondei a casa para ver se havia alguma anormalidade e no dia seguinte dirigi-me para lá, ainda cedo, para ver o estado do bébé, mas não consegui voltar a vê-lo porque a mãe, de manhã cedo abandonou Mampatá, pelos vistos, feliz porque o seu minino já comia e não tinha o corpo quente.
De onde veio, quem era, nunca chegarei a saber, pois a dona da tabanca diz que não conhece a mudjer que esteve lá em casa com o menino, apenas lhe deu hospedagem por uma noite.
__________
(1) Em 2005 procurei o Hamadu. Sei que foi viver para Buba, sendo actualmente quem dirige as orações na Mesquita local. Não consegui encontra-me com ele, apenas conheci uma neta, por quem deixei uma mensagem.
(2) A recuperação foi de cerca de oito dias. Daí em diante, todos os dias a mãe trazia-me a menina: - Tua mudjer vem parte mantanhas (cumprimentar).
Créditos fotográficos: © José Teixeira (2006)
Mampatá, 29 de Outubro de 1968
Quase seis meses se passaram, já, desde que deixei a Metrópole. Parece que estou a ver à minha frente o cais de embarque e milhares de pessoas que com as lágrimas nos olhos e lenços a esvoaçar diziam adeus aos jovens familiares que se lentamente se afastavam com destino à Guiné.
Este tempo, os primeiros meses da guerra, sempre o mais difícil, tem-me custado imenso a passar. Ambientes diferentes, um clima doentio que me marcará para sempre, a guerra com todos os seus perigos. Até a própria natureza parece diferente. Tudo isto são factores, que a par das saudades da família que ficou preocupada, da namorada que lá longe sofre na incerteza, influem no meu estado de espírito.
Guiné-Bissau > Empada > 2005 > A antiga enfermaria do José Teixeira
Já corri muitos perigos. Balas e estilhaços que mãos criminosas, inconscientes ou talvez conscientes do direito de terem a sua Pátria livre, lançaram sobre mim. Já percorri muitos quilómetros, conheci terras, povos e culturas, paisagens maravilhosas. Por muitos anos que viva, jamais esquecerei a Guiné, a forma natural como os seus povos vivem, a fraternidade que comungam entre si, a sua forma simples de Ser, em que o Ter não é importante, mas o viver cada dia como que o seguinte não existisse.
A família do sargenti di milícia Hamadu (1) estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:
- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos.
Guiné-Bissau > Quebo > 2005 > Um hospital (?)...
A refeição animada com a conversa sobre a forma de viver em Lisboa, quando chega um estranho elemento, carregado de panos e bujigangas, era um gila (contrabandista oriundo da Guiné Conacri). Começou o diálogo em Mandiga:
- Na pinda . .. Jame tum … - . O homem sentou-se e começou a comer connosco. O ditado Português diz “para mais um chega sempre”, agora para mais dois… mas chegou.
Após ter comido connosco a pouca vianda que havia tentou vender os panos que trazia, depois foi-se embora, com muitas saudações e com um Djarama nani ( muito obrigado) no final
Quem é? - perguntei.
- Ká sibi - É Gila vem de Conacri, tinha fome. Quando pessoal tem fome …
Mampatá, 1 de Novembro de 1968
Comemoro seis meses que saí da Mãe Pátria. O "Bandido" quis entrar na festa e veio fazer uma visita a Mampatá. Ontem cerca das 20 horas, com seis canhões sem recuo e um morteiro, fez um belo festival nocturno enviando-nos 112 canhoadas que não causaram danos físicos nem materiais. Ripostamos com o 81 e mal o inimigo cessou o fogo, os meus colegas e alguns soldados da Milícia saíram na sua perseguição, sem resultado porque o IN pôs- se de imediato em fuga.
Note-se a diferença de capacidade bélica. Eles trazem todo este material às costas. Isto é demais…
Gui Guiné-Bissau > 2005 > Uma campanha sanitária, tendo em vista a prevenção do paludismo...
Fui procurado pela irmã mais velha da Fámara Baldé. Trazia-me a sua filha com oito meses que estava doente. Tinha Paludismo e estava a entrar na fase crónica, de que quase todos os adultos de raça africana sofrem. Os que conseguem escapar na sua fase mais aguda. A criança apresentava-se muito magra, com 42 graus de temperatura, diarreia e vomitava tudo o que mamava, nem forças tinha para chorar. Acabava de chegar do Hospital de Bissau, segundo me disse a mãe a chorar, sem esperança.
Todos os dias de manhã tinha sua visita.
- Fermero parti-me mézinho para minina, na tem febre e bariga ramassa
Que fazer? Eu que apenas tinha aprendido a tratar feridos da guerra! Estes poucos meses de Guiné ensinaram-me a lutar contra o paludismo nos meus colegas e nos adultos africanos com bons resultados, mas nunca tinha deparado com uma situação tão delicada.
Pedi-lhe para voltar mais tarde que ia pensar o que fazer para salvar a bébé. Para combater o paludismo nos adultos servia-me de um antipalúdico injectável misturado com outro injectável para prever a reacção negativa do coração. Então pensei que, injectando na bebé umas milésimas destes dois produtos, talvez salvasse a criança.
Ontem assim fiz, com todo o cuidado, no posto de socorros ao ar livre, no coberto da casa da Answar. A reacção só se fez sentir cerca de um quarto de hora depois com um pulsar acelerado do coração e um avermelhamento da face. Depois a aceleração aumentou, os olhos dilataram-se e a menina ficou estática por duas ou três horas. Que momentos de ansiedade para mim e para aquela mãe que me confiou a sua filha. Esta chorava e dizia:
- Tu mataste minina! -. Eu pedia-lhe para ter calma e apelava para todos os Santos. Por fim a aceleração do coração começou a baixar e temperatura registou 39 graus. Estava ganha a vida da criança. Abraçamo-nos a chorar um ao outro e a mãe ofereceu-me a menina para minha mulher quando fosse grande.
Ao fim do dia deixei-a levar a menina para a tabanca e chorei sozinho de alegria. Hoje voltou para me dizer que a minina ká na tem xoro, já não vomitou a mamada (2).
Trazia-me água fresca numa cabaça, que ia buscar à bolanha a uma nascente de que se servia também o IN. (Que riscos por minha causa). Trazia-me cachos de bananas e eu tinha de todas as noites ao passar para o meu abrigo ir parte mantanhas ... à minha mulher. Se não o fizesse, a mãe chamava:
- Fermero tu não vens ver tua mudjer e parte mantanhas a ela !
Dizia-me muitas vezes que quando eu viesse para a Metrópole tinha de trazer a minha mudjer.
Assim foi até sair de Mampatá. Tornei-me um visitante da família Baldé. Fámara, Binta Auá e Answar. A mãe era uma velhinha que só falava o seu dialeto e o pai tinha-as abandonado suponho que era gila ( contrabandista) ou IN.
Mampatá, 3 de Novembro de 1968
O dia 3 de Novembro não será esquecido pelos "Amarelos de Mampatá" pois tivemos de travar uma luta de vida ou de morte com o IN que aproveitou a hora do almoço em que os militares se afastaram do seu posto de defesa para buscar na cozinha alimentação, para tentar entrar em Mampatá.
De algum modo eu fui o responsável pela situação criada, pois incentivei um sentinela durante a noite a mandar um tiro na direcção de uma vaca que estava entre as duas faixas de arame farpado e tocava neste, provocando o tilintar das garrafas que lá tínhamos colocado para não sermos surpreendidos pelo IN a tentar entrar pela calada da noite cortando o arame. Esta minha atitude passou-se durante a minha hora de ronda e o sentinela assim fez pouco depois, aparecendo de manhã uma vaca com um buraco numa coxa. Claro que o proprietário, o Régulo Alfero Aliu (Alferes da Milícia) vendeu a vaca à tropa.
Há mais de um mês que não comemos carne, porque os Africanos se recusam a vender qualquer animal. Assim foi fácil convencer o proprietário a vender a vaca ferida, mas ficou-nos cara.
Praticamente todos os postos de sentinela ficaram abandonados à hora do almoço o que não é habitual, mas o estranho foi o turra saber exactamente o que se estava a passar e atacou.
Quase todos os soldados tiveram de correr para as suas posições debaixo de fogo e durante quinze minutos a luta foi terrível com "eles" junto ao arame com fogo cerrado. Chegamos a ter a sensação que estavam cá dentro o que não se verificou graças à nossa capacidade de resistência e por sorte também. Ao tentarem entrar pelo lado de Buba, o Silva Algarvio que não tinha vindo buscar a comida ao refeitório por estar doente, aguentou-os até chegarem reforços e obrigou-os a retirar. Aliás foi ele que deu o sinal. Ao ver um grupo de africanos com armas que não eram a velha mauser a tentarem forçarem a porta em rede de arame farpado, estranhou e abriu fogo, depois… foi, cantinas de comida pelo ar e umas loucas correrias para os abrigos de protecção. Segui-se o “chocolate” do costume. Os assaltantes recuaram para selva e o fogo continuou.
Onze moranças ficaram destruídas pelo fogo, pois utilizaram balas incendiárias e também destruiram o paiol. Fiquei assustado e desorientado porque dada a intensidade do fogo e a estratégia adoptada pelo IN contava ter muito que fazer com os feridos talvez mortos, atendendo a que ninguém contava com tal surpresa e os postos estavam desguarnecidos e sobretudo porque tinha pouco material de socorro ( apenas 2 sacos de soro).
Ainda debaixo de fogo saí do abrigo onde me protegera e corri pela tabanca à procura de feridos, junto dos abrigos subterrâneos onde se abrigara a população. Felizmente nada aconteceu, foi só fogo de vista susto e prejuízos materiais. Graças a Deus.
Pergunto-me como que a população não foi atingida e as suas casas foram queimadas ? Ataque combinado ? Notámos que o “catequista” muçulmano saiu de manhã cedo para a bolanha, o que é estranho pois costuma estar sempre na tabanca a ensinar os putos e só voltou muito depois do ataque. Temos de o trazer debaixo de olho, como disse o Alferes Belo depois de saber a sua ausência.
Novo ataque de. . . formigas. Dormia a bom dormir depois de uma ronda de duas horas pelos postos de sentinela. Um colega dá um grito: Aiiiiiiiii. Logo de seguida, eu, e os outros dois colegas saltamos da cama pensando que era mais uma visita do IN. Aconteceu-nos exactamente o mesmo que aos colegas do posto do morteiro. Estávamos todos cravados de formigas e o chão era um autêntico tapete preto. Iniciamos logo o combate dirigido por mim pois já tinha experiência da sessão anterior com o Rio Maior.
Quem não gostou foi Djaló, pois a palhota dele sofreu um ataque di branco e ficou sem palha. Foi a única maneira de matarmos as formigas e podermos continuar a dormir descansados.
Foi aqui que pude apreciar a sua capacidade organizativa. Com a bota esmagava um grupo delas e logo as mais fortes se dirigiam para o local fazendo como que um cerco de protecção. Mais tarde nas minhas experiências pude verificar que ao interromper uma a fila de formigas, todo o grupo parava até vinte / trinta metros à frente e rectaguarda e iniciavam de imediato o envolvimento à zona afectada seguindo à frente as mais fortes.
Mampatá, 5 de Novembro de 1968
Atacaram Gandembel com o Morteiro 120 e às 3 horas da matina, Ponte Balana acordou debaixo de manga de chocolate (fogo intenso). Não sabemos se houve acidentes pessoais.
Parece incrível que a zona do Corubal que, segundo dizem é das mais lindas e mais ricas da Guiné, se encontre mal defendida. Há lá uma tabanca onde só existem três armas antigas, canhangulos. Da última vez que o IN a visitou, a população fugiu para o mato e eles entraram à vontade, roubaram o gado e incendiaram as tabancas.
Mampatá , 29 de Dezembro de 1968
Há uns tempos que não pego no Diário. Senti-me por uns tempos desorientado, mas agora estou melhor. Habituei-me ao ambiente e às situações que tenho de viver - estou em guerra - e tudo se tornou mais fácil, apesar de começar a não entender a razão desta guerra. A população quer paz para viver e nós, ao estarmos cá, trazemos-lhe a guerra. E de facto a guerra continua, mas a situação nesta área está mais calma e a relação com os povos locais - Fulas Mandingas, Fula Futas e Balantas - é excelente. Estou a gostar de viver aqui.
A bajuda Jobo Ansato (Joaninha, como eu lhe chamo), começou há tempos a ter um comportamento diferente para comigo. Várias vezes me ofertou fruta, chama-me muitas vezes à noite para a porta do abrigo subterrâneo onde dorme, gosta de conversar comigo e fica ciumenta quando me vê a conversar com outras bajudas. Com a Fámara, por exemplo, que é a jovem mais linda que eu vi em toda a minha vida. Eu, embora notasse essa mudança, não conseguia compreender a sua razão de ser.
Ontem, como tantas outras vezes fui até à sua tabanca e a conversa virou para os feridos de guerra as doenças da população e a acção dos enfermeiros e fiquei espantado ao ouvi-la dizer dizer:
- No último taque di bandido eu ver Tixera ir por Tabanca, baixo di fogo perguntá tudo dgente si ká na firido. A mim nesse dia ficá manga di contente com Tixera. Tixera i amigo di Africano.- Para meu espanto verifico que foi a partir da data do último ataque que sofremos que se deu esta mudança no seu comportamento. Como uma simples acção no cumprimento do meu dever pode influir tanto na maneira de pensar e agir de uma pessoa !
A minha fama de curandeiro depois da recuperação da Binta, assim se chama a bebé que curei, fez-me passar por outra aventura do género. Apareceu-me na Enfermaria improvisada, ao ar livre, uma mulher que não era da localidade a pedir-me para ir ver o seu minino que ramassa (vomita) e tem corpo quente, manga d'ele (temperatura).
O menino estava numa cubata perto da Enfermaria, deitado numa esteira no chão e apresentava os mesmos sintomas da Binta, muito magro, alta temperatura, sem forças nos braços. Era um pouco mais velho, mas estava esquelético
Hesitei, tal fora o susto que tinha passado e insisti para o levar a Aldeia Formosa e daí para Bissau na avioneta que viria dois dias depois trazer o correio para os militares, dado que não havia médico nesta localidade.
Numa mistura de Português, crioulo e dialecto da etnia, a mãe só me pedia:
- Cura minino. Dá quinino para minino ficar bom.
Preparei o medicamento servindo-me do mesmo sistema que utilizei na Binta, apenas em menor quantidade e dei a injecção ao miúdo, cujo nome não cheguei a saber.
As reacções foram as mesmas, só que desta vez a recuperação foi mais lenta. O coração parecia um cavalo, embora o corpo estivesse como que paralisado, apenas mexia os olhos dilatados.
Para meu azar, a mãe e a proprietária da cubata entraram em pânico, mais que eu próprio e começaram a ameaçar-me que se o menino morresse o marido me matava a mim, cortava-me o pescoço. Faziam o gesto com uma catana que sempre usam.
Eu só pedia calma e acompanhava o estado do bébé. Tal como da outra vez, ao fim de umas horas a temperatura baixou, a face deixou de estar avermelhada e os olhos perderam a dilatação.
Guiné-Bissau > Empada > 2005 > O ex-1º cabo enfermeiro Teixeira da CCAÇ 2381 encontra o seu antigo ajudante de enfermagem, Braima, 36 anos depois...
Deixei a criança entregue à mãe, recomendando que lhe desse uma pequena mamada e fosse aumentando a dose conforme ele fosse reagindo. Se a temperatura subisse ou vomitasse devia chamar-me de imediato. Se não houvesse nenhuma situação anormal, eu voltaria no dia seguinte para ver o menino.
À noite rondei a casa para ver se havia alguma anormalidade e no dia seguinte dirigi-me para lá, ainda cedo, para ver o estado do bébé, mas não consegui voltar a vê-lo porque a mãe, de manhã cedo abandonou Mampatá, pelos vistos, feliz porque o seu minino já comia e não tinha o corpo quente.
De onde veio, quem era, nunca chegarei a saber, pois a dona da tabanca diz que não conhece a mudjer que esteve lá em casa com o menino, apenas lhe deu hospedagem por uma noite.
__________
(1) Em 2005 procurei o Hamadu. Sei que foi viver para Buba, sendo actualmente quem dirige as orações na Mesquita local. Não consegui encontra-me com ele, apenas conheci uma neta, por quem deixei uma mensagem.
(2) A recuperação foi de cerca de oito dias. Daí em diante, todos os dias a mãe trazia-me a menina: - Tua mudjer vem parte mantanhas (cumprimentar).
segunda-feira, 16 de janeiro de 2006
Guiné 63/74 - P432: O Hotel de Bambadinca (Carlos Marques Santos)
Bambadinca. Março de 1969. O furriel miliciano Marques dos Santos, da CART 2339 (Mansambo), aguarda transporte, de Bambadinca para Bissau, para gozo da sua licença de férias na Metrópole (vd fotos a seguir).
Um felizardo do mato, com direito a férias (nem que fosse em Bissau, também conhecida por guerra do ar condicionado), ia de barco, civil, a partir de Bambadinca, ou apanhava uma LDG no Xime ou, ainda, uma boleia, de helicóptero ou de Dornier (o que era mais difícil, por causas das prioridades, do elevado custo do transporte aéreo e sobretudo do factor C - a cunha).
A sede da CCS (Companhia de Comando e Serviços) do BCAÇ 2852, em Bambadinca, funcionava como hotel para os militares em trânsito, oriundos dos aquartelamentos e destacamentos do sector (em especial, Xime, Mansambo, Xitole, Missirá e Fá Mandinga) ou até de outros sectores da Zona Leste (Bafatá, Gabu, Galomaro...).
Comparadas com as do Xime, Mansambo ou Xitole, as instalações para oficiais e sargentos em Bambadinca eram as de um hotel de cinco estrelas... Daqui que a malta de Bambadinca (CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras unidades) arranjasse sempre poiso para os alferes e furriéis milicianos em trânsito... Mais do que cumplicidade, havia solidariedade para com os camaradas que viviam em piores condições do que nós... De resto, havia sempre camas vazias, nomeadamente da malta operacional que frequentemente dormia no mato (como era o caso da CCAÇ 12)
Foto nº 1 > "A foto foi tirada pelo Furriel Rei (Cart2339), meu inseparável companheiro de férias - diz o Carlos Marques dos Santos. - No interregno das nossas férias aconteceu o desastre do Cheche – Madina do Boé, onde também a CART 2339 esteve envolvida com material auto e apoio logístico (1).
"Na primeira fila, vêem-se os Furriéis Oliveira e Soares. Na 2.ª fila, eu (Marques dos Santos) mais o furriel Carlos Pinto".
O Humberto Reis confirma que o Soares que aparece na foto é o José Manuel Amaral Soares, ex-furriel miliciano sapador de minas e armadilhas, pertencente à Companhia de Comandos e Serviços (CCS) do BCAÇ 2852. Foi um dos co-organizadores do convívio anual da malta de Bambadinca (1968/71) que se realizou em 2004, em Faro (2).
Em 1999, realizou-se outro convívio, já aqui relembrado (3), na Quinta da Graça, em Riade, Resende, junto ao Rio Douro. A Quinta da Graça é propriedade de outro camarada do nosso tempo, e da mesma unidade (CCS do BCAÇ 2852), o Pinto dos Santos, que era furriel de operações e informações (se não me engano).
Foto nº 2 > "Aqui, já com o Furriel Rei na 1.ª fila"... Como se pode ver pelas fotografias, não se passava sede no Hotel de Bambadinca e, a avaliar pela decoração das paredes dos quartos, os seus hóspedes tinham uma permanente ligação (espiritual, estética, mágica, poética, erótica...) com o mundo dos vivos (ou, melhor, das vivas...).
Foto nº 3 > "Eu, Marques dos Santos, no Hotel de Bambadinca"...
Manda dizer o Humberto Reis, a propósito destas fotos:
Carlos Marques, acertaste em cheio. É ele mesmo, o Soares, sapador, que mora aqui na zona de Lisboa (mais concretamente, em Caneças, concelho de Loures).
"Fotos 1 e 2: O que está na 1ª fila do lado esquerdo é o Ranger Fernando Jorge da Cruz Oliveira, de quem sou visita habitual lá de casa. Temos dado uns belos passeios juntos com as nossas Marias (também mora aqui na região de Lisboa, em Fernão Ferro, cocnelho do Seixãl). O que está ao teu lado é o radiomontador Carlos de Oliveira Pinto que mora no Porto, aliás o Sr. Engº Pinto....
"Na foto 3 pode ver-se um frigorífico que eu comprei quando os velhinhos da CCS do BCAÇ 2852 se vieram embora e ficou para a malta da CCAÇ 12 que depois mudou para o meu quarto". Um frigorífico (eléctrico), naquelas paragens e naquele contexto, era um verdadeiro luxo! O nosso só funcionava à hora do almoço e à noite, quando estava ligado o gerdaor... Foi depois revendido aos periquitos que nos vieam render, em finais de Fevereiro de 1971. E julgo que terá chegado, heroicamente, até à hora da partida do último soldado português na Guiné. Provavelmente terá sido oferecido a um camarada do PAIGC. Por falta de energia eléctrica, terá morrido ingloriamente no montão de lixo que deixámos em Bambadinca, a começar pela tralha da guerra...
______
(1) Notas de L.G.:
Vd post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
(2) Vd post de 20 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca
(3) Vd post de 23 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCVII: Convívios do pessoal do BCAÇ 2852 e da CCAÇ 12: Resende (1999)
Um felizardo do mato, com direito a férias (nem que fosse em Bissau, também conhecida por guerra do ar condicionado), ia de barco, civil, a partir de Bambadinca, ou apanhava uma LDG no Xime ou, ainda, uma boleia, de helicóptero ou de Dornier (o que era mais difícil, por causas das prioridades, do elevado custo do transporte aéreo e sobretudo do factor C - a cunha).
A sede da CCS (Companhia de Comando e Serviços) do BCAÇ 2852, em Bambadinca, funcionava como hotel para os militares em trânsito, oriundos dos aquartelamentos e destacamentos do sector (em especial, Xime, Mansambo, Xitole, Missirá e Fá Mandinga) ou até de outros sectores da Zona Leste (Bafatá, Gabu, Galomaro...).
Comparadas com as do Xime, Mansambo ou Xitole, as instalações para oficiais e sargentos em Bambadinca eram as de um hotel de cinco estrelas... Daqui que a malta de Bambadinca (CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras unidades) arranjasse sempre poiso para os alferes e furriéis milicianos em trânsito... Mais do que cumplicidade, havia solidariedade para com os camaradas que viviam em piores condições do que nós... De resto, havia sempre camas vazias, nomeadamente da malta operacional que frequentemente dormia no mato (como era o caso da CCAÇ 12)
Foto nº 1 > "A foto foi tirada pelo Furriel Rei (Cart2339), meu inseparável companheiro de férias - diz o Carlos Marques dos Santos. - No interregno das nossas férias aconteceu o desastre do Cheche – Madina do Boé, onde também a CART 2339 esteve envolvida com material auto e apoio logístico (1).
"Na primeira fila, vêem-se os Furriéis Oliveira e Soares. Na 2.ª fila, eu (Marques dos Santos) mais o furriel Carlos Pinto".
O Humberto Reis confirma que o Soares que aparece na foto é o José Manuel Amaral Soares, ex-furriel miliciano sapador de minas e armadilhas, pertencente à Companhia de Comandos e Serviços (CCS) do BCAÇ 2852. Foi um dos co-organizadores do convívio anual da malta de Bambadinca (1968/71) que se realizou em 2004, em Faro (2).
Em 1999, realizou-se outro convívio, já aqui relembrado (3), na Quinta da Graça, em Riade, Resende, junto ao Rio Douro. A Quinta da Graça é propriedade de outro camarada do nosso tempo, e da mesma unidade (CCS do BCAÇ 2852), o Pinto dos Santos, que era furriel de operações e informações (se não me engano).
Foto nº 2 > "Aqui, já com o Furriel Rei na 1.ª fila"... Como se pode ver pelas fotografias, não se passava sede no Hotel de Bambadinca e, a avaliar pela decoração das paredes dos quartos, os seus hóspedes tinham uma permanente ligação (espiritual, estética, mágica, poética, erótica...) com o mundo dos vivos (ou, melhor, das vivas...).
Foto nº 3 > "Eu, Marques dos Santos, no Hotel de Bambadinca"...
Manda dizer o Humberto Reis, a propósito destas fotos:
Carlos Marques, acertaste em cheio. É ele mesmo, o Soares, sapador, que mora aqui na zona de Lisboa (mais concretamente, em Caneças, concelho de Loures).
"Fotos 1 e 2: O que está na 1ª fila do lado esquerdo é o Ranger Fernando Jorge da Cruz Oliveira, de quem sou visita habitual lá de casa. Temos dado uns belos passeios juntos com as nossas Marias (também mora aqui na região de Lisboa, em Fernão Ferro, cocnelho do Seixãl). O que está ao teu lado é o radiomontador Carlos de Oliveira Pinto que mora no Porto, aliás o Sr. Engº Pinto....
"Na foto 3 pode ver-se um frigorífico que eu comprei quando os velhinhos da CCS do BCAÇ 2852 se vieram embora e ficou para a malta da CCAÇ 12 que depois mudou para o meu quarto". Um frigorífico (eléctrico), naquelas paragens e naquele contexto, era um verdadeiro luxo! O nosso só funcionava à hora do almoço e à noite, quando estava ligado o gerdaor... Foi depois revendido aos periquitos que nos vieam render, em finais de Fevereiro de 1971. E julgo que terá chegado, heroicamente, até à hora da partida do último soldado português na Guiné. Provavelmente terá sido oferecido a um camarada do PAIGC. Por falta de energia eléctrica, terá morrido ingloriamente no montão de lixo que deixámos em Bambadinca, a começar pela tralha da guerra...
______
(1) Notas de L.G.:
Vd post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
(2) Vd post de 20 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca
(3) Vd post de 23 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCVII: Convívios do pessoal do BCAÇ 2852 e da CCAÇ 12: Resende (1999)
domingo, 15 de janeiro de 2006
Guíné 63/74 - P431: Tio (Albano) e sobrinha (Sandra) 'apanhados pelo clima' (Albano Costa)
Mensagem do Albano Costa (ex-combatente da CCAÇ 4150, Guidaje, 1973/74>)
Caros amigos tertulianos e demais bloguistas em geral, eu ao tomar esta iniciativa de escrever estas letrinhas gostaria de deixar bem claro que é a minha e só a minha opinião.
Quando eu resolvi ir à Guiné em Novembro de 2000 não foi fácil a minha decisão!...
Pedi opinião a pessoas que já lá tinha ido, porque a ideia que eu tinha era sempre a mesma!... A zona onde a minha CCAÇ 4150 esteve era uma zona muito complicada, assim como todas, mal se saía fora do arame farpada era logo porrada!...
Guiné-Bissau > Novembro de 2000 > Albano Costa, reodeado de novos amigos, fazendo um pausa, a caminho do Chugué...
© Albano Costa (2006)
E eu vivi muitos anos com esse pensamento, e actualmente continuo a sentir que a grande maioria dos ex-combatente ainda pensa como eu pensava!... Eu compreendo, não é fácil esquecer!... Aliás, nunca mais esquece!... E ao ler estes testemunhos, aqui reproduzidos no blogue, dá para uma pessoa entender como ao fim de 30/40 anos - o tempo que vai da nossa passagem pela Guiné - , os relatos são como tudo isso ainda se tivesse passado hoje!...
Guiné-Bissau > Novembro de 2000 > Os novos expedicionários, a caminho de Bedanda... Como podem ver, as picadas não mudaram muito... © Albano Costa (2006)
Ainda dá para imaginar que os ex-combatentes julgam a Guiné na mesma. Mas, não!... Não está na mesma, a Guiné é um país realmente muito pobre, mas tem toda a segurança para quem o quiser visitar e há uma coisa que tem e que é muito rica, as pessoas, essas que na altura nós chamava-mos turras e eles a nós tugas, hoje chamam-nos como muitos guineenses me chamaram:
- Somos irmãos, a diferença é só na pele, o sangue é o mesmo. - Afinal foram 500 anos de história.
Gostaria de ver a Guiné mais desenvolvida e esse mesmo desenvolvimento é pena que não se esteja a ser feito através do turismo, esse turismo que tinha nos ex-combatentes uma grande massa humana, era só o governo pensar um pouco mais no investimento, mas não demorar muito tempo porque se não os ex-combatentes vão envelhecendo e então aí torna-se mais difícil. Como alguém bem recentemente escrevia no blogue aquilo que eu digo neste momento:
- Julgei que ia à Guiné e esquecia, mas teve o efeito contrário, ficou a vontade de lá voltar sempre. - É o que acontece comigo.
Em 2004, uma minha sobrinha que faz parte um grupo de jovens universitários que fazem voluntariado social e se dedicam a missões humanitárias (GASPorto -Grupo Acção Social do Porto) veio-me perguntar se conhecia alguma missão na Guiné. Eles queriam fazer acção social naquele país durante dois meses. Prontifiquei-me logo a ajudar, eles lá foram, alguns com mais coragem que outros e algumas famílias um pouco na expectativa... Mas lá foram e o que fizeram foi muito bonito. Adoraram principalmente aquele povo. Eu vou transcrever as cartas que a Sónia me escreveu, com a devida autorização da autora:
Primeira carta, em 25 Agosto 2004
Oi familiazinha, isto aqui é mesmo um sonho, Moçambique é bonito, tem uma beleza mágica, mas a Guiné não fica nada atrás. A verdura é magnífica, as paisagens são uma coisa que só visto. O tio tinha razão, é um país com uma beleza enorme.
Bissau é esta confusão, parece o Porto, sempre com muito pessoal, até trânsito temos, o que torna tudo engraçado. O mercado de Bandim é aquela coisa cheia de pessoas, passando na rua só se vê cabeças.
Guiné-Bissau > 2004 > A Sónia e o Nuno num toca-toca (táxi colectivo)... Uma experiência que os jovens em Portugal não podem ter... © Albano Costa (2006)
Os toca-toca são muito porreiros, há sempre lugar para mais dois, cabe sempre mais alguém.
As pessoas são muito simpáticas, sempre com um sorriso nos lábios e as crianças, essas são um doce com o seu sorriso.
O ano passado gostei muito de estar em Macia (Moçambique) e tive pena de não ir para lá este ano, mas agora que cá estou também estou a adorar.
O nosso trabalho, apostamos muito na educação, as crianças estão de férias nesta altura do ano, mas nós criamos aulas de recuperação e elas aparecem, damos a primária do 5.º ano ao 8.º ano, isto em Nhoma e em Nhacra [a nordeste de Bissau]. Temos muitos miúdos, principalmente na escola primária.
A nossa grande dificuldade é o crioulo, os mais pequenos não entendem o português. Apenas se fala português dentro da sala de aula e só quando vão para a escola, mas aos poucos vamos conseguindo.
A nível de saúde o projecto é mais para realizar em Portugal, vamos ver se o Hospital Santos Silva [, de Gaia, ]nos quer ajudar com algum material básico.
Locais que já conheço, fomos este fim-de-semana a Varela, não sei se o tio conhece, é na região da beira mar, perto de Cabo Roxo, quase a chegar ao Senegal. A praia é uma praia selvagem, sem qualquer mão do homem, é natural. A viagem de lá foi um sonho, é um bocado longe mas valeu a pena. O Padre Eugénio levou-nos de carro até Safim e depois fomos com um casal português que o Nuno conhece. Fomos de carro até lá, passámos por Buba e fomos até Cacheu, lá atravessamos de jangada até ao outro lado e aí passámos 7 horas de picada pelo meio da natureza.
Os buracos, os saltinhos e toda a paisagem tem um encanto magnífico. Quando chegámos já era noite, pelo caminho o senhor Fernando foi a caçar uns pássaros e pelo caminho o jipe dele teve um furo no pneu, e rapidamente do meio do nada apareceu logo quem nos ajudasse. A casa era um filme, não tínhamos luz, a casa tinha alguns bichinhos, na jardim tínhamos que ter cuidado porque às vezes há cobras, mas tudo isto faz parte da Guiné e sem estes bichinhos não era a Guiné.
O tempo é muito quente, é mesmo muito quente. Há dias em que o calor é mesmo insuportável, mas aos poucos nós habituamo-nos.
Mais novidades tenho mas não posso escrever tudo só na primeira carta, vou escrevendo para a família e assim vão sabendo como estão as coisas por aqui.
Obrigado por todo o apoio que me deram e por me terem ajudado.
Beijinhos para todos, e só mais uma coisa, as mangas são uma delícia, é um fruto mesmo bom. Sabe tão bem comer uma manga e saborear aquele paladar. Quando for para Portugal vão deixar muitas saudades.
Agora despeço-me mesmo, as prximas aventuras seram escritas futuramente.Beijinho grande para todos.
Sandra Neves - a guineense 2004.
Segunda carta, em 18 de Setembro 2004
Olá,tio.
Imagine onde estou? Vou descrever para ver se consegue adivinhar.
Tenho umas casinhas redondas, umas palhotas onde vou dormir esta noite. Neste momento estou sentada numa cadeira de palha, ao ar livre debaixo de um telhado de palha a ouvir a natureza. Da parte da tarde tive a tomar banho numa água límpida e quente, no final da tarde não havia água, podiamos atravessar a pé para o outro lado. Ah, e estou na companhia de um senhor muito simpático. Já sabe aonde estou, sim no clube Fo noya, em Buba. Isto aqui é muito bonito, esta natureza que transmite tanta paz, uma beleza pura, sem a mão do homem.
Antes de cá chegarmos passamos pelo Saltinho, parámos na ponte onde estivémos a ouvir e ver aquela queda de água, onde a água tem aquela força e beleza que só quem vê sabe do que estou a falar. O Sr. Baldé disse que o tio esteve lá quando aqui esteve, tirei fotos e quando chegar vamos ter muito que falar.
Ontem ficámos a dormir em Gabu [antiga Nova Lamego, no nordeste], e fomos jantar a um restaurante onde cantámos, dançámos e as pessoas foram tão queridas que hoje famos lá tomar o pequeno almoço. Como é possível alguém dar tanto carinho a um grupo de jovens portugueses que nunca viu!... Sentimo-nos em casa. Quando saimos de lá, o Nuno canta uma canção à Dona do restaurante e ela até ficou com os olhos com água, são tão queridos. O tio tinha razão, este povo é muito acolhedor e aqui nada nos falta porque as pessoas fazem por isso, o carinho que nos dão faz esquecer muitas coisas.
Hoje passamos por Bafatá, Bambadinca e apesar de muitas casas estarem destruidas e de as coisas precisarem de uma mãozinha há sempre aquela beleza.
Vou contar um segredo: quando se levantou a ideia na direcção do GASPorto em eu vir para a Guiné, tive pena de não ir novamente para Macia - Moçambique, mas não estou nem um bocadinho arrependida, a nossa família deixou de ter dois apaixonados pela Guiné e passou a ter três apaixonados pela Guiné.
E quando chegar quero contar-lhe o nosso trabalho aqui e os nossos projectos de futuro, e no que estiver dependente de nós temos muitos projectos e ideias para o futuro e apostamos num projecto para continuar. Não sei se os meus pais já comentaram mas um dos nossos projectos são os pais adoptivos à distância e já levamos connosco algumas crianças que precisam de pais, elas são tão queridas e merecem ser felizes.
Tio, agora compreendo o seu brilho nos olhos quando fala da Guiné, deste povo, destas crianças. Vamos ter mesmo muito que falar.
Guiné-Bissau > Guidaje > Novembro de 2000 > O Hugo Costa, o repórter de serviço, filho do Albano, na hora da despedida... © Albano Costa (2005)
Estou a 5 semanas de trabalho, e já dói cá dentro pensar na despedida: com estes quase dois meses com este povo, a despedida custa muito.
Na última semana vou às ilhas e depois e depois relato como é a sua beleza.
Beijinhos para todos. Gosto muito de todos vocês. Obrigado por todo o apoio que me deram. Até breve
Sandra Neves
(a menina apaixonada pela Guiné).
Isto é mais um testemunho do que é a Guiné dos tempos modernos. Que pena eu tenho de os seus governantes não olharem um pouco mais para a parte turística, que ajudava a desenvolver mais a nossa Guiné-Bissau.
Albano Costa
(... com um brilhozinho nos olhos. LG)
Comentário de L.G.:
Albano: Bonito texto este!... Temos que convidar a Sandra, que é enfermeira (e que até gostaria de trabalhar, uns tempos, no Hospital Nacional Simão Mendes - atenção, Paulo Salgado, aí em Bissau!) para entrar para a nossa tertúlia... Uma moça de grande sensibilidade e generosidade. Parabéns, tio!
Caros amigos tertulianos e demais bloguistas em geral, eu ao tomar esta iniciativa de escrever estas letrinhas gostaria de deixar bem claro que é a minha e só a minha opinião.
Quando eu resolvi ir à Guiné em Novembro de 2000 não foi fácil a minha decisão!...
Pedi opinião a pessoas que já lá tinha ido, porque a ideia que eu tinha era sempre a mesma!... A zona onde a minha CCAÇ 4150 esteve era uma zona muito complicada, assim como todas, mal se saía fora do arame farpada era logo porrada!...
Guiné-Bissau > Novembro de 2000 > Albano Costa, reodeado de novos amigos, fazendo um pausa, a caminho do Chugué...
© Albano Costa (2006)
E eu vivi muitos anos com esse pensamento, e actualmente continuo a sentir que a grande maioria dos ex-combatente ainda pensa como eu pensava!... Eu compreendo, não é fácil esquecer!... Aliás, nunca mais esquece!... E ao ler estes testemunhos, aqui reproduzidos no blogue, dá para uma pessoa entender como ao fim de 30/40 anos - o tempo que vai da nossa passagem pela Guiné - , os relatos são como tudo isso ainda se tivesse passado hoje!...
Guiné-Bissau > Novembro de 2000 > Os novos expedicionários, a caminho de Bedanda... Como podem ver, as picadas não mudaram muito... © Albano Costa (2006)
Ainda dá para imaginar que os ex-combatentes julgam a Guiné na mesma. Mas, não!... Não está na mesma, a Guiné é um país realmente muito pobre, mas tem toda a segurança para quem o quiser visitar e há uma coisa que tem e que é muito rica, as pessoas, essas que na altura nós chamava-mos turras e eles a nós tugas, hoje chamam-nos como muitos guineenses me chamaram:
- Somos irmãos, a diferença é só na pele, o sangue é o mesmo. - Afinal foram 500 anos de história.
Gostaria de ver a Guiné mais desenvolvida e esse mesmo desenvolvimento é pena que não se esteja a ser feito através do turismo, esse turismo que tinha nos ex-combatentes uma grande massa humana, era só o governo pensar um pouco mais no investimento, mas não demorar muito tempo porque se não os ex-combatentes vão envelhecendo e então aí torna-se mais difícil. Como alguém bem recentemente escrevia no blogue aquilo que eu digo neste momento:
- Julgei que ia à Guiné e esquecia, mas teve o efeito contrário, ficou a vontade de lá voltar sempre. - É o que acontece comigo.
Em 2004, uma minha sobrinha que faz parte um grupo de jovens universitários que fazem voluntariado social e se dedicam a missões humanitárias (GASPorto -Grupo Acção Social do Porto) veio-me perguntar se conhecia alguma missão na Guiné. Eles queriam fazer acção social naquele país durante dois meses. Prontifiquei-me logo a ajudar, eles lá foram, alguns com mais coragem que outros e algumas famílias um pouco na expectativa... Mas lá foram e o que fizeram foi muito bonito. Adoraram principalmente aquele povo. Eu vou transcrever as cartas que a Sónia me escreveu, com a devida autorização da autora:
Primeira carta, em 25 Agosto 2004
Oi familiazinha, isto aqui é mesmo um sonho, Moçambique é bonito, tem uma beleza mágica, mas a Guiné não fica nada atrás. A verdura é magnífica, as paisagens são uma coisa que só visto. O tio tinha razão, é um país com uma beleza enorme.
Bissau é esta confusão, parece o Porto, sempre com muito pessoal, até trânsito temos, o que torna tudo engraçado. O mercado de Bandim é aquela coisa cheia de pessoas, passando na rua só se vê cabeças.
Guiné-Bissau > 2004 > A Sónia e o Nuno num toca-toca (táxi colectivo)... Uma experiência que os jovens em Portugal não podem ter... © Albano Costa (2006)
Os toca-toca são muito porreiros, há sempre lugar para mais dois, cabe sempre mais alguém.
As pessoas são muito simpáticas, sempre com um sorriso nos lábios e as crianças, essas são um doce com o seu sorriso.
O ano passado gostei muito de estar em Macia (Moçambique) e tive pena de não ir para lá este ano, mas agora que cá estou também estou a adorar.
O nosso trabalho, apostamos muito na educação, as crianças estão de férias nesta altura do ano, mas nós criamos aulas de recuperação e elas aparecem, damos a primária do 5.º ano ao 8.º ano, isto em Nhoma e em Nhacra [a nordeste de Bissau]. Temos muitos miúdos, principalmente na escola primária.
A nossa grande dificuldade é o crioulo, os mais pequenos não entendem o português. Apenas se fala português dentro da sala de aula e só quando vão para a escola, mas aos poucos vamos conseguindo.
A nível de saúde o projecto é mais para realizar em Portugal, vamos ver se o Hospital Santos Silva [, de Gaia, ]nos quer ajudar com algum material básico.
Locais que já conheço, fomos este fim-de-semana a Varela, não sei se o tio conhece, é na região da beira mar, perto de Cabo Roxo, quase a chegar ao Senegal. A praia é uma praia selvagem, sem qualquer mão do homem, é natural. A viagem de lá foi um sonho, é um bocado longe mas valeu a pena. O Padre Eugénio levou-nos de carro até Safim e depois fomos com um casal português que o Nuno conhece. Fomos de carro até lá, passámos por Buba e fomos até Cacheu, lá atravessamos de jangada até ao outro lado e aí passámos 7 horas de picada pelo meio da natureza.
Os buracos, os saltinhos e toda a paisagem tem um encanto magnífico. Quando chegámos já era noite, pelo caminho o senhor Fernando foi a caçar uns pássaros e pelo caminho o jipe dele teve um furo no pneu, e rapidamente do meio do nada apareceu logo quem nos ajudasse. A casa era um filme, não tínhamos luz, a casa tinha alguns bichinhos, na jardim tínhamos que ter cuidado porque às vezes há cobras, mas tudo isto faz parte da Guiné e sem estes bichinhos não era a Guiné.
O tempo é muito quente, é mesmo muito quente. Há dias em que o calor é mesmo insuportável, mas aos poucos nós habituamo-nos.
Mais novidades tenho mas não posso escrever tudo só na primeira carta, vou escrevendo para a família e assim vão sabendo como estão as coisas por aqui.
Obrigado por todo o apoio que me deram e por me terem ajudado.
Beijinhos para todos, e só mais uma coisa, as mangas são uma delícia, é um fruto mesmo bom. Sabe tão bem comer uma manga e saborear aquele paladar. Quando for para Portugal vão deixar muitas saudades.
Agora despeço-me mesmo, as prximas aventuras seram escritas futuramente.Beijinho grande para todos.
Sandra Neves - a guineense 2004.
Segunda carta, em 18 de Setembro 2004
Olá,tio.
Imagine onde estou? Vou descrever para ver se consegue adivinhar.
Tenho umas casinhas redondas, umas palhotas onde vou dormir esta noite. Neste momento estou sentada numa cadeira de palha, ao ar livre debaixo de um telhado de palha a ouvir a natureza. Da parte da tarde tive a tomar banho numa água límpida e quente, no final da tarde não havia água, podiamos atravessar a pé para o outro lado. Ah, e estou na companhia de um senhor muito simpático. Já sabe aonde estou, sim no clube Fo noya, em Buba. Isto aqui é muito bonito, esta natureza que transmite tanta paz, uma beleza pura, sem a mão do homem.
Antes de cá chegarmos passamos pelo Saltinho, parámos na ponte onde estivémos a ouvir e ver aquela queda de água, onde a água tem aquela força e beleza que só quem vê sabe do que estou a falar. O Sr. Baldé disse que o tio esteve lá quando aqui esteve, tirei fotos e quando chegar vamos ter muito que falar.
Ontem ficámos a dormir em Gabu [antiga Nova Lamego, no nordeste], e fomos jantar a um restaurante onde cantámos, dançámos e as pessoas foram tão queridas que hoje famos lá tomar o pequeno almoço. Como é possível alguém dar tanto carinho a um grupo de jovens portugueses que nunca viu!... Sentimo-nos em casa. Quando saimos de lá, o Nuno canta uma canção à Dona do restaurante e ela até ficou com os olhos com água, são tão queridos. O tio tinha razão, este povo é muito acolhedor e aqui nada nos falta porque as pessoas fazem por isso, o carinho que nos dão faz esquecer muitas coisas.
Hoje passamos por Bafatá, Bambadinca e apesar de muitas casas estarem destruidas e de as coisas precisarem de uma mãozinha há sempre aquela beleza.
Vou contar um segredo: quando se levantou a ideia na direcção do GASPorto em eu vir para a Guiné, tive pena de não ir novamente para Macia - Moçambique, mas não estou nem um bocadinho arrependida, a nossa família deixou de ter dois apaixonados pela Guiné e passou a ter três apaixonados pela Guiné.
E quando chegar quero contar-lhe o nosso trabalho aqui e os nossos projectos de futuro, e no que estiver dependente de nós temos muitos projectos e ideias para o futuro e apostamos num projecto para continuar. Não sei se os meus pais já comentaram mas um dos nossos projectos são os pais adoptivos à distância e já levamos connosco algumas crianças que precisam de pais, elas são tão queridas e merecem ser felizes.
Tio, agora compreendo o seu brilho nos olhos quando fala da Guiné, deste povo, destas crianças. Vamos ter mesmo muito que falar.
Guiné-Bissau > Guidaje > Novembro de 2000 > O Hugo Costa, o repórter de serviço, filho do Albano, na hora da despedida... © Albano Costa (2005)
Estou a 5 semanas de trabalho, e já dói cá dentro pensar na despedida: com estes quase dois meses com este povo, a despedida custa muito.
Na última semana vou às ilhas e depois e depois relato como é a sua beleza.
Beijinhos para todos. Gosto muito de todos vocês. Obrigado por todo o apoio que me deram. Até breve
Sandra Neves
(a menina apaixonada pela Guiné).
Isto é mais um testemunho do que é a Guiné dos tempos modernos. Que pena eu tenho de os seus governantes não olharem um pouco mais para a parte turística, que ajudava a desenvolver mais a nossa Guiné-Bissau.
Albano Costa
(... com um brilhozinho nos olhos. LG)
Comentário de L.G.:
Albano: Bonito texto este!... Temos que convidar a Sandra, que é enfermeira (e que até gostaria de trabalhar, uns tempos, no Hospital Nacional Simão Mendes - atenção, Paulo Salgado, aí em Bissau!) para entrar para a nossa tertúlia... Uma moça de grande sensibilidade e generosidade. Parabéns, tio!
Guiné 63/74 - P430: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)
Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > O Mário Dias é o único dos membros da nossa tertúlia que pode dizer: "Eu estava lá"...
Foto (e legenda): © Mário Dias (2005)
1. Recomenda-se a leitura (e a divulgação) deste post do Mário Dias: é uma intervenção serena mas corajosa, que serve de exemplo para todos nós... Para que a história (a pequena e a grande) não seja falsificada, intencionalmente ou não, por motivos ideológicos, políticos ou outros... Essa é uma obrigação que nos compete a todos nós, ex-combatentes, a de zelar pela verdade dos factos... Porque nós estivemos lá! O Mário, esse, esteve mesmo no Como, de janeiro a março de 1964...
De qualquer modo, também seria interessante ver, noutra ocasião, o que é o PAIGC e os seus apoiantes e simpatizantes (no estrangeiro) disseram sobre a batalha da Ilha do Como e as "regiões libertadas"... É evidente que, de um lado e de outro, também se travava a batalha da propaganda, a batalha das ideias (que são muito mais eficazes do que as balas)... O PAIGC conseguiu muitos apoios (incluindo de países ocidentais, como a Suécia) através de uma excelente trabalho de informação e contra-informação...
Por outro lado, a verdade é que nós estavamos do lado errado da História... A culpa não foi nossa, dos nossos valorosos combatentes, mas sim da incapacidade política dos nossos dirigentes (que nem sequer eram democráticos, escolhidos por nós, pelo nosso povo...). Isso não nos impede de repormos a verdade dos factos, como o Mário Dias aqui faz (e bem), quando se trata da actividade operacional de que fomos actores ou testemunhas!... L.G.
_______________
Texto do Mário Dias (ex-sargento comando, Brá, 1963/66)
Ainda sobre a Operação Tridente (Ilha do Como, Janeiro a Março de 1964): O porquê da divergência de opiniões (*)
1. Como se devem recordar, a minha intervenção neste blogue acerca da Op Tridente, realizada na ilha do Como de 14 Janeiro a 24 Março de 1964, foi uma tentativa de esclarecer o que ali se passou. Relatei a verdade dos factos, tal como por mim foram vistos e vividos.
As dúvidas e versões contraditórias devem-se ao mau serviço de alguns escritores que vêm - com as suas descrições onde nem conseguem disfarçar opiniões pessoais de índole política ou ideológica - tentando escrever a história que corresponda “à sua história”.
Infelizmente, muitos dos livros publicados sobre a Guerra do Ultramar estão cheios de imprecisões, casuais ou premeditadas, disso resultando uma falsa avaliação por parte de quem não assistiu aos factos e deles tem conhecimento apenas através de tais publicações.
A comprovar esta minha afirmação, transcrevo um texto extraído do livro Os Anos da Guerra da autoria de João Melo e publicado pelo Círculo de Leitores.
Trata-se de uma antologia que engloba diversos autores que abordaram o tema. No Vol. II do referido livro (pags. 145 e 146) pode ler-se a descrição da Batalha da Ilha do Como, na perspectiva do autor do livro Os Mortos de Pidjiguiti, José Martins Garcia (**), que foi oficial de transmissões na Guiné em 1967 (As chamadas são de minha autoria):
Em Catió, onde os ataques nocturnos foram, por alguns anos, relativamente escassos, ouviam-se muito bem os rebentamentos das morteiradas vizinhas, desferidas contra Bedanda, Cachil, Ganjola e, mais raramente, Príame, onde João Bakar Jaló, senhor de muita mancarra e de sete mulheres, valia, com a milícia fula, por um inteiro exército, conhecedor como era do mato, dos atalhos, dos costumes e manhas do inimigo.
Com o tempo, a guarnição de Catió acabou por reduzir-se a proporções mais aceitáveis: uma CCS burocratizada, visto ali continuar a sede do batalhão; uma companhia de intervenção; dois pelotões independentes, um de artilharia e outro de cavalaria. Mas, antes de a estratégia estabilizar nesta aparente razoável força, dali partira a mais desgraçada expedição dos tempos modernos do colonialismo português (1). A qual expedição, se não ganhou as proporções da batalha de Alcácer Quibir, nem por isso deixou de ficar pairando na imaginação estarrecida dos vindouros.
O ataque à ilha do Como, onde posteriormente se instalaria a chamada companhia do Cachil, nunca foi registado por cronistas, talvez porque estes, sempre tão eloquentes em caso de vitória, se desgostam das estrondosas derrocadas (2).
De qualquer modo, também seria interessante ver, noutra ocasião, o que é o PAIGC e os seus apoiantes e simpatizantes (no estrangeiro) disseram sobre a batalha da Ilha do Como e as "regiões libertadas"... É evidente que, de um lado e de outro, também se travava a batalha da propaganda, a batalha das ideias (que são muito mais eficazes do que as balas)... O PAIGC conseguiu muitos apoios (incluindo de países ocidentais, como a Suécia) através de uma excelente trabalho de informação e contra-informação...
Por outro lado, a verdade é que nós estavamos do lado errado da História... A culpa não foi nossa, dos nossos valorosos combatentes, mas sim da incapacidade política dos nossos dirigentes (que nem sequer eram democráticos, escolhidos por nós, pelo nosso povo...). Isso não nos impede de repormos a verdade dos factos, como o Mário Dias aqui faz (e bem), quando se trata da actividade operacional de que fomos actores ou testemunhas!... L.G.
_______________
Texto do Mário Dias (ex-sargento comando, Brá, 1963/66)
Ainda sobre a Operação Tridente (Ilha do Como, Janeiro a Março de 1964): O porquê da divergência de opiniões (*)
1. Como se devem recordar, a minha intervenção neste blogue acerca da Op Tridente, realizada na ilha do Como de 14 Janeiro a 24 Março de 1964, foi uma tentativa de esclarecer o que ali se passou. Relatei a verdade dos factos, tal como por mim foram vistos e vividos.
As dúvidas e versões contraditórias devem-se ao mau serviço de alguns escritores que vêm - com as suas descrições onde nem conseguem disfarçar opiniões pessoais de índole política ou ideológica - tentando escrever a história que corresponda “à sua história”.
Infelizmente, muitos dos livros publicados sobre a Guerra do Ultramar estão cheios de imprecisões, casuais ou premeditadas, disso resultando uma falsa avaliação por parte de quem não assistiu aos factos e deles tem conhecimento apenas através de tais publicações.
A comprovar esta minha afirmação, transcrevo um texto extraído do livro Os Anos da Guerra da autoria de João Melo e publicado pelo Círculo de Leitores.
Trata-se de uma antologia que engloba diversos autores que abordaram o tema. No Vol. II do referido livro (pags. 145 e 146) pode ler-se a descrição da Batalha da Ilha do Como, na perspectiva do autor do livro Os Mortos de Pidjiguiti, José Martins Garcia (**), que foi oficial de transmissões na Guiné em 1967 (As chamadas são de minha autoria):
Em Catió, onde os ataques nocturnos foram, por alguns anos, relativamente escassos, ouviam-se muito bem os rebentamentos das morteiradas vizinhas, desferidas contra Bedanda, Cachil, Ganjola e, mais raramente, Príame, onde João Bakar Jaló, senhor de muita mancarra e de sete mulheres, valia, com a milícia fula, por um inteiro exército, conhecedor como era do mato, dos atalhos, dos costumes e manhas do inimigo.
Com o tempo, a guarnição de Catió acabou por reduzir-se a proporções mais aceitáveis: uma CCS burocratizada, visto ali continuar a sede do batalhão; uma companhia de intervenção; dois pelotões independentes, um de artilharia e outro de cavalaria. Mas, antes de a estratégia estabilizar nesta aparente razoável força, dali partira a mais desgraçada expedição dos tempos modernos do colonialismo português (1). A qual expedição, se não ganhou as proporções da batalha de Alcácer Quibir, nem por isso deixou de ficar pairando na imaginação estarrecida dos vindouros.
O ataque à ilha do Como, onde posteriormente se instalaria a chamada companhia do Cachil, nunca foi registado por cronistas, talvez porque estes, sempre tão eloquentes em caso de vitória, se desgostam das estrondosas derrocadas (2).
Uma escassa tradição oral conservava, nessas paragens, quando ainda portuguesas, o eco tragicómico da negativa proeza. O transmontano Barreiros, que fora o primeiro europeu a abrir um comércio em Catió, uns vinte anos antes da eclosão da guerrilha, descrevia cautelosamente alguns pormenores do desastre, mas sem respeitar a cronologia(3). Invariavelmente, levava as mãos à cabeça e garantia:
- Foi um horror! Um horror!
O Barreiros era homem arreigado àquela terra, conhecedor de muitas trapaças e, graças ao destino, suspeito aos olhos de todos. Dos cabo-verdianos, por ser branco. Dos militares por ser comerciante, necessariamente ligado a muita gente da zona. Do pide, por falar ao administrador. Do administrador, por tagarelar com militares. Tantas e tão variadas suspeitas o perseguiam que, quando o autor destas linhas lhe dirigiu a palavra, o Barreiros não abriu a boca senão depois de esclarecido:
- Sou primo do tenente Dutra.
- Tome cuidado! - avisou. - Ele tinha a cabeça a prémio.
Nenhum pormenor, porém, quanto à natureza e à fonte de semelhante informação. O Barreiros, magro, nervoso, baixote, possuía mãos de ferro, uns gadanhos onde circulava uma força misteriosa. Se fechava a pata sobre o pulso dum homem normal, não havia meio de uma pessoa se libertar daquele apertão metálico. Ali, com mulher e três filhos miúdos (os mais velhos estudavam em Bissau), jurava pelo Deus dos brancos não abandonar um palmo do que lhe pertencia. Mas a tropa resmungava que o Barreiros era má rês e pagava tributo ao PAIGC, pois já então não se sabia quem viria a mandar no amanhã.
O “horror” que frequentemente lhe suspendia a narrativa aplicava-se à inépcia das Forças Armadas Portuguesas e ao desconcerto do mundo em geral. Por causa desse desconcerto, os “turras” raptavam-lhe os criados e estragavam-lhe a vianda e a mancarra. Aquela ideia militar de invadir a ilha do Como afigurava-se-lhe, todavia, o pior sinal dos tempos. Gente louca, gente desalmada, incapaz de perceber que a arte da guerra se havia modificado! Setenta baixas em poucas horas (4) - tal fora o balanço aproximado da estratégia estúpida desse senhores fardados!
A Força Aérea cumpriu o seu dever, descarregando sobre os objectivos o arsenal estipulado. Para nada! Os abrigos subterrâneos da ilha de Como, construídos, dizia-se, pelos soldados de Hitler, em certa fase da Segunda Guerra Mundial, resistiam bem a qualquer bombardeamento, não só devido à cortina natural da vegetação como pela existência do material, coisa alemã, coisa inexpugnável, ali mandada cavar pelo Hitler, que não era tão cretino na guerra como alguma da nossa tropa (5).
- Foi um horror! Um horror!
Depois da Força Aérea, coube a vez à artilharia, ali classicamente postada para cobrir o avanço da cavalaria. A artilharia cumpriu a sua missão, despejando sobre a ilha sinistra a quantidade estipulada de material ardente, sem grande precisão, aliás, pois o alvo flutuava nessa latitude onde as marés esticam e encurtam a terra em vários milhares de quilómetros quadrados. A cavalaria entrou nas lanchas da Marinha e, sob a protecção da artilharia, escorregou para o lamaçal desconhecido. A infantaria, finalmente chamada a reconquistar com o seu pé clássico o terreno rebelde, saltou no vazio, atolou-se, afundou-se, emaranhou-se e alguns dos nossos mais bravos soldados crucificaram-se a si mesmos no matagal (6).
E então o inimigo invisível foi abatendo misericordiosamente os feridos, enquanto a Marinha dava por cumprida a delicada missão, a artilharia cessava a sua actuação segundo bem conhecidas regras e a cavalaria jazia em veículos inoperantes (7). Havia muito que a Força Aérea despejara seus inócuos carregamentos, pois a noite caíra, repentina, e só os moribundos, sem cronista de serviço, se esvaíam sobre a lama que o tempo não guardou.
- Foi um horror! Um horror!
Dois anos depois, o Exército português instalou-se finalmente na ilha de Como, ao nível de companhia. Mas sem espaventos. Mansamente, o menos ruidosamente possível, sem apoio aéreo, sem artilharia nem cavalaria. Uma simples companhia de caçadores desembarcou em pleno dia no recanto da ilha chamado Cachil e aí cavou humildemente seus abrigos, sob os pilões gigantescos, rezando esperanças a quatro metralhadoras pesadas, dispostas segunda uma problemática rosa-do-ventos, rodeando o todo com arame farpado e entregando o futuro a algum milagre político (8).
Em toda esta intrigante aventura, houve sempre uma coisa que ninguém compreendeu: a função. Que faziam cento e tal homens na ilha de Como, encurralados entre o canal barrento, que os separava do continente incerto da Guiné, e a vegetação ameaçadora da ilha por entre a qual ninguém ousava dar passada? (9) Nem civis, nem militares, nem preto, branco ou mestiço sabiam responder a tamanha enormidade. E o Barreiros, há vinte anos ciente das Áfricas e dos abrigos edificados pelos soldados de Hitler, só respondia cuspinhando desprezo:
- Ora! Estratégia!...
O Cachil erguera-se, porém, nas imaginações. No passado recente, quando o surdo tenente-coronel Barreiros comandava o batalhão de Catió, a ameaça que mais insistentemente se lhe desprendia da boca era:
- Olha lá, ó militar! Queres ir prò Cachil?..."
.............................................
Alguns dos "sobreviventes" da batalha do Como (Op Tridente, de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964)... Entre eles, está o autor deste post (o segundo, a contar da direita).
© Mário Dias (2005).
2. Confesso que vai ser um pouco difícil conter os meus comentários ao texto acima transcrito dentro de limites correctos e educados. Na verdade, a tentativa de alterar a verdade histórica dos acontecimentos e a manipulação ideológica é tal que, para usar o adjectivo mais suave que me ocorre, só posso dizer que este texto é nojento.
Vejamos, ponto por ponto, o que tenho a rebater:
(1) Não foi de Catió que partiu a principal força de desembarque que actuou na ilha do Como. Tal força partiu de Bissau, conforme por mim já narrado. De Catió apenas houve algum apoio de artilharia na altura do desembarque e a participação de uma centena de homens, no máximo, o que não é relevante num universo de 1200 homens participantes na operação.
É, portanto, falso ter sido Catió o ponto de partida para a operação que reconquistou a ilha do Como.
(2) Diz o autor que o ataque à ilha do Como “nunca foi registado por cronistas”. Falso. Vários o fizeram e, entre eles, destaco Armor Pires Mota que nele participou como alferes miliciano do BCAV 490 (***).
O que na verdade acontece é que, para certos escritores-historiadores, há uma clara tentativa de manipular a opinião pública divulgando apenas os autores cujos escritos são favoráveis à sua ideologia. E a prova do que afirmo está contida no prefácio da citada antologia “Os Anos da Guerra”, de João Melo. Aí se podem ler referências como “…os nossos primeiros teóricos de uma literatura de guerra serem pessoas ideologicamente próximas do salazarismo…” ; “…resposta aos panegíricos dos cronistas patrióticos de então, em cujo rumo embarcaram autores como Armor Pires Mota, Reis Ventura e outros.”
Nenhum desses “teóricos” ou “patrióticos” foram incluídos na referida antologia que transcreve obras de 43 autores.
(3) O autor põe na boca do tal comerciante Barreiros, de Catió, a narração dos acontecimentos. Acontece que eu, também residente na Guiné desde 1952 e, apesar dos brancos se conhecerem quase todos uns aos outros, pelo menos de nome, nunca ouvi falar no tal Barreiros.
Vejamos, ponto por ponto, o que tenho a rebater:
(1) Não foi de Catió que partiu a principal força de desembarque que actuou na ilha do Como. Tal força partiu de Bissau, conforme por mim já narrado. De Catió apenas houve algum apoio de artilharia na altura do desembarque e a participação de uma centena de homens, no máximo, o que não é relevante num universo de 1200 homens participantes na operação.
É, portanto, falso ter sido Catió o ponto de partida para a operação que reconquistou a ilha do Como.
(2) Diz o autor que o ataque à ilha do Como “nunca foi registado por cronistas”. Falso. Vários o fizeram e, entre eles, destaco Armor Pires Mota que nele participou como alferes miliciano do BCAV 490 (***).
O que na verdade acontece é que, para certos escritores-historiadores, há uma clara tentativa de manipular a opinião pública divulgando apenas os autores cujos escritos são favoráveis à sua ideologia. E a prova do que afirmo está contida no prefácio da citada antologia “Os Anos da Guerra”, de João Melo. Aí se podem ler referências como “…os nossos primeiros teóricos de uma literatura de guerra serem pessoas ideologicamente próximas do salazarismo…” ; “…resposta aos panegíricos dos cronistas patrióticos de então, em cujo rumo embarcaram autores como Armor Pires Mota, Reis Ventura e outros.”
Nenhum desses “teóricos” ou “patrióticos” foram incluídos na referida antologia que transcreve obras de 43 autores.
(3) O autor põe na boca do tal comerciante Barreiros, de Catió, a narração dos acontecimentos. Acontece que eu, também residente na Guiné desde 1952 e, apesar dos brancos se conhecerem quase todos uns aos outros, pelo menos de nome, nunca ouvi falar no tal Barreiros.
Acresce ainda o facto de entre 1960 e 1962 eu ter trabalhado no Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e Indústria da Província da Guiné para onde, anualmente, todos os comerciantes obrigatoriamente enviavam um mapa com a situação de todos os seus empregados, incluindo aqueles que os não tinham que enviavam uma declaração negativa. Pois não me recordo de tal nome. Pensando tratar-se de um natural lapso de memória, perguntei recentemente a algumas pessoas que também por lá andaram nessa época mas ninguém se recorda de tal pessoa.
(4) As setenta baixas em poucas horas, são pura fantasia. Primeiro: não houve setenta baixas mas sim 8 mortos e 29 feridos, tal como consta no respectivo relatório de operações. Todos os que andaram pela guerra do [ Ultramar ] sabem que, se, por um lado, era possível algum exagero na contabilização dos mortos do inimigo, por outro não se podiam esconder ou ignorar as baixas das nossas tropas.
Segundo: a operação não durou “poucas horas” mas sim 72 dias.
(5) Este parágrafo só pode ser classificado como anedótico. Não havia abrigos subterrâneos na ilha nem nunca os soldados de Hitler lá estiveram durante e segunda guerra mundial. Que um fantasioso e quiçá ignorante comerciante (o tal Barreiros) afirmasse tal dislate, poder-se-á desculpar. O que é estranho é que um indivíduo que foi oficial de transmissões não tenha os conhecimentos suficientes de história para saber que nunca na Guiné houve a presença do exército alemão. Estranho. Muito estranho. É o mínimo que se pode dizer.
(6) Descrição romanceada. Parece o guião de um filme épico.
(7) E continua a fantasia: “… e a cavalaria jazia em veículos inoperantes.” O único veículo que existia na ilha do Como durante a Op Tridente era um jipe que nunca saiu da base logística. A cavalaria, que profusamente é citada, actuava como tropa de infantaria o que, aliás, era também comum aos batalhões de artilharia. Como todos sabemos, a designação de BCAV e de BART era dada por essas unidades terem sido mobilizadas pelas respectivas armas. Porém, na prática, todos actuavam como tropa de infantaria.
(8) Após o final da operação Tridente (Março de 1964) ficou instalada em Cachil uma companhia, conforme relatei, e não dois anos mais tarde como refere o autor do texto em apreciação.
(4) As setenta baixas em poucas horas, são pura fantasia. Primeiro: não houve setenta baixas mas sim 8 mortos e 29 feridos, tal como consta no respectivo relatório de operações. Todos os que andaram pela guerra do [ Ultramar ] sabem que, se, por um lado, era possível algum exagero na contabilização dos mortos do inimigo, por outro não se podiam esconder ou ignorar as baixas das nossas tropas.
Segundo: a operação não durou “poucas horas” mas sim 72 dias.
(5) Este parágrafo só pode ser classificado como anedótico. Não havia abrigos subterrâneos na ilha nem nunca os soldados de Hitler lá estiveram durante e segunda guerra mundial. Que um fantasioso e quiçá ignorante comerciante (o tal Barreiros) afirmasse tal dislate, poder-se-á desculpar. O que é estranho é que um indivíduo que foi oficial de transmissões não tenha os conhecimentos suficientes de história para saber que nunca na Guiné houve a presença do exército alemão. Estranho. Muito estranho. É o mínimo que se pode dizer.
(6) Descrição romanceada. Parece o guião de um filme épico.
(7) E continua a fantasia: “… e a cavalaria jazia em veículos inoperantes.” O único veículo que existia na ilha do Como durante a Op Tridente era um jipe que nunca saiu da base logística. A cavalaria, que profusamente é citada, actuava como tropa de infantaria o que, aliás, era também comum aos batalhões de artilharia. Como todos sabemos, a designação de BCAV e de BART era dada por essas unidades terem sido mobilizadas pelas respectivas armas. Porém, na prática, todos actuavam como tropa de infantaria.
(8) Após o final da operação Tridente (Março de 1964) ficou instalada em Cachil uma companhia, conforme relatei, e não dois anos mais tarde como refere o autor do texto em apreciação.
Aliás, um dos objectivos da Op Tridente era precisamente a instalação de uma companhia em Cachil, o que foi conseguido, ficando lá a CCAÇ 557, até Outubro de 1964, que foi substituída nessa data pela CCAÇ 728 (Fonte: Resenha Histórica -Militar das Campanhas de África (1961-1973) do EME - 3º volume). Carece portanto de fundamento a afirmação de que só passados 2 anos após a Op Tridente se tenha instalado uma companhia em Cachil.
(9) Aqui reside o cerne da questão. É que, se a partir da última fase da operação era possível às nossas tropas patrulharem e “ousarem dar passadas na vegetação ameaçadora da ilha” sem grandes percalços e apenas com esporádicos e fugidios contactos por parte dos guerrilheiros, o que ficaram lá a fazer os cento e tal homens da Companhia de Cachil? Estou em crer que se remeteram à relativa segurança do seu “forte estilo far-west”, aí aguardando calmamente pela rendição. Os guerrilheiros agradeceram.
Além do já comentado, não posso deixar de revelar a minha estranheza por frases pouco elegantes como “estrondosa derrocada” ou “eco tragicómico da negativa proeza”. Aceito que nem todos os militares que passaram pela guerra na Guiné e noutros territórios o fizessem com a convicção e empenho que o regime de então exigia. Porém, custa-me entender que a diferença de opiniões justifique este humilhar dos seus irmãos de armas.
E por aqui me fico no respeitante ao texto acima transcrito.
3. Mas há outros autores com afirmações pouco exactas. José Freire Antunes em “A Guerra de África” (Círculo de Leitores), Volume I, pag. 36 diz:
1964 Fevereiro - Março - Os rebeldes do PAIGC mantêm em seu poder a ilha de Como, não obstante a severidade dos ataques portugueses. É um primeiro embate, revelador da forte estruturação da guerrilha e da eficaz mentalização ideológica ditada por Cabral. A Guiné torna-se progressivamente o nosso mini-Vietname.
Comentário: Precisamente na data indicada, Fevereiro-Março de 1964, estava em curso a Op Tridente com várias unidades do exército e dos fuzileiros instaladas em diversos locais da ilha. Mesmo depois da retirada das tropas, concluída que foi a operação, lá ficou instalada uma companhia em Cachil (CCAÇ 557). Que “posse” por parte do PAIG era esta? Porquê então Nino Vieira dirigiu aos seus homens a angustiante mensagem transcrita na narrativa dos acontecimentos da ilha de Como que publiquei no Blogue-fora-nada ? A que fonte foi o historiador José Freire Antunes beber esta notícia?
É uma grande responsabilidade escrever sobre factos históricos pois esses escritos ficam a constituir uma referência para futuros estudiosos e pesquisadores.
Assim, por exemplo, Raquel Varela, finalista de História Moderna Contemporânea do ISCTE, em “O assassinato de Amílcar Cabral” no livro “Factos desconhecidos da História de Portugal” (Selecções do Reader’s Digest), produz uma afirmação muito semelhante.
Espero ter contribuído para esclarecer as dúvidas que pairam à volta da Operação Tridente e que cada um conclua sobre os seus resultados.
___________
Notas de L.G.
(*) Vd posts anteriores do Mário Dias:
17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)
17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
(**) Este texto do José Martins Garcia é extraído do seu livro contos Morrer Devagar (Lisboa: Arcádia, 1979). O título do conto é "As suspeitas de um bravo capitão". Não é propriamente um trabalho historiográfico, mas sim ficcional (ou entre a crónica e a ficção).
Julgo que a intenção deste prestigiado intelectual açoreano não foi propriamente "falsificar a história", mas antes dar uma ideia do clima que se vivia na época em que ele, professor do ensino secundário da Horta, Açores, foi chamado a cumprir o serviço militar - como todos nós - e, de seguida, mobilizado para a Guiné.
Não sei onde é que ele esteve. Possivelmente em Catió, no sul. Lá terá recolhido memórias da famosa Op Tridente. Repare-se que ele esteve na Guiné entre 1966/68. O Mário Dias também lhe atribui, por lapso, a autoria do livro Os mortos de Pidjiguiti (título de um poema de Fernando Grade, in O Vinho dos Mortos, 1977).
Curiosamente, fui folhear o livro em questão (O II Volume de Os Anos da Guerra: 1961-1975- Os portugueses em África: crónica, ficção e história; ed. lit. João de Melo.Círculo de Leitores, 1988) e constato que foram utilizadas, abusivamente, sem respeito pelos direiros de autor (nem citação da fonte) algumas fotos que eu tinha emprestado ao jornalista Afonso Praça (1939-2001) e que foram publicadas no semanário O Jornal, no princípio de década de 1980, aquando da abertura do dossiê "Memórias da Guerra Colonial"... Esse famoso dossiê foi alimentado, tal como este blogue, pelos contributos (estórias, documentos, fotos) de largas dezenas de ex-camaradas nossos, que estiveram nas três frentes (Angola, Moçambique e Guiné).
As supracitadas fotos, por sua vez, tinham-me sido emprestadas pelo Tony Levezinho, ex-camarada meu da CCAÇ 12 e membro (discreto) da nossa tertúlia !... Ver páginas 146-147 (O Tony no espaldão da metralahadora pesada Browning, em Bambadinca, 1969); 135 (o Tony e o Alf Mil Carlão numa tabanca em autodefesa, que já não consigo identificar, talvez Satecuta, em 1969); 129 (O Tony e creio que o Marques, junto a dois prisioneiros do PAIGC, Bambadinca, 1970...).
Sobre José Martins Garcia, (1941-2002) ver nota biográfica, publicada no Boletim do Núcleo Cultural da Horta:
"José Martins Garcia nasceu na Criação Velha, Ilha do Pico, a 17 de Fevereiro de 1941, tendo feito uma parte dos seus estudos liceais na cidade da Horta. Em Lisboa, licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras, onde viria a leccionar entre 1971 e 1977. Chamado a cumprir serviço militar em 1965, foi mobilizado para a Guiné-Bissau, aí permanecendo de 1966 a 1968, experiência que se projecta literariamente em Lugar de Massacre (1975), um dos primeiros romances portugueses a abordar a guerra colonial, numa perspectiva paranóica e demencial; essa experiência acabaria por pontuar, sob variadas formas e em diferentes circunstâncias, a sua obra literária.
"Entre 1969 e 1971 foi leitor de Português na Universidade Católica de Paris, e em 1979 rumaria aos Estados Unidos como professor convidado da Brown University (Providence), aí permanecendo até 1984; o rasto desse tempo americano é detectável em Imitação da Morte (1982) e no belíssimo e devastador livro de poemas Temporal (1986).
"De seguida, ingressou na Universidade dos Açores, em cujos planos de estudo das licenciaturas introduziu a cadeira de Literatura e Cultura Açorianas e onde se doutorou com uma tese sobre Fernando Pessoa; nesta Universidade terminou a sua carreira académica como Professor Catedrático, tendo ainda ocupado o cargo de Vice-Reitor e dirigido a revista Arquipélago, do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas. Faleceu em Ponta Delgada a 4 de Novembro de 2002".
(***) Armor Pires da Mota (vd. nota biográfica em Museu S. Padro da Palhaça > Autores do Concelho de Oliveira do Bairro:
"Nasceu na Freguesia de Oiã, Concelho de Oliveira do Bairro a 4 de Setembro de 1939. Fez a instrução primária nesta freguesia e ingressou no Seminário de Aveiro, saindo em 1961, altura em que publicou o seu primeiro livro Cidade Perdida, mas já anteriormente publicava poesias no Jornal da Bairrada, Correio do Vouga e Soberania do Povo.
"Tendo ingressado posteriormente no serviço militar, foi em 1963 mobilizado e cumprido comissão de serviço na Guiné. Em 1965, lança o seu novo livro Tarrafo, tendo esta publicação mandado ser recolhida pela PIDE.
"A sua participação na imprensa periódica é notável, tendo participado no Diário de Notícias, Diário do Norte, Diário da Manhã, Notícias de Lourenço Marques, O Debate e o Observador e Jornal da Bairrada, entre outros. (...) É actualmente Chefe de redacção do Jornal da Bairrada".
É autor, entre outros, de Guiné, Sol e Sangue (contos e narrativas, 1968). Está representado em três antologias: Contos Portugueses do ultramar; Corpo da Pátria, 1971; Vestiram-se os soldados de poetas. Ganhou o 1º prémio de Poesia "Camilo Pessanha" em 1968 com o livro Baga-Baga.
(9) Aqui reside o cerne da questão. É que, se a partir da última fase da operação era possível às nossas tropas patrulharem e “ousarem dar passadas na vegetação ameaçadora da ilha” sem grandes percalços e apenas com esporádicos e fugidios contactos por parte dos guerrilheiros, o que ficaram lá a fazer os cento e tal homens da Companhia de Cachil? Estou em crer que se remeteram à relativa segurança do seu “forte estilo far-west”, aí aguardando calmamente pela rendição. Os guerrilheiros agradeceram.
Além do já comentado, não posso deixar de revelar a minha estranheza por frases pouco elegantes como “estrondosa derrocada” ou “eco tragicómico da negativa proeza”. Aceito que nem todos os militares que passaram pela guerra na Guiné e noutros territórios o fizessem com a convicção e empenho que o regime de então exigia. Porém, custa-me entender que a diferença de opiniões justifique este humilhar dos seus irmãos de armas.
E por aqui me fico no respeitante ao texto acima transcrito.
3. Mas há outros autores com afirmações pouco exactas. José Freire Antunes em “A Guerra de África” (Círculo de Leitores), Volume I, pag. 36 diz:
1964 Fevereiro - Março - Os rebeldes do PAIGC mantêm em seu poder a ilha de Como, não obstante a severidade dos ataques portugueses. É um primeiro embate, revelador da forte estruturação da guerrilha e da eficaz mentalização ideológica ditada por Cabral. A Guiné torna-se progressivamente o nosso mini-Vietname.
Comentário: Precisamente na data indicada, Fevereiro-Março de 1964, estava em curso a Op Tridente com várias unidades do exército e dos fuzileiros instaladas em diversos locais da ilha. Mesmo depois da retirada das tropas, concluída que foi a operação, lá ficou instalada uma companhia em Cachil (CCAÇ 557). Que “posse” por parte do PAIG era esta? Porquê então Nino Vieira dirigiu aos seus homens a angustiante mensagem transcrita na narrativa dos acontecimentos da ilha de Como que publiquei no Blogue-fora-nada ? A que fonte foi o historiador José Freire Antunes beber esta notícia?
É uma grande responsabilidade escrever sobre factos históricos pois esses escritos ficam a constituir uma referência para futuros estudiosos e pesquisadores.
Assim, por exemplo, Raquel Varela, finalista de História Moderna Contemporânea do ISCTE, em “O assassinato de Amílcar Cabral” no livro “Factos desconhecidos da História de Portugal” (Selecções do Reader’s Digest), produz uma afirmação muito semelhante.
Espero ter contribuído para esclarecer as dúvidas que pairam à volta da Operação Tridente e que cada um conclua sobre os seus resultados.
___________
Notas de L.G.
(*) Vd posts anteriores do Mário Dias:
17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)
17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
(**) Este texto do José Martins Garcia é extraído do seu livro contos Morrer Devagar (Lisboa: Arcádia, 1979). O título do conto é "As suspeitas de um bravo capitão". Não é propriamente um trabalho historiográfico, mas sim ficcional (ou entre a crónica e a ficção).
Julgo que a intenção deste prestigiado intelectual açoreano não foi propriamente "falsificar a história", mas antes dar uma ideia do clima que se vivia na época em que ele, professor do ensino secundário da Horta, Açores, foi chamado a cumprir o serviço militar - como todos nós - e, de seguida, mobilizado para a Guiné.
Não sei onde é que ele esteve. Possivelmente em Catió, no sul. Lá terá recolhido memórias da famosa Op Tridente. Repare-se que ele esteve na Guiné entre 1966/68. O Mário Dias também lhe atribui, por lapso, a autoria do livro Os mortos de Pidjiguiti (título de um poema de Fernando Grade, in O Vinho dos Mortos, 1977).
Curiosamente, fui folhear o livro em questão (O II Volume de Os Anos da Guerra: 1961-1975- Os portugueses em África: crónica, ficção e história; ed. lit. João de Melo.Círculo de Leitores, 1988) e constato que foram utilizadas, abusivamente, sem respeito pelos direiros de autor (nem citação da fonte) algumas fotos que eu tinha emprestado ao jornalista Afonso Praça (1939-2001) e que foram publicadas no semanário O Jornal, no princípio de década de 1980, aquando da abertura do dossiê "Memórias da Guerra Colonial"... Esse famoso dossiê foi alimentado, tal como este blogue, pelos contributos (estórias, documentos, fotos) de largas dezenas de ex-camaradas nossos, que estiveram nas três frentes (Angola, Moçambique e Guiné).
As supracitadas fotos, por sua vez, tinham-me sido emprestadas pelo Tony Levezinho, ex-camarada meu da CCAÇ 12 e membro (discreto) da nossa tertúlia !... Ver páginas 146-147 (O Tony no espaldão da metralahadora pesada Browning, em Bambadinca, 1969); 135 (o Tony e o Alf Mil Carlão numa tabanca em autodefesa, que já não consigo identificar, talvez Satecuta, em 1969); 129 (O Tony e creio que o Marques, junto a dois prisioneiros do PAIGC, Bambadinca, 1970...).
Sobre José Martins Garcia, (1941-2002) ver nota biográfica, publicada no Boletim do Núcleo Cultural da Horta:
"José Martins Garcia nasceu na Criação Velha, Ilha do Pico, a 17 de Fevereiro de 1941, tendo feito uma parte dos seus estudos liceais na cidade da Horta. Em Lisboa, licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras, onde viria a leccionar entre 1971 e 1977. Chamado a cumprir serviço militar em 1965, foi mobilizado para a Guiné-Bissau, aí permanecendo de 1966 a 1968, experiência que se projecta literariamente em Lugar de Massacre (1975), um dos primeiros romances portugueses a abordar a guerra colonial, numa perspectiva paranóica e demencial; essa experiência acabaria por pontuar, sob variadas formas e em diferentes circunstâncias, a sua obra literária.
"Entre 1969 e 1971 foi leitor de Português na Universidade Católica de Paris, e em 1979 rumaria aos Estados Unidos como professor convidado da Brown University (Providence), aí permanecendo até 1984; o rasto desse tempo americano é detectável em Imitação da Morte (1982) e no belíssimo e devastador livro de poemas Temporal (1986).
"De seguida, ingressou na Universidade dos Açores, em cujos planos de estudo das licenciaturas introduziu a cadeira de Literatura e Cultura Açorianas e onde se doutorou com uma tese sobre Fernando Pessoa; nesta Universidade terminou a sua carreira académica como Professor Catedrático, tendo ainda ocupado o cargo de Vice-Reitor e dirigido a revista Arquipélago, do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas. Faleceu em Ponta Delgada a 4 de Novembro de 2002".
(***) Armor Pires da Mota (vd. nota biográfica em Museu S. Padro da Palhaça > Autores do Concelho de Oliveira do Bairro:
"Nasceu na Freguesia de Oiã, Concelho de Oliveira do Bairro a 4 de Setembro de 1939. Fez a instrução primária nesta freguesia e ingressou no Seminário de Aveiro, saindo em 1961, altura em que publicou o seu primeiro livro Cidade Perdida, mas já anteriormente publicava poesias no Jornal da Bairrada, Correio do Vouga e Soberania do Povo.
"Tendo ingressado posteriormente no serviço militar, foi em 1963 mobilizado e cumprido comissão de serviço na Guiné. Em 1965, lança o seu novo livro Tarrafo, tendo esta publicação mandado ser recolhida pela PIDE.
"A sua participação na imprensa periódica é notável, tendo participado no Diário de Notícias, Diário do Norte, Diário da Manhã, Notícias de Lourenço Marques, O Debate e o Observador e Jornal da Bairrada, entre outros. (...) É actualmente Chefe de redacção do Jornal da Bairrada".
É autor, entre outros, de Guiné, Sol e Sangue (contos e narrativas, 1968). Está representado em três antologias: Contos Portugueses do ultramar; Corpo da Pátria, 1971; Vestiram-se os soldados de poetas. Ganhou o 1º prémio de Poesia "Camilo Pessanha" em 1968 com o livro Baga-Baga.
Guiné 63/74 - P429: Não sopram bons ventos do Cantanhez (Pepito)
Guiné > Guileje > 1973 > Brazão do Pelotão de Artilharia. Imagem gentilmente cedida pelo José Casimiro Carvalho (ex-furriel miliciano Carvalho, de operações especiais, CCAV 8350, 1972/73)
Guiné > Guileje > 1973 > Brazão da CCAÇ 3477 (Gringos de Guileje), 1971/73.
© José Casimiro Carvalho (2006)
O nosso amigo Carlos Schwarz (Pepito) fez-nos chegar notícias que nos entristecem (e preocupam), a nós, a ex-camaradas e amigos da Guiné. Não queremos (nem devemos) interferir nos "assuntos internos" do país-irmão que é a Guiné-Bissau, mas há coisas que ultrapassam as fronteiras (físicas e políticas) de qualquer país: por exemplo, a violação dos direitos humanos ou a delapidação dos recursos naturais dos povos . O que se passa, na Guiné-Bissau, com a supressão da liberdade de expressão e os atentados à integridade da mata do Cantanhez, por exemplo, não nos podem deixar indiferentes. Daí já termos feito circular pela tertúlia a mensagem do Carlos Schwarz (Pepito) que nos chegou há dias (9 de Janeiro de 2006):
1. "Como se previa, a liberdade de expressão na Guiné-Bissau está novamente ameaçada. Depois da invasão da Rádio Comunitária de Djalicunda por militares, agora é a vez da Rádio Comunitária Kasumai de S. Domingos ter sido invadida pela polícia local, descontente com as denuncias feitas pelos seus ouvintes, dos abusos das autoridades policiais locais e nacionais.
A posição dos radialistas foi firme e de recusa deste processo de intimidação que voltou ao dia a dia do país.
"A comunidade local solidarizou-se com a equipa que dirige a sua rádio e a RENARC (Rede Nacional das Rádios Comunitárias da Guiné-Bissau) já denunciou a situação.
"Apelamos a todos que se manifestem directamente ou através dos governos dos seus países para que o Governo guineense inverta esta sua decisão de afrontar a liberdade de expressão, abrindo portas para o retorno à ditadura.
"Saudações. Carlos Schwarz.
Director Executivo da AD".
2. Por outro lado, o A. Marques Lopes fez-nois chegar a denúncia, feita na página do Didinho (Fernado Casimiro), pelo recém demitido Director-Geral das Florestas, o Eng. Constantino Correia, sobre o abate ilegal de árvores de grande porte em áreas protegidas do Sul da Guiné-Bissau, concretamente na zona de Cantanhez, em que estariam implicados os militares ao mais alto nível.
Há dias mandei mais umas imagens para o futuro museu de Guileje e aproveitei para perguntar ao Pepito: "É verdade que andam, os militares, a dar cabo da tua floresta do Cantanhez ? Se for preciso a gente mobiliza a nossa artilharia pesada... Embora eu não queira (nem deva) interferir nos assuntos internos dos nossos amigos da Guiné"...
A respoosta do Pepito:
"Obrigado por mais este documento da CCAV 8350.
Como te referi, penso ir a Lisboa em meados de Fevereiro, pelo que se ainda se mantiver o interesse que alguns tertulianos manifestaram em discutir mais de "perto" a Iniciativa Guiledje, eu estaria disponivel para um encontro mesmo que rápido pois sei que para o pessoal aí a unidade de tempo é o milésimo de segundo e para nós são as estações do ano. Este encontro poderia servir para esclarecer dúvidas e reservas em relação a esta iniciativa, dar informações sobre os avanços do projecto e identificar eventuais pontos de cooperação das pessoas interessadas.
Desde já manifesto a minha disponibilidade no que puder ser útil para a missão do Coronel Marques Lopes a Bissau, no início de Abril.
Em referência aos nossos militares é tal e qual o que foi descrito pelo ex-Director Geral das Florestas. Por eles não ficava uma árvore em pé. Razão e visão tinha Amílcar Cabral, quando propunha que em vez de termos militares, tivessemos militantes armados. Uma vez terminada a guerra voltassem a ser cívis.
Agora temos este fardo que vamos carregar às costas muito tempo, em função dos seus humores e dos novos amores na moda (tráfico de armas, droga e madeira).
abraços
pepito
Subscrever:
Mensagens (Atom)