terça-feira, 26 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1888: Tabanca Grande (19): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873 (Xitole, 71/74)

Mensagem do camarada Álvaro Basto, de 5 de Junho, endereçada ao Editor do Blogue, Luís Graça:

Caro Luís Graça e caros camaradas tertulianos

O meu nome é Álvaro Basto, tenho 58 anos e, tal como vocês, não escapei ao Servicinho Militar Obrigatório em 70.

Após algumas cabulices no liceu, fui incorporado nas Caldas da Rainha e posteriormente em Lisboa no HMP - Hospital Militar Principal - vindo, após os 3 meses obrigatórios da especialidade, a ser integrado como enfermeiro no HMR (Hospital Militar Regional) do Porto onde sempre vivi e onde permaneci um ano inteiro (pertinho de casa, vejam lá a sorte e os maus hábitos que adquiri)...

No início de Dezembro de 1971 sou informado que iria embarcar no dia 18 seguinte para a Guiné (imaginem o choque lá em casa, filho único... há um ano praticamente em regime de emprego civil perto de casa; enfim, foi o drama, um drama afinal igual a tantos e tantos outros que na altura grassavam pelas famílias portuguesas...).

Não embarquei no dia 18 mas em 22 desse mesmo mês (acho que a explicação já foi aqui, na tertúlia, avançada por um camarada) e foi nessa viagem que conheci o Mexia Alves, o António Barroso e o Artur Soares, digníssimos tertulianos aqui presentes, integrado na CART 3492 (Xitole) do BART 3873 (Bambadinca).

Temos pois muitas estórias em comum e um acervo fotográfico interessante que, apesar do desgaste do colorido provocado pelo tempo, se tem mantido em condições razoáveis.

Logo após o regresso da Guiné que para mim, por ser Furriel Enfermeiro, durou até ao dia 1 de Abril de 1974 (dia de enganos, daí eu dizer sempre que só regressei de lá vivo por engano...), ainda mantive o contacto com alguns daqueles com quem mais tinha privado, mas o stress era tal que decidi afastar de vez da mente aquela época vivida longe, que teve muitos maus momentos, mas teve sobretudo um papel importantíssimo na minha formação social com os seus incontáveis momentos de alegria e descontracção, que em conjunto aí vivemos todos.

Tive entretanto, nos anos seguintes, conhecimento que havia encontros anuais dos antigos resistentes, especialmente da CCS de Bambadinca mas por uma razão ou por outra nunca apareci. O grande dinamizador era o Fur Enf da CCS (único elemento profissional já que todos nós enfermeiros éramos, além de milicianos na tropa, milicianos na enfermagem, isto para não dizer verdadeiros enfermeiros - proveta). A memória já não é o que era e, além de lhe ter perdido o rasto esqueci, para vergonha minha, até o seu nome...

Tantas vezes ele insistiu em vão que acabou por desistir de me contactar. Mais recentemente, e já com algum tempo livre, dado que estou reformado, decidi fazer uma daquelas arrumações que me ajudam a superar as neuras, e as caixas dos slides da Guiné lá estavam todas alinhadinhas e arrumadas num armário do escritório.... Lembrei-me.... e se eu digitalizasse isto tudo? E assim fiz...

Por ironia do destino, nesse dia recebo uma chamada telefónica do António Vilas Boas Barroso, daqui de Valadares, a perguntar que era feito de mim... Vejam lá, há 34 anos que não falávamos e aqui tão perto...

Foi ele que me falou do blogue e, a partir daí, tem sido um revirar e um revirar com a colher de pau no caldeirão das memórias.

Acho que lhe perdi o medo.-

Eu também estive no Quirafo.. Já só fui ajudar a identificar os mortos nos balneários do Saltinho. Fui de heli com o médico Dr. Azevedo (se não me engano, que isto da memória às vezes prega-nos partidas)... E imaginem como fiquei ao ler os relatos e testemunhos que aqui foram deixados sobre esse fatídico dia de Abril... Recordo sobretudo e infelizmente o Armandino e os pormenores mais macabros que me levaram a perder o sono durante muito tempo e a recorrer, de forma quase viciante, às diazepinas (valiuns) para dormir e sossegar a mente e o medo....

Quando após o 25 de Abril leio, uma bela manhã, na primeira página do Jornal de Notícias, do Porto, a reportagem do morto que, afinal, estava vivo, a visitar a sua campa no cemitério de S. Mamede Infesta com a namorada que afinal já tinha casado com outro porque se julgava livre, imaginem como fiquei!... Era mesmo o tal transmissões que foi alapando na emboscada do Quirafo. Durante anos guardei a reportagem do jornal mas acabei por deitá-la fora numa dessas minhas alucinadas crises de arrumação compulsiva... Como lamento hoje....

Queria terminar fazendo referência a um e-mail que aqui foi reproduzido de um tal Artur Pereira, cabo enfermeiro no Xitole em 72/74, há vinte e tal anos na Austrália e de quem o Mexia Alves já não se recordava a cara...Aqui vai uma foto dele. Escrevi-lhe um e-mail emocionado, pois era mesmo um os cabos enfermeiros da minha companhia, um alfacinha de gema, calmo e dedicado, e de quem guardo muitas e boas recordações.

Aproveito para enviar igualmente as fotos da praxe, o antes e o depois....

Finalizo agradecendo-te, Luís, o teu enorme ´(e trabalhoso) altruísmo neste verdadeiro Serviço Publico de nos ajudares a manter viva a memória de tempo, tão importantes na nossa vida e direi mesmo na nossa formação como homens.

O contributo que este Blogue representa para a Historia Verdadeira da Guerra do Ultramar (já que tem havido tantas vezes grandes doses de mistificação a este respeito um pouco ao sabor das políticas e dos interesses imediatos dos homens) é um valor de que serás seguramente lembrado pelas gerações vindouras.

Um grande bem hajas

Álvaro Basto
ex-FurMil Enfermeiro
Rua de Recarei, 158-5-Esq.
4465-725 Leça do Balio
Matosinhos
Tel.229554932/telem 965031310


2. Mensagem do co-editor do Blogue:

Caro Amigo e Camarada Álvaro:

Diz o ditado, mais vale (um pouco) tarde do que nunca. Tu, como outros camaradas, estiveram um pouco mais de tempo à espera de terem resposta às solicitações de entrada no nosso Blogue. Não se tratou de dar muita cerimónia ao assunto, nós somos todos muito simples e modestos, mas coincidiu com uma alteração de funcionamento interno do Blogue, com transferência de mensagens dos endereços pessoais do Luís para o Gmail. As nossas desculpas a ti e aos camaradas que só este mês tiveram resposta.

És mais um representante do Concelho de Matosinhos no Blogue do Luís Graça. Por aqui já marcam presença os camaradas Marques Lopes, José Teixeira, Albano Costa, Magalhães Ribeiro, Ernesto Ribeiro, Amaro Samúdio e este camarada que te escreve. Se me esqueci de alguém, peço perdão.

Aproveito para te pedir para usares preferencialmente o endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com para envio de textos e fotos para publicação no Blogue. Assim não haverá extravio de correspondência e longas demoras na obtenção de resposta.

Outro tipo de correspondência pode ser enviado, em alternativa, para os endereços pessoais do Luís ou meus, conforme o assunto a tratar.

Já agora, não uses o Gmail para envio de mails de diversão ou similares, para não congestionar e sobrecarregar o sistema. Claro que estas observações são válidas para toda a gente.

Em meu nome e no do Luís, sê bem-vindo.
Recebe um abraço fraterno do camarada

Carlos Vinhal

Leça da Palmeira
Telem 916032220

Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732/Mansabá
CTIGuiné 1970/72
 

Guiné 63/74 - P1887: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (3)... (Zé Teixeira)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Bajudinhas de Guileje... Corpo de bo ? Jantum... Foto do nosso saudoso capitão José Neto (1927-2007).

Foto: © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do Zé Teixeira, também conhecido, no Faroeste, como o Esquilo Sorridente...

Olá, gente boa.

Creio que nós trouxemos da Guiné todo um conjunto de palavras e frases que reflectem uma mistura de crioulo com as diversas linguas autóctenes, assimiladas em função dos locais por onde íamos passando.

A propósito, não resisto a contar uma cena vivida há cerca de três meses, num casamento em que tive o prazer de reencontrar um velho amigo da minha juventude, que viveu num Lar para jovens trabalhadores no Porto, onde eu tinha estado antes de ir para a Guerra e para onde voltei após o regresso - o Lar de S. Paulo.

Após alguma hesitação reconhecemo-nos e ele dirige-se a mim com a seguinte frase:
Corpo di bó ?

Pensei: Olha, mais um que foi lá bater com as costelas... E ripostei:
- Manga di fome, bianda cá tem, bariga eh na dê... - E continuei:
- Na pinda, tanala, talifanala . . .(bom dia, suponho que em Fula).

Seguiu-se o abraço para abafar as saudades tendo ele continuado:
- Cabeça di bó suma a cabeça di burro de Bafatá.

Onde estiveste ? Eu ? Nem à tropa fui. Tu, quando regressaste, quase não falavas português connosco. Era esta linguagem esquisita e brindou-me com um conjunto de frases: djarama anani, jametum, bianda cá tem, ó curame bianda, o curame kote, parte catota e outras.

Para enriquecer o nosso dicionário aí vão mais algumas:

Bariga eh ná dê - Estou com dores de barriga
Cabeça grandi - bébado, maluco
Djarama anani - Obrigado
Irmão de ontem - anteontem
Irmão da manhã - Depois de amanhã
Manga di chocolate - Barulho, grande ataque, com muitas morteiradas.
Manga di ronco - Que espectáculo !
Na pinda, tanalá, talifanalá - Bom dia, como está a família, as vacas, as galinhas..
O´curame - Dá-me
Parte - Dá-me
Ramassa - Diarreia
Sabe sabe - Gostoso
Suma - Igual a, parece-se com (Ketá suma cabeça grandi -Ketá está bébado , parece maluco)
Tem manga di sabe sabe - Muito gostoso
Turse - Tosse


. . . e para a próxima há mais, se me lembrar.

Um fraternal abraço.

J.Teixeira

_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

23 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1872: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (1)...(Luís Graça)

24 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1874: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (2)... (António Pinto / Joaquim Mexia Alves)


(2) Vd. alguns sítios com expressões em crioulo e outras línguas da Guiné-Bissau:

(i) Bantaba - Guiné -Bissau, sítio de José Canas> Arte e cultura

Línguas da Guiné-Bissau

Lista de Provérbios

Textos crioulos

(ii) Portal da Universidade de Brasília > Crioulística , página de Hildo Honório do Couto (3) > Provérbios crioulo-guineenses

(3) Hildo Honório do Couto é autor do livro O CRIOULO PORTUGUÊS DA GUINÉ-BISSAU, publicado em Hamburgo pela editora Helmut Buske Verlag, na série Kreolische Bibliotheke, n. 14, em 1994. Contacto:

Hildo Honório do Couto

Departamento de Lingüística
Universidade de Brasília
70910-900 Brasília, DF, Brasil.
email: hiho@unb.br

Guiné 63/74 - P1886: Tabanca Grande (18): Luís A. Camões de Matos, Op Cripto da CCAÇ 2589 / BCAÇ 2885, Mansoa (1969/71)

1. Mensagem de 15 de Junho do camarada LUÍS CAMÕES, enviada ao Editor do Blogue

Apresenta-se e pede autorização para entrar na Tabanca Grande o 1º Cabo Operador Cripto 13926268 Luis A. Camões de Matos, nome de guerra Cripto Camões, da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, do sector de MANSOA onde permaneceu de Maio de 69 até fim de Fevereiro de 71. Cripto mas não secreto desde 71.

Como já não existem mensagens secretas nem confidenciais, tenho algum material para enviar.

Sou amigo pessoal do Gabriel Gonçalves (GG) e do Fernando Franco, com quem tenho partilhado alguns comentários do blogue.

Um forte abraço
Luís Camões



As fotos de antes e depois que o camarada Luís Camões enviou para a nossa fotogaleria








2. Comentário do co-editor do Blogue

Caro Luís Camões, bem-vindo. És mais um elemento do BCAÇ 2885, já representada pelo César Dias no nosso Blogue. ´

Durante o tempo em que estivemos adstritos ao CCAÇ 2885, a CART 2732 e as vossas Companhias fizeram algumas Operações em conjunto, o que valorizou muito a nossa operacionalidade.

Assim adquirimos conhecimentos que nos foram muito úteis durante o resto da nossa Comissão de Serviço.

Esperamos de ti estórias e fotos dos teus tempos de Mansoa, onde passei muitas vezes e onde fui mordido sem dó nem piedade pelos mosquitos, bem mais bravos que os de Mansabá.

CV

Guiné 63/74 - P1885: Tabanca Grande (17): Manuel Henrique Quintas de Pinho, Marinheiro Radiotelegrafista, LDM 301 e 107 (Guiné, 1971/73)

1. Mensagem de 4 de Março último, enviada pelo nosso novo camarada Manuel Henrique Quintas de Pinho, Marinheiro Radiotelegrafista, dirigida ao Editor do Blogue:

Amigo Luís Graça:

O meu nome é MANUEL HENRIQUE QUINTAS DE PINHO, habito em Chave, uma freguesia do Concelho de Arouca, Distrito de Aveiro. Prestei serviço militar na Marinha de Guerra Portuguesa e estive na antiga província da Guiné desde Setembro de 1971 a Junho de 1973, embarcado nas lanchas de desembarque médio, primeiro na LDM 301 (que foi abatida ao efectivo por ser muito antiga e estar desactualizada, pois teria vindo da América), e depois na LDM 107, fabrico português.

Durante este período sofremos apenas um ataque directo no Rio Cacheu, perto da clareira de Olossato, a montante de Ganturé, que, embora muito forte, não causou estragos nem vítimas, felizmente. Foi no dia 26 de Janeiro de 1972, às 18.00h.

Percorri toda a Guiné, via fluvial, desde o Rio Cacine, passando pelo Rio Cumbijã até Bedanda, Tombali, Buba, Rio Geba até Porto Gole, Rio Mansoa até Mansoa, Encheia e Rio Cacheu até norte de Farim. Tenho algumas fotografias mas não consigo enviá-las. Se puder diga-me como hei-de proceder.

De qualquer modo, gosto de navegar por este Blogue, pois traz aquela saudade que ainda hoje se sente pelos bons e até menos bons momentos que lá passei. Sem outro assunto, apresento os meus cumprimentos e não podemos parar.

Henrique Pinho
Marinheiro Radiotelegrafista N.º 850/70.

2. Comentário de C.V., co-editor do blogue:

Meu caro Manuel Henrique:

A tua entrada na nossa tertúlia esteve um pouco 'enguiçada', em grande parte por causa das fotos que mandaste, num formato (pdf) que não é compatível com o nosso blogue. De qualquer modo, eu já tinha feito a tua apresentação interna. Ficamos todos mais ricos com a presença de mais um Marinheiro. Ficamos ansiosos por conhecer algumas das tuas andanças pelos rios e braços de mar da Guiné. De futuro, manda-nos as tuas fotos, de preferência em formato jpg. Recebe um grande abraço meu e do Luís Graça.

CV

Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)

Capa do livro do nosso camarada Mário Vicente [Fitas Ralheta], Pami Na Dondo: A Guerrilheira. Edição de autor, 2005. (Com patrocínio da Junta de Freguesia de Estoril e prefácio da autoria do Coronel Carlos da Costa Campos, que iremos reproduzir em breve).


Guiné > Região de Tomboli > Cufar > CCAÇ 763 (Fev 1965/ Nov 1966) > A suite do Mário Fitas...


1. Mensagem do Carlos Vinhal, co-editor do blogue:

Amigos e camaradas: Já vos apresentei, internamente, o novo membro da nossa tertúlia ou Tabanca Grande, como quiserem... Trata-se do Mário Fitas, ex-Fur Mil que esteve na Guiné entre 1965/66 e com quem já tive o prazer de conversar pelo telefone e dar as boas vindas, em nome do Luís Graça e de todos nós.

Transcrevo uma recente mensagem dele (há outras pendentes, que ficarão a aguardar a sua vez para publicação):

2. Nome: Mário Vicente Fitas Ralheta

Posto: Furriel miliciano.

Unidade: CCAÇ 763, Guiné, Cufar, Fevereiro 1965/Novembro 1966. A minha Companhia foi a construtora do 1º aquartelamento em Cufar.

Já editei dois livros sobre a Guiné. O último Pami na Dondo a Guerrilheira, ofereço a quem desejar, basta contactar:
Mário Fitas
Rª D. Bosco 1106
2765-129 Estoril.


Gostava de entrar no vosso grupo e trocar conhecimentos sobre a Guiné. Envio, como solicitado, dados e fotografias para fazer parte com imenso gosto da Tabanca Grande. Na 1ª foto, vê-se a primeira suite no Aquartelamento de Cufar. Na 2ª foto, ficam a conhecer o jovem de hoje.

Sobre a família Brandão (1), recordo-me de um rapaz de estatura média, usando óculos que abriu uma casa de comércio em Cufar em 1966.

Com os melhores cumprimentos,
Mário Fitas

_________

Nota de C.V.:

(1) Vd. post de 6 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1819: De Catió a Lisboa, de menina a Mulher Grande ou uma história triste com final feliz (Gilda Pinho Brandão / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1883: Da Suécia com saudade (2) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (2): Periquitos, no Rio Cacheu, sem munições...

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > 1998 > Travessia do rio Cacheu, em São Vicente.

Foto: © Francisco Allen & Zélia Neno (2006). Direitos reservados

Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > 1968 > O 1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2831 (1968/70), posando em cima de uma autrometralhadora Daimler, a famosa Massiel, referida do texto do José Belo. Os Maiorais estiveram cerca de 3 meses em Ingoré, onde a companhia fez o seu treino operacional, tendo depois, no final de Julho de 1968, para Buba e Quebo (Aldeia Formosa). Massiel foi a cantora espanhola que ganhou o Eurofestival da Canção de 1968, com La, Lá, Lá...(ou Tá, Tá, Tá, para o Maioral Zé Teixeira).

Foto: © José Teixeira (2007). Direitos reservados


1. Segundo texto do José Belo, ex-alf mil da CCAÇ 2381 - Os Maiorais. O texto foi escrito em Estocolmo, em Setembro de 1981, e chegou às nossas mãos através do Zé Teixeira. O autor vive na Suécia, desde 1976.

Transcrevo aqui as palavras do Zé Teixeira, em mensagem que nos mandou com data de 15 de Maio último:

"Costa Belo, Alferes do Grupo de combate onde estive integrado. pertenceu ao MFA, foi oficial de segurança em Beirolas e esteve preso em Custóias, na sequência do 25 de Novembro. Após libertado, e reintegrado, decidiu abandonar o exército, perante as traições e compadrios que lá se viviam (palavras dele) e emigrou para a Suécia, onde reorganizou a sua vida. Há cerca de um mês através da Net, localizou-me e temos trocado correspondência (...)(1).

Neste segundo texto, o José Belo "consegue de forma magistral demonstrar como nós, a tropa macaca, qual carne para canhão, éramos lançados às feras, sem dó nem piedade" (Zé Teixeira).

A chegada da CCAÇ 2381 à Guiné: periquitos, sozinhos na margem direita do Rio Cacheu, sem munições, à espera de escolta para Ingoré

por José Belo

Informaram-nos que, cedo pela manhã, a Companhia transbordava directamente do Niassa para uma lancha de desembarque [LDG] que seguiria para local algures no rio Cacheu.

As horas foram curtas para os preparativos, e as despedidas dos amigos que tomariam outros rumos.

Após arrumação das bagagens e controlo do pessoal, procurei lugar cómodo no banco de um Unimog que seguia na lancha, caindo logo em profundo sono.

O calor do Sol fez-me acordar. Choque! As cores, a vegetação, a densidade da mata, a imensidão do rio, o odor a madeiras, as ervas húmidas, as folhas apodrecidas, as aves barulhentas, o Sol trespassando as copas das árvores gigantescas e reflectindo-se, em manchas de luz, no rio.

África!

Depois de sete dias de alto-mar, não sei quantos minutos passei, imóvel, devorando, literalmente, o espectáculo majestoso. O Alferes, sentado a meu lado, acordou também.
- Porra! Parece um filme do Tarzan! - Foram as suas primeiras palavras históricas neste renovar constante de séculos, dos contactos entre as gerações lusas e as áfricas-épicas!

Depois de saudável (?) pequeno almoço de atum de conserva, cebola crua, pedaço de casqueiro duro com margarina manutensão-militar, regado com cerveja Sagres, somos finalmente informados que, dentro de uma hora desembarcaríamios numa pequena enseada na margem esquerda do rio (*).

Aí, deveria aguardar-nos a Companhia de Ingoré que nos iria acompanhar nas primeiras semanas de treino verdadeiramente operacional.

No ponto estabelecido a lancha abicou à margem e nós, com olímpica calma feita de total inexperiência, desembarcámos.

Primeira surpresa: Ninguém se encontrava no local a aguardar-nos. Segunda surpresa:
Devido à grande amplitude das marés, e outras razões de ordem operacional(???) invocadas, o Comandante da lancha esclareceu ter que abandonar o local de imediato. Segundo ele, não haveria problemas de maior, pois informara pela rádio a outra Companhia da nossa chegada.

Havia algo de imensamente ridículo, de cómico, em toda a situação. Cerca de duzentos homens, com bagagens, viaturas, abastecimentos, tudo amontoado em clareira junto ao rio.

Antevia-se, ao longe, na orla da mata densa e pantanosa, uma picada, que cerca de cem metros à frente, se perdia de vista. Estaria minada?

Deslocar um pelotão em reconhecimento?(Sentíamo-nos tão verdes) Aguardar?
E o tempo ia passando!

A nossa presença por certo já estaria detectada pelos guerrilheiros. A lancha fizera uma barulheira incrível ao penetrar no tarrafo, assim como as viaturas ao procurarem desatolar-se na margem.

Por fim, alguém sugeriu que talvez fosse conveniente... montar um arremedo de
segurança, enquanto íamos aguardando.

Bruscamente, naquela pasmaceira paisana à beira-rio plantada, surgiram vozes
enérgicas de comando. Secas. Directas. Objectivas. Montaram-se morteiros, metralhadoras de bipé, e até a pesada Breda, relíquia de guerras passadas! Deslocaram-se secções de atiradores para locais estratégicos.

Após curto espaço de tempo tínhamos algum pessoal instalado defensivamente, empoeirando os camuflados virgens, em arremedos de instruções recebidas nas calmas planuras de Santa Margarida.

O tempo continuava a passar. À medida que as horas iam correndo, e a noite se aproximava, um pesado silêncio começava a surgir. Quando ninguém já se atrevia a conversar, ouviu-se voz perplexa de um Furriel, gritando de uma das secções instaladas, de armas belicamente empunhadas:
- Mas.....NINGUÉM TEM MUNIÇÕES!

Não é a Companhia que nos vem buscar que as há-de trazer para nós? Outra voz (esta em cerrado dialecto Portuense):
- Carago! Lembrem-se de Aljubarrota! Forma-se já um quadrado!

Maio, 1968, Margens do Cacheu

José Belo
_______________

Nota do Zé Teixeira

(*) S. Vicente no Rio Cacheu.


2. Comentário do Zé Teixeira:

Este texto do Belo trouxe-me à memória muita coisa. Efectivamente a nossa entrada no teatro de guerra foi (dito hoje) um tanto hilariante, para quem sabia que ia entrar numa guerra totalmente desconhecida, onde a história recente apontava todos os dias nos jornais mortes e mais mortes. De facto, somos deixados na berma de um rio onde a mosquitagem desde logo começou a tomar conta do nosso corpo e nem uma bala para poder disparar se o IN nos fosse cumprimentar à sua maneira. Ele que com toda a certeza estava avisado da chegada dos periquitos.

E há tantas outras situações vividas e sentidas por cada, um à sua maneira. Eu, à chegada a S.Vicente, só pensei em encostar-me a uma árvore e deixar o pensamento vaguear pelo passado recente, a família, a namorada e o medo do futuro.

O Belo ajudou-me a recordar a angústia que sentimos quando alguém disse qualquer coisa do género: "Se os turras atacarem, morremos aqui todos"... e a alegria que sentimos quando ouvimos o roncar dos motores e nos aparece uma viatura estranha com uma arma que não conhecia, um branco em cima a acenar.

Era uma Daimler cujo nome numa mais me esqueceu, Massiel, o que correspondia ao nome da cantora espanhola que nesse ano tinha ganho a canção da Eurovisão com uma cantiga cuja estrofe era Lá, Lá, Lá . Tenho ainda uma foto da cuja, que no reverso tem escrito por mim: "!Esta em vez de cantar Lá,Lá lá lá, canta Tá,tá tá, Tá" (2).

Toda a velhada gritava Piu ! Piu! Piu !Piu Piu!, ... Mas o que é isto ? Não sabem receber-nos com uma cantilena diferente !?

Pelo caminho, tomamos contacto com os jagudis, no alto das palmeiras, que bichos feios, horrendos mesmo. São assim os pássaros da Guiné ?

Mais além, dois pretos de minitanga, cuja côr se desconhecia tal era o sujo e a catana que ambos levavam (Balantas, descobri uns tempo depois). Será que ainda estamos na guerra da catana? Mas então porque não os matamos, antes que nos cortem o pescoço ? A terra vermelha, o calor no fim de tarde, a forma como os velhinhos se colocavam no terreno, o silêncio cortado pelo grito estranho de pássaros ainda mais estranhos, a selva fechada, outras vezes grandes espaços de palha seca, capim e uma G3 na mão sem balas . . .

Este desencanto quebrou-se quando ao longe vimos umas palhotas de palha, como nos filmes e uma revoada de crianças negras, sujas, esfarrapadas, a correr ao nosso encontro. Depois uns tantos homens, descalços, meios fardados, de Mauser às costas: quem eram? amigos ? inimigos ? porque estavam ali ?

A mulher com os peitos até ao umbigo e aquela criança a chupar a teta tão mirrada!
As outras mulheres de peito ao léu, com as crianças às costas e o melhor da festa as bajudas de mama, redondinha e firme, bonitas como eu nunca tinha imaginado uma preta, semi escondidas atrás das mulheres, com o seu sorriso deslumbrante.

E veio a noite. Camas para dormir, o cimento do chão da caserna (durante dois meses) e depois vieram as histórias dos velhinhos, aterradoras. Feridos, mortos, emboscadas, ataques ao quartel. São capazes de aparecer por cá hoje. Chegaram os periquitos e nós sem munições ! Que belo começo !

Impressionante memória a do Belo, que não pode deixar escapar estes e tantos outros pormenores que agora no aproximar da velhice nos vem à memória de forma acutilante. Precisamos de construir a nossa história, a verdadeira história de uma classe em extinção, a dos antigos combatentes


J.Teixeira (3)
Esquilo Sorridente
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 6 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1818: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (1): Hino à Guiné que nós conhecemos

(2) Acho que o título mais apropriado para este posta,s eria (o espaço não o permite): Periquitos, na margem direita do Rio Cacheu, sem munições, à espera de Massiel...

Há um vídeo no You Tube com a exibição da guapa Massiel, no Festival da Eurovisão de 1968, cantando a referida canção, que esteve originalmente para ser interpretada pelo catalão Joan Manuel Serrat, obrigado entretanto a fugir do país... O ditador Franco ainda era vivo e poderoso. Portugal, representado por Carlos Mendes e a canção Verão, ficou em 11º posição, com cinco pontos...

(3) Vd., entre outros, os seguintes textos do Zé Teixeira:

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXIII: CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70) (José Teixeira)

4 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXX: Pensando... A Guiné que em (re)(vi)vi (2005) (José Teixeira)

3 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVIII: Pensando... A Guiné que eu (vi)vi (1968/70) (José Teixeira)

1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDX: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1882: A Bissau do nosso tempo: o Forte da Amura, a loja do Sr. Mário Lima, o Café Bento... (António Estácio / David Guimarães)

Guiné-Bissau > Bissau > 2001 > Praceta junto ao Forte da Amura (construção militar setecentista), por detrás do antigo Café Bento ou a famosa 5ª Repartição no tempo da guerra colonial.

Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.


1. Mensagem de António Estácio, enviada ao nosso camarada David Guimarães:

Exmo. Senhor:

Sou natural da Guiné, tendo nascido em Bissau (1947) e lá vivido até 1964.

Ao procurar informação sobre a Guiné-Bissau, deparei com um erro na foto do seguinte modo identificada: Guiné-Bissau > Bissau > 2001 > Praceta junto ao Forte da Amura (construção militar setecentista), por detrás do antigo Café Bento ou a famosa 5ª Repartição no tempo da guerra colonial

O erro reside no facto de não ser "... detrás do antigo Café Bento ou a famosa 5ª Repartição no tempo da guerra colonial ", mas sim a loja pertencente ao Sr. Mário Lima, loja essa situada numa esquina e que dava para a Praceta triangular junto à fortaleza da Amura e a Avenida que daí (Praceta) se estendia até ao Quartel de Santa Lúzia, passando pelo antigo Hospital Central de Bissau.


Atenciosamente me subscrevo, agradecendo a rectificação da legenda.

António Estácio

Guiné-Bissau > Bissau > Mapa pós-independência > Segundo o António Estácio, a loja do Sr. Mário Lima situava-se numa esquina, dando para a Praceta triangular junto à fortaleza da Amura e para Avenida [hoje Pansau Na Isna]que se estendia até ao Quartel de Santa Lúzia, passando pelo antigo Hospital Central de Bissau [, hoje Hospital Nacioanl Simão Mendes]. Assinala-se,a azul, a praceta triangular (LG).

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


Em caso de dúvida ou de contestação no que afirmo, poderei ser directamente contactado pelos telef. 21-9229058 (casa) ou 96-2696155.

2. Resposta do David Guimarães:

Caríssimo amigo,

Venho junto do meu amigo então agradecer o pormenor - porque não mais se trata de um pormenor, embora interessante... É verdade o que está a dizer, contudo o café Bento, a parte detrás, ficava naquelas imediações, como sabe. Nem nós agora saberíamos a existência da loja do Sr. Mário Lima, nem tão pouco de um sapateiro rápido (e até creio que havia por aí - em que a senhora era de Bragança)... Como sabe ou sabemos, efectivamente as traseiras do café Bento ficava mais para a rua que subia ali acima ... e que tive oportunidade de em 2001 percorrer a pé... No entanto este é o ponto de referência daí...

De qualquer das formas agradeço a rectificação do pormenor, em nome pessoal, sendo que não fui eu que redigi, por inteiro, a legenda... Tudo nos fica em memória ou ficou e agora embora falível, como é natural, andamos sempre muito próximos da realidade... Importam também comentários como o seu, prezado amigo, que muito nos ajudará a fazer deste projecto, na Net , em que estamos embrenhados, um acervo documental cada vez mais rico...

Aquela zona ali era muito conhecida por nós, como sabe, pois dali apanhávamos boleia para o QG [ Quartel General] que ficava para os lados de Santa Luzia...

Obrigado pelo pormenor da loja do Sr. Mário Lima de que não tenho qualquer ideia. Naturalmente, em 2001 quando fui lá, não existia, a não ser o local. Aliás, Bissau é uma cidade de portas fechadas, infelizmente.

Um abraço,
David Guimarães

Guiné 63/74 - P1881: História de vida (1): N.R., aliás, Nuno Rodrigues, nascido em 62, filho de sargento do BCP 12, aluno do liceu Honório Barreto


Guiné > Bissau > Anos 50 > "O novo liceu Honório Barreto. O antigo liceu funcionava no edifício da praça do Império que era também museu e biblioteca. Esse edifício, que ainda lá está embora quase arruinado, era por nós apelidado de “chapéu de palhaço” pela semelhança que o torreão central tinha com o dito chapéu" (Mário Dias) (1).

Foto e legenda: © Mário Dias (2006). Direitos reservados

Comentário de NR ao post de 24 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1874: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (2)... (António Pinto / Joaquim Mexia Alves)

NR é Nuno Rodrigues, mas não se pode identificar como camarada (no bom sentido em uso no blogue). Só veio ao mundo em 62, altura em que os camaradas já andavam nestas andanças. Mesmo assim é capaz de bater alguns em tempo de serviço: uma comissãozita na Guiné, entre 69 e 74, antecedidade de outra de 2 anos em Angola mas da qual nada se lembra (aliás, 2 anos devia ser também a idade nessa altura).

Porém completou o 3ª ano no Liceu Honório Barreto (o antigo 3º ano), o que lhe deu manga de experiência no crioulo e nas bajudas... é uma idade danada, nada se esquece.

O camarada era o pai, 2º sargento pára-quedista que estava no BCP 12.

Vai daí que por arrasto passava o tempo nos mesmos circuitos (excepto no mato, claro), frequentava os mesmos hospitais, bares (só podia beber Coca-Cola ou 7UP), cinemas (também não havia muitos, o do da Base e do da UDIB) e festas.

Embora com menos vitalidade, muitos dos camaradas do Liceu dessa altura também ainda se mantêm em contacto, fazem blogs e outras coisas do género e discutem e recordam esses tempos... aliás, é por isso que vasculhamos o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Seria alguma coisa do clima?

Um abraço a todos
A ver se as memórias não se perdem!

2. Comentário de L.G.

Nuno, filho de camarada nosso, nosso camarada é... Venham para cá essas estórias de Bissau, de Bissalanca, do UDID, do Honório Barreto... Por outro lado, já reparaste que há malta no nosso blogue, que pertenceu ao BCP 12, nomeadamente o Victor Tavares (que era da CCP 121, 1972/74) ? Espero que o teu velhote ainda esteja em boa forma. Dá-lhe um abração. L.G.
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau

O Liceu Honório Barreto foi criado em 1958/59, segundo foi informado pela a página da AD - Acção para o Desenvolvimento > Guiné-Bissau > História e Dados Económicos:

(...) Em 1942 a capital muda de Bolama para Bissau, que já então era, de facto, a 'capital económica' da Guiné.

Em 1950, dos 512.255 residentes só 8320 eram considerados civilizados (2273 brancos, 4568 mestiços, 1478 negros e 11 indianos) e destes, 3824 eram analfabetos (541 brancos, 2311 mestiços e 772 negros).

Em 1959, 3525 alunos frequentavam o ensino primário, 249 o Liceu Honório Barreto (criado em 1958-59) e 1051 a Escola Industrial e Comercial de Bissau (...).

Guiné 63/74 - P1880: Uma farda universal para miliciano se identificar (Beja Santos)


Bilhete de identidade militar do Aspirante Miliciano Mário Beja Santos, emitido pelo Ministério do Exército em 16 de Dezembro de 1967.

Foto: © Beja Santos Beja Santos (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):

Quando vi o Matos Francisco (1) fardado, até tive a ilusão que ele comprara uma farda com o seu número, tão perfeita é a adequação entre o homem e a indumentária. Para quem não se recorda, quando íamos ao fotógrafo posar para o bilhete que, creio, só servia para os transportes, para a polícia militar e para entrar no Casão, havia dois modelos à escolha, o destinado aos altos e aos baixos. Nada de contemplações com os magros, os macrocéfalos, braços longos ou curtos. Havia gente dentro da bitola e os que escapavam.

Olhando à distância de 40 anos, logo me veio à presença um chapéu estreitíssimo e uma roupa cheia de chumaços que me tornou um atleta, eu fiquei contente porque não mostrei os meus braços de símio, era um magrizelas transformado em atleta e até gostei do meu ar de sargento da polícia. Aquelas fardas estavam ligeiramente sebentas, tais e tantas fotografias tiraram de gente estranha ao equipamento universal.
Para que conste...
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

Guiné 63/74 - P1879: Henrique Matos Francisco, brindo à tua chegada e à memória do nosso Pel Caç Nat 52 (Beja Santos)

1. Mensagem de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):


Em louvação dos nossos camaradas, da sua estima, do seu esforço e da nossa memória

Meu Querido Henrique Matos Francisco (1), eu posso imaginar amanhã a estupefacção e a alegria do Queta quando, no dealbar da manhã, eu lhe mostrar a tua foto e o teu ingresso no blogue. Vai haver risada pela certa, o Queta é muito disciplinado, sabe que a nossa agenda de trabalho tem a ver com a ida ao Enxalé, o patrulhamento dos piriquitos da CCAÇ 12 perto de Madina, os trabalhos em Finete nos finais de Julho de 69 e a dolorosa emboscada em Malandim onde alguém me chamou branco assassino (sic).

Mas tenho quase a certeza que o Queta te vai mandar um grande abraço, tu fazes parte do imaginário do Cuor, nas noites de narrativa oral o teu nome vinha à baila, vai ser bom colarmos a existência do 52 aos seus diferentes comandantes, a começar por ti. Quando, no sábado, depois de ler os resumos do Guardian e do El Pais, entrei na nossa pátria de recordações e tu apareceste, quero que saibas que me escorreram algumas lágrimas por ver vincar-se a memória das nossas lutas, tornar-se possível ler a história do combate dos nossos soldados e saber que tu estás bem.

A outra alegria que tive foi saber que tu és jorgense, ilha onde passei férias na região da Calheta. Deves ter orgulho nas belezas naturais do teu chão, não há hortênsias com azul mineral mais intenso que aquelas que vi entre a Calheta e o Topo. E para quem não sabe, a Caldeira do Espírito Santo é uma formusura de lava que transcende todos os espaços mágicos dos ambientes vulcânicos.

Tens aqui no blogue toda a história que se iniciou a 4 de Agosto de 68, tu não estavas, há meses que o Saiegh comandava o 52. Dentro em breve, estaremos em Agosto de 69, aqui findará, mas sem interrupção, o primeiro ano do meu diário de bordo, continuam as idas a Mato de Cão, volto ao Xime, caio novamente doente a ponto de ditar as minhas cartas mais íntimas, assistirei ao desmoronamento psíquico do meu lugar-tenente, farei mais emboscadas, Missirá continuará a sofrer pequenas flagelações, como eu esperava Finete será dura e longamente flagelada, teremos depois uma mina anti-carro não muito longe onde se volatizou um burrinho do pelotão do Zagalo (a propósito, nunca chegaste à fala com o Zagalo?) e por aí adiante.

Amanhã à tarde o teu nome será falado na comunidade guineense que se reúne no Rossio. Depois, pelo telefone, farei constar ao Cherno que Matos Francisco existe e tem coisas para contar. Ele irá a Missirá dar a notícia ao régulo Bacari Soncó. Brindo à tua chegada, desejo-te longa vida e quero contar contigo e o Mexia Alves e o Nelson Wahnon Reis para que a história do 52 fique na memória de Portugal e da Guiné-Bissau.

Recebe um abraço do
Mário Beja Santos.
__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

Guiné 63/74 - P1878: SOS Guileje (2): Pessoal da CCAÇ 2316, precisa-se ! (Nuno Rubim)

Relação nominal dos oficiais e sargentos da CCAÇ 2316 (Guileje,

Caro Luis

Se fôr possível colocar no blogue:

Necessitava contactar alguém da CCAÇ 2316 que esteve em Guileje (1). Dado que já faleceu o antigo comandante, Cor Barbosa Henriques (2), junto envio uma relação que obtive, contendo os nomes dos oficiais e sargentos.Talvez algum deles aceda ao blogue. Naturalmente que também me seria muito útil comunicar com outro(s) militar(es) da companhia.

Um abraço
Nuno Rubim
_______

Notas de L.G.:

(1) A CCAÇ 2316 pertencia ao mesmo batalhão da CCAÇ 2317 (a companhia a que pertenceu o nosso camarada Idálio Reis), o BCAÇ 2835:

Vd. posts de:

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1780: Zé Neto: Um herói de Guileje homenageando os heróis de Gandembel

11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCII: Confusão acerca da CCAÇ 2317 (Gandembel, 1968/69) e da CCAÇ 2316 (Guileje, 1968/69) (Zé Neto)

25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba

Sobre a CCAÇ 2317, que esteve em Gadembel (1968/69), vd posts de:

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28


(2) O Barbosa Henriques (1938-2007) , caboverdiano de origem, nascido na Ilha do Fogo, já aqui foi evocado:

11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1536: Morreu (1)... Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)

19 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1611: Evocando Barbosa Henriques em Guileje (Armindo Batata) bem como nos comandos e na PSP (Mário Relvas)

2 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1640: A africanização da guerra (A. Marques Lopes)

Vd. também: Família Henriques da Ilha do Fogo > Ramo Avelino Henriques

Guiné 63/74 - P1877: SOS Guileje (1): Canhão sem recuo 106 mm (Nuno Rubim)

Canhão sem recuo 106 mm.

Foto: Nuno Rubim (2007).

1. Pedido do Nuno Rubim (que para nós é uma ordem) (1):

Caro Luís:

Quando puderes agradecia que colocasses a seguinte pergunta no blogue:

Alguma vez esteve em serviço em Guileje um (ou mais) Canhão sem-recuo de 106 mm ?

Até ao início de 1967 não esteve.

Em Gadamael teria estado o Pel Can S/R 3080, com peças de 5,7 cm, em 1973 (ou antes ?).

Alguém pode confirmar esta informação ?


Um abraço

Nuno Rubim

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 27 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1628: Projecto Guiledje: fotografias de armamento e equipamento, das NT e do PAIGC, precisam-se (Nuno Rubim)

Guiné 63/74 - P1876: Restos de aquartelamentos (1): Cadique, na margem esquerda do Rio Cumbijã (CCAÇ 4540, 1972/73) (Pepito)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > Cadique > Junho de 2007 > Pedras que falam da CCAÇ 4540 - "Somos um Caso Sério" - que por aqui passou e montou a tenda, na margem esquerda do Rio Cumbijã, de 12 de Dezembro de 1972 a 17 de Agosto de 1973.
Guiné > Região de Tombali > Cacine > Cadique > Junho de 2007 > Vestígios de um arquartelamento português, por onde paasou a CCAÇ 4540 (1972/73)... O que resta do pau da bandeira.

Fotos : Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.

Luís:

No nosso Blogue nunca vi nenhuma referência a Cadique, ou então estarei enganado.
Ontem estive lá e visitei o que resta do antigo quartel. Tirei estas 2 fotos.
abraços
pepito

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Pepito, é trabalho de arqueólogo. Obrigado pela tua sensibilidade. Estas pedras falam, haverá de certo gente nossa que pssou por aí, e que vai emocionar-se ao ver estes vestígios... Julgo tratar-se de Cadique Nalu, na margem esquerda do mítico Rio Cumbijã, região do Cantanhez (vd. carta de Cacine) (1).

No nosso blogue temos apenas duas ou três referências a Cadique:

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

(...) "Limitando-me apenas às LFG e especificamente à Orion, refiro alguns aspectos genéricos:

"O aspecto visual do perfil era claramente o de um patrulha. Em profundidade, havia navio até 2,20 m abaixo da linha de água o que lhes vedava, em alguns rios, o acesso parcial ou, noutros casos, total. O risco corrido da não observação deste princípio náutico, a respeitar na informação dada pela sonda, era o encalhe pura e simples, como sucedeu algumas vezes.

"Estas unidades navais efectuavam inicialmente a docagem de conservação (alagem) nos estaleiros navais de S. Vicente, em Cabo Verde e, mais tarde em Bissau. Significava que, com alguma dificuldade e amargos diversos de estômago, efectuavam navegação oceânica.

"Tinham a base naval em Bissau, na ponte cais em T, frente ao Comando de Defesa Marítima na parte interior da ponte-cais em T onde, na parte exterior atracavam também os comerciais e alguns TT. Estou a lembrar-me do Rita Maria, Ana Mafalda e até mesmo o Funchal.

"Para lá de toda a zona costeira da Guiné, incluindo os Bijagós, eram navegáveis, para as LFG, os cursos do rio Cacheu (até Farim), do Mansoa, do Geba até ao início do Corubal, do Grande Buba até um pouco acima de Bolama, do Tombali praticamente apenas na foz, do Cumbijã até em frente a Cadique e do Cacine até um pouco acima da foz do Unconde.

"Quando a curso dos rios já o não permitia, a navegabilidade mais para montante era preenchida complementarmente pelas LFP. Depois as grandes heroínas do tarrafo, do lôdo, dos desembarques, dos pequenos transportes, as LDM e as LDP; nos imprescindíveis grandes transportes de pessoal, material e abastecimentos as LDG assumiam a função" (...).


4 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)


(...) "Todos sabemos que Manuel Monge era um dos Oficiais mais íntimos de Spínola, cujo comportamento não pretendo justificar, mas antes, ser cientificamente sério. Neste sentido, Monge determinou a evacuação só depois de ter o beneplácito de Spínola.

"Neste caso, não recuso méritos ao Orion, que os teve, mas não exageremos, quanto às motivações e iniciativas. O Orion cumpriu uma missão que lhe foi ordenada. E só. Lembro que o Orion estava no local, porque havia ido buscar a CCP [Companhia de Caçadores Paraquedistas] 123, que integrei como operacional durante 26 meses, a Cadique (Cantanhez) no rio Cumbijã, precisamente para auxiliar Gadamael Porto, como fez. O Orion desembarcou a CCP 123 em Cacine, tendo a companhia seguido depois para Gadamael de LDM, mas, mesmo assim, desembarcou na zona onde estava a população, seguindo depois a pé até Gadamael, dado que o porto estava a ser constantemente bombardeado.

"O Orion esteve sempre muito distante do alcance das granadas que o PAICG estava lançando sobre Gadamael. A população estava dispersa na margem, mas também muito distante de Gadamael" (...).


5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

(...) "No dia 1 de Junho de 1973 (não consegui confirmar com toda a certeza o dia pois o Diário Náutico da Orion referente ao período de 1970-1973 desapareceu), cerca das 20:00 encontrando-se o NRP Orion fundeado no rio Cumbijã recebemos ordem para seguir para Cadique e embarcar uma Companhia de Paraquedistas e seguir para Cacine com todo o dispositivo.

"O Navio subiu o rio e embarcou a companhia de Paras com botes.

"Foram dadas indicações às duas LDM – as LDM tinham como militar responsável, não um Sargento mas um Cabo de Manobra - que integravam a TG, para seguirem para Cacine pelo canal do Melo. A Orion não podia passar pelo canal do Melo por causa do calado pelo que saiu a barra do Cumbijã, navegou para sul entrou a barra do Cacine. Chegámos a Cacine nos primeiros alvores já aí se encontrando as 2 LDM, e desembarcamos a companhia de Paras.

A bordo da Orion entrou o Major paraquedista Pessoa que nos informou do seguinte:

- Guileje, após intensos bombardeamentos fora evacuada e o contingente aí instalado seguiu para Gadamael;
- O Major Coutinho e Lima, comandante do COP, que tinha dado a ordem, seguira para Bissau sob prisão;
- Gadamael estava sob fogo intenso e a grande maioria dos militares tinha fugido para as margens do rio Cacine (ver depoimento do Capitão Ferreira da Silva no Jornal Público) (1);
- O General Spínola tinha estado em Cacine e tinha dado ordem explicita para ninguém ir socorrer o pessoal que andava fugido nas margens do rio, apelidando-os de cobardes;

"O Major Pessoa ainda nos informou que se nós não fossemos recuperar o pessoal ele próprio iria nem que fosse de canoa" (...).

_________

Nota de L.G.:

(1) Esclarecimento posterior do Pepito:

"Trata-se de Cadique N'Bitna, muito perto de Cadique Nalú, sitado junto ao Rio Cumbidjan, no sector de Cubucaré (Cantanhez). Se achares de interesse poderei tirar fotografias dos antigos aquartelamentos de Iemberem, Cabedú e Cafine quando lá for da próxima vez".

Guiné 63/74 - P1875: Estórias avulsas (6): Há coisas na guerra que só se podem fazer com 'boa educação' (Joaquim Mexia Alves)

Documento classificado como secreto. Telegrama de Abril de 1973, vindo do BART 3873 [Bambadinca, sede do Sector L1 da Zona Lest], para CART 3494, CART 3492, CCAÇ 12 e Pel Caç Nat 52 (Enxalé): "(...) Notícia elemento pop colaborador das NT refere chegada Zinguichor [Senegal] em 22 de Abril viaturas com material variado referido 1 torpedo destinado a área Xime/Xitole (.) 1 míssil terra-ar destinado a Mato Cão e rádios VHF que se presume Aco-Pann em [?] Anti-Aérea (.). Solicito pesquise verosimilância notícia".

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Destacamento de Mato Cão > 1973 > Pel Caç Nat 52 > A travessia do Rio Geba fazia-se de Sintex, a remos. Na foto, o Alf Mil Joaquim Mexia Alves, de pé, empunhando uma G3.


Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2007). Direitos reservados


1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves, com data de 13 de Junho de 2007:
Caros Luís e Victor: Estou a tentar mandar um texto para vossa apreciação e possivel publicação. Se alguma coisa não chegar bem digam. Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

Termas de Monte Real

Tel: 244 619 020 / fax: 244 619 029


HÁ COISAS NA GUERRA QUE SÓ SE PODEM FAZER COM BOA EDUCAÇÃO

por Joaquim Mexia Alves


Estava eu então um dia, no remanso do Mato Cão, quando alguém me vem chamar dizendo que tinha chegado uma mensagem criptada, altamente secreta, segundo ele. Claro que aquilo era coisa para tirar um homem da modorra, e pôr-lhe os neurónios e a imaginação a trabalhar.

Lá fui buscar o objecto e logo me surgiu o primeiro problema: Como é que raio se põe isto legível?

Pois, era preciso abrir um envelope qualquer onde estava a chave que me permitiria o acesso a um texto tão secreto.

Embrutecido pelo calor, (e se calhar também por algumas cervejas), sem vontade nenhuma, (apesar da curiosidade), de saber o que aquilo continha, (cheirava-me a merda da grossa), lá consegui ao fim de algum tempo e de um número considerável de palavrões em português vernáculo, ler o conteúdo da coisa.

Rezava assim [vd. em cima reprodução do telegrama]:

Anexo


Bem, pensei eu, isto vai dar direito a uma viagem a Bambadinca, em sintex a remos pelo Geba, esperando eu, que dada a importância da coisa haja um transporte do cais, junto aos Nhabijões, até à sede do Batalhão.

Assim e depois do contacto do comando, via rádio, que confirmava a necessidade da minha deslocação à cidade, lá me pus a caminho no dia seguinte. Não me lembro se havia transporte ou se tive de calcorrear aqueles quilómetros, mas isso para o caso não interessa.

Chegado a Bambadinca, logo fui cumprimentar o Cap Bordalo e sus muchachos ( ) e dessedentar-me, coisa muito importante dadas as agruras do clima. Entretanto chegou a hora de ir falar com o comandante e lá entrei para o seu gabinete onde apenas estávamos os dois.

Depois dos cumprimentos da praxe e da conversa mole, fomos direitos ao assunto. Disse-me ele que era necessário ir ver onde estava o referido armamento e capturá-lo, obviamente.

Como em Mato Cão só estava o Pel Caç Nat 52, e como o mesmo não podia sair do destacamento na sua totalidade, (alguém tinha de ficar a guardar os bidons), sugeri uma estratégia baseada na boa educação, ou seja:

Eu chegaria lá, se encontrasse o inimigo, e diria educadamente que vinha da parte do meu comandante para buscar um míssil terra-ar, que eles ali tinham e nós gostaríamos de ter connosco.

A reacção não foi muito boa e palavra puxa palavra, a coisa azedou. Claro que deixei bem claro que não iria com 12/15 homens à procura de nada que estivesse guardado por, pelo menos, um bigrupo, o que não foi do agrado da pessoa em questão.

Separámo-nos zangados, (para utilizar expressão moderada), e como estas coisas se vinham repetindo e a minha disposição estava a ficar muito perigosa, fui falar, se não me engano, com o Cap Bordalo e depois com o médico (de quem não me lembro o nome), e achou-se por bem que era melhor eu ir a uma consulta de psiquiatria, o que também me alimpava de qualquer procedimento disciplinar, provocado talvez pela minha ironia, mal entendida, visto que se está mesmo a ver que eu fazia aquilo inocentemente.


O resto da história tem pouco interesse e resumiu-se a que, passados uns dias lá apareceu o Cap Bordalo no Mato Cão, com dois Pelotões da CCAÇ 12, e fomos, com duas secções do 52, dar uma volta à senhora da asneira, pois não encontrámos nada, nem traços do objecto em questão.

Em Bissau foi-me diagnosticado coisíssima nenhuma e para tratamento da doença a prescrição foi, salvo o erro, 7 ou 15 dias em Bissau, de preferência sem farda, tendo de me apresentar no Hospital dia sim, dia não, porque era obrigatório.

Ah, fiquei bom!!!


Nota: Aproveito para dizer que quando escrevo estas coisas, gosto de lhes dar um pouco de sal, mas que a base, o facto, é perfeitamente verdadeiro, embora obviamente, não tendo gravado tudo, algumas coisas possam não ser exacta e rigorosamente assim.

Escrevo como escrevo, porque perfeito, perfeito, perfeito…é o Mário Beja Santos!!!

Mário, não leves a mal, porque esta brincadeira com o teu nome, é realmente uma homenagem aos teus textos de que, penso que falo por todos, todos muito apreciamos e gostamos.
Um abraço para ti e para todos.

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Nota de L.G.

(1) Vd. posts anteriores desta série (Estórias avulsas):

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)

20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1193: Estórias avulsas (4): O fantasma-cagão da 3ª Companhia do COM, EPI, Mafra, 1966 (A. Marques Lopes)

1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1136: Estórias avulsas (3): G3 ensarilhadas com Kalashnikov, no pós-25 de Abril (Pedro Lauret)

16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1078: Estórias avulsas (2): Uma boleia 'by air' até Nova Lamego para uma noite de fados (Joaquim Mexia Alves)

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)

domingo, 24 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1874: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (2)... (António Pinto / Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso veterano António Pinto , respondendo ao desafio do post P1872 (1):


Bons Amigos

De acordo com o que o COMANDANTE pede, lembro-me de mais algumas expressões:

Goss, goss - Anda depressa

Jamtum Tanala Talifanala - Cumprimentos perguntando pelas mulheres, gado, família, etc. etc., repetindo esta expressão várias vezes

Maçarico - Camarada recém-chegado


Um abraço

Pinto


2. Contribuição do nosso camarada Joaquim Mexia Alves para o glossário:

Africanas - Tropas da Guiné
Apanhados do clima
Apanhados à mão
Aponta, Tomás!- Expressão do Caco para o ajudante
Bolanha
Corpo di bó ? Jantum -
Goss-goss - Depressa (como é que raio isto se escreve?)
Macaréu
Peluda
Tá no ir
Tarrafo

E vamo-nos lembrando...

Abraço do Joaquim Mexia Alves

3. Do Camarada N. R. (não se identifica)...

Dualidades do "calão" militar?

Algumas expressões tinham um significado civil diferente ou mais profundo. Por exemplo:

Bajuda - Menina virgem (e não apenas rapariga)
Bianda - Arroz (e não comida em geral)
Bué - Nunca ouvi esta palavra por lá nessa altura
Cibe - Os troncos das palmeiras, usados como madeira, eram os cipós
Djubi - Cá fora era mesmo só "olha" ou "repara"
Mantenhas - Saudades (nunca ouvi empregar como saudações)
Psico - Tambem conhecida por "Psique"
Quico - Não era um boné qualquer, era o boné da tropa, camuflado, com pala e protecção da nuca com dois bicos. Aliás, não lhe conheço outro nome, continua a ser o "quico".


Omissões importantes... Falta aqui, por exemplo:

Metrópole - Portugal continental
Mocar - Fornicar
Patacão - Dinheiro (massa, pilim...)
Piriquito - Recém chegado à Guiné (designação que se prolongava por algum tempo e era algo discriminadora e pouco elogiosa)

E já agora Embrulha e manda pelo SPM que tinha um significado dúbio mas que pode ser sintetizado em algo como "o que não tem remédio, remediado está" ou algo similar.

Cumprimentos e continuem

NR

4. Comentário dos editores do blogue:

Amigos e camaradas: Obrigados, eu e o Carlos, pela vossa rápida resposta... Já agora, um reparo:

De acordo com o autorizado e utilíssimo Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, deve escrever-se periquito:

Todos os dicionários consultados, nomeadamente o Grande Dicionário, da Porto Editora, e o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, registam periquito para o «nome vulgar extensivo a várias aves trepadoras, exóticas, especialmente da família dos Psitacídeos, com grande variação de cor (embora a ave bravia seja sempre verde e amarela) e mais pequenas que os papagaios». O termo vem do castelhano "periquito".

Achamos que já era altura de os nossos dicionaristas registarem a acepção (militar, da guerra colonial da Guiné) que nós damos ao termo Periquito ou pira... Só no nosso blogue, tem sido muito utilizado.

Já agora, deixem-nos introduzir mais um termo novo: Corta-capim como sinónimo de carta ou aerograma (2)... Quanto a Bué, o nosso N.R. tem toda a razão: é um vocábulo pós-25 de Abril... Na Guiné dizíamos: Manga de (Muito). Sobre Bué e outros termos do luandês, ver artigo de Rui Ramos no Ciberdúvidas > Luandês, a nova língua da lusofonia...

Por fim, uma chamada de atenção: não escondemos que alguns termos da nossa linguagem de caserna era (é) baixo calão, palavrão... Os puristas, os meninos de coro ou os ouvidos sensíveis que nos perdoem, mas é pena algumas destas expressões correrem o risco de irem parar à cova connosco, se não ficarem registadas aqui, para a posteridade... A propósito, consulltem o Dicionário Aberto de Calão e Expressões Idiomáticas, de José Jão Almeida (2003) (3)... Um projecto em construção. Porque quem faz a língua portuguesa, são os seus falantes...

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 23 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1872: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (1)...(Luís Graça)


(2) Aerograma. Também conhecido por corta-capim (o correio era, muitas vezes distribuído em cima de uma viatura, e o aerograma lançado por cima das cabeças dos soldados, à maneira de um boomerang). Os aerogramas foram uma criação do Movimento Nacional Feminino, dirigida pela célebre Cecília Supico Pinto desde 1961, e o seu transporte era assegurado pela TAP ("uma oferta da TAP aos soldados de Portugal"). Os aerogramas também foram usados na guerra da propaganda do regime, ostentando carimbos de correio com dizeres como "Povo unido, paz e progresso", "Povo português, povo africano", "Os inimigos da Pátria renunciarão" ou "Muitas raças, uma Nação, Portugal" (vd. Graça, L. - Memória da guerra colonial: querida madrinha. O Jornal. 15 de Maio de 1981).

Vd. post de 23 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

(3) Vd. introdução, no respectivo sítio > Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas

"Acreditamos que as expressões idiomáticas e o calão são uma parte nobre e rica da língua Portuguesa. Ao mesmo tempo que inclui verdadeiros tesouros, este domínio é frágil e muitas vezes os termos têm um tempo de vida curto.

"Este dicionário é simultaneamente um exercício de linguística, de linguagens de programação e de PERL.

"Detalhes acerca do modo como ele está construído podem ser obtidos do autor.

"Este dicionário contem presentemente cerca de 4000 entradas e precisa desesperadamente da sua colaboração. Deve ser olhado não como um dicionário completo mas como uma colecção amadora que tem contado com a colaboração de vários informantes a quem muito agradecemos

"Tecnicamente, este dicionário está a usar a linguagem pregramação DPL, do projecto Natura

"Sempre que se lembrar de uma expressão idiomática, de um termo calão (por mais carroceiro que seja!) que não encontre aqui...,

Fontes:

http://natura.di.uminho.pt/~jj/pln/calao/calao.dic
http://natura.di.uminho.pt/~jj/pln/proverbio.dic

Documentação variada:

documentaçao rudimentar
dicionário em formato PS, gziped (85 páginas)
dicionário em formato PDF (85 páginas)

Guiné 63/74 - P1873: Reflexão sobre Fátima, o drama da guerra e o conflito com a Fé que nos inculcaram (Zé Teixeira)

Mensagem do nosso camarada Zé Teixeira, de 7 de Maio último:

Comandante e comandante adjunto para quem faço votos de bom, profícuo e agradável trabalho: Saúde, paz e felicidade!

Junto um texto sobre a Fé dos nossos militares e familiares e a forma como a punham em prática durante a guerra.

Se entendereis que merece ser publicada . . . o prazer será meu.

Fraternal abraço
J.Teixeira
Esquilo Sorridente


O drama da Guerra e o conflito com a Fé que nos inculcaram


Ontem, dia seis de Maio, ao passar na IC1, perto de S. João da Madeira, tive oportunidade de apreciar um espectáculo deslumbrante. Uma procissão de gente, talvez milhares, que na berma da estrada caminhavam em peregrinação, com destino a Fátima.

Gente nova, menos nova, velhos, mulheres e homens, com bom calçado, de chanatos ou descalços. Em grupos organizados, com carros de apoio, ou colados. Gente de Fé, caminhava a passo firme e apressado para chegarem a tempo no dia 12 e participarem nas cerimónias religiosas. Alguns em silêncio (promessa de não falar), outros fazendo alguns dias a pão e água, outros rezando e cantando. Ainda outros em amena cavaqueira com algum conhecido na jornada. Movidos por razões de Fé, muitos em cumprimento de promessas que, não podendo aceitar, pois com Deus não se negoceia, não contesto, pois sei que perante as dificuldades, os problemas, e sofrimento, as reacções que a fé imprime a cada um, só ele as sente. Daí o meu o profundo respeito.

Ao apreciar este profundo movimento de Fé, a minha mente saltou para os anos 60/70.

Para a minha avó que em 1965, com 70 anos partiu no dia 2 de Maio, de uma aldeia, algures a 40 Km a norte do Porto, com o mesmo destino e os mesmos objectivos. Dar graças a Deus, pela intercessão da Virgem Maria, pelo facto do meu irmão mais velho, ter regressado da tropa sem ter ido à guerra (expressão que ela usava). Da sua promessa de repetir a façanha, se eu tivesse a mesma sorte e ou pelo menos regressasse são e salvo. Da sua atitude de quando eu parti para a tropa, ir, ao Domingo assistir a duas missas: uma por ela e a outra por mim, pois segundo afirmava, eu era um bom malandreco e facilmente me iria esquecer do meu compromisso de cristão. Passou a ser para mim o meu anjo da guarda o que muito a envaidecia.

Da sua morte em 1968, quando eu pensava estar quase safo da ida ao ultramar, pois a escola de enfermeiros da incorporação seguinte estava a sair. Desapareceu o meu anjo da guarda e oito dias depois estava mobilizado para a Guiné.

A divagação dolorosa continuou a perseguir-me.

Quantas avós, mães, pais, esposas, namoradas, prometeram trilhar estes caminhos, na esperança de que Deus por intermédio da Virgem os (as) ia atender. Quantas avançaram até Fátima ou outro Santuário, dos muitos espalhados por este País, para mais perto de Deus, aí fazerem as suas orações de acção de graças e os seus pedidos e promessas.

Quando parti para a Guiné, ainda no Niassa, fiquei impressionado ao ver muitos companheiros da viagem com o terço pendurado ao pescoço, qual amuleto ou talismã protector, ou então a medalhinha a quem se dava devotados beijos.

Ao chegar à Guiné, mais propriamente a Ingoré, apreciei e comecei a acompanhar um grupo razoável de velhinhos que se reuniam à noite no refeitório para rezarem o Terço. Ao qual se foram juntando outros elementos da minha Companhia.

A Fé que me foi transmitida gerava um agudo conflito dentro de mim, pois fora sempre um desafio à construção da paz entre os homens e eu aceitara, como o cordeiro que vai para o matadouro, partir e viver uma guerra que em consciência rejeitava, mas que o dever para com a Pátria (tal como me tinha sido inculcado, quer na escola, quer na família) me obrigava a fazer a guerra.

No meu Diário escrevi um dia:

...Senti mais uma vez a presença do Senhor em mim quando ia na coluna. Muito calmo, com atenção a todos os lados, sempre nos rodados das viaturas para não ser atingido por uma 'bailarina'.

As Vossas orações valem imenso. Quando sinto as balas e granadas passarem por alto pergunto a mim mesmo se não são as vossas orações.

Odeio.. Odeio os homens que se guerreiam e matam. No entanto eu também sou um deles...

O Inimigo também tem namorada, mulher, filhos... também se agarra aos seus santos protectores...

Pergunto-me se quantas vezes ao sair para o mato as portas das Tabancas se abrem e surgem caras, um sorriso, um braço no ar ... um desejo de 'bom biaje', se não serão essas mesmas caras com o ódio estampado que nos esperam no meio da bolanha prontos a matar quem não quer fazer guerra, mas foi obrigado pelo sentido de Pátria em que foi educado ?

Toda a cara preta me parece um IN. Odeio o IN porque é traiçoeiro, porque mata.

O Evangelho foi feito só para brancos ? Como poderei amar os homens onde só existe o ódio !


Via os nossos soldados, com o amuleto do terço, que não rezavam, pois muitos deles eram agnósticos ou as obras que a verdadeira fé exige, era algo que não lhes dizia nada, quando saíam para o mato, beijarem a medalhinha que traziam ao pescoço, ou a cruz do terço, benzerem-se toscamente e darem um beijinho na mão, tal como hoje os jogadores de futebol continuam a fazer e cujo sentido religioso continua a ser para mim um enigma, pois não vem nos cânones nem nos catecismos.

Em Fátima a hierarquia religiosa alimentava a oração e o sacrifício, pela paz no Mundo, em especial na nossa Pátria, fechando-se teimosamente os ouvidos ao troar das metralhadoras, ao ribombar das minas e armadilhas que ambos os contendores escondiam traiçoeiramente e das bombas que os canhões faziam vomitar das suas bocas de fogo, pela acção malévola dos homens e dos aviões que destruíam aldeias completas produções agrícolas e matas, para que o inimigo na sua própria terra morresse se não da guerra que lhe fazíamos, pela fome.

Da nossa banda eram jovens, a flor da nossa pátria que tombava. Os naturais , donos da sua terra, viam quantas vezes, as mulheres, as crianças, os velhos, tombarem debaixo do fogo de uma e outra frente ou devido à fome e miséria a que eram votados, pela acção militar dos portugueses.

E em Fátima continuava-se a rezar pela paz. . . .

O próprio Papa Paulo VI, veio a Fátima em 1965, rezar pela Paz no Mundo. Ele que pouco antes tinha recebido os três líderes das frentes de combate, que lutavam da outra banda, pela libertação, dos seus povos. Sinal bem claro de que o mundo cristão estava consciente e reconhecia a existência de uma guerra em que Portugal tentava pela força calar a voz dos povos que em África entendiam que a sua felicidade passava pela autodeterminação e independência.

Os povos que ousavam fazer-nos frente também tinham a “sua Fé”, os seus Santos a quem se agarravam nos momentos difíceis, os amuletos que lhes víamos à cintura. Também tinham avós, pais esposas, namoradas. Algumas, na frente de guerra, combatiam lado a lado, outras na retaguarda, sofriam como as nossas mães, os nossos familiares.

Pensei no Kebá, a quem tive o enorme e gratificante prazer de reencontrar em 2005. Nas duas mulheres que tinha e que fugiram com os filhos ou foram apanhadas pelo IN. O seu esforço para as recuperar, entranhando-se na mata entre dois fogos para as localizar. O desgosto por elas não aceitarem segui-lo no seu regresso a Empada. A sua recusa em usar arma, para não matar, como ele dizia minha fidjo.

Pensei em quantos de nós não regressaram. Tantos em que o amuleto do terço, as suas convictas orações, a fé e as orações dos seus familiares, não bastaram. Uma bala traiçoeira, um estilhaço de uma mina ou de uma granada fez o seu sangue correr e regar aquela terra vermelha, levando-lhes a vida, ou marcando-os pelo sofrimento e pela invalidez.

Pensei nos que regressámos. Tantos convictos que foram as suas orações e as orações dos seus familiares. A fé forte que os animava e faziam dela razão da sua luta para sobreviver. . . matando, se necessário.

Quantos de nós aceitaram o desafio que a Pátria lhes impôs, em luta com a sua própria consciência. Quem não sentia isso mesmo, nas expressões e orientações dos furriéis e oficiais milicianos e mesmo em alguns dos que conheci pertencentes ao Q.P. quando estavam a dar as suas ordens, na forma como procuravam proteger o seu pessoal e furtar-se ao contacto com o IN.

Conheço outros e conto-me entre eles que aceitando ir para a frente de combate, tomaram por opção não fazer fogo, não dar um tiro, mesmo especialistas da G3 (atiradores).

E . . . com este desabafo, crie mais uma frente de conversa, que espero tenha continuidade.

Ressalvo que não é de modo algum minha intenção provocar ou ferir susceptibilidades. Quer em questões de ordem religiosa, quer de ordem patriótica. É apenas o resultado de uma reflexão pessoal que me pareceu merecer ser posta em comum, nesta altura que Fátima- altar do Mundo, se vai encher de novo para orar pela paz no Mundo e em especial na nossa Pátria.

Zé Teixeira

sábado, 23 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1872: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (1)...(Luís Graça)

Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo...

Amigos e camaradas: Tínhamos uma linguagem de caserna... Que ainda hoje somos capazes de usar... Nas comunicações militares, usávamos muitas abreviaturas, siglas, acrónimos, que reproduzimos no blogue... Mas também gíria e calão (muito calão), além de expressões idiomáticas, palavras em crioulo... Seria uma pena esse património socio-linguístico perder-se, antes de o podermos estudar, fixar, divulgar... A nossa identidade também passa(va) pelas palavras que usa(va)mos... Queiram acrescentar as que se lembram a esta lista (que ainda está muito incompleta):



5ª Rep - Café Bento, de Bissau
A/C - Mina anticarro
A/P - Mina antipessoal
Agr - Agrupamento
Alf - Alferes
Alfa Bravo - Abraço
Ap Dil - Apontador de Dilagrama
At Inf - Atirador de Infantaria
Bajuda - Menina, rapariga (lê-se badjuda)
BART - Batalhão de Artilharia
Bazuca - LGFog; cerveja de 0,6 l
BCAÇ - Batalhão de Caçadores
BENG - Batalhão de Engenharia
Bianda - Arroz, comida
Bigrupo - Força IN equivalente a 50/60 homens
Bué - Muito, manga de (Não vem de Boé; termo do quimbundo de Angola)
Caco / Caco Baldé - Alcunha do Gen Spínola
Cambar - Atravessar um rio
Canhão s/r - Canhão Sem Recuo
CAOP - Comando de Agrupamento Operacional
Cap - Capitão
CART - Companhia de Artilharia
CCAV - Companhia de Cavalaria
CCAÇ - Companhia de Caçadores
CCAÇ I - Companhia de Caçadores Indígenas
CCmds - Companhia de Comandos
CCP - Companhia de Caçadores Paraquedistas
CCS - Companhia de Comando e Serviços
Chão - Território étnico (vg, chão fula)
Cibe - Madeira de palmeira
Cmdt - Comandante
Com-Chefe - Comando-Chefe
COP5 - Comando Opercional 5
CTIG - Comando Territorial Independente da Guiné
Cães Grandes - Oficiais superiores
Desenfianço - Escapadela (... até Bissau)
Dest - Destacamento
DFE - Destacamento de Fuzileiros Especiais
Djila - Vendedor ambulante, comerciante, contrabandista
Djubi - Olha, repara; mas também... puto, rapaz (NT)
Embrulhar - Ser atacado (pelo IN)
Enf - Enfermeiro
Fanado - Festa da circuncisão, ritual de passagem da puberdade para a vida adulta
Ferrugem - Pessoal mecânico auto
Fogo de artifício - Flageações ou ataques, a aquartelamentos ou destacamentos vizinhos, vistos de longe
Fur - Furriel
G3 - Espingarda Automática G-3
Gen - General
Gr Comb (+) - Grupo de Combate reforçado
GR Comb - Grupo de Combate; pelotão
Gr M Of - Granada de mão ofensiva
HMP - Hospital Militar Principal
IAO - Instrução de Aperfeiçoamento Operacional
IN - Inimigo
Jagudi - Abutre
Kalash - Espingarda Automática AK 47 (IN)
LDG - Lancha de Desembarque Grande
LDM - Lancha de Desembarque Média
LDP - Lancha de Desembarque Pequena
LFG - Lancha de Fiscalização Grande
LGFog - Lança-granadas-foguete (NT)
MA - Minas e Armadilhas
Manga de ronco - Sucesso militar
Mantenhas - Cumprimentos, saudações
Mec Aut - Mecânico de viaturas automóveis
Med - Médico (vg, Alf Mil Med)
Mil - Miliciano
ML - Met Lig / Metralhadora Ligeira
Morança - Casa, núcleo habitacional de uma família
Mort - Morteiro
MP - Metralhadora Pesada
Mudar o óleo - Ir às putas
Nharro - Africano; preto
NRP - Navio da República Portuguesa
NT - Nossas Tropas
Op - Operação
Op Esp - Operações especiais ou ranger
Partir catota - Dar o pito (expressão nortenha); ter relações sexuais (a mulher com o homem)
Pastilhas - Enfermeiro
PC - Posto de Comando
PCV - Posto de Comando Volante
Pel Caç Nat - Pelotão de Caçadores Nativos
Pel Mort - Pelotão de Morteiros
PIDE/DGS - Polícia política portuguesa
Pil Av - Piloto Aviador
Pilão - Bairro popular de Bissau
Pira - Periquito, militar recém-chegado à Guiné
Piçada - Repreensão de um superior
Porrada - Contacto com o IN; punição disciplinar
Psico - Acção psicológica (e social)
Pára - Paraquedista
QG - Quartel General
Quico - Boné
RDM - Regulamento de Disciplina Militar
Rep - Repartição
RGeba - Rio Geba
RI - Regimento de Infantaria
RN - Reserva Naval
RPG - Lança-granadas-foguete (IN)
RVIS - Voo de reconhecimento aéreo
Sector L1 - Sector 1 da Zona Leste
Siga a Marinha - Embora, vamos a isto
Sold - Soldado
SPM - Serviço Postal Militar
T/T - Navio de Transporte de Tropas
Tabanca - Aldeia
Ten Cor - Tenente-Coronel
TO - Teatro Operacional
Tropa-macaca - Por oposição a tropa especial (páras, comandos, fuzos)
Tuga - Português; branco; colonialista
Turra - Terrorista, guerrilheiro
Velhice - Militares em fim de comissão