domingo, 1 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1136: Estórias avulsas (3): G3 ensarilhadas com Kalashnikov, no pós-25 de Abril (Pedro Lauret)

O comandante Pedro Lauret, antigo imediato da LFG Orion, à esquerda, ladeado por Ulisses Faria Pereira, ex-grumete electricista...
Foto: Público, nº 5571, 26 de Junho de 2005 (com a devida vénia) (1).


Texto do comandante Pedro Lauret (2)

Caro Luis Graça,

Envio uma pequena história, passada comigo, um pouco diferente do usual no nosso blogue, mas penso que tem algum interesse. Se considerares que é de colocar no blogue, força…

Um abraço e até dia 14 [, na Ameira, em Montemor-O-Novo, no 1º encontro da tertúlia].
Pedro Lauret


Uma história simples… ou talvez não

por Pedro Lauret

Pouco tempo passara do 25 de Abril de 1974, era eu então 2º tenente e prestava serviço no gabinete do Almirante Pinheiro de Azevedo, Chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional.

Na Guiné, no fulgor da revolução, marinheiros resolveram fazer uma manifestação nas ruas de Bissau, o que foi justamente considerado inconveniente quando foram as Forças Armadas a tomar o poder e a mudar o regime.

O Almirante determinou que me deslocasse à Guiné pois ainda não fizera um ano que terminara a minha comissão e conhecia bem o meio e o ambiente naval.

A minha missão era explicar a nova situação político-militar e apelar (determinar) para que actos de indisciplina não se verificassem, muito menos tivessem demonstração pública.

Acabei por ser acompanhado pelos meus camaradas, Comandante Almada Contreiras e o Major Melo Antunes, dois bem conhecidos companheiros de conspiração, que se deslocavam a Bissau com uma missão, penso eu, bem mais complexa do que a minha.

Chegado a Bissau cumpri a minha missão, penso que com sucesso e tive o grato prazer de abraçar camaradas que ainda não vira após a revolução.

Antes de regressar, os meus companheiros de viagem desafiaram-me para ir com eles a alguns quartéis do Exército para, igualmente, dar alguma informação sobre o que cá se passava - de notar que nessa altura ainda não havia sido decretado um cessar-fogo formal entre as nossas Forças Armadas e o PAIGC.

Deslocámo-nos a um aquartelamento, não sei precisar exactamente qual, mas penso ter sido nas proximidades de Bula pois atravessámos o [Rio] Mansoa em João Landim.

Aí chegados, não pudemos conter o nosso espanto quando vimos ensarilhadas G3 com Kalashnikov e em franco convívio soldados do nosso Exército bebendo generosas Bazookas (3), com guerrilheiros do PAIGC.

O cessar-fogo estava consumado para lá das determinações dos poderes políticos.

Uma história simples…ou talvez não.

Pedro Lauret

____________

Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de 15 de Junho de 2006 :

Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)
(...) A revolta do navio Orion, da Marinha portuguesa, no dia 2 de Junho de 1973 foi decisiva para salvar a vida de centenas de soldados e população que fugiram dos bombardeamentos do PAIGC na batalha de Gadamael. Este episódio de desobediência a ordens de Spínola, desconhecido até hoje, é indissociável da resistência travada por meia dúzia de soldados no interior do aquartelamento de Gadamael. As suas histórias são aqui contadas por alguns dos seus protagonistas, como o comandante da Marinha Pedro Lauret, o coronel dos comandos Manuel Ferreira da Silva e o grumete Ulisses Faria Pereira. Eles são, com outros, os heróis desconhecidos de Gadamael. (Público, 26 de Junho de 2005)

Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)
(2) vd posts de:
14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P876: É revoltante o silêncio em torno da guerra colonial (Pedro Lauret, imediato do NRP Orion, 1971/73)

20 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P887: Dois novos tertulianos: Pedro Lauret e Beja Santos
(3) Garrafas de cerveja, de 0,6 l.

1 comentário:

Anónimo disse...

ENSARILHAR...AAARMAS!Será que já tinha sido iniciado o fuzilamento de comandos, régulos e familias, fuziladores para não testemunharem...? oxalá as G3 não sejam coniventes...Uma das desgraças da Guiné destes 30 anos, e da áfrica em geral, teem sido as "cooperações internacionais", com os seus algozes...antónio e. rosinha