Texto do novo membro da nossa tertúlia, o ex-paraquedista Victor Tavares (CCP 121, 1972/74)
A minha primeira experiência de combate,
por Victor Tavares
Apresentei-me ao comandante da Companhia de Caçadores Paraquedistas 121, Tenente Castro, o qual me encaminhou para a arrecadação para ir receber o material necessário ao equipamento operacional que era habitual ser distribuído a cada combatente.
Chegado àquela unidade operacional, fui colocado no 2º pelotão da companhia, na 1ª secção, comandada pelo Furriel Paraquedista Casalta, sendo o pelotão comandado pelo Alferes Miliciano Paraquedista Afonso Abreu.
16 de Janeiro de 1972: Recebemos ordens para formarmos equipados para sairmos para uma operação. Às 8.30 desse dia partimos em viaturas, o 1º Bigrupo de combate formado pelos 1º e 2º pelotões da CCP 121, rumo a Mansoa. Aí chegados aguardámos ordens na pista térrea, que para os Piras era surpresa, porque, além de ser de piso de terra, também não tinha nenhum tipo de controlo aéreo ou de segurança. Posta essa questão aos mais velhos, fomos informados que maiores surpresas iríamos ter, o que se viria a confirmar.
Entretanto começa a movimentação dos nossos comandantes de pelotão e de secção, os quais nos disseram Está a Preparar! . Poucos minutos depois ouve-se o trabalhar dos helicópteros que se aproximavam, vindos de Bissau.
Em equipas de 5 já preparados para embarque e por ordem de entrada nos respectivos Helis, chegou a ordem de embarque e lá fomos com a informação quase nula daquilo que iríamos fazer.... Era um heliassalto a uma zona suspeita nas matas do Sára.
Chegados ao local era para saltar logo que fosse dada a ordem, independentemente da altura a que o Heli estivesse do solo, porque este teria que ficar em segurança e a saída teria de ser rápida... E assim foi: quando o 3º Heli chega à zona, já os primeiros combatentes dos dois primeiros helis” trocavam tiros com o inimigo.
Para quem tinha chegado na véspera era uma recepção calorosa. Mas já estávamos mentalizados para qual seria a nossa missão durante a nossa comissão de serviço naquela província. Para começar não foi mau de todo, a operação demorou cerca de duas horas e fomos recuperados pelos helis no local onde tinha sido o desembarque.
Resultado da operação: captura de 2 granadas de RPG2 e fitas de metralhadora ligeira Degtyerev e uma mochila contendo medicamentos e utensílios para intervenções cirúrgicas que era transportada por uma enfermeira morta neste contacto (1).
(Foto já não disponível "on line")
Guiné > PAIGC > 1972 > Uma mãe, com a sua criança ao colo, numa das áreas sob controlo do PAIGG, ouve o discurso de um membro da Missão Especial da ONU às Zonas Libertadas. Foto: ONU /Yutaka Nagata (do livro de Amílcar Cabral Return to the Source).
Fonte: Amilcar Cabral and the Revolution in Guinea-Bissau (1999) (com a devida vénia...)
________Nota de L.G.:
(1) Esta referência telegráfica a uma mulher guerrilheira do PAIGC, enfermeira, morta pelos paraquedistas, no dia do baptismo de fogo do Victor Tavares, traz-me à memória alguns dos mais belos, intimistas e perturbantes textos que têm sido aqui publicados no nosso blogue... Esses textos, da autoria do Virgínio Briote, merecem uma referência especial, até porque tem sido muito escassa a evocação das mulheres (de um lado e de outro) nesta guerra. Não há ninguém, como o Briote, a falar das mulheres na guerra da Guiné... Vd. posts de:
31 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74: CCLIX: Estórias do outro lado: Ana, a enfermeira do Morès (Virgínio Briote)
(...) "A enfermeira de Morés? A mulher do Paulo Ramos com a criança às costas?! Porque não fugiu? Não pode ser! Não, não lhe façam nada, ela trata do nosso pessoal da luta, faz curativos só, os tugas não me ouvem, lenço não deixa.
... Não sei, não tenho nada para dizer, meu nome é Ana, sou enfermeira, não sei nada da guerra, trato de feridos só, não pode mexer nesse papel, é carta de meu marido, ouviu? Não pode tirar bilhete de meu marido, não pode! Tenho filhinha às costas, não vê? É hora de ela mamar, largue-me! "(...).
31 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLX: Ana/Siga ou as mulheres do PAIGC de que nunca se fala (Luís Graça / Virgínio Briote)
(...) "No chão, mamilo na boca da bebé, era muito difícil, a qualquer um de nós gerir a situação. Por um lado, o respeito que a imagem nos merecia, por outro a consciência de que a Siga estava a fazer o que podia para que os [seus] camaradas tivessem tempo para nos preparar uma retirada como devia ser. E ela veio, à força, dois soldados a arrastá-la pelo chão, a bebé no colo de outro soldado, as chicotadas a ouvirem-se, os gritos dela e doutras bajudas, um pandemónio.
"Depois, já na estrada, recolhidos pela companhia de apoio, a Siga e o comandante foram na minha viatura. Ela ficou muito ofendida comigo, pela forma como foi tratada, sem humanidade, disse-me na cara. E que, quando chegasse a Mansoa, iria apresentar queixa contra mim. O que fez, vim eu a saber uns tempos mais tarde pela boca do major das operações do batalhão de Mansoa.
"O que foi deito deles? Gostaria de saber, mas não soube mais nada. Os procedimentos que seguíamos, no caso de prisioneiros, era entregá-los à chefia do Batalhão. Nunca vim a saber o que foi ou é feito deles" (...).
Vd. também o blogue do Virgínio Briote > Tantas Vidas > Guiné [1965/67]
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