terça-feira, 3 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1145: Na fonte... com o Inimigo (ou a água quando nasce é para todos) (Tino Neves, CCS do BCAÇ 2893, Nova Lamego)





Guiné > Zona Leste > Nova Lamego > 1970 > Nascente de água onde se abasteciam as NT, a população local e... os guerrilheiros do PAIGG. O autor desta estória é o da direita, a beber água pela cafeteira. O outro é o soldado condutor Rafael, ambos da CCS do BCAÇ 2893, Nova Lamehgo, 1969/71.

Fotos: Tino Neves (2006)



Texto enviado, em 28 de Agosto de 2006, pelo Tino Neves (ex -1º Cabo Escriturário da CCS, BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71).


Camarada e amigo Luís Graça:


Junto envio uma pequena história passada comigo em 1970. Já estou a escrever outra, que enviarei em breve! Não sou grande artista na escrita, mas espero que esteja compreensível.

Cumprimentos

Constantino Neves

CCS/BCAÇ 2893

Nova Lamego (1969 - 1971)

Comentário de L.G.: Um dia de sorte, ó Tino! Uma boa estória para contar aos netos. Fez-me lembrar a guerra do Raul Solnado. Manda mais, que tens talento. Desculpa só agora ter sido publicada. L.G.


Título: Nascente de água

Distanciada a cerca de 3 a 4 km da Vila de Nova Lamego, existe uma fonte de água fresquinha, com alguma qualidade de pureza, se assim se possa dizer, pois era possível beber directamente da Nascente, e por esse facto tínhamos por costume ir lá abastecermo-nos de garrafões (daqueles de vinho branco, dentro de um cesto de verga com asas), para as nossas casernas e também para os nossos Comandantes.

Eu, como sendo o Escriturário privativo do Capitão Rodrigues, Comandante da CCS do Batalhão de Caçadores 2893, e o Sold Cond Rafael, ficámos incumbidos de quando faltasse água aos nossos Comandantes, iríamos de jipe, com o máximo de garrafões possíveis, abastecermo-nos.

Houve então um dia em que o Rafael, por volta das 6 da tarde, me aparece, já eu na caserna, para que preparasse depressa os garrafões para irmos à nascente. Eu estranhei e ainda lhe respondi:
-É pá, já é muito tarde, daqui a pouco está escuro!- E ele respondeu-me que era num instantinho e só enchíamos os que tivéssemos tempo, para regressar ainda com claridade.

Pois, acedi então a ir porque também estava a necessitar de água nos meus garrafões. Quando lá chegámos, a nascente estava muito concorrida, cerca de uma dúzia de guineenses, a beber e a lavar-se no lago formado pela nascente. Estranhei estar lá tanta gente, mas depressa esqueci esse pormenor, pois eles se tornaram tão simpáticos:
- Eh… pessoal Tubaco, corpo de bó, está jametum?!
- Jarame nane! - respondemos nós, e ajudaram–nos a encher os garrafões, pelo o que nós lhes agradecemos, oferecendo-lhes tabaco. E depois lá regressámos com toda a tranquilidade ao aquartelamento, que ficava no centro da Vila.

Por volta das 23 horas fomos flagelados por tiros de morteiro e armas ligeiras, não havendo quaisquer danos ou baixas, mas no dia seguinte, tivemos conhecimento do local dos lançamentos das granadas de morteiro: sim, era precisamente junto da nascente...

Conclusão obvia, os guerrilheiros do PAIGC não quiseram comprometer a operação deles, capturando-nos, apesar de não terem qualquer dificuldade em fazê-lo, pois estávamos ambos desarmados (nem um canivete!).

Narrador:

Constantino Neves,
1º. Cabo Escriturário
da CCS do BCAÇ 2893
(Nova Lamego, 1969/71)

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