quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3773: Efemérides (15): Agosto de 1974, Mansoa, com 22 meses de comissão, a morte do Soldado Oldegário. (Eduardo Ribeiro/ Jorge Canhão)

Oldegário Alberto da Cruz Libório

Homenagem ao último soldado da 3ª Cª do B. Caç. 4612/72, que faleceu em 18 de Outubro de 1974, devido a grave ferimento num acidente no quartel de Mansoa, de nome Oldegário Alberto da Cruz Libório (natural da freguesia da Sé, em Faro).


Por Magalhães Ribeiro
Furriel Mil.º da CCS do BCaç. 4612/74 e

Jorge Canhão
Furriel Mil.º da 3ª Cªdo B. Caç. 4612/72




O episódio mais pungente que presenciámos em toda a nossa vida militar e civil, e que nos traumatizou para o resto das nossas vidas, aconteceu com 2 infelizes soldados da 3ª Companhia do BCaç 4612/72, nas últimas horas que permaneciam na Guiné, após 22 meses de sacrificada e penosa comissão, quando se encontravam com o restante pessoal da companhia a entregar o armamento em sua posse, na arrecadação de material de guerra, nomeadamente as G3 e os respectivos carregadores , e foram protagonistas de um terrível e trágico acidente.

Tudo se passou num triste dia de Agosto de 1974, no quartel de Mansoa, quando eu conversava com o Furriel Miliciano Jorge Canhão da mesma companhia (meu grande amigo pessoal e nosso camarada bloguista), e íamos observando o seu pessoal, que por ali, espalhado em frente à arrecadação de material de guerra, cumpria uma das suas últimas ordens, que era a de entregar o material de guerra a seu cargo.
Indigitados para controlar as actividades estavam dois furriéis milicianos e um 1º Cabo. Enquanto um dos furriéis – o Jorge Canhão - acompanhava a fase que incluía desmontar, limpar e montar as G3s, e esvaziar de balas e limpar os respectivos carregadores, o segundo furriel inspeccionava juntamente com o 1º Cabo (sentados num banco dentro da arrecadação), se tudo estava funcional antes da entrega definitiva.
Estava tudo a decorrer normalmente, como se pode deduzir, no meio de alegres conversas e risadas de grande felicidade, motivadas na generalidade pela proximidade do fim quase 2 anos de pesadelos.

Para aqueles menos familiarizados com estas coisas, recorda-se que a inspecção de uma G3 para entrega, na rotina habitual, obrigava a fazer 4 operações: retirar o carregador (estivesse cheio de munições ou vazio), puxar a culatra atrás (para retirar qualquer bala da câmara), destravar a culatra para a frente e efectuar uma gatilhada em seco para o ar.

Eu estava de costas para a arrecadação e os soldados sentados no chão, e conforme iam completando as limpezas, iam-se levantando e entregando o material para inspecção.

No entanto, o elemento que fazia o teste às armas, esqueceu-se de retirar o carregador de uma delas (que se encontrava com munições), tendo procedido às manobras com a culatra e, quando ia premir o gatilho, o furriel que observava os seus movimentos, ao aperceber-se que havia entrado uma bala na câmara, instintiva e desesperadamente, deitou a mão à arma no sentido de tentar impedir o eminente disparo mas, infelizmente, não foi a tempo.

A bala disparada efectuou uma trajectória de baixo para cima, começando por atingir o militar mais próximo (o mesmo que tinha acabado de entregar a G3 inadvertidamente com munições no carregador), atravessando-lhe a anca, passou muito rente ao pescoço do segundo homem da fila que ali se ia formando e apanhou o terceiro violentamente na parte frontal do crânio.

Os 2 feridos com bastante gravidade, foram de imediato evacuados por helicóptero para Bissau, vindo-se a saber mais tarde, que o último deles, viria a falecer em 18 de Outubro de 1974 (6 meses depois do 25 de Abril), já em Portugal no Hospital Militar da Estrela, em Lisboa.

Assim desta forma cruel e chocantemente, sucumbiu o último soldado português na martirizante e fatídica guerra da Guiné.

Vai fazer 35 anos, que eu e o Jorge pensávamos prestar esta simples homenagem ao Oldegário, pedindo a Deus que o acolha no seu reino.

Por motivos óbvios a identificação de alguns intervenientes são omitidas.

Um tiro apocalíptico

Mansoa, Guiné, Setenta e quatro
Findava ali a sua comissão
Naquele longo mês de Agosto
Mais um Heróico e Leal Batalhão

Para todos aqueles soldados
Era o dia mais feliz da guerra
Restavam umas escassas horas
Pr’a cada um… regressar à sua terra

Era o dia do espólio do material…
E, após longos meses de acção
Ali devolviam as suas armas
Frente à velha arrecadação

O passado juntos recordavam
Prevendo as famílias abraçar
Projectos p'ró futuro planeavam…
De repente... um tiro!?... soa no ar!?

Dois feridos de morte tombavam
A surpresa fez o sangue gelar
Meu Deus! Eles iam p’ra casa!
Abateu-se… ali… um Apocalipse glaciar

A bala saíra duma G3… por acidente
Numa distracção fatal!… Incrível!
Mais uma vez o “azar” ali matava
Coisa digna dum’obra de Maquiavel!

__________


Notas de vb:

1. Último artigo da série em

2. Foi o então Furriel Miliciano O. E. da CCS do BCAÇ 46121. Eduardo Magalhães Ribeiro que, em 9 de Setembro de 1974 arreou a última bandeira portuguesa, no quartel de Mansoa, na presença de representantes do PAIGC que, por sua vez, hastearam a bandeira da nova República da Guiné-Bissau.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3772: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (2): Tecnil, Tecnil / Eu passei lá muitas noites / Certamente mais de mil (Luís Dias)


Rui Felício, ex- Alf Mil, CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70) (foto à esquerda): Procura-se vivo ou morto... Anda a monte com os primeiros decalíssabos que deram origem ao famoso Cancioneiro de Dulombi... Dão-se alvíssaras. L.G.


1. Mensagem do Luís Dias, respondendo a um pedido meu ( "Tens mais letras do 'cancioneiro de Dulombi' ? E da Tecnil ? Há mais recolhas de versos ?"):


Os versos que colocaste não são do Cancioneiro do Dulombi (*), nem da Tecnil, fazem parte dos 'poemas' que eu escrevi durante a comissão. Mas não tem qualquer importância.

Do Cancioneiro do Dulombi, só me lembro de um refrão, que era cantado com uma música popular.

Dulombi te deixarei,
Dulombi te deixarei,
e o dia está bem perto,
As tuas bajudas giras
Vamos deixá-las aos piras,
Que nós vamos de regresso.



Da TECNIL (**) havia também este refrão:

TECNIL, TECNIL,
Eu passei lá muitas noites,
Certamente mais de mil,
TECNIL, TECNIL.
Quando aparecem macacos,
Vira jardim infantil.


Quando fazemos o convívio anual, os nossos ex-praças lá cantam estas modinhas. Eles é que têm as letras.

Um abraço

Luís Dias

2. Comentário de L.G.:

Luís:

O seu a seu dono... Vou corrigir... E fazer mais um poste sobre o Cancioneiro de Dulombi... Os versos são teus, mas o que importa é que os teus camaradas se apropriaram deles e cantaram-nos (e continuam a cantá-los nos vossos convívios)...Em Dulombi e em muitos outros sítios da Guiné, havia poetas, como tu, que nos ajudaram a não perder a alma e a manter a cabeça em cima do pescoço e o pescoço em cima dos ombros...

De resto há uma tradição poética, iniciada pelos Baixinhos de Dulombi, a malta da CCAÇ 2405, de 1968/70. Num dos postes, o ex- Alf Mil Rui Felício escreveu isto (***):

"Tinhamos acabado de receber no Dulombi a Companhia de atónitos periquitos que, durante uma semana, iam ficar em sobreposição connosco.

"Acolhemo-los com o aquele ar superior de guerreiros invencíveis, calejados pelos combates, a pele tisnada dos sóis tropicais, e além das costumadas praxes, meio inofensivas, que exercemos sobre eles, dedicámos-lhes, com a proverbial simpatia característica dos Baixinhos do Dulombi, um hino de recepção ao periquito que ainda hoje cantamos em todos os almoços anuais de comemoração que realizamos.

"Fui eu o autor da letra (perdoem-me o orgulho ) que, em versos decassilábicos, procurava transmitir aos novatos o que era o dia a dia que os esperava nos confins do mato onde iriam passar dois anos.

"O Alf Mil Rijo sacou dos seus dotes musicais até aí ocultos e plagiou uma música que se adaptasse à versalhada que em momento de suprema inspiração eu tinha produzido. É ele que hoje guarda religiosamente essa letra que eu, embora seu autor, não sou já capaz de reproduzir na íntegra" (...).

Pois é, meu caro Luís Dias, ainda não consegui sacar ao teu avô Rui Felício essa famigerada letra. Em 5 de Setembro de 2006, mandei-lhe um pedido que ele deve ter arquivado... O actual dono das letras parece ser o ex-Alf Mil Jorge Rijo, que anda incontactável, depois de se reformar dos seguros. Vou-lhes, daqui, solenemente, implorar, a ambos (e aos outros dois Baixinhos de Dulombi, que eu conheço, o Paulo Raposo e Victor David, que não nos esqueçam, a mim, a ti, a todos nós, de modo a slavarmos e enriquecermos o Cancioneiro de Dulombi / Galomaro...

Rui, Jorge, Luís, camaradas !... Seria uma pena que os últimos épicos da Pátria, os derradeiros Camões, que fomos nós, os últimos poetas do Império, deixem perder, por negligência, incúria, esquecimento, cansaço ou qualquer outra razão - por muito válida que possa ser ou parecer -, os últimos versos que escrevemos, a pena numa mão e a espada na outra, nos campos de batalha da Guiné...

Obrigado. Abraço. Luís
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 20 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3763: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (1): Adeus, Guiné / É o fim do castigo, / Terminou a comissão... (Luís Dias)

(**`) TECNIL, empresa de engenharia e construção de estradas... Estava por toda a Guiné (ou quase), no tempo do Spínola e depois... da independência. O nosso camarada e amigo António Rosinha trabalhou nela como topógrafo, nos anos 70/80, se não me engano.

(***)5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço

Vd. ainda:

Blogue CCAÇ 2700 > Dulombi, 1970/72, de Fernando Barata

Blogue Histórias da Guiné 71/74 > CCAÇ 3491, Dulombi, de Luís Dias

Guiné 63/74 - P3771: Blogoterapia (86): Recordações da Guiné, nem sempre as melhores (António Carvalho)

1. Mensagem de António Carvalho, ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74, com data de 16 de Janeiro de 2009:

Caro Carlos Vinhal,

Em anexo envio uma tentativa de escrever sobre a minha estada em Mampatá. Umas linhas acabadas agora mesmo de escrever.

Se achares bem poderás publicá-la no blogue.

Um abraço,
Carvalho


2. Caros camaradas editores do nosso blog:

Se acharem que tem algum interesse aproveitem, caso contrário deitem fora, sem pejo. É que eu, infelizmente não me lembro de quase nada. Lembro-me, com todos os pormenores, daqueles corpos mutilados, em Bolama, no dia 10 de Julho de 1972; daquele camarada do Batalhão 3852, em Buba, no dia 28 de Julho do mesmo ano, do rosto lacrimoso do irmão que ficou sem uma perna em 16 de Março de 1973 tendo morrido no dia 21 no HM 241, etc, etc, etc.

Bem gostava de vos falar de outros episódios interessantes mas, na verdade, os dias eram muito iguais. Serviço na enfermaria a tratar das doenças dos militares e dos civis. Algumas nunca desejadas saídas para o mato. Algum trabalho a ensinar os nativos na escola, à noite, ou mesmo durante o dia, em substituição do professor que foi de férias. Conversa com a população civil para entender aquele mundo. À noite, fazer rondas pelos postos de sentinela, para aliviar os Furriéis Atiradores que andavam todos rotos. Muito tempo no bar a consumir Coca-Cola com Whisky…

Em Abril de 1974, no dia 25, tudo se alterou. Ao meio da manhã, por uma emissora estrangeira, tomámos conhecimento do grande evento. Como tinha havido o 16 de Março, primeiro uma alegria contida mas, à medida que se recebiam mais notícias confirmadoras, toda a gente dava largas a uma felicidade indescritível. A partir desse dia cada vez se ficava por mais perto. Nada de aventuras. No dia 14 de Maio, houve uma reunião entre representantes do MFA e oficiais e sargentos, em Aldeia Formosa. Não me lembro de nada do que lá se passou, nem sequer se estive lá ou se fiquei por Mampatá. No início de Junho, um Comissário Político do PAIGC esteve em Mampatá, conversando com a população civil e com militares africanos. Nos dias 26 e 27 de Junho, dois bigrupos do PAIGC vieram confraternizar connosco. Houve abraços e troca de emblemas. A partir deste momento a guerra não era mais problema. Só as saudades da família e as carências materiais nos faziam sofrer. Não sei porquê, faltava o tabaco, algumas bebidas e comidas.

Dia 24 de Agosto, com 26 meses e meio, chegámos a Lisboa.

António Carvalho
__________

Notas de CV:

Vd. último poste de António Carvalho de 16 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3325: O meu baptismo de fogo (11): Mampatá, 20 de Fevereiro de 1973 (António Carvalho)

Vd. último poste da série de 21 de Janeiro de 2009 Guiné 63/74 - P3766: Blogoterapia (85): Para que a História seja verídica (José Martins)

Guiné 63/74 - P3770: O meu Natal no mato (22): A RTP na Guiné, no Natal de 1969 (João Bonifácio)

1. O nosso camarada João G. Bonifácio, ex-Fur Mil da CCaç 2402/BCaç 2851, Guiné 1968/70, deixou, em 11 de Janeiro de 2009, este comentário no poste Guiné 63/74 - P3450: Blogoterapia (72): Comentário ao P3402 (Raúl Albino) :

Olá Amigos visitantes desta tabanca tão grande e onde a CCAÇ 2402 tem um pequeno espaço, alegria e saúde.

É bom ver que o meu amigo Raúl Albino tem tanta gente a ler estas coisas que todos nós por lá vivemos. Eu sei que o segredo do Raúl, para estar sempre em forma, era descansar o máximo. Ele gostava de ver, mas para dentro. Depois o calor ajudava. Eu, pelo contrário, só dormi dois dias seguidos, quando o furriel miliciano Machado, que era um açoriano, me drogou fortemente para resolver o meu paludismo. Aquele rapaz era tão corisco, mas curava todos. Era tão bom, tão bom, que até sabia mais que o médico da Companhia.

Bem, eu ia dizer que não tive essa sorte. Dormia pouco. Era uma questão diferente de vencer o tempo. Eu desde que cheguei à Guiné em 1968, decidi ocupar as 24 horas do dia. Assim e para além da supervisão do Rancho e cozinha, da messe de Oficiais e Sargentos e cozinha, do Armazém de géneros, da horta, dos animais, da padaria, da Cantina do Soldado e do Bar de Oficiais e Sargentos, ainda fazia trabalhos na Secretaria, dei aulas da 1.ª e 2.ª classes a miúdos locais, supervisava as duas bibliotecas, e ainda dava uns passeios pela tabanca à procura de qualquer pormenor estranho.

Às vezes dá para ver e o meu amigo Furriel Lopes, o tipo da ferrugem, e eu encontrámos uma criança tão mal, que a levámos e à mãe para o quartel de onde foi mais tarde evacuada para Bissau. Ah, e ainda fazia rondas, o que me permitia abastecer os militares que saíam cedo para operações, mas mais porque o Cap Vargas tinha um problema com os confidenciais. Assim, cabia-me a mim ir acordar os oficiais e sargentos, que depois acordavam os soldados. Era mesmo confidencial. Eu digo tudo isto, porque dormia pouco, e portanto tenho mil uma histórias para contar. Eu decidi que ocupando o tempo, iria ser melhor. Mas não quero, de forma alguma, dizer que todos os que pensaram em desligar o sistema todo por dois anos, fizeram mal.

Este Blogue tem-nos permitido a aproximação entre todos nos.

Muito em especial para o Raúl, eu quero adiantar mais um pouco sobre as mensagens de 1969 para a RTP. Quando nos foi comunicado que a RTP nos ia visitar para as gravações, o Comandante Vargas me chamou e me deu instruções para eu programar como iriam ser os locais e como iriam ser mostrados os militares e quem iria falar, já que todos seria impossível. Um dia eu mandarei as fotos que eu tenho deste episódio. No dia das gravações, ele decidiu tornar-se o actor, e decidiu ignorar tudo o que tinha combinado comigo. Fiquei de tal modo perturbado que decidi rasgar tudo quanto era o programa pré-estabelecido e fui deitar-me para o meu quarto. Passada uma meia hora, batem à minha porta e quando abri, deparei com um Major de Bissau que me disse saber o que tinha acontecido, e porque achou ser injusto, me convidava a deixar a gravação como eu entendesse, pois dava-me 5 minutos só para mim. Eu declinei educadamente, mas acho que não gostou, pois a resposta foi simples.
- Nosso Furriel, é uma Ordem.

Pronto, lá fui eu. Se o Raúl se lembra e onde eu e uns soldados e o miúdo Godinho aparecemos a gravar a nossa mensagem de Natal, mesmo ao lado do presépio, que na altura estava feito junto a Enfermaria, no Olossato. Como podem ver, meus amigos, cada um de nos passou o tempo como entendeu, e felizmente, ainda estamos com saúde para podermos falar destes episódios.

Eu adoro ler tudo o que por aqui escrevem. Apenas lamento que mais não apareçam e deixem um ar da sua imaginação. Os erros são mesmos próprios, e para isso eu mesmo tenho esse defeito, nunca leio o que escrevo até que já saiu do meu monitor. Sabem, o Raúl faz esse favor, e já agora, com toda a justiça, o Luís, o Carlos e o Virginio. Eu não tenho acentos nem sinais, os ingleses são muito simples!!! Não usam isso.

São 19.38 em Toronto, Canada, ou 02.38 em Lisboa. Vocês já estão a fazer o que faziam na guerra... a descansar, e eu ainda tenho que esperar. Estão a ver? Fiquem bem.

Um grande abraço para todos.
João G Bonifácio
Ex-Fur Mil do SAM CCAÇ 2402
Guiné 1968/70
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3690: O meu Natal no mato (21): CCAÇ 2402, Có, 1968, e Olossato, 1969 (Raúl Albino)

Vd. último poste de João Bonifácio de 12 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3301: História da CCAÇ 2402: Em Mansabá não se passava nada...(João Bonifácio)

Guiné 63/74 - P3769: Fauna & flora (15): Macaco cão à mesa de Ponte Maqué e o "Buba" na Orion...(Raul Albino/M. Lema Santos)

O Macaco cão


1. do Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá, Olossato, 1968/70


Ementa: Macaco-cão

Com este título pareço estar a fazer apologia da confecção deste animal para fins alimentares. Puro engano. Não pretendo mais do que relatar um acontecimento não militar que se passou com o meu 3º Grupo de Combate da CCaç. 2402, quando destacado na protecção da Ponte Maqué, situada perto do Olossato.
Por este relato, um pouco fora do contexto, podemos pelo menos afirmar que esta espécie de mamífero existiu em 1969 nesta região. Também possuímos no quartel, como mascote, um exemplar fêmea desta espécie, muito jovem de poucos meses, adquirida por um militar a um nativo que a encontrou no mato.


Equipa reforçada de cozinheiros em pleno esforço de confecção.

Que dizer deste trabalho de equipa na confecção da Ceia de Natal de 1969 na Ponte Maqué? Este esforço culinário pertence ao 3º Grupo de Combate e a ementa a ser confeccionada era um macaco-cão caído numa das várias armadilhas que serviam de protecção à guarnição militar aí instalada.
Pela compenetração destes exímios cozinheiros, bem podem imaginar a iguaria que daqui saiu. Depois de cozinhado, foi-me dado a provar pensando eles que eu não sabia o que era o petisco. Eu, apesar de saber de antemão, tive de fingir que não sabia e arriscar a sua prova. E não é que aquilo estava realmente saboroso?... Não foram poucos os que se deliciaram com este género de gastronomia exótica, feita a partir de jibóia, macaco ou abutre, entre outros, se bem que tenhamos de confessar que a maioria dos apreciadores, nunca ou só bastante mais tarde, chegaram a saber aquilo que tinham comido.

2. do Manuel Lema Santos, ex-1º Ten da Reserva Naval da Marinha de Guerra, LFG Orion, Guiné, 1966-1972.

Só agora respondo porque nem sabia onde tinha guardado as fotos correspondentes ao tema!

Ao serviço da Marinha de Guerra, estive na Guiné de 1966 a 1968 e, durante esse tempo, tivemos sempre a bordo, como mascote, um pequeno macaco babuíno (seria?) que penso corresponder à descrição dos pequenos "macacos kom" (corresponderá?) que já vi referidos em alguns sites que, por curiosidade, procurei.
Se assim não for agradeço-lhe a correcção porque fico a saber mais qualquer coisa que nada...e corrijo.
A minha ignorância na matéria pode estabelecer facilmente confusão e nada ter a ver com a especificidade e conhecimento do assunto tratado, pelo que lhe peço a simples observação e crítica da imagem que coloquei no meu próprio blogue em
http://www.reservanaval.blogspot.com/.

Tenho mais duas fotografias que se tiverem algum interesse - são de fraca qualidade fotográfica - enviarei com prazer.

Recordo-me de alguns pormenores de personalidade que já fizeram rir os meus filhos. O "Buba", convivia com toda a guarnição, era agressivo e respondia sempre a qualquer provocação brincada, preferencialmente tentando devolver o mesmo tipo de provocação em sentido contrário.


O macaco kom, baptizado de "Buba", mascote da LFG “Orion”. Foto extraída do blogue (1) http://reservanaval.blogspot.com/. Com a devida vénia e os agradecimentos ao Manuel Lema Santos.
Foi amestrado por vários elementos da guarnição com algumas brincadeiras jocosas, típicas de "marinheiro" que executava com determinada palavra ou mesmo uma frase curta.
__________
Notas de vb:
1. Reserva Naval , espaço aberto a antigos Oficiais da Reserva Naval na publicação de documentos, relatos, imagens e comentários. Um meio de comunicação e participação na divulgação do legado histórico da Reserva Naval.
E espaço também para quase todos os militares do Exército que andaram pelas terras e rios da Guiné.
2. Último artigo da série em

Guiné 63/74 - P3768: Fauna & flora (14): Mascote, no prato e até para chapéu. Em Paiúnca, Guileje, Cumbijã...(J. Casimiro de Carvalho/Vasco da Gama)

Acerca do macaco cão

1. Mensagem do José Casimiro Carvalho





Aqui vai uma das minhas mascotes (macaca). Tive-a em Paúnca (Pirada).
Era normal em Guileje, quando andávamos em patrulha, vermos ao longe os macacos. Em grupos de cerca de 15 que, quando nos viam, paravam com ar desafiador e ladravam e depois seguiam.

Um nativo com o escalpe de um macaco cão na cabeça (era uso). Zona de Nhala.

Em Cumbijã matei um macaco cão com um tiro de G-3, tirei-lhe a cabeça e a pele e levei-o para o quartel de Colibuia. Nessa noite foi um petisco.
Coisas da idade. Hoje não o faria.
Espero ter ajudado.

J Carvalho
2. Mensagem de Vasco da Gama
Vi-os, aos macacos-cães, às dezenas entre Colibuia e o Cumbijã. À medida que a estrada ia avançando, eles começavam a escassear.
Nunca os observei com olhar científico, mas na zona acima referenciada, sobretudo numa extensa bolanha, quase todos os dias, a coluna que regressava ao Cumbijã, os avistava a atravessarem em bandos a estrada vindos de sul em direcção ao norte.
Recordo-me perfeitamente da forma ordeira como faziam a travessia da estrada em bicha de pirilau, e como os de maior porte se colocavam no meio da estrada para que os mais pequenos passassem em segurança! Isto eu testemunho.
Um camarada da minha companhia, o primeiro cabo cripto Melo enviou-me uma fotografia e um pequeno texto que eu te vou reencaminhar. No meu aquartelamento deram-me a provar macaco cão. Lembro-me perfeitamente de ter trincado um naco de carne que era só músculo e não fui capaz de engolir o que quer que fosse. Peço desculpa pelo modesto contributo, mas quem dá o que tem....
Vasco da Gama
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Notas de vb:
Último artigo da série em
19 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3758: Fauna & flora (13): Macaco cão a ladrar, gente do PAIGC a chegar (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P3767: Estórias do Zé Teixeira (35): O Lisboa - E seu irmão que morreu no desastre do Cheche (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mais uma estória de José Teixeira, ex-1.º Cabo Auxiliar Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, que nos foi enviada no dia 2 de Janeiro de 2009:


O LISBOA
E seu irmão que morreu no desastre do Cheche

Pela alcunha se pode calcular que o Ferreira era natural de Lisboa. Simples e humilde. Casado e com filhos. Picheleiro de profissão, Atirador por missão. Tinha uma relação muito boa com a avó. Suponho que foi ela que o criou na sua meninice

O Lisboa viciou-se na batota, já na Guiné, creio eu. Era um dos que, recebido o Pré no fim do mês, desaparecia. Só os víamos, no refeitório e nas saídas para o exterior. Acabada a grana ficava na pendura até ao fim do mês seguinte. Um ambiente de guerra também fomenta este tipo de formas de estar na vida.

Um dia ou noite, não sei bem, já em Empada, numa situação de desespero, levantou a parada demasiado alto. Jogou a aliança de casamento e lerpou. O Paraquedista, alcunha dada a um camarada que tentou as alturas e veio cair na tropa macaca, agarrou a aliança com ambas as mãos e passados oito dias, continuava a afirmar que a tinha ganho no jogo, era dele e ponto final.

O Lisboa bateu a várias portas na tentativa de quem interviesse para recuperar a aliança. Como resposta tinha um conselho - aprende a ter juízo. Ele bem choramingava, mas de nada lhe valia.


O Oliveira (vaguemestre), eu, o Lisboa e o El Gonzalez, ainda periquitos em Ingoré

Bateu-me à porta. Hesitei, porque o Paraquedista não era flor de bom cheiro. A forma de ser e estar na vida deste homem não me convidava a uma relação amistosa, mas aceitei o desafio.

Após várias insistências de minha parte, atirou, enraivecido, a aliança do camarada para o chão, rosnando que se ele lhe repetisse a cena, nunca mais lhe devolveria o anel.

Naturalmente que o Lisboa se aproximou de mim numa relação de camaradagem de quem está longe dos seus e encontra um amigo.

Seu irmão mais novo, cerca de um ano depois, também foi parar à Guiné. Estavam ambos em zonas de elevado grau de guerrilha. Nas matas do Boé ou para os lados da mata do Cantanhez, o diabo que escolhesse.

Um dia soube-se do desastre de Cheche no Corubal (*), quando se procedia à retirada da Companhia que se encontrava em Madina do Boé. Quando apareceu a listagem dos mortos neste drama, houve alguns curiosos que foram ler os nomes na expectativa de localizar alguém conhecido, suponho.

- Ouve lá oh Lisboa, está aqui um gajo que deve ser o teu irmão, pelo nome …

Era mesmo. Calculem o estado em que ficou o pobre do Lisboa. O seu irmão morrera afogado no Rio Corubal, uns dias antes, quando integrava a Companhia que fora apoiar a retirada dos mártires de Madina do Boé.

De quem se havia de lembrar o rapaz, para desabafar as mágoas, do Teixeira.

Momentos dolorosos que acompanhei de perto e que me abalaram profundamente. Com ajudar numa situação destas ? Que soluções para mitigar a dor, a quem não tinha pais e agora via desaparecer o irmão?

Eu sabia que havia uma Lei que possibilitava aos mobilizados que tivessem irmãos na guerra, serem desmobilizados, desde que o requeressem por escrito.

De imediato fiz seguir um requerimento para o Comandante Chefe. Uns dias depois chegou um rádio a dar instruções para o Lisboa seguir de imediato para Bissau com destino a Lisboa. Nesse mesmo dia a DO do correio passava. Foi só reservar o lugar e o Lisboa nem teve tempo de se despedir.

Boa sorte Lisboa, te desejei e continuo a desejar, sem saber por onde andas.
Zé Teixeira
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3671: Estórias do Zé Teixeira (34): O meu conto de Natal (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Notas de L.G.:

(*) Sobre o desastre do Cheche, no Rio Corubal, no âmbito da Operação Mabecos Bravios, e sobre Madina do Boé, vd. os postes publicados no nosso blogue (1ª e 2ª série):

17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)

2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)

3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins)

12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)

Guiné 63/74 - P3766: Blogoterapia (85): Para que a História seja verídica (José Martins)

1. Mensagem de José Martins, ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, com data de 16 de Janeiro de 2009

Boa tarde

Parece que estamos numa boa altura de fazer uma breve análise sobre aqueles que estiveram na Guiné e que pretendem que, antes de mais, a HISTÓRIA SEJA UM FACTO VERIDICO.

Se observarmos três números que se encontram no nosso blogue, temos:

Número de membros: 293
Número de visitas: 894.941
Período de tempo: 4 anos

Façamos a contabilidade:

Número de visitas, a dividir por 4 anos, a dividir por 365 dias, teremos 612,945 visitas diárias em média.

Número de visitas diárias a dividir pelo número de membros, resulta 2,09 visitas membro/dia.

Destes números se infere que somos uns fanáticos e visitamos duas vezes o blogue por dia, mas...

1. O número de membros tem vindo a crescer exponencialmente e, muitos deles não fazem visitas diárias. Eu, por exemplo, se num fim de semana não tiver que abrir o computador, aguardo por outro dia. Nas férias, estou mesmo de férias, nem tenho o PC próximo de mim.

2. O número de membros indicado não é um número médio, é o número actual.

3. Não acredito que um fanático esteja sempre a entrar na página para contar entradas. Se é fanático deixa a página aberta o dia todo, faz refrescamentos e vai lendo.

4. Resultado a que quero chegar: Não são só os membros que nos/se visitam. Mais alguém, como nós bem sabemos, visita estas páginas para consulta, curiosidade, estudo e mais não sei quantos motivos.

5. Prioridades: Que este blogue ou outras páginas, incluindo as dos jornais, reflitam, de facto, a verdade por mais crua que ela seja. Só desta forma podemos dignificar aqueles que, agora, já não nos podem ajudar a contar A VERDADE. Será que temos de organizar uma manifestação e, já agora, sessões de esclarecimento para que elucidemos todos aqueles que escrevem sobre a guerra, que tenham um pouco de pudor nos seus escritos, não fazendo das suas experiências FADOS DOS COITADINHOS e obter a comizeração de quem, também, não estando ao corrente de certos factos, deles faça heróis.

6. Por mim, já tive os meus 5 minutos de Glória ao servir o País. Por acaso, quem esteve na Guiné dois anos completos, teve 420.480 minutos de dor e sofrimento. Deixem de nos contar histórias, contemos é a verdade.

José Martins
__________

Notas de CV:

Vd. último poste de José Martins de 14 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3738: Recortes de Imprensa (13): A minha Guerra - José Paulo Pestana, Correio da Manhã, de 4/1/ 2009 (José Martins)

Vd. último poste da série de 22 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3661: Blogoterapia (84): Vai-te embora, tuga dum carago! (José Teixeira)

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3765: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (7): A visita do General Spínola

1. Novo episódio da história da CCAV 8351, enviada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gamada da CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74, em 11 de Janeiro de 2009.


ABRIL DE 1973

Se ainda se lembram, terminei o último capítulo da história da minha Companhia com o relato de um ataque ao arame no dia 9 de Abril (*), a um arremedo de aquartelamento que era o Cumbijã: duas fiadas de arame farpado, quinze ou vinte tendas de campanha, valas para protecção de eventuais ataques e uma cozinha de campanha.

Todos os pedidos dirigidos ao Batalhão no sentido de tornarem a vida menos difícil aos Tigres esbarravam num muro de silêncio, eventualmente por não disporem de quaisquer meios para nos ajudar na construção de condições que nos permitissem viver com um mínimo de dignidade humana, até porque a engenharia começava a fase mais difícil da construção da estrada.

Tomámos então a decisão de construirmos nós próprios as nossas instalações.
Em Roma sê romano, na Guiné sê guineense.

Começámos por amassar o barro com os pés, dávamos a essa massa a forma de blocos que secavam durante uns dias ao sol e as primeiras paredes começaram a ser levantadas. Era fundamental ter um posto de comando bem perto da toca das transmissões, que era um buraco cavado no chão pela Engenharia, coberto por troncos de palmeira, por sua vez tapados por barro e finalmente cobertos com uma montanha de terra.

Foi pelo Posto de Comando que iniciámos as nossa obras. Tenho duas fotografias que mostram o esforço dos meus companheiros, que anexo, relativamente às quais peço lhe sejam dadas o devido relevo, pois quero salientar o sacrifício desta malta que depois de vir do mato da protecção à estrada, ou da coluna diária a Aldeia Formosa ainda tinha uma horita de trabalhos forçados para fazer já não sei quantos blocos por dia. Presto a minha singela homenagem a toda a Companhia, nas pessoas aqui retratadas.

Amassando blocos para a construção das futuras instalações

Amassando após o regresso da coluna a Aldeia


Visita do General Spínola

No dia 14 de Abril, mais uma vez recebemos a visita do General Spínola.
Parei este texto neste parágrafo, vai para mais de quinze dias. Problemas da vida pessoal, mas fundamentalmente o medo de não saber expressar, ou fazê-lo de forma menos correcta, os sentimentos acerca do General Spínola, homem controverso que suscitou, e pelos vistos continua a suscitar, sentimentos de amor e desamor, tão depressa acusado como louvado, que na guerra tentava encontrar soluções ou pela via diplomática junto de Shengor, ou invadindo países vizinhos, como aconteceu com a Operação Mar Verde, autor de Portugal e o Futuro (mais vale tarde que nunca), abandonando o Guileje ou pelo menos não lhe dando hipóteses de uma defesa racional, recusando o convite de Marcello Caetano para ministro do Ultramar em finais de 1973, recusando-se também e juntamente com o General Costa Gomes a fazer parte da Brigada do Reumático que foi prestar vassalagem a Caetano. Este homem, que foi também o primeiro Presidente da República após o dia da libertação – 25 de Abril de 1974 - este homem heterodoxo, será no decurso da história que vou escrevinhando acerca da minha Companhia, analisado apenas e só através de um discurso substantivo que se limitará a descrever a vivência que os Tigres do Cumbijã com ele tiveram.

No dia 14 de Abril de 1973 recebemos então a visita do General Spínola.
Recordo-me da primeira pergunta que me fez:
- É do quadro ou miliciano?
Recordo-me da resposta imediata e eventualmente atrevida que lhe dei:
- Neste buraco?… Sou miliciano.
Vi nele o esboço de um sorriso, seguido de nova questão:
- Falta-lhe alguma coisa?
- Tudo!
- Tudo o quê?

Seria fastidioso continuar esta conversa em discurso directo, pelo que os meus camaradas e amigos que são conhecedores das condições desumanas em que vivíamos, facilmente adivinharão o que durante alguns minutos lhe fui solicitando: cimento para construirmos casernas, chapas de bidão cortadas, apoio da Engenharia para que as coisas andassem mais rapidamente, arcas frigoríficas a petróleo pois não tínhamos direito a uma cerveja fresca, um gerador e obuses, já que o apoio da artilharia quando éramos atacados nos era dado ou por Mampatá ou Aldeia, não tenho a certeza. A sua resposta ficou célebre entre os Tigres:
- Terá tudo isso na próxima LDG. Os obuses já estão tratados, o resto, repito, chega a Buba na próxima LDG, incluindo as arcas frigoríficas, nem que tenha de as ir buscar à messe dos oficiais de Bissau.

A parte final da frase obviamente era escusada, mas não imaginam a alegria que todos os soldados, e não só, sentiram ao ouvi-la. O General Spínola era exímio neste tipo de tiradas e nunca o ouvi a recriminar nenhum soldado, mas vi-o zangado com um grande do quadro, utilizando por várias vezes no seu discurso a palavra que imortalizou Cambronne, apesar da minha presença. Visitar-nos-ia ainda em Nhacobá, mas aí não houve tempo para discursos.

Só quero acrescentar que na LDG seguinte o prometido chegou!

O Vasco posando junto ao recém - chegado obus 10,5

O General Spínola e o Vasco, de costas,  em pleno aquartelamento

Da esquerda para a direita: Alf Abundâncio, Cap Vasco da Gama, General Spínola, Cap Malheiro da CCaç 3399,  de Aldeia, o sr. Comandante do Batalhão de Aldeia Formosa, BCaç 3852

Interrogatório do Comandante em Chefe

Interrogatório do Comandante em Chefe

Interrogatório do Comandante em Chefe

Partida do General Spínola


Até finais de Abril e diariamente, tivemos sempre dois Grupos de Combate a construir o destacamento, enquanto dois outros pelotões realizavam também diariamente patrulhamento e picagem na zona do Cumbijã, ou iam a Aldeia buscar os géneros para dois ou três dias ou escoltavam a coluna Aldeia – Buba - Aldeia.

O destacamento começava a ter construção de blocos e cimento. Cada Grupo de Combate teria em meados de Junho a sua caserna, onde, separados apenas por uma parede, dormiam também o alferes e os furriéis de cada Pelotão.

A adopção desta distribuição custou-me uma espécie de reprimenda de um dos comandantes do Batalhão de periquitos que entretanto havia chegado a Aldeia Formosa – BCaç 4513 - e esteve durante algum tempo em sobreposição com os já velhinhos do BCaç 3815. É verdade amigos, Aldeia durante algum tempo teve dois batalhões, para além da excelente CCaç 18. Obviamente que a distribuição do pessoal permaneceu como o Gama entendeu, e palavras como promiscuidade e outras que tais não tinham razão de ser, pelo menos para mim. Findo que seja um jogo de xadrez peões, cavalos, torre e rei voltam todos para a mesma caixa.

Para terminar Abril apenas mais um embrulhanço de morteiro 82 sem qualquer consequência.

Com os obuses veio a sua guarnição composta de negros enquadrados por um cabo, um furriel e um alferes, todos eles brancos…

Rapidamente os negros começaram a construir as suas moranças, das quais, felizmente possuo uma fotografia que um antigo camarada meu, o ex-cabo e sempre amigo José Carlos Faria dos Santos, me enviou.

O Zé Carlos, que aparecerá em duas ou três fotografias que abaixo vos mostro, era um homem sem medo tanto com a sua bazuca ou como apontador de dilagrama e era também um daqueles desenrascados sempre pronto para uma partida mas também para ajudar o seu amigo.

Um belo dia, numa das deambulações que fazia pelo acampamento, deparei por detrás das moranças dos camaradas da artilharia, mesmo junto ao arame, com uma bela horta, que se pode ver na foto devidamente identificada. A horta, obviamente, era da autoria do Zé Carlos.

Vê lá, Zé Carlos, que ao fim de trinta e sete anos vou mostrar a centenas de pessoas que vão acompanhando o nosso blogue a tua horta. O Zé que hoje habita para os lados de Torres Novas, é um bom amigo com quem me vou encontrando; é pai de três filhos, um engenheiro, outro sargento da Armada e outro estudante no ensino superior. Ele foi o grande impulsionador dos encontros da nossa Companhia e todos os anos sobe ao palco para dizer uma versalhada, que eu julgo ser sempre a mesma, pois por essa altura já os vapores etílicos tomaram conta da maior parte de nós.

Para ti e para os nossos camaradas e amigos que moram ao pé de ti, o Felício e o Félix, vai um abraço amigo e solidário.

Prefiro ficar por aqui, pois o mês de Maio, sem dúvida o mais negro, não se enquadra nesta forma despreocupada com que hoje termino.

Zé Carlos no posto de vigia voltado para Nhacobá

A célebre horta do Zé Carlos

Zé Carlos em pose com a sua bazuca

Fotos e legendas: © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3675: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (5): Ocupação do Cumbijã e construção das instalações

INAUGURAÇÃO OFICIAL DAS INSTALAÇÕES
Ia o dia nove de Abril quase no fim, quando os Tigres sofrem um ataque a parecer bem. Era a primeira reacção do PAIGC à construção do acampamento. Os dois Gr Comb que então se encontravam no Cumbijã são confrontados com um ataque violentíssimo de morteiro 60, RPG7, RPG2 e armas ligeiras, tendo mesmo o grupo IN tentado o assalto. O primeiro disparo de RPG2 destruiu por completo uma tenda de campanha, tendo-nos causado oito feridos. Ripostámos forte e feio, e dizem-me alguns soldados que viram integrados no grupo que veio ao arame dois brancos. Vale o que vale… mas que foi muito duro para os dois GCOMB foi. Mas as entradas ali não eram permitidas… só pela porta de armas, que não havia. Os feridos, suponho que todos eles ligeiros, foram de seguida para Aldeia Formosa.
(...)

Vd. último poste de série de 4 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3697: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (6): Aditamentos (Vasco da Gama)

Guiné 63/74 - P3764: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (16): As CCAV 8350 e 8351: Tão perto e tão longe (Vasco da Gama)


Os resultados finais da sondagem nº 10, em que se pedia ao leitor do blogue para mostrar a sua concordância ou discordância em relação à proposição "A posição de Guileje era tão defensável como a de Guidaje ou Gadamael, [pelo que] a decisão de retirar em 22 de Maio de 1973 foi um erro"... 

De acordo com o gráfico acima inserido, (i) mais de 48% dos total dos respondentes (n=124) manifestam-se contra a decisão de retirar, (ii) menos de 20% não tem opinião e (iii) os restantes 32% são os que discordam da afirmação, ou seja, por exclusão de partes, que a posição de Guileje era indefensável e que a decisão do comandante do COP 5 foi correcta...

Como todas as sondagens que temos feito no blogue, esta vale o que vale, tem apenas uma intenção didáctico-pedagógica, destinando-se a: (i) fomentar a participação dos bloguistas; (ii) incentivar a produção de opiniões (fundamentadas) sobre temas que interessam aos amigos e camaradas da Guiné, reunidos neste blogue; e, não menos importnte, (iii) afirmar os nossos valores de respeito e tolerância face a divergências de opinião e de percepção da realidade... 

Não tem, de facto,  qualquer valor 'científico' no sentido em que não permite fazer generalizações para um universo (de resto, desconhecido) de quem nos lê e visita, nem predizer o que quer seja... É um pequena amostra, de conveniência, em que 124 bloguistas (alguns dos quais podiam, teoricamente votar duas ou mais vezes, em dois ou mais computadores diferentes...) disseram o que pensavam sobre a questão que lhes era posta sobre a defesa e a retirada de Guileje (*)...

Um questão já de si complexa e mal formulada, uma evz que continha pelo menos duas afirmações (explícitas): (i) A posição de Guileje era defensável; (ii) a decisão de retirar foi um erro... Parece haver aqui uma sofisma, permitindo abusivamente tirar outras conclusões precipitadas, e pior aindam, fazer juizos de valor sobre comportamentos... Se a posição era defensável e  foi um erro a retirada, shame on you!... 

Reconheço que não podemos brincar com o fogo: aplaudo aqueles que, não tendo informação suficiente ou não querendo "tomar partido", responderam honestamente: "Não tenho opinião" (n=24). De qualquer modo, obrigado a todos pela participação neste jogo-armadilha... Obrigado ao nosso camarada Vasco da Gama pelas oportuníssimas críticas metodológicas que ele me fez... Os professores também são capazes de aprender com os erros, se souberem ser avaliados pelos seus pares e... pelos discentes.... (LG)

Imagem  : © 
Luís Graça & Camaradas da Guiné> (2009). Direitos reservados 




1. Mensagem de 11 de Janeiro de 2009, enviada pelo Vasco da Gama, residente na Figueira da Foz (ex-Cap Mil da CCAV 8350, Os Tigres de Cumbijã, 1972/74) (**):


Já o disse, mas não me importo de o repetir, o melhor que me aconteceu nestes últimos anos, para além dos triunfos pessoais dos meus familiares e amigos, foi ter sabido da existência da Tabanca Grande, que me vem proporcionando reencontros admiráveis, que me deu a conhecer camaradas novos que se tornaram velhos amigos em curto espaço de tempo, que me proporciona a leitura de textos magníficos tanto em prosa como em poesia, que me dá a oportunidade de chorar com alguns relatos de camaradas, ou comover-me com escritos que alguns mais inspirados dão à estampa sobre as nossas mães ou sobre as nossas mulheres, isto é para mim a Tabanca,com cujos princípios previamente definidos eu me identifico em absoluto.

Como penso ser do conhecimento do camarada coronel Coutinho e Lima, este seu atrevido amigo lá vai escrevinhando algumas palavras, para que a história da minha Companhia de Cavalaria 8351, irmã da sua CCav 8350, fique também registada, até porque era minha obrigação dedicar algumas horas aos Tigres que comigo conviveram e sofreram no braseiro da Guiné.

Não era minha intenção escrever-lhe nesta altura, tanto mais que a história que, como disse, vou escrevinhando, apenas no próximo capítulo entrará no horribilis mês de Maio que se abateu com grande intensidade sobre os meus Tigres do Cumbijã, e com muito maior intensidade sobre os seus Piratas do Guileje.

Haverá alguma relação no brutal aumento de ataques, emboscadas, minas, que ambos sofremos? Não sei! Aliás, afirmo-o peremptoriamente que, como comandante de Companhia, nunca tive,  da parte dos superiores do quadro permanente, informação ou ensinamentos que me permitissem relacionar a actividade da minha Companhia com o que quer que fosse. Não havia qualquer ligação entre os diferentes actores no teatro de operações. Embosque ali, assalte acolá, mine a bolanha.

Estou em Maio de 1973 com sete meses de Guiné e ainda não sei se vou ficar no Cumbijã... Adiante..

Escrevo-lhe hoje, pois fui alertado pelo meu camarada e amigo Juvenal Amado que haviam sido colocados insultos à sua pessoa, comentários anónimos, esses sim, o apanágio da covardia, que obrigaram o nosso comandante Luís Graça a exercer o seu veto.

Apenas conheci o coronel no lançamento do seu livro que já li e vou voltar a ler. Nada lhe devo, nunca me fez nenhum favor, condições que me permitem, creio, emitir uma opinião isenta.

Começarei apenas por referir, ao camarada Luís Graça,  que não vi qualquer utilidade na postagem no nosso Blogue do inquérito sobre a Retirada do Guileje, tanto mais que a votação final não foi objecto de qualquer análise científica, nem foram indicados quaisquer objectivos do mesmo.

No entanto, este tipo de inquérito permite que pessoas possam, sem dispor de quaisquer elementos, julgar e condenar em praça pública alguém que, abandonado por quem tinha o dever de o apoiar, sofreu e de que maneira quando teve de tomar a decisão, sofreu na prisão, e sofreu durante todos estes anos que teve de suportar o fantasma que por certo carregou.

Perdoem-me os que pensam de outra forma, mas só quem viveu os acontecimentos é que tem direito a uma opinião formada! Louvo a sua coragem, coronel Coutinho e Lima, ao ter desenterrado o problema do Guileje com a publicação do seu livro, pois ao fazê-lo, fez jus ao traje de Homem Grande, pois o homem sábio busca a libertação das suas preocupações e sofrimentos.

Um abraço do camarada que lhe abre as portas da sua Tabanca quando passar pela Figueira.

Vasco da Gama

____________

Notas de L.G.:

(*) Vd.  poste de 
19 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3760: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (15): A minha homenagem aos que viveram a Guerra da Guiné. (J. Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P3763: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (1): Adeus, Guiné / É o fim do castigo, / Terminou a comissão... (Luís Dias)

Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Aspecto do Edifício do Comando após o tornado de 25 de Abri... de 1971 . A maior parte dos militares portugueses não estava famializarizado com as bruscas tempestades tropicais, nem menos preparado para suportar o calor e a humidade do território... (LG)

Foto: Fernando Barata (2007). Direitos reservados.


1. Recolha de Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), e membro da nossa Tabanca Grande:

ADEUS, GUINÉ (*)

É o fim do castigo ,
Terminou a comissão,
É necessário gritar
Piras! Não venham,
Deixem isto acabar,
Morrer de tédio,
Sem remédio.
Isto é vida de cão,
A velhice vai embora
Enquanto a bajuda chora
E a nau está a naufragar.

Adeus Guiné!

Grita se quiseres,
Se te apraz.
Se te sentes feliz,
Se isso te satisfaz .
Eu não quero continuar de verde-claro,
Saí do Dulombi!
Deixei Galomaro!
Sofre-se porquê?
Se não mereces tal sacrifício
Ou é apenas vício?
Tu não sabes o que andas a fazer
ou afinal até sabes….!
Espero que de mim
só leves suor e muitas lágrimas.
Cheira bem, cheira a Lisboa!
Aqui o tempo está parado,
Lá parece que voa.
Sabes como é,
Tudo é finito.
Assim, solto meu grito,
Ponho-me de pé.
Atraca o navio.
É hora de embarque.
Viro as costas ao cais,
Aqui não volto mais,
Não há lágrimas em destaque.

Adeus, Guiné!

[Fixação e revisão de texto: L.G.]

____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. blogue Histórias da Guiné 71-74 > CAÇ 3491 - Dulombi > 8 de Julho de 2008 > História do regresso


Este blogue pretende ser um "espaço de confraternização para todos aqueles que, como combatentes, tiveram de percorrer as matas, as bolanhas, as picadas e os rios da Guiné, entre Dezembro de 1971 a Março de 1974" e propoe-se, em especial, "invocar aqui a história e as 'estórias' dos elementos da CCAÇ 3491, aquartelados em Dulombi e também em Galomaro. Fomos dos últimos combatentes do denominado 'Império Português'.

Vd. também o poste no nosso blogue > 8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos (Luís Dias)


(...) "No dia 28 de Março saímos do Cumeré em direcção ao Porto de Bissau, com o pessoal da companhia a cantar canções do Cancioneiro do Dulombi e da Tecnil e músicas populares portuguesas, em que se destacava aquela do 'Cheira bem, cheira a Lisboa'…O embarque no navio Niassa deu-se sem quaisquer peripécias, a não ser o costume do amontoado de pessoas e bagagens nos porões, onde as praças seguiam 'empilhados' – péssima maneira de estimar quem dera o coirão pela Pátria. (...)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3762: Fauna & flora (14): O que nós comíamos sem saber (Manuel Rodrigues, ex-Fur Mec, CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74)

Guiné > Região leste > Bambadinca > O Alf Mil Dias (CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74) em cima de uma Daimler do Pel Rec Daimler

Guiné > Região leste > Bafatá > Passeio de jipe por Bafatá, em 1973. O Alf Mil Luís Dias (CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/1973) em frente à Fonte Pública local, de 1918.

Fotos: Blogue de Luís Dias > Histórias da Guiné >CCAÇ 3491 (Dulombi e Galomaro, 1971/74) (com a devida vénia...)


1. Mensagem de Manuel António Lobo Rodrigues, ex-Fur Mec da CCAÇ 3491 (Dulombi e Galomaro, 1971/4)


Assunto - O que nós comíamos sem saber! (*)

Em Galomaro, havia um único restaurante, que ficava à esquerda, um pouco antes do quartel, na estrada Bambadinca-Dulombi, parte de terra batida.

A CCAÇ 3491 fazia o seu normal reabastecimento em Bambadinca e Bafatá. Como fazíamos a picada à saída e por vezes à entrada, tínhamos, pelo menos alguns, no mesmo dia de ir a Bambadinca e Bafatá, e nem sempre havia tempo de comer em Bafatá.

No regresso ao quartel, alguns paravam no dito restaurante de Galomaro, que servia bifanas, acompanhadas de umas bejecas, claro.

Já tinha ouvido falar pelos condutores, geralmente bem informados, que não era carne de vaca nem de porco, como dizia o dono do restaurante, mas sim de macaco cão.

Um dia à noite, quando bebia vinho de palma, e assistia, impressionado, a ver um nativa já de idade avançada a comer piripiri, como nós comemos tremoços, fui surpreendido, por nativos que mostraram diferentes caveiras.

Segundo os nativos, as caveiras mais parecidas com o ser humano na região de Galomaro eram as do macaco cão.

As bifanas que o dono do restaurante fazia passar por carne de porco ou vaca, também eram de macaco cão. Segundo os nativos, as dos outros macacos era intragável, e porcos, poucos havia, já que a influência Balanta na região era reduzida.

A etnia Balanta criava porcos, a etnia Fula, predominante na região, provavelmente por influência Árabe não criava porcos, cuja carne é proibida pelo Corão.

Passei a parar lá só para beber cerveja, já que fora do quartel não havia mais nada onde beber, o calor e por vezes a fome, apertavam sempre muito.

Anel, Ex-furriel mecânico da CCAÇ 3491, BCAÇ 3872 (**)

Portugal, dezoito de Janeiro de 2009

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 19 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3758: Fauna & flora (13): Macaco cão a ladrar, gente do PAIGC a chegar (Joaquim Mexia Alves)

(**) Luís Dias, membro da nossa Tabanca Grande, também pertenceu à CCAÇ 3491. Vd. postes de:

5 de Julho de 2008> Guiné 63/74 - P3022: Tabanca Grande (78): Luís Dias, ex-All Mil da CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro (1971/74)

Vd. também o poste de 22 de Abril de 2007 >Guiné 63/74 - P1686: Fichas de unidades (1): BCAÇ 3872, CCAÇ 3489, 3490 e 3491 (Sector L5, Galomaro, 1972/74) (José Martins)

Guiné 63/74 - P3761: Efemérides (14): 19 de Janeiro de 1971, estrada Bula-S. Vicente...(António Matos)

38 Anos de saudade, meus caros!

Mensagem de António Matos
, de 19 de Janeiro de 2009

Há precisamente 38 anos (19/01/1971), o dia começava como muitos outros, soalheiro, bonito demais para ser carrasco dum grupo de jovens que se viram envolvidos numa guerra que não compreendiam, que não alimentaram, e na qual se envolveram por determinação nacional.
Não se lhes perguntou se queriam defender algo que não conheciam e nem sequer sabiam os fundamentos que justificavam aquela guerra.
Eram jovens meninos, "teenagers" numa grande maioria, com sonhos de quem tem uma vida pela frente de projectos concebidos a solo ou a dois ou a muitos...

Fazem hoje 38 anos que os nossos camaradas José Maria Cabral Tavares (furriel), Diniz Pimentel Carvalho e César Vieira Andrade (soldados) viram as suas vidas ceifadas numa brutal emboscada na estrada Bula – S. Vicente.

Eu era o alferes daquele pelotão e quis o destino que nesse dia estivesse hospitalizado em Bissau por via duma duodenite que ameaçava degenerar em úlcera e passei incólume àquele tiroteio.
Já o mencionei neste blogue e volto a fazê-lo ser minha convicção que tal acidente teve a dimensão que teve porque, desgraçadamente, eu não estava presente.
Sinto que as mais elementares regras de segurança que eram apanágio daquele grupo de combate não foram seguidas por vicissitudes várias, o que deu de mão beijada aos emboscados as condições ideais de flagelarem e massacrarem aqueles homens.
Não me sinto possuído pelo síndroma pós-traumático da guerra mas convivo mal com o acaso daquele dia.

Passa hoje mais um aniversário de saudade daqueles que partilharam connosco uma agradável companhia desde os Açores até à Guiné e que tiveram na CCaç 2790 a sua casa, o seu ombro amigo, o conforto ou a advertência que o dia-a-dia ditava.
Estejam onde estiverem, estejam bem! Sereis sempre uma referência e uma bandeira que não nos deixará esquecer aqueles tempos!

Nem só de Guileje viveu a guerra da Guiné! E heróis houve-os nas mais insignificantes situações!
Nos mais miseráveis e recônditos buracos desabrocham estórias dum dramatismo incomensurável que a morte, só por si, deveria fazer erguer monumentos individualizados a cada uma das vítimas! Mesmo que nesses sítios não tivessem emergido escritores que transpusessem para livro tais epopeias!

Camaradas ex combatentes da Guiné,
Camaradas da CCaç. 2790,

Um grande abraço e votos de bom 2009 a todos!

António Matos
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Notas de vb:

1. António Matos, ex-Alf Mil da CCaç 2790/BCaç 2928

2. Último artigo da série em

Guiné 63/74 - P3760: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (15): A minha homenagem aos que viveram a Guerra da Guiné. (J. Mexia Alves)

A "Retirada de Guileje"


Mensagem do J. Mexia Alves




Caros camarigos


Tenho lido com atenção todos os textos sobre a “Retirada do Guilege” e sobretudo este último do José Dinis, levou-me a pensar na dificuldade de analisarmos “friamente” o facto em discussão.
Com efeito a “Retirada do Guilege” tem um rosto, e esse rosto tem um nome que é o Coutinho e Lima.
Mas esse rosto é de todos nós conhecido, e está presente na nossa mente, nas nossas vidas quando pensamos no assunto.
Almoçámos com ele, falámos com ele, confraternizámos com ele, e sendo uma pessoa sem dúvida simpática e afável, sabendo nós que tem a sua família que preza como nós a nossa, é-nos muito difícil analisar uma decisão que tomou sem pesarmos nas nossas consciências o mal ou o bem que podemos fazer a essa pessoa que conhecemos.
Por isso mesmo, embora reconheça como muito difícil a tarefa, para analisarmos verdadeiramente a “Retirada do Guilege”, segundo a minha perspectiva, temos de nos “afastar” desse “rosto” e analisarmos os factos, as suas consequências e a decisão tomada.

O exercício que vou tentar fazer é com certeza, muito incompleto, provavelmente errado, talvez não totalmente isento (mas quem o é verdadeiramente), mas decidi fazê-lo, mais como pensamento para mim, mas que coloco à disposição de todos.
Em primeiro lugar parece-me que não podemos analisar uma situação destas de guerra, com o pensamento nas vidas humanas que se poupam ou se perdem.
Quer queiramos quer não, na guerra perdem-se vidas humanas e por isso mesmo a guerra deveria ser inadmissível entre seres que se dizem inteligentes, e aquela que travámos toda a gente o sabe, foi em certa medida uma guerra inútil e em muitas facetas injusta.
Porque se nos servimos das vidas humanas poupadas, temos desde logo que pôr em causa tantas decisões tomadas ao longo da guerra, mormente a resistência em Guidaje ou Gadamael.
Mas aí está, tendo como finalidade da guerra a vitória sobre o “inimigo”, a verdade é que em Guidage e Gadamael ganhámos e em Guilege perdemos, mesmo tendo em conta a hipótese avançada pelo Mário Fitas da retirada estratégica, porque pelo que percebemos ela nunca esteve no horizonte da decisão tomada.

Ao falarmos em Guidaje e Gadamael, temos de nos perguntar quais eram as suas guarnições em termos de unidades militares quando começaram essas duas batalhas específicas e quanto tempo demoraram a chegar os reforços, ou seja, quanto tempo se aguentaram com a “prata da casa”.
É que ao lermos o desenrolar dos acontecimentos em Guilege tudo se resolve muito depressa com a decisão da retirada.

Mas vamos a outros factores, que vou enunciar, tentando não fazer julgamento dos mesmos.
Logicamente não serão os únicos, mas são os que me ocorrem.
Por aquilo que nos é dado a conhecer, cito o post 3737:

“Desde 6 de Maio que os GC do Guileje não efectuavam qualquer saída do quartel (excepção à tentativa de coluna a 18Maio), o que os deixou sem uma segurança avançada e sem saber o que se passava para além do arame farpado”, não mais a tropa voltou a sair para a mata, nem para reconhecimentos rápidos da envolvente do quartel.
Ora uma das primeiras coisas que é ensinada aos comandantes das unidades em quadricula, é a importância de manter patrulhamentos constantes à volta dos quartéis, não só para controlar o inimigo, mas para defender exteriormente a unidade afastando o s possíveis ataques ou “golpes de mão”.
Quando não procedemos como nos é ensinado, acabamos por dar ao inimigo a liberdade territorial que lhe permite aproximar-se do quartel, flagelá-lo e até tentar um possível “golpe de mão”.
Há exemplos na Guiné como sabemos.
Pequenas unidades, como Pel Caç Nat, estacionados em destacamentos, por vezes extremamente isolados, e em zonas de guerra, não deixavam de sair duas a três vezes por semana para garantirem essa segurança, apesar de tudo efémera.
Estas saídas não dependem da vontade dos subordinados, logicamente, mas dos comandantes respectivos, em último lugar do primeiro comandante do aquartelamento.

Outro facto, tal como é relatado:

"Guilege (sic) pretendia que se bombardeasse todas as matas em redor do aquartelamento. Ao ser-lhe perguntado por que razão não utilizava a artilharia, reportou que procedia desse modo a fim de não referenciar a posição do quartel!” Post 3752
Para que serve a artilharia se não é utilizada?
Se o quartel está cercado, então a sua posição é perfeitamente conhecida, portanto não tem razão de ser este argumento.
Outra razão haveria, com certeza, mas que não conhecemos.
Sabemos bem como muitos comandantes se “batiam” para terem às vezes apenas e tão só uns morteiros 81 nos seus aquartelamentos, quanto mais obuses 14.
No Xime, cito porque conheço, os ataques eram sempre respondidos com a artilharia e não foi por causa disso que o quartel estava mais ou menos referenciado.
Julgo que a utilização dos obuses 14 poderiam ter sido um forte efeito dissuasor.

Outro ainda:

«A meu ver por falha do QG Bissau que até essa data, e ao contrário do que se passava em Guidaje, não autorizava a FAP a ir ao estrangeiro, e igualmente por falha do Guileje, que já não era capaz de indicar de onde tinham partido os ataques, limitando-se a afirmar “bombardeiem todas as matas à volta do quartel”. Post 3737
Não há dúvidas que existe uma falha do QG em Bissau, porque com certeza um bombardeamento da artilharia do PAIGC estacionada além fronteira aliviaria em muito a situação do Guilege.
No entanto e também a resposta dada (que não pode ser assacada a quem a transmitiu, mas a quem a ordenou), aos pilotos dos aviões por parte do Guilege revela um desconhecimento da situação e uma certa desorientação.
Sem referências específicas, os pilotos limitaram-se a largar bombas na mata.
De qualquer modo e como nos refere o piloto: "Tendo sido lançadas 16 bombas deste tipo nas matas entre o Guileje e a fronteira, a haver tropa do PAIGC nessa área, os efeitos teriam sido devastadores", (Post 3752), os homens do PAIGC teriam de ter sofrido fortes baixas e portanto saído das imediações do quartel.

Isto leva-nos a tentar perceber como é possível com um quartel cercado, pronto a ser invadido, executar uma retirada de cerca de 600 pessoas sem haver sequer um tiro ou qualquer outro problema, até com fotografias tiradas durante a retirada.

E aqui podemos pensar que o PAIGC não o quis fazer para não provocar um “banho de sangue”.
Mas então não tem sentido não terem entrado de imediato no quartel que já sabiam vazio!
O subterfúgio do gerador ligado, só tem sentido se o inimigo estivesse longe e então não estaria a cercar o quartel.
Mas também não se percebe como é que o PAIGC iria perder a oportunidade de desbaratar uma unidade inteira que retirava com população, pelo que a sua resposta a uma emboscada seria sempre muito discutível e algo desorganizada.

Ao PAIGC, envolvido numa frente de propaganda estrangeira da qual retirava grossos dividendos políticos, seria “ouro sobre azul” mostrar uma unidade ocupada e a maior parte dos seus ocupantes, Forças Armadas Portuguesas, presos ou abatidos.
Como se compreende que, segundo relatam, o PAIGC, que cercava o quartel e portanto teria de ter conhecimento do que se passava, continuar a bombardear o quartel e só o ocupar passados três dias?
Eu pessoalmente não vejo em nenhuma das descrições feitas algo que sustente que o quartel estava irremediavelmente perdido e que portanto devia ser abandonado, mas posso estar redondamente enganado.

Repito o que disse ao princípio, ou seja, que se analisarmos a “Retirada do Guilege” pelas vidas poupadas, temos de chegar à conclusão que a maior parte das decisões tomadas durante a guerra estavam erradas.
A verdade é que a guerra, esta como qualquer outra, estava errada e por isso mesmo se perdiam e perdem vidas humanas, o que nada justifica.
Se para além disso pensarmos nas vidas que estavam no Guilege e nós conhecemos, mais difícil se torna a analisar a questão do ponto de vista militar.
As decisões são tomadas face a muitos outros factores, e para esta concorreram forçosamente outras decisões de outros centros de comando.
Tenho a minha opinião, mas não a expresso agora.

De qualquer modo, repito o que disse no inicio, este exercício que fiz, muito incompleto, provavelmente errado, talvez não totalmente isento (mas quem o é verdadeiramente), não pretende julgar ninguém (quem sou eu para o fazer), mas ajudar a pensarmos juntos numa história o mais correcta possível do que se passou no Guilege.
Porque camarigos, mesmo que se chegue à conclusão que em termos militares a retirada foi um erro, há sempre um factor de peso para a considerar uma coisa boa, que são, agora sim, as vidas poupadas.

Ao Coutinho Lima e aos homens que com ele viveram este drama da guerra da Guiné, a minha homenagem e a minha camaradagem.

E a todos o meu forte e sempre abraço camarigo.

Joaquim Mexia Alves
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