sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7134: História do BART 6523. Pequena resenha histórica (António Barbosa)


1. O nosso Camarada António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, enviou-nos em 14 de Outubro a seguinte mensagem:

Camaradas,
Como foi dito que pouco sabiam da história do BART 6523, lembrei-me de enviar uma pequena resenha histórica desta unidade.
Como podem ver são cópias da HU - Caixa 122 2ª Div/ 4ª secção do AHM -, penso que daqui poderão extrair a informação que procuravam.










 


Um Grande Abraço,
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER da 2.ª CART do BART 6523

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
Documentos: © António Barbosa (2010). Direitos reservados.

Guiné 63/74 - P7133: Descoberta do Senegal e da Guiné, pelos Portugueses (2) (Arménio Estorninho)

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381,Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 22 de Agosto de 2010:

Caro amigo e camarada Carlos Vinhal, saudações guinéuas.
Escrevendo sobre o Infante D. Henrique, enaltecendo o homem que, vencendo o poder da superstição e dai advêm o iniciar das tentativas dos seus navegantes dobrarem o Cabo Bojador, assim como, as pretendidas chegadas ao Senegal e à Guiné.

Arménio Estorninho



Descoberta do Senegal e da Guiné, pelos Portugueses (2)

Parte 2

Criara-se uma escola naquele promontório na solidão agreste de Sagres, como num laboratório secreto, ia D. Henrique recolhendo e coordenando todos os elementos que o conduzissem a um único fim o de atingir a Índia. Esses elementos eram-lhe trazidos pelos navegadores que, de cada viagem, observavam mais algum pormenor.

Foto 10 > Sagres> Promontório e seu Observatório> D. Henrique com os cartógrafos, astrónomos e especialistas. Gravura extraída de uma antiga História de Portugal, com narração até 1910.

Por isso, não custará imaginar-se quanto, sob o seu ar fleumático e inalterável, não se teria alegrado D. Henrique, quando Antão Gonçalves lhe trouxe o respeitável Adahu, um homem viajado, conhecedor do “Sara” em todas as direcções e que, ainda, por cima, falava arábico.

Tratou Adahu com toda a deferência que se deve a um cavaleiro respeitável, pois este bem mostrava em sua “contenenca” (porte) e ter a vantagem da nobreza sobre os outros ao tempo também apanhados. Interrogou-o miudamente sobre aquele Mundo de onde vinha e de cuja existência a Europa nem sequer suspeitava. Que estranhas notícias ele trouxe do interior da África misteriosa.

Adahu tinha percorrido esse deserto, o “Sara,” em todos os sentidos e falara-lhe das caravanas que cruzavam em jornadas de meses, levando e trazendo mercadorias que ninguém sabia de onde vinham, nem para onde iam, cada caravana percorria umas tantas léguas, muitas léguas de areal sem fim, desde um certo ponto, um oásis ou uma povoação perdida algures, até outro local, onde entregava os seus fardos a outra caravana que partia e se sumia no deserto ao encontro de mais outra caravana, que por seu turno, tomava a mesma carga e, embalada pela “guizalheira” monótona dos camelos, desaparecia na lonjura e no silêncio.

Mas, onde principiavam e onde acabavam essas carreiras? Havia cruzamentos e términos. Adahu citou um delas, um nome lendário que soava por vezes na Europa, mas que ninguém sabia ao certo onde ficava Tambucotu. O nobre berbere explicava que era um porto na margem do grande rio Níger que sulcava o deserto. Ali se cruzavam caravanas vindas de vários quadrantes. Só de uma vez Adahu vira uma caravana de trezentos camelos carregados de ouro. Era de entontecer, D. Henrique disse que seria o bastante para fazer de Portugal o reino mais rico da Europa.

Mas donde vinha esse ouro? Desapontamento de Adahu porque não sabia. Porém sabia a maneira como se obtinha, permutando-o com sal. Sal, uma coisa que andava quase aos pontapés pelo reino lusitano, que até exportava para o Norte da Europa.
E pensar que tão rendoso comércio estava nas mãos dos Árabes e foi o que raciocinaria

Foto 11 > Sagres> Praia da Mareta e Ponta de Sagres. Extraída da Colecção História de Portugal – Publicações Alfa, e com a devida vénia.

D. Henrique acumulava Adahu de perguntas sobre os povos que viviam para além do grande “Sara” e onde acabava este. Na Guiné asseverou o nobre cativo. Adahu descreveu-lhe essa região como sendo coberta de profundas florestas verdes, onde os homens do deserto raramente se aventuram e porquanto a selva era povoada de negros selvagens. Falou também de um grande império Mandingo de Mali, também se referiu ao Nilo, que nasce nas montanhas da Lua, onde viviam homens de cabeça de cão e cauda comprida.
Não se pode duvidar de que D. Henrique teria analisado com seu irmão D. Pedro as importantes revelações de Adahu. Ponde de lado inverosimilhanças como as dos homens de cabeça de cão e longa cauda, havia dados perfeitamente aceitáveis.

Em despeito de ser muito bem tratado em Portugal, o nobre Adahu começou a sentir grandes saudades da sua África. Era um berbere habituado à vida nómada do “Sara,” ao calor “esbraseante” e não teria em apreço as paisagens verdejantes e risonhas de Portugal. Parece que se estabelecera uma certa cordialidade entre ele e Antão Gonçalves, e, dois anos decorridos sobre a sua chegada ao Algarve, pediu ao jovem Capitão que o levasse de regresso ao rio do Ouro. Prometia indemnizá-lo e foi logo lembrado que também dois dos seus companheiros de exílio também o dariam. D. Henrique já não precisava do nobre Adahu, em dois anos, espremera dele como um limão todas as informações úteis até à última gota e a seu pedido foi-lhe concedido o regresso ao rio do Ouro. Deu uma roupa nova e vistosa a Adahu e, anuindo à proposta de Antão Gonçalves. E, com os três cativos largou de Portugal para o rio do Ouro e onde se efectuariam as indemnizações acordadas.
Chegados, pôs Antão Gonçalves o nobre Adahu em liberdade, apenas sobre palavra, pois, “dele fiava, pensando que a nobreza que mostrava seria seu principal constrangimento de não quebrar sua fé.” Os outros cativos ficaram, porém, a bordo.

Adahu internou-se tranquilamente no deserto e, uma semana depois ainda não voltara com o seu resgate. Faltara à sua palavra, traíra a sua fé. Mas Adahu não fora totalmente nocivo, porque teria avisado os parentes dos outros dois cativos, porquanto, ao oitavo dia de espera, surgiu um mouro montando um camelo branco, seguido de outros homens para ultimar o negócio.

Antão Gonçalves considerou-se muito bem compensado da perda do resgate do respeitável Adahu e regressou à Europa indo aportar a Lagos.
E ali, funcionava pela primeira vez, em Portugal, um mercado de escravos. É uma data a assinalar este ano de 1443. Ainda lá está em Lagos, o histórico local. Cheia de curiosidade por aquele espectáculo inédito, ali acorreu a população, a ver os seres estranhos. D. Henrique, montado no seu cavalo, trajando ainda o seu negro fato de luto e na cabeça o amplo chapéu com a larga fita pendente, assistia, com a sua impassibilidade habitual, ao movimento do quadro e naquele mesmo ano em que morria seu irmão D. Fernando no cativeiro, em Fez.

Foto 12 > Infante D. Henrique> Extraída do livro sobre o estudo do seu itinerário no Algarve, da Delegação do Algarve para as Comemorações Henriquinas de 1960.

Estamos no ano de 1444, D. Henrique, enviou Antão Gonçalves pela terceira vez ao rio do Ouro, e agora com fins puramente mercantis. Quando partiu na caravela, levava consigo um escudeiro de D. Henrique chamado João Fernandes e chegados ao lugar, este ai ficou na companhia dos berberes que tinham vindo fazer algum negócio.

João Fernandes ao desembarcar ficou com uma provisão de biscoito e de farinha, que os berberes apreciaram tanto que ele a cedera quase toda. Simpatizaram muito com este homem muito dado e tomaram-no à sua conta. Vestiram-lhe uma túnica semelhante às que usavam, na qual se sentiu muito divertido.

Depois de vagabundear por algum tempo pelas proximidades da costa, em companhia dos rudes pastores, apareceram-lhe certo dia dois homens montados em camelos e vinham da parte de um grande senhor Ahude Meymon, que, sabendo da sua presença naquelas terras o convidava a visitá-lo. João Fernandes muito cortês, apressou-se logo a declarar: “Bem me praz, porque hei novas que é nobre senhor e quero-o ir ver para o conhecer.”

Montados em camelos, internaram-se no deserto, percorreram léguas e léguas por aquela desolação sem fim. Finalmente chegaram ao acampamento de Ahude Meymon, que recebeu o forasteiro na sua tenda e o regalou com leite fresco.

Sabe-se que ao fim de sete meses de vagabundagem por aquelas terras, observando tudo e tudo inquirindo, regressou à costa e ao ponto de desembarque onde viriam buscá-lo. Ahude Meymon, o patriarca daquele país sem cidades, nem aldeias, dignou-se a vir acompanhá-lo. E quando, ao cabo de alguns dias de espera impaciente, João Fernandes viu surgir, enfim, ao longe no vasto oceano verde e deserto, as velas da caravela.

A chegada da caravela foi uma festa para aquela gente que nunca vira coisa assim. Ahude e seus sequazes estavam encantados. Realizou-se bom negócio. Convidados a entrar na formosa embarcação os berberes hesitaram. Exigiram reféns, para as tendas de Ahude para onde foram enviados dois portugueses e passaram todo o dia inquietos na companhia de mulheres indígenas que, na ausência dos seus homens não faziam senão lançar-lhes olhares provocantes. Mais confiantes os berberes acabaram por ir buscar as mulheres e passaram todo um dia em rija festa à portuguesa, a bordo da caravela cujas entranhas os maravilharam. Por último quando a embarcação levantou ferro, enfunou as velas ornadas da grande cruz de Cristo e se perdeu na lonjura do mar, os pastores “azenegues” ficaram a chorar por João Fernandes. Gente ingénua e simples. Como o Mundo seria delicioso, se a Humanidade fosse toda assim!
De regresso, Antão Gonçalves não se dirigiu a Lagos, como de costume, talvez por saber que D. Henrique se encontrava em Lisboa e fez rumo ao Tejo.

É preciso dizer-se, em abono da verdade, que o tráfico de escravos não era o principal objectivo das explorações marítimas em que o Infante D. Henrique se empenhara de alma e coração. Era a Índia que ele queria atingir, embora no percurso o interessasse a organização de um sólido comércio com várias regiões e a fim de obter ouro.
O que o Infante queria era que os seus mareantes fossem sempre mais além, até se encontrar a Guiné.

Nem todos os mareantes descoravam totalmente as ordens de D. Henrique. Havia alguns com outro espírito, que tinham em mais apreço a “honra” do que o “proveito”. E neste número deve-se incluir Diniz Dias. Naquele mesmo ano de 1444, ultrapassando os últimos pontos conhecidos da costa deserta e continuando a avançar sempre para Sul até que começou a “enxergar” uma linha costeira muito escura, na qual sobressaíam no horizonte duas palmeiras. Aproximou-se de terra, esta enviou-lhe uma aragem fresca e perfumada de jardim. Que maravilhosas coisas esta aragem parecia anunciar! À orla da praia acorria multidão de homens negros, que se quedavam maravilhados a contemplar aquela estranha coisa, monstro marinho e/ou gigantesca ave de asas brancas. Que deslizava airosamente ao longo da costa e que, contornando um escuro promontório, ao qual Diniz Dias pôs o nome do Cabo Verde.

Os navegadores no regresso, contando a verdade o que nem sempre acontecia e revelavam coisas fabulosas. Os papagaios, periquitos, passarinhos de bico vermelho e deslumbrantes plumagens, que as tripulações traziam e vendiam por altos preços, era a demonstração de que realmente tinham atingido regiões até então nunca vistas.

Foto 13 > Sagres> Ponta de Sagres> Extraída do Almanaque Bertrand, datado de 1934, e com a devida vénia.

Uma missão inteligente e uns caçadores caçados. Companheiros aconselham Gonçalo Cintra a retomar o batel em que desembarcaram e regressar a bordo.

E assim, também naquele ano fértil de 1444, D. Henrique incumbira um moço audacioso, Gonçalo Cintra, de navegar a partir do Cabo Verde, o ponto mais longínquo que se tinha atingido até se encontrar a Guiné e que já não devia achar-se muito longe. Depositara o Infante muita esperança em Gonçalo Cintra, “que era moço de boa estatura e de bom coração,” veio a demonstrar que era ainda mais alguma coisa o de ambicioso e de indisciplinado. Em vez de seguir sempre até à Guiné, como lhe tinham recomendado quis fazer uma diversão pelo trajecto. Desembarcou numa ilha nas proximidades do Cabo Branco, à procura de indígenas para escaramuças e ao regressarem ao batel foram emboscados por um grupo de duzentos negros e só cinco dos mareantes salvaram-se nadando para a embarcação. Grande lição de um caçador que vai à caça e é caçado! Perderam-se aquelas vidas, malogrou-se a projectada viagem à Guiné.

Foto 14 > Sagres> Fortaleza de Sagres> Exemplar de um Padrão> em 1973.

João Gonçalves Zarco, descobridor da Madeira, que, sabendo com que idealismo e sacrifício se iniciara a obra dos descobrimentos, expediu do Funchal “uma muito nobre caravela,” construída e tripulada inteiramente à sua custa. Deu o comando a seu sobrinho Álvaro Fernandes, recomendando-lhe que não tivesse respeito em outro ganho, senão ver e saber qualquer coisa nova que pudesse. Como pioneiro, Álvaro Fernandes ultrapassou em 1445, os servidores do Príncipe seus contemporâneos, após visitar a foz do rio Cenega (Senegal), dobrando o Cabo Verde e chegou às proximidades do arquipélago do Bijagós da actual Guiné-Bissau, mas, ao atingir o décimo grau de latitude, Fernandes não quis ir mais além receoso de que se lhe acabassem os mantimentos, regressou ao Funchal e daqui rumou a Lisboa da qual D. Henrique andava tão ávido de notícias.

Estamos no ano de 1446, Álvaro Fernandes fez a sua segunda viagem à Guiné. Passando pela actual Guiné-Bissau e sendo o primeiro Europeu a visitá-la, depois atingiu a maior distância até então percorrida de cento e dez léguas para além de Cabo Verde, e, talvez chegando às proximidades da actual Conacri.

Devido a um ferimento de uma flecha envenenada numa perna, o que motivou de estar em risco de vida, assim, Álvaro Fernandes regressou a Portugal. Encantado com esta façanha, o Regente D. Pedro, que seguia a par e passo o progresso dos descobrimentos, deu-lhe um prémio de duzentas dobras e o D. Henrique adicionou mais cem.

Foto 15 > Bissau> Praça Nuno Tristão> Monumento que lhe dá o nome> em 1970.

Ingenuidade branca, ingenuidade negra e mais uma tragédia.

Por esta mesma época de 1446, não admira que Nuno Tristão, um dos melhores navegantes do seu tempo, (depois de em 1445, ter navegado até às proximidades das regiões de Cenega (Senegal) e da Guiné), agora, que ultrapassada a costa árida e desolada do “Sara,” tomava os primeiros contactos com os países negros, já as viagens à África se revestiam de outra sedução.

Tendo lançado ferro na foz de um rio desconhecido (delta do rio Geba), desembarcado nas proximidades da actual cidade de Bissau e havendo a curiosidade de conhecer a África que era cada vez maior. Nuno Tristão e alguns tripulantes, fascinados pelo mistério do local, em pequenos batéis e ajudados pela maré enchente subiram esse rio maravilhoso.
A densa vegetação, que crescia nas margens e tecia sobre as suas cabeças deliciosos túneis de verdura.

Iam encantados, mas, bruscamente, partiu do fundo da selva uma chuva de pequeninas frechas (setas), aparentemente inofensivas, picando como vespas, mas molestando como víboras. Quatro tripulantes já não chegaram vivos à foz, os outros quase não tiveram forças para remar até à caravela, que os recolheu e levantou ferro em seguida. Os feridos levavam no corpo um veneno que não perdoava. Toda a tripulação se encontrava mortalmente ferida, excepto Aires Tinoco, escrivão do navio, ainda muito novo e dois pequenos pajens. Aires Tinoco, criado no ambiente de Sagres, junto de D. Henrique e por isso conhecia pelo menos em teoria muitas coisas do mar. Tomou ele corajosamente o comando do navio, coadjuvado pelos outros rapazotes traçou a rota da viagem de regresso e assim vieram velejando.

Após uma longa viagem, avistaram um navio e tremeram de susto. Podiam ser piratas mouros, que os levariam para o cativeiro em Marrocos e não havia forma de escapar.

Chegaram à fala, usaram um idioma de cristãos. O Capitão um corsário galego chamado Pêro Falcão, logo os informou que estavam nas costas de Portugal e por alturas de Sines. E levou a sua gentileza ao extremo de os pilotar até Lagos, onde se apresentaram ao Infante D. Henrique e mostrando-lhe as flechas “ervadas,” única recordação tangível daquela trágica viagem. Diz Azurara que D. Henrique experimentou grande desgosto com a morte de Nuno Tristão e seus companheiros, “porque quase os criara todos.”

Foto 16 > Guiné> Rio Geba> Porto Gole> Marco com referência de ali estar Diogo Gomes. Sendo solicitado e gentilmente cedido o seu uso, “na foto estão os amigos e camaradas ex- Alferes Jorge Rosales e o Capelão Navário, em 1964.”

Ainda no mesmo ano de 1446, o senhor Infante armou uma caravela de Lagos chamada Piconso, e fez Diogo Gomes Capitão dela, e armou também outras duas caravelas para que fossem além. E mandou que Diogo Gomes fosse capitão destas caravelas e que fossem avante quanto pudessem.

E assim passaram pelo rio S. Domingos e outro rio grande que se chama Fancaso, para lá do Rio Grande Geba e tiveram ali grandes correntes do mar, e na enchente faz grande ímpeto, o que chamam macaréu, porque então não há âncora que possa aguentar
Por este motivo outros capitães e homens deles temiam muito, julgando que era assim todo o mar além e, rogavam que voltasse.

No outro dia tomaram o caminho de regresso a Portugal, viram a grande foz de um rio, que tem três léguas de largura, onde entraram, e pela grandeza logo pensaram que aquele rio era o Gâmbia, e assim era. Os navios comandados por Diogo Gomes subiram o rio e mandou um capitão com a sua caravela para um certo porto chamado “Olimansa” e outro ficou em “Animais.” E ai subiu o rio quanto pôde, e achou Cantor, que é uma grande habitação junto daquele rio. Ai foram tomadas informações sobre o comércio em abundância de ouro, em Tambucotu, Serra Gely e Quioquum, e que ali passavam as caravanas de camelos, dromedários e asnos, levando mercadorias de Cartago ou Tunes, de Fez, do Cairo, e de toda a terra dos sarracenos levando ouro, porque ai há em abundância.

Feita a paz com os de Cantor, porque os homens se fatigavam com o calor, e assim, voltaram para procurar as outras duas caravelas. Na caravela que ficou em Olimansa encontraram 9 homens mortos e o Capitão Gonçalo Afonso bastante enfermo, e assim como outros homens. E na outra caravela, mais abaixo contra oceano 50 léguas e na qual estavam mortos cinco homens.

Foto 17 > Bissau> Praça da Amura> Monumento de Diogo Gomes> em 1970.

Saíram em direcção ao mar e foram a um lugar, onde tomaram conhecimento de um grande senhor chamado Batimansa, do lugar de Alcuzet e senhor desse país. E assim, também fizeram paz com este rei e ele ficou muito contente.
E ali soube Diogo Gomes a verdade, que todo o dano feito aos Cristãos que estavam nas duas caravelas o fizera um certo rei, chamado Nomimans, que possui a terra que jaz neste promontório.
Diogo Gomes, depois que deixou o rei da Gâmbia, seguiu caminho de Portugal, levando informações interessantes ao Infante D. Henrique.

O que o Infante pretendia era fundar um império mercantil ao longo da África, no caminho da Índia. Por isso, Diogo Gomes, velho criado muito da sua “privança,” asseverava: “O senhor Infante dizia que, para o futuro, não brigassem com aquela gente naquelas regiões, mas que travassem alianças e tratassem do comércio.
Os enviados, porém, não compreendiam o problema da mesma maneira e, sempre dispostos a responder à violência com violência, “olho por olho, dente por dente.

Contudo, episódios desta natureza já não conseguiam refrear o entusiasmo e assim, os navegadores se lançavam em novas aventuras.


Nota:
O vocabulário em português arcaico e a pontuação, foram escritos de forma que em parte estejam conforme o extraído da literatura analisada para a feitura deste trabalho. Continuando assim, a dar um certo cunho e de conservar particularidades da época.

Fontes de Bibliografias e de fotografias:
- Vitorino Magalhães Godinho, Documentos sobre a Expansão Portuguesa – Ano de 1956;
- Mário Domingues, O Infante D. Henrique, O Homem e a sua Época – Ano de 1957;
- Alberto Iria, O Itinerário do Infante D. Henrique no Algarve – Ano de 1960;
- Almanaques Bertrand - anos de 1933, 1934 e 1939.
- Outras Literaturas avulsas.

Com um Abraço,
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas
CCaç 2381, Os Maiorais de Empada
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 14 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7127: Descoberta do Senegal e da Guiné, pelos Portugueses (1) (Arménio Estorninho)

Guiné 63/74 - P7132: Notas de leitura (158): Na Guiné com o P.A.I.G.C., de Georgette Emília (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Outubro de 2010:

Queridos amigos,
Almocei ontem com o Henriques da Silva e o Duarte Silva, emprestaram-me aí uns 10 quilos de papel, graças a eles tenho leituras infatigáveis para as próximas semanas.

Comecei por esta Georgette Emília que foi até à Guiné em tempos exaltantes, para ela e para os revolucionários. É despiciendo fazer comentários, parece-me. O essencial é juntar todos estes tijolos para deixarmos uma casa onde os historiadores encontrem os múltiplos depósitos da memória.

O Jaime Machado pede-me para eu levar uma encomenda para Bambadinca; o coronel Jales Moreira quer que eu tire fotografias ao cemitério de Bambadinca, parece que a Liga dos Combatentes pretende actuar.
Por favor, não se esqueçam que levo roupa e outras coisas essenciais, livros para oferecer.
Procurarei satisfazer o vosso desejo em levar lembranças para os entes queridos.

Um abraço do
Mário


Naqueles memoráveis primeiros meses da República da Guiné-Bissau

Beja Santos

Uma jornalista, devota da ditadura do proletariado, decide ir assistir aos primeiros meses da vida da República da Guiné-Bissau e escreveu um relato que concluiu em Novembro de 1974. As reportagens valem pelo que valem, o olhar de Georgette Emília é muito útil, à distância destes cerca de 36 anos. Ela vê e procura retratar uma gesta, algo que a reconcilia ou a consola depois das divisões profundas do marxismo. Di-lo abertamente, em jeito de introdução: “Parti para a Guiné para viver de perto a experiência de uma frente de batalha contra o imperialismo, convicta da crise que irá abalar as velhas estruturas de classe na Europa… na Guiné, a luta de libertação nacional é ao mesmo tempo uma revolução social anti-imperialista, o que torna impossível uma via neo-colonialista.

Portanto, para nós portugueses, a via africana para o socialismo revela-se uma experiência carregada de esperança” (“Na Guiné com o PAIGC”, por Georgette Emília, edição do autor, 1974).

Começa a sua viagem por Bissau, vê os últimos soldados portugueses a gastar as derradeiras reservas em dinheiro e a comer marisco. A fotografia de Amílcar Cabral é bem visível nas montras e nas paredes. Conversa com um jovem, ele está pronto a viver a revolução, está cheio de vontade para correr os riscos que correram os combatentes, a luta armada acabou mas a revolução continua. O jovem, de nome António dos Santos, fala cheio de vivacidade e vai dizendo alguns disparates nos entretantos: “O cerco feito pelo PAIGC com os armazéns do povo e, mesmo, a devastação da guerra, obrigaram os portugueses a importar todos os produtos para a alimentação. Vinham de Portugal a fruta, a hortaliça, a carne de porco, os frangos e a pescada congelada, a sardinha. O nosso povo que não habitava nas zonas libertadas, ou que não se encontrava retido nas aldeias estratégicas, fugiu em massa para as cidades”. António dos Santos tem sentimentos de cruzado: as mulheres estão a ser libertadas graças ao pensamento de Amílcar Cabral, nas zonas libertadas tinham os mesmos direitos que os homens; manda saudações aos revolucionários portugueses, também eles se libertarão da opressão e do fascismo.

A autora regista frases de desânimo dos comerciantes, despolitizados e desorientados. Depois assiste a uma sessão de esclarecimento onde se fala da justiça popular, do abastecimento e da vigilância revolucionária. E parte para o Gabu onde conhece Mamadou Dabou, comissário político do PAIGC. Ele diz-lhe logo nas boas vindas: “A nossa vitória deve-se ao sacrifício de milhares de vidas. Desde que nasci só conhecia a fome, o sofrimento, a opressão e a miséria. Decidi-me então pela luta partidária. Nós sabíamos que a salvação estava na vitória”. A autora aproveita para reflectir sobre os abanões que são necessários na sociedade portuguesa para que a revolução triunfe e recita um extenso e belo poema de Blaise Cendrars dedicado à mulher africana. O comissário político explica à visitante a nova organização social, a partir do comité de base em cada tabanca. A autora exulta: “Na ditadura do proletariado o povo é livre; tem sempre possibilidade de expressão através das organizações de massas. A burguesia enquanto tal, isto é, enquanto classe exploradora, é que não é livre. E do Gabu parte para Piche. Aqui Mamadou conta à jornalista que mandava todos os dias uma carta ao capitão a pedir que não saísse do quartel para não semear a morte entre o seu povo. E quando a guerra acabou, o capitão abraçou-o dizendo que aquelas cartas lhe tinham salvo a vida, mostrando-lhe como a guerra era injusta. A jornalista conhece Ansumane Mané, então um jovem comandante da base, que tinha destruído “tanques” na estrada entre Piche e Gabu. Depois refere os antigos funcionários do Estado português, os colaboradores do colonialismo e esclarece: “A táctica do PAIGC em relação à destruição do aparelho colonial consiste na formação de estruturas paralelas, pois havia levado a cabo uma experiência de administração colectiva através da criação de comités, o que desde logo excluía o tipo tradicional de funcionários públicos”.

Falando do administrador com quem almoça chama-lhe um cadáver adiado. A descrição que faz de Bafatá é bem curiosa: é uma pequena cidade província à beira do rio. O Geba corre arrastando uma longa cauda de nenúfares. É um rio largo e lento cujas águas parecem prender-se na rede nervosa das plantas aquáticas. A cidade desce de uma colina suave e o seu contorno é redondo. A proximidade da água profunda e espelhada e o verde dos matagais dão-lhe, apesar do calor, um ar fresco. As casas com varandins acolhedores, semelhantes aos de Trás-os-Montes, têm, contudo, uma bonomia quase francesa. Bafatá é elegante e inesperada como uma dama de fim de século deposta na savana africana.

A viagem prossegue de Bafatá até Mansoa. Param em Mansabá para descansar. Em Mansoa, são recebidos por António Borges, presidente do comité de Estado da região de Oio. Fala da sua luta no Morés ao lado de Osvaldo Vieira e Chico Té. Vão todos até um comício no Jugudul. No caminho, Borges explica à autora que o problema mais sério que tinha no momento era da prostituição infantil. À noite discutem a via guineense para o desenvolvimento socialista. E na manhã seguinte partem para Nhacra, aproveitando a autora para dissertar sobre a situação da mulher na Guiné.

Seguiram depois para Candjambari, temos novas reuniões políticas e comícios. Em Bissorã, há mensagens ameaçadoras. Alguém diz: “A nossa guerra só terminará quando todos os colonialistas saírem da nossa terra, assim como todos os africanos inimigos da nossa libertação e independência. Os antigos combatentes que tinham estado ao lado dos portugueses são vistos com comiseração. Um político do PAIGC comenta: “Muitos deles têm a saúde arruinada. Nós passámos durante a guerra as maiores privações, suportámos os maiores sacrifícios, mas temos hoje saúde e alegria. Eles ganharam muito dinheiro mas têm os pulmões rebentados pelo álcool e andam por aí a cair, sem terem encontrado uma razão para viver. Finalmente, em Candjambari, a autora percorre no antigo acampamento do PAIGC, é confrontada com o modo de organização durante a fase da luta armada. A interiorizar a epopeia que lhe fora dado ver, despede-se com melancolia: “Escrevo-vos de um país longínquo. Um país de homens cor de canela, cor de areia, cor da noite, cor de marfim. Vou de novo partir. Inconscientemente no meu bloco de notas eu escrevo o teu nome – FRATERNIDADE”.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7105: Notas de leitura (157): O P.A.I.G.C. e o futuro: um olhar transversal, de Ricardo Godinho Gomes (Mário Beja Santos)