1. Publica-se hoje, para quem ainda não conhece, mais um documento que faz parte da história da guerra na Guiné (mencionado no poste P8644 e matéria com o mesmo relacionada). É um reprodução integral da narrativa original que a direcção da revista “Combatente” entendeu resumir, nas páginas 47-49 da s/edição Nº 346, publicada em 12Dez2008 – já o autor - Sr. Cor. António Vaz Antunes (21JUN1921 a 14OUT1998) havia falecido, com a simples indicação «síntese de documento enviado à LC». Na dita revista foram omissos o título original do documento bem como a data em que o mesmo foi enviado à direcção-central da Liga dos Combatentes. Também por omissas foram dadas as funções militares que o autor então desempenhava na Guiné [comandante do BCAÇ 4512/72 - RI15, Farim 13Jan73-29Ago74], e a data do seu falecimento.
Guiné: uma diligência interrompida. Porquê?
António Vaz Antunes
(Coronel de Infantaria)
Mafra, Abril de 1987
Depois da Operação Guidaje,
em Maio de 1973, para apoio e reabastecimento àquela guarnição,
sucederam-se vários movimentos de colunas, de ida e volta, todas com ponto de
passagem em Farim, cujo sector era, por isso, muito empenhado em picar itinerários,
montar seguranças, alimentar e prestar toda a ordem de apoios ao pessoal de
passagem. Isto provocava um enorme desgaste nos elementos dos órgãos de comando
do sector que, durante vários dias, não puderam contar com um horário normal de
actividade. Dormir o indispensável era nas horas mais variadas, de dia ou de
noite, nos curtos intervalos de acalmia.
Foi assim que recebi
com alguma satisfação a ordem do Comando-Chefe para montar um comando avançado
do sector em Cuntima. A mensagem rádio acrescentava laconicamente, como
justificativo, que as informações do Quartel General davam como muito provável
uma acção inimiga sobre aquela guarnição que ficava a escassas centenas de
metros da fronteira com o Senegal.Relacionei esta ordem com as notícias que referiam a presença de carros de combate na Guiné-Conackry perto da fronteira entre o Senegal e a Guiné Portuguesa, ao que constava destinados a um ataque a Cuntima. Porém as informações recolhidas nesta guarnição continuavam a confirmar que o Senegal não autorizava a passagem pelo seu território.
O comandante da companhia Capitão Miliciano Vasco Vale, ao ver-me chegar imprevistamente, não escondeu a sua surpresa nem tão pouco a sua preocupação por deduzir, após a explicação da minha presença, que se punha em dúvida a sua capacidade para enfrentar a situação.
Tranquilizei-o, afirmando-lhe que não ia interferir no seu comando, confiava no seu serviço de informações (que não previa nenhum agravamento da situação a curto prazo) e que ia aproveitar para descansar. Aliás, com o mesmo intuito, levava comigo o oficial de operações (1) e o oficial de transmissões (2) que eram os mais desgastados com a Operação Guidaje e os problemas de coordenação que se seguiram com as já referidas colunas.
Distribuídos os alojamentos, depois da troca de impressões sobre a situação no subsector, os três demos de imediato cumprimento ao nosso programa: pôr o sono em dia.
A descontracção que propositadamente vivia apenas era importunada pelo clima que, em Junho, a preceder o período das chuvas, era ainda mais incómodo.
As manhãs eram agradáveis, pelo bulício resultante da chegada de senegaleses que, a partir das nove horas, acorriam ao nosso Posto Médico.
Os homens da Companhia Eventual também ali sediada, constituída por Fulas, todos voluntários, e sem quadros (3), quando estavam presentes aproveitavam para se abeirar das vistosas senegalesas todas enfeitadas, e faziam-lhes a corte à sua maneira: era a hora do ronco dos namorados.
O Capitão Vale entretanto colhia habilmente as notícias que lhe interessavam. Nada de novo.
No dia 29 de Junho, sábado, surgiu o inesperado: três helicópteros são detectados em aproximação à pista (4) e simultaneamente uma mensagem faz saber que está a chegar [era] o General Spínola [a chegar].
Havia já vários meses que nenhum meio aéreo tinha sido visto em Cuntima, excepto para raras acções de evacuação consequência das medidas preventivas contra a utilização do míssil terra-ar pelo PAIGC. Com efeito junto à fronteira não podia arriscar-se sem as adequadas medidas de segurança por ser sempre possível um lançamento partindo do Senegal.
A aterragem dos helicópteros foi festa.
Por mim encarei com certa apreensão a visita do Comandante-Chefe. A Operação Guidaje, embora tivesse dado já origem a referências especiais e muito elogiosas, não estava para mim terminada. Aguardava a oportunidade para explicações e não me tinha preparado para a discussão que previa fosse muito dura.
Eis senão quando o Comandante-Chefe desembarca sorridente, não quis fazer o questionário que lhe era habitual nas visitas aos comandos operacionais, adiantou que confiava nas medidas tornadas pelo sector e, depois de uma breve exposição do Capitão Vale sobre a situação na sua área, pediu apenas para ficarmos a sós no Gabinete do Comandante da Companhia.
Quando supunha que iríamos entrar no caso Guidaje o General nem se lhe referiu. No tom mais cordial que imaginar se possa contou-me o que tinha sido a sua acção desde que chegara à Guiné, nos contactos com o Presidente Senghor, os contactos com os comandos do PAIGC nos tempos de Amílcar Cabral e as suas diligências na interferência da escolha do próximo Secretário Geral do PAIGC cuja eleição ia ocorrer dentro de dias.
Tudo eu ouvi com um misto de surpresa e curiosidade. Muita novidade para mim e ao mesmo tempo muitas interrogações íntimas, permanentes, mas contidas: porquê esta abertura? Porquê esta abordagem de temas tão secretos, comigo que não pertenço a tal círculo? Será só para desvanecer a minha animosidade por causa dos precedentes da Operação Guidaje? Virá aí alguma missão especial? Porquê esta conversa longa, pormenorizada, esta exposição da situação de áreas tão confidenciais?
Fiquei meio atónito quando o General, que continuava [sempre] bem-humorado, se despediu de todos e regressou a Bissau.
Sempre tive a preocupação de respeitar o segredo e habituara-me a controlar a curiosidade. Sempre considerei que, em matérias classificadas, não se deve fazer pressões nem usar habilidades para conhecer mais que aquilo que o superior entenda poder e dever dizer. Por isso não fiz perguntas, limitei-me a ouvir e apenas pretendi deduzir, mas não encontrava fácil explicação para esta visita nem resposta para as perguntas que a mim próprio punha. A dúvida mantinha-se no meu espírito.
Também os meus subordinados estranhavam o modo como tudo decorreu, tão fora do que era hábito em visitas do Comando-Chefe às unidades operacionais.
Mas eis que no dia seguinte, 30 de Junho de 1973, domingo, cerca do meio-dia, me procura um indivíduo fula, não guinéu, que eu conhecia desde que assumira o comando do sector por contactos estabelecidos em Farim. Era um agente de informações com o nome de código “Padre”, ao que se sabia pertencente ao “Front” da Guiné-Conackry e com especial aceitação no Comando-Chefe.
Nunca lhe perguntei o que fazia, mas facilmente se deduzia pelos apoios que lhe eram concedidos: era obsequiado em Farim pelo agente da DGS, vinha de Bissau, em regra, em avião militar e no sector havia instruções para lhe ser facultado transporte sempre que o pedisse. Dirigia-se a Cuntima e, dali, em regra ao Senegal.
Havíamos passado alguns serões em Farim falando em generalidades e, quando ele entendia, em problemas da guerra. Tinha formação de curso superior e falava apenas em francês e fula. Era bastante culto e muito correcto no trato. Talvez por nunca o ter importunado com perguntas incómodas, em obediência ao meu princípio de respeito pelo serviço de informações, fui, a pouco e pouco, ganhando a sua confiança e até a sua amizade.
Foi por força desta mútua confiança que ele agora me procurou e pediu que fizesse uma mensagem relâmpago para Bissau solicitando a presença do General Spínola nesse dia, ali em Cuntima, para um contacto com alguns [altos] dirigentes do PAIGC (5).
Pareceu-me, agora, perceber o que se passara na véspera.
Acedi ao pedido, redigi a mensagem, retroverti-lha [traduzi-a] para francês para verificação e fi-la seguir. Por volta das 14:00 horas é recebida a resposta de Bissau. Pretendia o Comandante-Chefe explicações de pormenor. O agente estranhou tal pedido uma vez que o General sabia do que se estava a passar e o seu retardamento podia prejudicar o resultado de todo um trabalho de meses.
Fez-se, no entanto, rapidamente novo texto, um pouco mais explícito. [e] Cerca das 16:00 horas vem a resposta à segunda mensagem: àquela hora já não se podia fazer a deslocação porque o regresso não era possível antes da noite e os helicópteros não estavam preparados para isso.
Foi um balde de água fria para o agente que, mal tomou conhecimento da mensagem saiu, desesperado; era, segundo dizia, todo o esforço perdido, o seu crédito junto do PAIGC abalado e, provavelmente, a impossibilidade de preparar outro encontro.
Não escondia a sua angústia.
Passado algum tempo regressa e procura-me. Trazia agora uma conversa com pouco nexo contrariamente ao seu habitual, e exteriorizava nervosismo. Pedia-me que o ajudasse, na circunstância, mas não concretizava a ajuda que queria.
Em dada altura, e perante o seu embaraço, pretendi acalmá-lo e fazer com que reflectisse friamente na situação: a reunião não podia fazer-se sem o General e ele não vinha, “ou acha que eu posso substituir o General” - perguntei em tom jocoso por supor que não tinha sentido resposta afirmativa. Mas eis que os olhos do meu interlocutor adquirem um brilho especial e ele me retorquiu:
- Mas o Coronel vai? É que eu não me atrevia a pedir, mas é mesmo essa a única hipótese de salvar a situação criada pela recusa do General Spínola.
Depois de argumentar que não estava credenciado para tal missão e de uma troca de impressões sobre o que ele pretendia, acabei por dizer-lhe:
- Nós estamos proibidos de contactos deste género mas porque confio em si aceito ir.
Eram cerca das 18:00 horas. O pessoal presente no aquartelamento preparava-se já para a 3ª refeição servida em quatro refeitórios separados, por razões de segurança. Chamei o Capitão Vale e expus-lhe resumidamente o que se passava. Precisava que ele, com toda a discrição, no final do jantar enviasse dois grupos de combate para os lados da fronteira na missão habitual de segurança afastada, que todos os dias era montada ao anoitecer em direcções diferentes; recomendei-lhe que desse a tudo o ar mais natural, mas esta missão tinha por finalidade actuar contra qualquer emboscada de que eu viesse a ser vítima e, se necessário, desenvolver uma acção de retaliação.
O Capitão Vale, homem já experiente na vida e com sentido prático muito refinado, bom caçador, entendeu rapidamente, perguntou-me apenas se o autorizava a acompanhar-me (disse-lhe que sim) e saiu de imediato a tomar as disposições requeridas.
Simulando ir à caça, montámos numa viatura e seguimos pela estrada cerca de 800 metros. Depois apeámos e dirigimo-nos ao marco nº 104 da fronteira. Ali chegados o agente estranhou que ainda não estivessem [lá] os interlocutores e não escondeu uma certa apreensão. No entanto aguardamos. Passados uns minutos vem alguém do outro lado, de bicicleta. Vem informar que o interlocutor está dentro do Senegal, receia vir até nós (terá dado conta do movimento das nossas tropas?) e solicita que nos desloquemos nós.
Recusei.
O agente insiste, pretende que eu me disfarce com um albornoz, mas não aceitei porque o disfarce não atenuava aquilo que eu considerava indisciplina: entrar em território estrangeiro. Ele porém pedia-me agora com todo o empenho que não desistisse de prosseguir na decisão tomada de não deixar gorar esta oportunidade única.
A argumentação convenceu-me e fui.
A noite estava cerrada. Na nossa frente viam-se as luzes de uma povoação senegalesa, já próxima. Caminhávamos em silêncio. Chegávamos ao local indicado pelo mensageiro da bicicleta, cerca de um quilómetro dentro do Senegal, quando se notou a aproximação de um automóvel que parou a duas centenas de metros, do qual saíram dois indivíduos que se dirigiram a pé para nós [a pé].
Era o [nosso] interlocutor.
O agente fez as apresentações e eu estendi-lhe a mão - o que, segundo soube mais tarde, o sensibilizou muito. Tratava-se do [ele era o] representante pessoal do Comandante Geral das forças do PAIGC.
Não podíamos demorar-nos porque era imperioso evitar qualquer detecção quer por parte de elementos das forças de segurança senegalesas quer por parte de elementos do PAIGC não envolvidos nesta diligência, e por isso o interlocutor foi directo:
- Não venho tratar de assunto pessoal nem de grupo restrito. Trata-se sim de problema[s] que diz[em] respeito a todos os combatentes do PAIGC. Andamos há já [há] dez anos nesta luta. Somos agora menos do que quando começámos. Actualmente não nos entendemos com o escalão político: eles são caboverdeanos e comunistas; e nós somos guinéus, combatentes e não comunistas. Desejamos apenas uma Guiné melhor. Já chegámos à conclusão de que, sozinhos, não somos capazes de a fazer, mas sê-lo-emos convosco. A nossa proposta é muito simples: em dia e hora que se combine acaba a guerra, nós seremos integrados nas forças da Guiné, sem recriminação nem vingança; e depois, juntos, faremos a Guiné melhor. Tudo isto tem que ser combinado em curto espaço de tempo e com o maior segredo, porque se fôr descoberto antes do tal dia e hora terei a mesma sorte que outros companheiros meus já tiveram.
Isto dito assim de chofre deixou-me um pouco perplexo e retorqui apenas:
- Do que propõe, eu, que não sou [o] Comandante-Chefe mas apenas um comandante de sector, somente posso dar como aceite com toda a certeza, já, que recriminações ou vinganças da nossa parte nunca haverá: temos todos instruções severas nesse sentido. Quanto a rapidez, amanhã mesmo vou pessoalmente dar conhecimento da sua proposta. No que se refere à segurança dos elementos que eventualmente venham a participar em conversações futuras, no caso do [se o] General comandante [chefe] concordar com a continuação dos contactos também posso garantir que os podemos recolher em qualquer ponto à vossa escolha e voltar a colocar onde desejarem.
- Eu compreendo que não pode adiantar mais do que isso, e eu próprio também apenas posso transmitir o que já disse. Não tenho poder de decisão. Mas agradeço-lhe ter vindo a este encontro e peço apenas um sinal para autenticar ou selar esta conversa.
- O sinal de autenticação que nós usamos, em conversa, é a palavra de honra. E eu dou a minha palavra de honra de que vou transmitir o que ouvi e que são verdadeiras as afirmações que fiz.
- Nós não usamos a palavra de honra, costumamos jurar perante Deus.
- Pois estamos aí à vontade: não teremos a mesma religião, mas certamente acreditamos no mesmo Deus Único, e Criador. Por mim, quando dou a palavra de honra faço-o sempre em termos de juramento perante Deus.
- Certo, mas se pudéssemos ter um sinal deste compromisso era bom.
- Pois eu julgo que já dei sinal de boa vontade: vim até aqui confiado apenas na honestidade do nosso intermediário.
Nisto o homem parece ter-se sentido atingido e interrompeu-me dando-me como que um abraço.
- Desculpe, desculpe. O senhor fez mais do que eu pois veio aqui enquanto que eu tive medo de ir ao lugar combinado.
Impunha-se que não demorássemos mais o diálogo. Fazem-se as despedidas rapidamente. Quando me apertava a mão (era o dobro da minha) dizia-me:
- Estou muito feliz. Desde há dez anos é a primeira vez que estou em conversa agradável e a primeira vez que estou desarmado.
De novo repetiu o seu agradecimento.
Regressamos alvoroçados. Teríamos nós o privilégio de ser os intermediários e os primeiros intervenientes num processo que levaria a um próximo fim da guerra com honra para ambas as partes?
Mal dormi, ansioso pela madrugada, pelo regresso a Farim, pelo avião dessa 2ª feira que me levaria a Bissau, pelo encontro com o General Spínola.
Eram 18:50 horas do dia 1 de Julho de 1973 quando cheguei ao Palácio do Governo em Bissau. O Capitão Ayala, ajudante do Governador e Comandante-Chefe atendeu-me.
Disse-lhe que tinha urgência em falar com o General Spínola.
- Não me diga que é por causa do contacto de Cuntima.
- Precisamente.
- O nosso general não o poderá receber agora porque tem o briefing às 19:00 horas no Quartel-General e vai já para lá.
- Diga-lhe que estou aqui, que não o demoro com o que tenho a dizer-lhe e que é do maior interesse não atrasar; os minutos contam.
O General recebeu-me de imediato.
- Então hoje já aqui?
- É verdade meu general. No sábado estivemos em Cuntima, não contava nada com esta vinda, para a qual nem pedi autorização, mas como fui ao contacto que estava preparado para V.Exª...
- Então o senhor não sabe que proibi todos os contactos; não sabe o que aconteceu aos três majores? Atalhou o general, irritado, levantando-se e crescendo para mim.
Mantive-me sentado, cruzei as pernas e retorqui:
- Sei e até era muito amigo de dois deles, mas entendi que era meu dever ir, e fui.
- Espere lá, mas afinal você está aqui; conte lá.
E sentou-se de novo para ouvir o resumo que lhe fiz da conversa e das propostas do interlocutor do PAIGC.
O General voltou a levantar-se, agora com entusiasmo, abraça-me ao mesmo tempo que [e] diz:
- Mal sabe o alto serviço que acaba de prestar à Nação!
- Ainda bem. Estou feliz por isso.
Dirige-se ao telefone liga para Lisboa e ouvi-lhe o seguinte:
- Allas? (era o chefe da DGS em Bissau) Está bem? Tome o avião amanhã e venha aqui.
- Pois, sei bem que foi ontem de licença... É pena não poder vir ainda hoje, pois temos aqui coisa importante que requer já a sua presença.
- Está bem, mas tenha paciência. Espero-o amanhã. Um abraço!
O General agradeceu-me de novo. Vai a sair para a reunião mas faz questão que o acompanhe a jantar no Palácio.
Era a terceira vez que me convidava para jantar na sua residência.
Não falámos mais sobre este caso. Ficou acordado que se manteria total segredo e que seria pessoalmente contactado para qualquer interferência futura se fosse necessário.
Os curiosos de Bissau bem tentaram saber da razão da minha presença ali tão imprevista. Fui escapando como pude do cerco de perguntas.
Na 3ª feira regressei a Farim onde poucos dias depois pude observar, por duas vezes, a passagem dos helicópteros que transportavam interlocutores que deviam dar continuação aos contactos de Cuntima.
O sector passou a conhecer uma tranquilidade esperançosa.
Em Agosto entrei de licença. Na metrópole soube da substituição do General Spínola pelo General Bettencourt Rodrigues. Fui à tomada de posse deste último. Ouvi os discursos e pareceu-me que estavam em dessintonia com tudo o relatado, o que muito me surpreendeu. Preso como estava à promessa de segredo não perguntei nada. Já em Bissau pedi audiência ao novo Comandante-Chefe. Abordei o caso e tive a resposta que me surpreendeu: não sabia de nada.
O agente que tinha preparado o encontro em Cuntima, manifestou-me, em Farim, o seu desgosto por se aperceber de que tudo voltara ao princípio. Não entendíamos o porquê da viragem, que era notória.
Um dia, no bar do Estado Maior do Exército, já em 1976, contava o caso [este episódio] a uns camaradas, dado que a manutenção do segredo já não tinha razão de ser.
O então Major Monge estava ao lado e certamente ouvindo o meu relato, porque a dada altura interrompeu-me e diz:
- Afinal foi o meu coronel quem provocou o 25 de Abril.
Fiquei atónito. Mas imediatamente me veio à memória que tinha lido dias antes, uma informação do Chefe do Estado Maior General da Forças Armadas (o então General Costa Gomes) para o Governo (do Dr. Marcelo Caetano) segundo a qual para Portugal era preferível na Guiné um desastre militar a uma solução negociada...
Porquê?
(1) Capitão Beato
(2) Alferes Miliciano Costa
(3) O comandante da companhia em operações era o Cabo Sitafá
(4) Já uns dias antes tentada mas sem concretização por causa de forte trovoada
(5) Contacto que, segundo me disse, «vinha preparando havia alguns meses»
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Nota de M.R.:
Vd. também o poste relacionado com esta matéria em:
Vd. último poste desta série em: