Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1969 > O 1º Sargento Correia, eu e o morro que separava a parada das instalações onde dormia e vivia o pessoal do EREC 2454, que era comandado pelo cap cav Manuel Monge
Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1969 > Eu e o Furriel Moncada Cordeiro
Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1969 > CCS/BCAÇ 2861 > O Furriel Francisco Dias e eu, em traje domingueiro, passeando pelas ruas de Bula. De costas, o Luís Crasto, furriel mecânico de transmissões da CCS.
Foto (e legenda): © Armando Pires (2012). Todos os direitos reservados
1. O Armando Pires (ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70) é um homem da rádio e tem um particular talento para contar histórias. Está connosco, atabancado, desde agosto de 2009 (segundos os registos oficiais). Tem vindo a reencontrar camaradas que com ele partilharam as alegrias e as tristezas dos dias de Bula e Bissorã, nos tempos idos de 1969/70. E tem escrito sobre isso (*).Foto (e legenda): © Armando Pires (2012). Todos os direitos reservados
Tem, já cerca de duas dezenas de referências no nosso blogue. Mais recentemente mandou-nos esta história que se segue, com seguinte nota: "Meu Caro Luís Graça, Camaradas Editores: Aqui vos trago mais um contributo para a história dos nosso dias na Guiné. A abraço a vós e a todos os camaradas tabanqueiros".
Entendo isto como um desafio e uma promessa: outras mais histórias virão... Pelo que, e à revelia do autor, decidi criar uma série só para ele, com um título provisório "Recordações de um furriel enfermeiro, infante, fadista, ribatejano, amigo da cavalaria (Armanod Pires)"... Fica bem ao jeito dele, emotivo, solidário, amigo do seu amigo, camaradão... A criação de um série implica o compromisso da publicação de pelo menos seis postes...
Acho que o Armando vai aceitar, de bom grado, o desafio, que matéria prima não lhe falta nem muito menos a palheta... E tempo julgo que é coisa que não lhe falta. Seria pena que uma história como esta, de antologia (no sentido de ser uma história forte e bem escrita), ficasse por aí, no nosso querido blogue, como "estória avulsa" (sem menosprezo para todas as muitas pequenas grandes histórias que temos publicado sob essa rubrica)... Por fim, e não menos importante, sei que o Armando Pires tem sentido de missão, além de sentido de humor, e nutre pelo nosso blogue um especial carinho. (LG)
por Armando Pires
Bula, 15 de Abril de 1969, depois das oito da noite.
Ofegantes, os noventa cavalos da velha GMC galgaram a cancela do aquartelamento e estacaram às dez rodas em frente ao bar. Ao lado do condutor ergueu-se o Caeiro e gritou-me:
Íamos na direcção da estrada de Binar, mas chegados ao fim da Vila contornámos Bula por fora, pelo lado de Sanhar e Ponta Alfama, seguimos sempre pela orla da bolanha (gente atrevida, como se saberá mais à frente), como se em direcção ao Dingal, tornámos a entrar na estrada e eis-nos chegados ao aquartelamento do Esquadrão de Reconhecimento AML 2454.
Estava ali fazia pouco tempo. Ali, era a meio caminho entre Bula e o lugar onde a estrada de Có ligava a João Landim. Antes, aquele espaço fora ocupado pelo Batalhão de Engenharia que levara a cabo a abertura e asfaltagem da estrada João Landim-Bula, daí para Có, Pelundo e Teixeira Pinto.
Terminados os trabalhos, ficando vago o lugar, o comandante do EREC, capitão Manuel Monge, um homem notável que nasceu para comandar sem galões nem gritos, intercedeu junto do General Spinola para que ali o deixasse instalar a sua gente.
Moravam entre chapas onduladas de zinco que mal se viam da parada, porque dela separadas, como protecção, por um morro de terra com quase três metros de alto.
E o que fazia eu ali?
Bom, porque tudo tem um começo, temos de regressar ao dia 15 de Fevereiro daquele ano de 1969, quando eu, com cinco dias de Guiné, aturdido com tudo à minha volta, saltei da jangada em João Landim.
- Armando! Armando! Ó Pires!
Olhei à roda para ver dos meus quem me chamava, mas a voz que com insistência dizia o meu nome vinha de lá, de onde não estava ninguém do meu pessoal. A voz transformou-se numa figura que corria para mim.
Era o Moncada Cordeiro, meu amigo e conterrâneo.
Trocámos um forte abraço e ficou a promessa de falar amanhã, que o Cordeiro tinha mais que fazer. Ele era Furriel Miliciano do Pel Rec AML 2024, e estava ali como parte da escolta que havia de garantir a nossa segurança até ao Quartel de Bula.
E tirei. Um bom par de dias mais tarde, mas tirei. O furriel Dias tocava mesmo bem guitarra mas com “sotaque” de Coimbra, a sua terra natal.
E lá andámos, sempre que possível, de ensaio em ensaio, ele apanhando o tom e eu afinando a garganta. Até ao dia do grande espectáculo.
Já sabem agora o que fazia eu ali, naquela noite de Abril, “nas Panhard”, como nós chamávamos ao aquartelamento do Esquadrão.
Eu e o Dias fomos para um quarto, eufemismo de um espaço “enlatado” com quatro camas em beliche, ensaiar os fados que, daí a pouco, iria cantar. A assistir ao ensaio ficou o Basso, o tal furriel da minha companhia, o Caeiro e mais um alguém que a memória já não identifica.
Voltámos, é uma força de expressão. Ainda mal tínhamos recuperado a posição de sentados quando BUM!!, e o aquartelamento estremeceu. Afinal, o espectáculo anunciado pelo Caeiro não era o meu, ia ser aquele.
A luz apagou-se e era tudo negro à minha volta, a chapa silvava como sacudida por um furacão, gente a correr e eu sem as ver, gritos de “Vamos lá atrás, vamos lá atrás”, e eu sem saber onde ficava lá atrás nem quem lá ia, as costureirinhas riscavam o céu com tracejantes, a cada granada que caía, o chão sacudia como agitado por um terramoto.
Percebo passos a virem ao meu encontro ao mesmo tempo que uma voz, aproximando-se, ia dizendo:
Entra alguém que me aponta a luz e segue-se um diálogo de loucos à beira de um ataque de nervos: – Não és tu, porra!|
Pelo caminho percebi que procuravam o “Madeirense”, furriel enfermeiro do Esquadrão, com quem acabei por me encontrar quando entrei na enfermaria. Lá dentro estavam quatro homens feridos. Ferimentos ligeiros, felizmente.
Pior foi o Esperança, soldado maqueiro que morreu estupidamente no dia em que fazia anos.
Deixa que te agradeça as palavras com que apresentas o meu último texto para o nosso blog e o desafio que me lanças. Tal como escrevo em comentário "lá no sitio", já me lixaste com F grande. Mas vou procurar corresponder à expectativa.
Aceita um abraço camarada do Armando Pires.
Bula, 15 de Abril de 1969, depois das oito da noite.
Ofegantes, os noventa cavalos da velha GMC galgaram a cancela do aquartelamento e estacaram às dez rodas em frente ao bar. Ao lado do condutor ergueu-se o Caeiro e gritou-me:
– Salta práqui, ó pira, que esta noite vai haver espectáculo no Esquadrão.
Ordem cumprida, ou não fosse o Caeiro um sargento velhinho e eu furriel periquito, e antes de arrancar ainda perguntou se não vinha mais ninguém à festa. Apenas o Basso, furriel de transmissões da minha companhia, aceitou o convite.
Meia volta volver e lá vai a GMC à desfilada. A tosca luz dos faróis rasgava a noite, o roncar do motor quebrava o silêncio da Vila, o Caeiro e seus rapazes gritavam e cantavam coisas indizíveis a filhos de Deus.
Era uma cena digna de um filme do faroeste. Mas afinal, para onde íamos nós?:
Meia volta volver e lá vai a GMC à desfilada. A tosca luz dos faróis rasgava a noite, o roncar do motor quebrava o silêncio da Vila, o Caeiro e seus rapazes gritavam e cantavam coisas indizíveis a filhos de Deus.
Era uma cena digna de um filme do faroeste. Mas afinal, para onde íamos nós?:
– ... Esta noite vai haver espectáculo no Esquadrão!... - mas o Esquadrão ficava no sentido oposto àquele que levávamos.
Íamos na direcção da estrada de Binar, mas chegados ao fim da Vila contornámos Bula por fora, pelo lado de Sanhar e Ponta Alfama, seguimos sempre pela orla da bolanha (gente atrevida, como se saberá mais à frente), como se em direcção ao Dingal, tornámos a entrar na estrada e eis-nos chegados ao aquartelamento do Esquadrão de Reconhecimento AML 2454.
Estava ali fazia pouco tempo. Ali, era a meio caminho entre Bula e o lugar onde a estrada de Có ligava a João Landim. Antes, aquele espaço fora ocupado pelo Batalhão de Engenharia que levara a cabo a abertura e asfaltagem da estrada João Landim-Bula, daí para Có, Pelundo e Teixeira Pinto.
Terminados os trabalhos, ficando vago o lugar, o comandante do EREC, capitão Manuel Monge, um homem notável que nasceu para comandar sem galões nem gritos, intercedeu junto do General Spinola para que ali o deixasse instalar a sua gente.
Moravam entre chapas onduladas de zinco que mal se viam da parada, porque dela separadas, como protecção, por um morro de terra com quase três metros de alto.
E o que fazia eu ali?
Bom, porque tudo tem um começo, temos de regressar ao dia 15 de Fevereiro daquele ano de 1969, quando eu, com cinco dias de Guiné, aturdido com tudo à minha volta, saltei da jangada em João Landim.
- Armando! Armando! Ó Pires!
Olhei à roda para ver dos meus quem me chamava, mas a voz que com insistência dizia o meu nome vinha de lá, de onde não estava ninguém do meu pessoal. A voz transformou-se numa figura que corria para mim.
Era o Moncada Cordeiro, meu amigo e conterrâneo.
Trocámos um forte abraço e ficou a promessa de falar amanhã, que o Cordeiro tinha mais que fazer. Ele era Furriel Miliciano do Pel Rec AML 2024, e estava ali como parte da escolta que havia de garantir a nossa segurança até ao Quartel de Bula.
Como previsto, falámos no dia seguinte. Da nossa terra, dos nossos amigos, da nossa Feira do Ribatejo e do fado. Sim, é que o Cordeiro, sabendo da minha queda para cantar o fado, logo ali me disse que eu tinha de ir lá abaixo cantar para a malta do Esquadrão.
– É pá, tu sabes que eu só canto com acompanhamento – disse-lhe eu, tentando matar o convite.
– É pá, tu sabes que eu só canto com acompanhamento – disse-lhe eu, tentando matar o convite.
– Pois aí é que tu te enganas – matou-me ele a mim, revelando que no Esquadrão havia um furriel que tocava muito bem guitarra. – É o Dias, pá, o Francisco Dias. Não imaginas como o gajo toca. Vais ter de o ouvir para tirares as dúvidas.
E tirei. Um bom par de dias mais tarde, mas tirei. O furriel Dias tocava mesmo bem guitarra mas com “sotaque” de Coimbra, a sua terra natal.
– Ó Dias – atirei-lhe, um tanto desconsolado – mas eu canto é fado de Lisboa.
– E daí? – pergunta ele, para num remate dar a táctica. – A gente tem tempo, ensaiamos e vais ver como o corrido me sai das cordas da guitarra.
E lá andámos, sempre que possível, de ensaio em ensaio, ele apanhando o tom e eu afinando a garganta. Até ao dia do grande espectáculo.
Já sabem agora o que fazia eu ali, naquela noite de Abril, “nas Panhard”, como nós chamávamos ao aquartelamento do Esquadrão.
Eu e o Dias fomos para um quarto, eufemismo de um espaço “enlatado” com quatro camas em beliche, ensaiar os fados que, daí a pouco, iria cantar. A assistir ao ensaio ficou o Basso, o tal furriel da minha companhia, o Caeiro e mais um alguém que a memória já não identifica.
Ia com estilo no segundo verso do “Bairro alto com os seus amores”, quando um tiro suspende a estrofe.
– UPS!... Calma que é fogo nosso – sossegou o Caeiro, e voltámos ao fado.
Voltámos, é uma força de expressão. Ainda mal tínhamos recuperado a posição de sentados quando BUM!!, e o aquartelamento estremeceu. Afinal, o espectáculo anunciado pelo Caeiro não era o meu, ia ser aquele.
A luz apagou-se e era tudo negro à minha volta, a chapa silvava como sacudida por um furacão, gente a correr e eu sem as ver, gritos de “Vamos lá atrás, vamos lá atrás”, e eu sem saber onde ficava lá atrás nem quem lá ia, as costureirinhas riscavam o céu com tracejantes, a cada granada que caía, o chão sacudia como agitado por um terramoto.
Eu já tinha embrulhado umas três vezes com a 2466. Uma delas, na estrada de Binar, foi feia, muito feia mesmo. Três emboscadas na mesma manhã. Cinco feridos do nosso lado. Do lado de lá, entre outras baixas, a mais significativa foi a da morte do comandante Nhaga, chefe do 1º bigrupo do Choquemone. Foi a 9 de Abril, seis dias antes daquele ataque dirigido, particularmente, contra o Esquadrão, e que foi, soube-se depois, represália pela morte do Nhaga.
Portanto, eu já sentira o cheiro da pólvora, mas naquela ainda não me vira. Era o meu primeiro ataque dentro do quartel. E no dia do baptismo, via-me “fora de casa”, às escuras, sem ninguém para me dizer que fazer ou para onde ir.
O Dias, o Caeiro e o outro, reagiram ao fogo correndo para os seus lugares, esquecendo-se que aqueles dois pobres de cristo, eu e o Basso, não conheciam o caminho das pedras. Estupidamente, dentro da “casa escura”, sem refúgio nem abrigo, metemo-nos debaixo das camas, cercados de chapa por todos os lados menos por um, o chão, contra o qual colámos os nossos corpos, como se a ele quiséssemos amarrar as nossas vidas.
Portanto, eu já sentira o cheiro da pólvora, mas naquela ainda não me vira. Era o meu primeiro ataque dentro do quartel. E no dia do baptismo, via-me “fora de casa”, às escuras, sem ninguém para me dizer que fazer ou para onde ir.
O Dias, o Caeiro e o outro, reagiram ao fogo correndo para os seus lugares, esquecendo-se que aqueles dois pobres de cristo, eu e o Basso, não conheciam o caminho das pedras. Estupidamente, dentro da “casa escura”, sem refúgio nem abrigo, metemo-nos debaixo das camas, cercados de chapa por todos os lados menos por um, o chão, contra o qual colámos os nossos corpos, como se a ele quiséssemos amarrar as nossas vidas.
– F… !, que isto está feio – foi a única coisa que nos dissemos.
Lá fora ouvi alguém dizer que o Esperança tinha morrido.
Lá fora ouvi alguém dizer que o Esperança tinha morrido.
– O Esperança morreu! O Esperança morreu!.
– E o enfermeiro, merda?
– Estou aqui!” – berrei com quanta força tinha para que me pudessem encontrar.
– Aqui, onde?
– Aqui, porra, não sei, está escuro, não vejo nada.
Percebo passos a virem ao meu encontro ao mesmo tempo que uma voz, aproximando-se, ia dizendo:
– Mas este gajo tá parvo, ou quê?
Entra alguém que me aponta a luz e segue-se um diálogo de loucos à beira de um ataque de nervos: – Não és tu, porra!|
– não sou eu, o quê?
– o enfermeiro!
– Então eu sou o quê?
– Não és tu, é o nosso
– E eu não sirvo?
– Serves, anda lá.
Pelo caminho percebi que procuravam o “Madeirense”, furriel enfermeiro do Esquadrão, com quem acabei por me encontrar quando entrei na enfermaria. Lá dentro estavam quatro homens feridos. Ferimentos ligeiros, felizmente.
Pior foi o Esperança, soldado maqueiro que morreu estupidamente no dia em que fazia anos.
Ao longo da noite, naquelas horas em que se lambiam as feridas, soubemos que lá em cima, no meu aquartelamento, o furriel mecânico de transmissões, apanhado dentro da “fortaleza” que eram as comunicações, quando uma canhoada desfez parte da parede, saiu pelo buraco do projéctil, mas para o lado de fora do quartel, de onde vinha o fogo inimigo. Encontrou-o o grupo de combate que partiu na perseguição dos atacantes.
Soubemos que naquela viagem nocturna, com o Caeiro aos gritos, entre o aquartelamento de Bula e “as Panhard”, passámos mesmo nas barbas da força do PAIGC que aguardava a hora de atacar.
E soubemos como morreu o Esperança. O soldado maqueiro do Pel Rec AML 2024, Bento Lemos Esperança, estava no bar com outros camaradas, celebrando o seu aniversário, quando se iniciou o ataque. Saiu em direcção à enfermaria mas, para atalhar caminho, em vez de ladear o morro subiu-o para atravessar a parada. Foi morto pelo rebentamento, ali à sua frente, de uma granada de morteiro.
Os dias que se seguiram foram muito difíceis para os homens do EREC. Não esqueço as lágrimas que vi, naquela noite, nos olhos do capitão Monge.
Há dias, numa troca de e-mails com o nosso recém grã-tabanqueiro Bernardino Cardoso, meu amigo e ex-furriel miliciano do Pel Rec AML 2024, tendo-lhe dado conta de que iria contar aqui aquela noite no Esquadrão, e que falaria de como morrera o Esperança, ele respondeu-me num texto com esta revelação:
“Tenho para te dizer que no dia da saída da tropa no cais de Alcântara, ele foi o único que chorou e chorou de forma muito consternada e veemente, proclamando que morreria e nunca mais voltaria a ver a sua filha. Tentávamos todos que se mentalizasse que não era assim etc. , mas ele estava certo disso. Absolutamente seguro. Premonições dos diabos”.
Que puta de desesperança a tua, ó Esperança!
Armando Pires
PS – O António Basso, infelizmente, há muito que nos deixou. Do Caeiro nada sei. O Francisco Dias está em Coimbra e é um notável guitarrista. O Cardoso apresentou-se aqui no P10156. O Moncada Cordeiro continua na nossa terra e vou almoçar com ele um dia destes. Agradeço à malta do EREC sempre me ter visto como um dos seus. Por último, declaro agora e para futuro que não assinei nenhum acordo ortográfico.
3. Resposta do Armando na "volta do correio":
(i) Meu caro Luís Graça, Camarada:
Soubemos que naquela viagem nocturna, com o Caeiro aos gritos, entre o aquartelamento de Bula e “as Panhard”, passámos mesmo nas barbas da força do PAIGC que aguardava a hora de atacar.
E soubemos como morreu o Esperança. O soldado maqueiro do Pel Rec AML 2024, Bento Lemos Esperança, estava no bar com outros camaradas, celebrando o seu aniversário, quando se iniciou o ataque. Saiu em direcção à enfermaria mas, para atalhar caminho, em vez de ladear o morro subiu-o para atravessar a parada. Foi morto pelo rebentamento, ali à sua frente, de uma granada de morteiro.
Os dias que se seguiram foram muito difíceis para os homens do EREC. Não esqueço as lágrimas que vi, naquela noite, nos olhos do capitão Monge.
Há dias, numa troca de e-mails com o nosso recém grã-tabanqueiro Bernardino Cardoso, meu amigo e ex-furriel miliciano do Pel Rec AML 2024, tendo-lhe dado conta de que iria contar aqui aquela noite no Esquadrão, e que falaria de como morrera o Esperança, ele respondeu-me num texto com esta revelação:
“Tenho para te dizer que no dia da saída da tropa no cais de Alcântara, ele foi o único que chorou e chorou de forma muito consternada e veemente, proclamando que morreria e nunca mais voltaria a ver a sua filha. Tentávamos todos que se mentalizasse que não era assim etc. , mas ele estava certo disso. Absolutamente seguro. Premonições dos diabos”.
Que puta de desesperança a tua, ó Esperança!
Armando Pires
PS – O António Basso, infelizmente, há muito que nos deixou. Do Caeiro nada sei. O Francisco Dias está em Coimbra e é um notável guitarrista. O Cardoso apresentou-se aqui no P10156. O Moncada Cordeiro continua na nossa terra e vou almoçar com ele um dia destes. Agradeço à malta do EREC sempre me ter visto como um dos seus. Por último, declaro agora e para futuro que não assinei nenhum acordo ortográfico.
3. Resposta do Armando na "volta do correio":
(i) Meu caro Luís Graça, Camarada:
Deixa que te agradeça as palavras com que apresentas o meu último texto para o nosso blog e o desafio que me lanças. Tal como escrevo em comentário "lá no sitio", já me lixaste com F grande. Mas vou procurar corresponder à expectativa.
Quanto ao titulo que propões para os meus textos futuros, "Recordações de um furriel enfermeiro, infante, fadista, ribatejano, amigo da cavalaria (Armanod Pires)"... ainda bem que o dás como provisório porque, e aqui tens de me perdoar mas, "defeito" de jornalista antigo, não consigo abandonar o rigor.
Tudo certo, se quiseres, até chegar ao "amigo da cavalaria". É um exagero porque pode levar a que confundam a parte com o todo. Eu apenas estive seis meses em Bula, com o EREC 2454. Aconteceu de Fevereiro a Agosto de 1969.
Depois a sede do batalhão zarpou para Bissorã e não mais voltei a ver "um cavaleiro" à minha ilharga.
Apenas estiveram comigo, ou eu estive com elas, tanto faz, a CCAÇ 2444 e a CCAÇ 13. Sim, a minha amizade com o EREC (ou com o Pel Rec 2024) solidificou-se, não apenas por causa do fado, e manteve-se para além do nosso "contacto físico".
Apenas estiveram comigo, ou eu estive com elas, tanto faz, a CCAÇ 2444 e a CCAÇ 13. Sim, a minha amizade com o EREC (ou com o Pel Rec 2024) solidificou-se, não apenas por causa do fado, e manteve-se para além do nosso "contacto físico".
De tal forma que aquando dos encontros de confraternização por eles levado a cabo, sempre que e minha vida profissional fazia coincidir a minha presença no país com a data desses encontros, eu era convidado e marcava presença.
Mas amigo da cavalaria, para me apresentar, é exagerado. Espero que me compreendas e que aceites a minha explicação. Numa casa em que tanta gente, de todos os lados, partilha o seu salão e honra, não gostava de ver niguém melindrado.
Aceita um abraço camarada do Armando Pires.
PS - "Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista!... Gosto! Está bem assim!______________
Nota do editor:
Último poste do Armando Pires > 23 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10294: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (60): Obrigado, querido blogue, pelo reencontro do Xico Coelho, ex-fur mil da CCAÇ 2466 (Bula e Encheia, 1969/70), de quem, tinha perdido o rasto... Natural de Portel, vive em Almada, e chegou até mim através do blogue (Armando Pires)
Nota do editor:
Último poste do Armando Pires > 23 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10294: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (60): Obrigado, querido blogue, pelo reencontro do Xico Coelho, ex-fur mil da CCAÇ 2466 (Bula e Encheia, 1969/70), de quem, tinha perdido o rasto... Natural de Portel, vive em Almada, e chegou até mim através do blogue (Armando Pires)