sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11899: Notas de leitura (507): Memórias de Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
Numa dessas visitas que tenho feito assiduamente à Biblioteca da Liga dos Combatentes, deparou-se-me este documento que me pareceu ter o maior interesse como registo de um velho combatente, pai do primeiro ministro deposto pela ditadura militar, em 2012.
É um documento muito incompleto, seguramente a recolha destas memórias não foi feita em bom português, há saltos óbvios, hiatos desconcertantes, bom seria que estudiosos como Leopoldo Amado ou Julião Soares Sousa se pronunciassem sobre a importância deste testemunho.

Um abraço do
Mário


Memórias de Carlos Domingos Gomes 
(Cadogo Pai)

Beja Santos

Cadogo Pai resolveu passar a escrito as suas memórias. Nascido em 1929, começou como paquete no escritório da família Barbosa, junto do Grande Hotel. Com ambições e desejoso de outro futuro, foi trabalhar na SCOA (proprietária do edifício onde está instalada a Pensão Central), foi depois transferido para Bolama e mais tarde regressou a Bissau como chefe de loja, voltando de novo a Bolama em 1951. Diz ter sido em Bolama que conheceu Aristides Pereira, formou-se um grupo de que faziam também parte Adelino Gomes, Alfredo Fortes, Barcelos de Lima e Alcibíades Tolentino.

Recorda os primeiros contactos com Amílcar Cabral e as personalidades daqueles que pretenderam pôr de pé a Associação Recreativa Cultural e Desportiva, desde os professores Adriano Pires, José Moreira e Pio Mendonça, os advogados Jorge Tavares e Sousa e Artur Augusto Silva, destacando a mulher deste, Clara Schwarz, que ele trata como a mãe dos estudantes, até o médico Ciro de Andrade que ele trata por médico dos reclusos. A associação foi proibida, os nacionalistas voltaram-se para o futebol. Considera que na época (anos 1950) as autoridades portuguesas teriam acirrado as rivalidades entre guineenses e cabo-verdianos, dando a estes bons empregos e melhores salários.

Os encontros clandestinos ocorriam no quarto de Elisée Turpin e mais tarde na messe do BNU. E presta mais esclarecimentos: “A primeira reunião de Amílcar Cabral com guineenses e cabo-verdianos realizou-se na antiga granja de Pessubé, estava acompanhado do seu fiel companheiro Bacar Cassamá”. Em Setembro de 1955, Cadogo estabeleceu-se por conta própria. Dá como seguro a realização da fundação do PAIGC a 19 de Setembro de 1956, numa moradia da rua Severino Gomes de Pina, tendo estado presentes Amílcar Cabral, Luís Cabral, Aristides Pereira, Fernando Fortes, Inácio Júlio Semedo e Elisée Turpin: “O documento elaborado tinha 8 artigos, o terceiro dizia que o partido trabalhava no sentido de unir todos os africanos de todas as etnias e de todas as camadas sociais, constava da primeira edição do jornal Nô Pintcha, artigo que mandei publicar, citei o artigo mencionado, para esclarecer desde quando tinha ligações com o PAIGC, isto quando o Luís Cabral tentou impedir a minha candidatura às primeiras eleições legislativas realizadas em Bissau, após a independência. Esta declaração provocou interesse a Vasco Cabral que não me largou até eu lhe fornecer, e ao camarada Nino Vieira, o texto completo do documento”. Cadogo diz ter viajado para Portugal em Junho de 1960 porque corria enorme risco de ser preso, fora colocado na lista de suspeitos. Regressa a Bissau em Novembro desse ano, já havia notícias de prisões e mortes de presos em Tite. Recorda o reencontro com Aristides Pereira em Madina do Boé, na altura da comemoração do primeiro aniversário da independência.

Os contactos clandestinos prosseguiam em 1960, Cadogo desenvolvia a sua vida empresarial e refere mais nomes que se juntaram às reuniões, muitas vezes a coberto de jantares e festas: Armando Lobo de Pina, Domingos Maria Deybs, Aguinaldo Paquete. Dá-se então a prisão de Júlio Pereira, em Farim, a seguir a uma granada atirada a um ajuntamento numa festa de tambores em Farim: “Sovado que nem um animal e obrigado numa cela a lutar com um companheiro até à morte”. Embora vereador da Câmara Municipal de Bissau, Cadogo já é alvo de suspeitas. As pressões não pararam de crescer, pretendiam que ele fosse numa delegação a Lisboa numa manifestação de apoio a Salazar, recusou a missão. As prisões sucedem-se, António Carvalho veio dar-lhe a notícia da prisão de Pedro Pinto Pereira e de que a seguir ele estava na Lista. Mas quem foi preso foi João Vaz, isto perto do fim de ano de 1966. Cadogo e mais quatro foram presos em 17 de Janeiro de 1967, e brutalmente espancado. Pede a presença de um advogado, o alferes miliciano Biscaia Pereira e mais adiante escreve: “Os autores do inferno das prisões em Bissau, a começar por Guerra Ribeiro, tenente Castro e outros, começaram a ser afastados de Bissau (…) É altura de destacar a humanidade de certos elementos da PIDE que contribuíram para me salvar a vida, caso do chefe Figueiredo e do agente Silva. Destaco o comportamento do Dr. Biscaia Pereira, que fez tudo para a minha libertação, e o perigo que correu de vir a Bissau defender a minha causa, sem cobrar absolutamente nada. Razões porque, amainamos ódios, porque entre os maus vislumbrei rasgos de humanidade, de pessoas que cumpriam as missões que eram obrigados mas contra o regime colonial e torturas a que fomos sujeitos”.

Combalido, obtém do cardiologista Dr. Diaz um atestado para se deslocar com caráter de urgência a Portugal para fazer exames médicos. É nisto que ocorre o 25 de Abril de 1974. Em 1977, voltou a ser preso, por ter contestado as eleições então realizadas. Preso duas vezes em 1989 e enumera os dados do processo, pedindo a recuperação dos seus bens.

Não se sabe como estas memórias aparecem incluídas no simpósio internacional “Recordar Guileje”, que se realizou em Março de 2008. Trata-se de um documento que encontrei na Biblioteca da Liga dos Combatentes, obviamente um testemunho importante que nos faz pensar quantos outros se têm extraviado ou andarão esquecidos no pó das estantes. Interessava cruzar esta informação com muita outra (por exemplo, os testemunhos coligidos por Leopoldo Amado no livro que preparou sobre Aristides Pereira); não se fica a perceber como é que um membro do Conselho de Estado e galardoado com a medalha de Combatente da Liberdade da Pátria foi preso várias vezes depois da independência.

Dou comigo muitas vezes a pensar como é que os historiadores guineenses vão conseguir obter quadros históricos rigorosos, já nas próximas gerações, com tanta documentação malbaratada, tantos testemunhos inconclusivos e não sujeitos ao contraditório, isto para já não falar em documentos fundamentais que foram habilmente sonegados, caso do julgamento dos incriminados pelo assassinato de Amílcar Cabral, de que não resta um só testemunho escrito ou registo em bobine.
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Notas do editor

Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai) é membro da nossa Tabanca Grande e já viu publicadas as suas memórias nos postes de:

30 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6807: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (1): Encarregado de uma empresa francesa, em Bissau e depois Bolama (1946-1951)

2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense nos anos 50

5 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6828: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (3): Estabelecido por conta própria em 1955

8 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6836: Memórias de Um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (4): Casado em 1956, vereador em 1957, em Bolama, regressa a Bissau em Novembro de 1960, como convicto nacionalista

10 DE AGOSTO DE 2010 > GUINÉ 63/74 - P6843: MEMÓRIAS DE UM COMBATENTE DA LIBERDADE DA PÁTRIA, CARLOS DOMINGOS GOMES, CADOGO PAI (5): JÚLIO PEREIRA, PRESO, TORTURADO E MORTO NA PRISÃO PELA PIDE, SUSPEITO DE ESTAR POR DETRÁS DOS GRAVES ACONTECIMENTOS DE FARIM, EM 1/11/1965

13 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6848. Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (6): 1966, o ano das prov(oc)ações

16 DE AGOSTO DE 2010 > Guiné 63/74 - P6856: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (Fim): Prisão e tortura pela PIDE em 1967, libertação no tempo de Spínola em 1968, refúgio em Portugal em 1973 e regresso ao país depois do 25 de Abril de 1974

Último poste da série de 29 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11880: Notas de leitura (506): A imprensa esquerdista e a luta anticolonial: A Guiné (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11898: Álbum fotográfico de Carlos Fraga (ex-alf mil, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1973) (11): Imagens de postais ilustrados (Parte II)


Postal nº 11A


Postal nº 11B

Postal nº 12A


Postal nº 12B


Postal nº 12A


Postal nº 13B


Postal nº 14B

Fotos: © Carlos Fraga (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]

1. Continuação da publicação do álbum de Carlos Fraga, que foi alf mil, na 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, na segunda metade do ano de 1973, indo depois comandar, como capitão, uma companhia em Moçambique, a seguir ao 25 de abril de 1974).

Enquanto fez o seu estágio operacional no CTIG, o alf mil Carlos Fraga tirou fotos (e nomeadamente "slides") mas também comprou fotos, incluindo imagens de postais ilustrados. (*)

Publicam-se a seguir mais 7 fotos da sua coleção de postais ilustrados. Não trazem legendas. Pedimos a colaboração dos nossos leitores para  legendar as imagens.  Na nossa Tabanca Grande há seguramente amigos e camaradas que são capazes de identificar os grupos da população da Guiné do nosso tempo, aqui representados. É um desafio mas também um passatempo... de verão.

Como já aqui o dissemos,  havia da nossa parte pouca informação e conhecimento sobre a composição étnico-linguística da Guiné, da história e da cultura dos seus povos, das suas semelhanças e diferenças, etc.  A "instrução" que o exército nos deu, à pressa, era baseada no estereótipo etnocêntrico dos europeus...  A mim,  por exemplo, calhou-me uma companhia independente (a futura CCAÇ 12), composta por uma centena de militares do recrutamnente local, fulas e futa-fulas, que não falavam correntemente o português... Fomo-nos conhecendo mutuamente ao longo de 22 meses (incluindo o tempo da instrução de especialidade e de IAO, passado em Contuboel)...

Em 1950, os principais grupos étnicos (ou "tribos", como se dizia na época...) eram os seguintes: 

balantas (160 mil), 
fulas (108 mil), 
manjacos (72 mil), 
mandingas (64 mil), 
papéis (36 mil), 
brâmes (16 mil), 
beafadas (11 mil), 
bijagós (10 mil), 
felupes (8 mil), 
baiotes (4 mil) 
e nalus (3 mil) 

Os números são arredondados por excesso ou por defeito... Balantas, fulas, manjacos e mandingas representavam, só,  por sí, 60% do total. A população da Guiné era então de cerca de 510 mil, constituída em 98% por negros.  Os mestiços eram pouco mais de 4500 e os brancos não chegavam aos 2300...

Guiné 63/74 - P11897: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (11): Visita ao Centro de Saúde Materno-Infantil de Elalab, em pleno chão felupe



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > 8 de maio de 2013 >  Foto nº 13 > No regresso da visita a Elalab, um merecido almoço em Varela à sombra de um frondoso cajueiro.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela >  8 de maio de 2013 > Foto nº 14 > O frondoso cajueiro sob o qual os casais Silva e Teixeira almoçaram, depois do regresso de Elalab.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > A caminho de Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 1 > O caiaque Tabanca Pequena (oferecido pela ONG Tabanca Pequena) vai acostar para nos recolher


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > A caminho de Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 2 > O caiaque Tabanca Pequena.... Instaladas as damas, lá vamos nós rio abaixo


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > De Varela para Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 3 > O caiaque Tabanca Pequena... O Silva vai "atento ao inimigo"...


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 4 > A recepção da população local



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 5 > Aspecto exterior do Centro Materno-infantil





Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 7 > Até que enfim!,  já há um registo oficial dos nascimentos na tabanca de Elalab. Que grande avanço!




Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 12 > Um grupo de miúdos da escola local.



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 6 > Encontro com a comissão de mulheres gestoras do Centro, vendo-se em primeiro plano a coordenadora... 





 Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 8 >  As primeiras crianças a nascer (1)


 Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 9 >  As primeiras crianças a nascer (2)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 10 > Inesquecíveis momentos de diálogo em dois dialetos (o felupee o crioulo) e uma língua (o português)... O diálogo possível entre mães.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 11> A minha perdição: as crianças!



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 13 > No regresso a Varela apreciamos os viveiros de ostras nas plantas aquáticas das margens do rio.


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte XI

por José Teixeira


O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete.

No dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira. Ba 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo.

No dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)...

É desse evento que trata a 8ª crónica: os nossos viajantes regressam a Bissau, depois de uma tarde passada no Xitole para participar na festa de casamento de uma filha de um fula que, em jovem, era empregado na messe de sargentos e que tinha reconhecido o Silva, no seu regresso ao Xitole. A crónica nº 7 foi justamente dedicada ao emocionante reencontro [, em 1 de maio, ] com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole, ao tempo daCART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar oPel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973,

A crónica anterior a nº 9, corresponde ao dia 6 de maio: os nossos viajantes foram até Farim e regressaram a Bissau. já que o Francisco Silva, mesmo de férias, teve de fazer uma intervenção cirúrgica, a uma criança que esperava um milagroso ortopedista há mais de um ano! Na crónia nº 10, descreve-se a viagem até Varela, em 7 de maio. No dia 8, o grupo vai, de barco, até Elalab..

Próximas crónicas: 9 maio- Visita a Djufunko e um cheirinho de praia em Varela; 10 maio – Descanso em Varela; 11 maio – Regresso a Bissau e embarque de madrugada, de regresso a casa.

2. Parte XI> 8 de maio de 2013:  Em pleno chão felupe, visita ao Centro Materno-Infantil de Elalab

Foi um acordar sossegado, nesta manhã do dia 8 de Maio. Varela, terra banhada por um mar de águas cálidas e belas praias convida a uma pausa no ritmo de vida que vimos tendo desde que aterramos na Guiné-Bissau. 

Acordo ao som da cristalina água que se espreguiça nas areias brancas e finas, acompanhado por um sonoro chilrear da passarada que me transporta ao ano de 1968 em Ingoré, a umas dezenas de quilómetros, onde eu também acordava ao som dos passarinhos, mal o sol despontava. 

Nesse tempo era impossível percorrer a distância Ingoré a Varela sem uma escolta bem armada e por essa razão, pura e simplesmente não se fazia. De Varela ficou a recordação (segundo diziam) de que era uma praia maravilhosa, onde a famosa Brigite Bardot teria feito umas belas férias antes da guerra pela independência ter começado, e ficou o sonho secreto de um dia visitar Varela.

Terra de paz e sossego, foi um dos primeiros espaços territoriais a ser atacado no início da guerra, pelo seu valor turístico e simbólico. Ficou desde então reduzida ao esquecimento. Se durante a guerra não havia condições para manter o turismo, apesar dos povos autóctones, de maioria Felupe, serem pacíficos, e fiéis, contrariamente ao que se fazia constar de que eram canibais.

As novas autoridades [, da Guiné-Bissau,], talvez por castigo pela não adesão à causa, mantiveram toda esta região no esquecimento. Sem pontes nem estradas, sem assistência de qualquer espécie. De recordar que a ponte sobre o Rio Mansoa foi aberta em 2003 e a de S. Vicente sobre o Rio Cacheu foi inaugurada em 2009, quebrando assim o isolamento da Guiné- Bissau para Norte por S. Domingos até ao Senegal. As velhas jangadas a pedir reforma há muitos anos eram um atraso de vida para quem precisava de se deslocar para lá da terra para tratar da saúde, fazer compras ou vender os produtos da terra.

Varela ficou assim mais perto de Bissau, apesar de serem precisas mais de duas horas para cobrir os cerca de 60 quilómetros que separam esta Tabanca da cidade de S. Domingos, devido ao mau estado da picada que as une, se for na época seca. Na época das chuvas, creio que o tempo duplicará, mesmo com um condutor experiente.

Da forte herança colonial destruída durante a guerra há as ruinas de um hotel à beira-mar e alguns resíduos de construções, talvez habitações e bares junto à praia. Ruinas que o mar se apressa em destruir no seu caminhar pela terra adentro.

A umas dezenas de metros da praia, algumas construções modernas, propriedades de guineenses com algumas posses, residentes em Bissau, e que aos fins-de-semana, tal como em Portugal, procuram este local para descansar, agora que as pontes e a estrada alcatroada até S. Domingos lhe permitiram reduzir o tempo de estrada. Um pouco mais afastada, fica a Tabanca, onde a Chez Héléne da Fá é uma referência de bom comer e bem-estar.

Varela está nas bocas do mundo e no pensamento dos políticos locais pelo valor acrescentado que as jazidas de Titânio e Zircão, lhe vieram trazer. Metais raros, de grande utilidade para a fabricação de peças de aviões e componentes para telemóveis, cuja exploração está a ser disputada por russos e chineses, para enriquecimento não da população local mas dos políticos como sempre acontece.

Bem pelo contrário, a população pode vir a sofrer consequências nocivas, não só pela perigosidade para a saúde, pelas substâncias cancerígenas usadas na sua exploração, mas também pelo desastre ecológico que a sua exploração pode provocar, nomeadamente a contaminação do lençol freático e a poluição do ecossistema rico em orizicultura e piscicultura.

Depois do pequeno-almoço que a Satu, filha do nosso cicerone, o Kissimá, nos preparou com carinho, partimos de novo. O nosso motorista, sempre pronto, como nos tempos em que era 1º cabo do exército português, estava à espera. Seguimos até Suzana, internamo-nos na mata até encontrarmos as margens do rio que se espreguiça pelas terras bolanhosas inundando-as de água salgada tornando-as improdutíveis. Mais, impede a circulação de pessoas, isolando as populações de forma impiedosa.

Para chegarmos a Elalab, o nosso destino de hoje, temos dois caminhos à escolha: (i) uma viagem pelo areal desértico, seguida de uma caminhada através de um dique construído por mão humana, que nos levará pelo menos três e horas de canseira; ou (ii) uma viagem de barco – O Tabanca Pequena, em homenagem à Associação Tabanca Pequena ONGD que o ofereceu à população desta tabanca há cerca de dois anos, reduzindo assim o tempo de chegada a Suzana para cerca de 45 minutos, navegando ria acima e pondo de lado a longa caminhada no quente e desértico areal.

[Não conseguimos identificar, nas nossas antigas cartas militares, a posição exata de Elalab. De qualquer modo nas férias, estamos com acesso limitado á Net, LG.]

Sem dúvida, que a opção foi a viagem de barco. Se atravessar as picadas do Cantanhez no Sul da Guiné, por vezes sentimos um arrepiar da espinha, ao rever mentalmente outros tempos bem mais difíceis. Este arrepiar que era felizmente compensado com o acolhimento de irmãos, somos, proporcionado pelas populações por onde passamos. Agora descer o rio com aquelas margens fechadas de floresta virgem e o ruido do pequeno motor a avassalar o ambiente, transporta-nos de novo ao tempo em que por detrás de cada árvore gigantesca que povoavam as suas margens estava um perigoso “turra” de RPG apontando ao couraçado da LDM que nos transportava para qualquer operação de “pacificação” e logo eu que não sei nadar!

Aqui, nas margens deste rio, de águas calmas e tempos de paz, as ostras colam-se aos rebentos das plantas aquáticas imprimindo aos seus troncos banhados pelas águas uma cor esbranquiçada. Um bom prenúncio para o que nos espera nesta laboriosa tabanca Felupe.

Junto ao cais improvisado, as crianças da escola local, mulheres e homens esperavam expectantes. O barco dobra a curva do rio e eis que uma multidão começa a cantar e a dançar, abrindo clareiras para os “ilustres” visitantes passarem, logo que o barquito atraca no tarrafo. É desta forma, alegre e expansiva que a população de Elalab acolhe estes dois casais [, os Teixeira e os Silva], em visita de cortesia.

No Centro Materno-Infantil, uma pequena construção pedida pelas jovens mulheres cansadas de sofrer as dores da maternidade em espaço aberto e que a AD- Acção Para o Desenvolvimento com o apoio das ONG TABANKA [, alemã,] e Tabanca Pequena, construiu e garante a manutenção, fomos recebidos pela comissão de mulheres que gerem este projeto.

Inesquecíveis momentos de diálogo em três dialetos: o felupe, o crioulo e o português. Mas deu para entender, os seus sonhos: Ter um espaço íntimo e reservado para o trabalho de parto, com o mínimo dos mínimos de condições de higiene; ter algum equipamento para facilitar as tarefas, ter medicamentos, sobretudo Paracetamol para as dores de cabeça e Quinino para a malária das crianças.

Ao ser-lhes perguntado, se não estavam precisando de mais nada, a coordenadora sorriu e disse que tinha de ir reunir com as outras pessoas (mulheres) que estavam cá fora para lhes perguntar. Feita a consulta, pediram-nos uma televisão para a escola. Aguardamos que a AD confirme se na região há sinal de TV, mas a televisão vai aparecer com toda a certeza.

Que lição, para os homens de mulheres de hoje, deste mundo consumista!

Seguiu-se o encontro com um grande grupo de homens, mulheres e crianças que nos esperavam no exterior à sombra de gigantescos poilões e, enquanto esperavamos pelas deliciosas ostras que estavam algures a ser preparadas para nós saborearmos, fomos ouvindo uns e outros a falarem de dificuldades, de sonhos, de esperança, ao mesmo tempo que aprofundávamos os nossos conhecimentos sobre a história deste povo, o felupe, que continua a usar o arco e flecha com maestria, alheio às novidades tecnológicas que tem um sonho – ter um médico que os visite de longe a longe e medicamentos para lutar contra a malária. Por ora têm apenas um enfermeiro, que de motoreta, e há que dar graças a Deus, uma vez por mês os visita, mas vai sempre de mãos vazias.

O Centro Materno Infantil, neste cerca de ano e meio de vida, acolheu quinze parturientes. Catorze crianças vivas e saudáveis vieram ao mundo, trazidas por suas mães ajudadas pelas mãos daquelas mulheres (matronas) que se entregaram a este projeto, apenas e só por amor à vida renascida em cada criança que chega a este mundo. A décima quinta ficou pelo caminho, sem ver a luz do sol, mas há duas mães esperançosas e sorridentes à espera do seu momento. Que seja um feliz momento.

Maldito tempo que desaparece sem darmos por si. Chegou a hora da despedida. Abraços sentidos, sorrisos de esperança e dor. Um reforçar dos pedidos – mezinho para as crianças, a televisão para a escola e… partimos de novo, rio acima até Suzana, onde nos esperava o Bemba para nos transportar a Varela e à sombra de um frondoso cajueiro bem carregadinho de fruto, saboreamos o petisco de frango que a Satu nos preparou com todo o carinho, neste almoçar tardio, depois de uma manhã cheia de emoções e aventuras.

Depois de um merecido descanso, um passeio pela costa marítima à procura do local ideal para uma banhoca nas mornas e serenas águas do Atlântico.

E assim se passou mais um dia de aventura nesta nova Guiné, a Guiné-Bissau.
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Nota do editor:

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11896: In Memoriam (155): A CCAÇ 3327 prestou sentida homenagem ao Soldado Manuel Veríssimo de Oliveira (José da Câmara)

1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, BráBachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviada ao nosso Blogue:

Caríssimo Carlos Vinhal, amigos e camaradas,
O dia 27 de Julho levou-me à linda ilha de São Miguel para mais um convívio da CCaç 3327 e não só. Na verdade, muito mais importante que o convívio foi a nossa visita ao cemitério da Lomba de São Pedro, Concelho do Nordeste, onde prestámos uma simples e muito sentida homenagem ao nosso Manuel Veríssimo de Oliveira.

A generosidade dos homens que serviram na CCaç 3327 permitiu angariar os fundos necessários para a compra da campa tumular. Para além disso contámos com a boa vontade da Junta de Freguesia da Lomba de São Pedro, Concelho do Nordeste, Ilha de São Miguel, que cedeu a sepultura à família do Oliveira, e a prestimosa colaboração dos Núcleos da Associação dos Deficientes das Forças Armadas e da Liga de Combatentes, da Ilha de São Miguel, com colaboração diversa.

A Câmara Municipal de Ponta Delgada também colaborou ao ceder um autocarro que em muito facilitou o nosso transporte.

Todos estes gestos de boa vontade jamais serão esquecidos por mim e por todos aqueles que tomaram parte no evento. E falta falar de um homem e de uma família séria e generosa, o José Massa e os seus simpáticos familiares, que não regatearam esforços para que a cerimónia no cemitério e o convívio tivessem o respeito e o brilho alcançados.

Para além das muitas horas roubadas ao seu dia a dia, a família Massa emprestou uma simplicidade saudável, bom gosto e muito carinho em todos os passos que deram para que tudo estivesse a contento. Os seus esforços foram compensados com um resultado de alto gabarito, que me apraz enaltecer. Pessoalmente posso dizer que me senti em casa e em família.

Para os meus amigos da CCaç 3327 e todos aqueles que se viram envolvidos nesta homenagem, incluindo a família do Oliveira, com um especial para o José Massa e a sua família o nosso muito obrigado.

Quaisquer outras palavras que pudesse acrescentar ficariam sempre muito aquém daquilo que me vai na alma.

Um abraço transatlântico do
José Câmara


A CCAÇ 3327 PRESTOU SENTIDA HOMENAGEM A MANUEL VERÍSSIMO DE OLIVEIRA

Perante uma moldura humana muito apreciável, no bem arranjado cemitério da Lomba de São Pedro, Concelho do Nordeste, Ilha de São Miguel, teve lugar uma simples, mas muito sentida homenagem ao Soldado Manuel Veríssimo de Oliveira, da CCaç 3327.

Toda a cerimónia de homenagem foi pautada pela simplicidade e respeito para com o nosso camarada e amigo Manuel.

Foto do Furriel Pinto, CCaç 3327

Como coordenador da homenagem coube-me a abertura da mesma com as seguintes palavras:

Exma. Família Oliveira, 
Exmo. Sr. Capitão Rogério Alves, Senhores oficiais, Furriéis e Praças da CCaç 3327, 
Exmo. Sr. Presidente da Junta de Freguesia da Lomba de São Pedro e Esposa, 
Exmos. Srs. Presidentes das sucursais da Associação de Deficientes das FA e da Liga de Combatentes e esposas, 
Nossos convidados 

Se me permitem e espero não abusar do tratamento, meus caros amigos:

Para os que não me conhecem, eu sou o José Câmara, Furriel Miliciano na Companhia de Caçadores 3327. 
Como militar que fui, sinto que cumpri com honra e dignidade o meu Dever para com a minha Pátria amada, vestindo orgulhosamente o uniforme do Exército Português. 
Também por isso, mas não só, sinto que estou em boa companhia, a de todos vós aqui presentes. 
Estamos aqui para celebrar uma vida, homenageando a memória do nosso familiar, camarada, companheiro e amigo Manuel Veríssimo de Oliveira, militar que foi na Companhia de Caçadores 3327. 

O Manuel foi o primeiro de nós a regressar a casa, ao seio da família. Chegou de maneira diferente, mas nem por isso deixou de ser o filho amado e, certamente, continuou a ser o irmão querido. 
Para nós, militares da Companhia de Caçadores 3327, o nosso Manuel, como ainda hoje lhe chamamos, foi e será sempre o nosso camarada, companheiro e amigo, nos grandes sacrifícios que passámos juntos na Mata dos Madeiros, zona que lhe foi tão madrasta, naquele mês de Abril de 1971. 
O Manuel não ficou a dever nada à vida, mas esta ficou a dever-lhe tudo, quando não lhe deu a oportunidade de constituir família própria, de ser pai e muito menos avô. Mas a verdade, a grande verdade é que ele também nunca esteve só e jamais o estará. Hoje, agora, neste local, podemos afirmar com propriedade que o Manuel nunca nos deixou e sempre viveu em nós. Por isso estamos aqui, ao seu lado.

Manuel, companheiro de luta, 
No dia em que caminhaste de junto de nós, pudemos observar a tua passada rápida e firme ao encontro de um novo comandante, de uma nova companhia, de novos companheiros, de um novo acampamento num lugar diferente, na Mata Celestial. Chegado ali, já no teu novo posto de sentinela, continuaste a velar por todos nós. Até nisso cumpristes a tua nobre missão. 
Na Guiné, na Mata dos Madeiros, ainda lá está a estrada regada com o teu e o nosso suor e o de muitos outros, calcada com o peso de trabalho insano, alcatroada com o sacrifício heroico da tua vida, espelho da coragem do militar português e, em particular, do soldado açoriano. 
Até nisso soubeste ser tão bom como os melhores quando deste o teu dom mais precioso, a tua vida, a uma Pátria amada que juraste defender.

Versos foram escritos em tua memória e eu fui seu fiel depositário. Quadras simples, falantes, espelho da tua vida e dos sentimentos que assolaram os teus familiares e os teus companheiros de luta. Não interessa conhecer o autor dos versos, porque fomos todos nós que os escrevemos. 
Eu fiquei com um único direito sobre aquelas folhas escritas, fazê-las chegar ao seu destino. 
Foram 42 anos em patrulha, sem dúvida uma longa e dolorosa caminhada, mas hoje atingi o meu objetivo. 

Tal não teria sido possível sem a ajuda de todos os camaradas da CCaç 3327, com um especial agradecimento para o José Cristiano Massa. 
Também prestimosa foi a colaboração do Sr. Presidente da Junta de freguesia da Lomba de São Pedro, dos Srs. Presidentes das sucursais da Associação de Deficientes das Forças Armadas Portuguesas, da Liga de Combatentes da Ilha de São Miguel e ainda da Câmara Municipal de Ponta Delgada. 
Por último, mas sem dúvida a mais importante, a disponibilidade da Família do Manuel que nos permitiu esta simples quanto sentida homenagem. 
Por tudo isso o meu obrigado, o obrigado dos militares da Companhia de Caçadores 3327. 

O Roteiro da Saudade, da Companhia de Caçadores 3327, abre com um artigo, onde no penúltimo parágrafo pode ler-se o seguinte: 
- Recordas ainda o infeliz Oliveira? Quando o seu pai te encontrar, abraça-o, não lhe digas nada pois não há palavras que o possa consolar, mas deixa-o chorar.

Manuel, 
Não chegamos a tempo para um abraço ao teu pai e à tua mãe. Mas as tuas irmãs e os teus irmãos serão depositários do nosso abraço, da nossa camaradagem, do nosso respeito, do nosso carinho, da nossa gratidão. 
No cumprimento do Dever que todos, nós e as gerações futuras, saibam honrar o teu sacrifício. 
Se nos permites, num até sempre, deixo contigo o título do artigo que abre o Roteiro da Saudade da tua e nossa Companhia: 
Até Logo Amigo.

Homenagem da CCaç a Manuel Veríssimo de Oliveira 
Foto de Fur. Mil. Pinto

Seguiram-se várias as intervenções, todas elas no mesmo sentido: lembrar o homenageado e o seu sacrifício para com a Mãe Pátria. E se é certo que já se passaram 42 anos desde que o Manuel faleceu, a emoção foi evidente nas lágrimas que vimos rolar em muitos rostos.

Na sua intervenção o Sr. Presidente da Junta de Freguesia da Lomba de São Pedro ao agradecer a nossa presença afirmou que naquela cerimónia tinha aprendido mais sobre a Guerra no Ultramar que em toda a sua vida.

O Sr. Presidente do Núcleo de Deficientes das Forças Armadas de Ponta Delgada agradeceu o convite que lhe foi endereçado, aproveitando o ensejo para afirmar o seu sentimento de combatente nesta generosa homenagem.

O Sr. Capitão Rogério Rebocho Alves, Comandante da CCaç 3327, aproveitou para nos lembrar o que era ser comandante de uma companhia e o sentimento atroz de perder um militar, independentemente das circunstâncias.
Terminou a sua intervenção abraçando os familiares do Manuel.

Coube a um jovem sobrinho do Manuel agradecer em nome da família tudo o que fora feito pelo tio e a presença de todos ali.
O momento era de emoção.
Bem compreendemos.

A cerimónia de homenagem ao Manuel chegara ao fim. Não sem antes, pelos presentes que foram militares, ter sido guardado um minuto de silêncio, em sentido e em continência pelo Manuel e por todos aqueles que um dia envergaram o uniforme do Exército de Portugal.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11797: In Memoriam (154): Roberto Quessangue, cofundador e presidente da assembleia geral da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, especialista em questões agrícolas e ambientais, morre hoje no Hospital Nacional Simão Mendes, em Bissau

Guiné 63/74 - P11895: Convívios (522): 5.º Almoço do pessoal da CART 6254/72 - "Os Presentes do Olossato", dia 14 de Setembro de 2013 em Paramos-Espinho (Manuel Castro)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Castro (ex-Fur Mil Mec Auto da CART 6254 - Os Presentes do OlossatoOlossato, 1973/74):

Meu caro Carlos Vinhal,
Os ex-combatentes que fizeram parte da CART 6254/72, que esteve sediada no Olossato e depois no Dugal, vão levar a cabo, no dia 14 Setembro de 2013, o seu 5º almoço/convívio.
O repasto vai realizar-se no restaurante Casarão do Emigrante em Paramos, Espinho.
A concentração será, às 10 horas, no Regimento de Engenharia nº 3.

Pedia-te o favor de publicitares o nosso almoço, no site do Luís Graça.
Anexo o respetivo programa.

Contactos:
Ex-Furriel Figueiredo (Seringas) 967 090 603 - Porto
Ex-Furriel Castro (Rodinhas) 962 471 506 - 258 731 207 - E-Mail: casadolaranjal@gmail.com
Carvalho e Sá (M.A.R.) 917 611 175 / 220 812 480

Um grande abraço e muito obrigado pela atenção
Manuel Castro
Ex-Fur Mil da CART 6254
casadolaranjal@gmail.com


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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11833: Convívios (521): Factos e imagens do XXIII Encontro da CART 3494 – 2008 (Jorge Araújo / Sousa de Castro)

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11894: Memória dos lugares (241): Surpresas que só a Feira da Ladra oferece (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
As minhas peregrinações à Feira da Ladra têm diferentes objetivos, ando à cata de livros que já não se encontram no mercado, surpreendem-me as bancas que têm livros atualíssimos a menos de metade do preço, por vezes deixo-me embeiçar por esta ou aquela bugiganga, mas tenho o faro apurado para os materiais guineenses, desta feita encontrei o que junto, agora bater à porta do Humberto Reis, talvez ele possa digitalizar este mapa de 1:500 000, quanto mais informação arrecadarmos da nossa querida Guiné melhor para todos.

Um abraço do
Mário


Surpresas que só a Feira da Ladra oferece

Beja Santos

É preciso ser-se paciente, ir descomprimido, pronto a aceitar revezes ou acolher a dulcificação das surpresas. Já tinha visitado as bancas do costume, remexera caixotes, até estantes empoeiradas, ali à volta do Mercado de Santa Clara há poisos fixos, não é impossível ser premiado com uma surpresa guineense. Pois naquele dia nada aconteceu. Desci para a zona do Panteão, onde acampam jovens que esvaziam o que ninguém já quer em casa. Foi aí que encontrei este mapa da Guiné-Bissau, só espero que uma alma caridosa me esteja a ler (serás tu, Humberto Reis?) e que se ofereça para digitalizar este metro de mapa que, vamos lá, não me parece ser obra perfeita. O que reproduzo é o mapa de Bissau, uma Bissau certamente com várias décadas.
E encontrei também um conjunto de seis postais publicados pela Tiniguena, com sede no Bairro de Belém, Caixa Postal 667. Da série foi este dedicado às “Okinkas” (sacerdotisas) da “Baloba” (santuário) de Eticoga, Ilha de Orango Grande, Bijagós que mais me impressionou, desculpem, mas é de uma rara beleza, nunca vi tais cambiantes de amarelo, tudo realçado pela pele escura destas meninas dos Bijagós. Desfrutem este realismo mágico, é o que tenho para vos oferecer de mais uma ida à Feira da Ladra.


 “Okinkas” (sacerdotisas) da “Baloba” (santuário) de Eticoga, Ilha de Orango Grande, Bijagós

 Mapa de Bissau

Mapa da Guiné-Bissau
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11877: Memória dos lugares (240): Xime (macaréu), Bambadinca e Bafatá (José Rodrigues)

Guiné 63/74 - P11893: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (1): Mobilização

1. Primeiro episódio da série "Conversas à mesa com camaradas ausentes", pelo nosso camarada José Martins Rodrigues*, ex-1.º Cabo Aux Enf da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72:

A todos os ex-combatentes da Guiné
Só peço ao meu futuro que respeite o meu passado

No baú das memórias de cada um de nós existem inúmeras “Estórias da Guerra” por contar.
O convívio semanal na Tabanca de Matosinhos e o nascimento da ONG Tabanca Pequena-Amigos da Guiné a que me honro pertencer, despertaram-me para o desafio de retirar do baú as minhas “estórias da guerra”. Para ultrapassar a minha manifesta falta de jeito para a escrita, socorro-me de um método narrativo baseado na descrição cronológica de episódios, a que chamarei “Conversas à mesa com camaradas ausentes”. Do outro lado da mesa estará sentada a esperança de encontrar alguém que se reveja nas “estórias” relatadas e sinta a emoção do reencontro com realidades da nossa vivência na Guiné.


CONVERSAS À MESA COM CAMARADAS AUSENTES

ESTÓRIAS DA HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL - GUINÉ-BISSAU

1 - Mobilização

Lembras-te camarada, daquele dia em que recebemos a notícia da nossa mobilização para a Guiné, estávamos então colocados no RAP2 em Vila Nova de Gaia, e te dei conta do quanto iria sofrer para informar o meu PAI dessa má nova? Estávamos nessa altura com 18 meses de tropa, colocados bem perto de casa por mérito da nossa elevada classificação na especialidade de enfermagem e, já tínhamos como certo que por cá ficaríamos.
Má sorte a nossa.

E a esperada reacção do meu pai que, como também sabias, era completamente contra a minha participação na guerra colonial devido às suas arreigadas convicções políticas, contrárias ao regime de então.
Temendo uma reacção destemperada do meu PAI, pedi-te que me acompanhasses até casa para que, com a tua presença, me ser mais fácil dar-lhe a má notícia.
Lembras-te da sua reacção?

Vamos já tratar de te “pôr” em França - disse ele. O pior está para vir, pensei eu, que já havia decidido não desertar nem abandonar o país. Como a nossa especialidade era enfermagem, ainda alimentei a esperança de que o meu PAI não olhasse para a minha ida para a Guiné como “mais um ao serviço do colonialismo”.

Quando recusei a ida para França, assumindo dessa forma uma decisão contrária aos seus desejos, passei a carregar o fardo de uma rotura que sabia ser dolorosa num momento difícil de quem vai para um cenário de guerra e cujo desfecho é sempre imprevisível. Como foi importante camarada a tua presença nesses momentos. Na assunção dessa decisão por inteiro, percebi que o meu futuro começava ali.

Regressámos ao quartel e pouco tempo depois veio a informação de que o Batalhão a que iríamos pertencer seria formado no próprio RAP2, Unidade em que prestávamos serviço nessa data.

Vista aérea do RAP-2, em Vila Nova de Gaia, sobraceiro ao Rio Douro
Com a devida vénia a Crónicas de Angola

Lembras-te camarada com a tristeza que ficamos já em Viana do Castelo, cidade em que aquartelamos para fazer o IAO, quando soubemos que iríamos ficar em Companhias diferentes, nós que estivemos juntos na recruta, na especialidade, no estágio da especialidade e até no RAP2?

Já mais separados, deambulámos pelos montes por detrás de Santa Luzia em busca da preparação tida como necessária para o bom desempenho das nossas funções. Lembras-te dos desenfianços que, juntamente com o camarada que tinha uma Renault 4L, fazíamos algumas noites para vir a casa que no meu caso, era dormir em casa de uma tia da minha namorada?

Viana do Castelo - Vista da foz do Rio Lima a partir do Monte de Santa Luzia

Até que, após vários adiamentos, lá chegou a hora de apanharmos o comboio rumo a Lisboa, aconchegados com o saco dos nossos pertences, em que cabiam volumes de maços de tabaco, montes de cuecas e peúgas etc. Lembras-te daquele trambolhão que o meu saco deu no comboio e em que se partiu a garrafa de whisky que me havia dado um tio do meu pai que era Guarda-Fiscal?

Fiquei a fumar cigarros com intenso a sabor a álcool durante uma temporada porque não havia dinheiro para mais.

(Continua)
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Nota do editor

Vd. poste de 28 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11877: Memória dos lugares (240): Xime (macaréu), Bambadinca e Bafatá (José Rodrigues)

Guiné 63/74 - P11892: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (2): Mobilização

1. Segundo episódio das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro no ano de 2005:


MEMÓRIAS DA GUINÉ

2 - A Mobilização

Em Setembro de 1969 sou mobilizado, sendo integrado num Batalhão que estava a ser formado em Chaves com destino à Guiné.
O Comandante de uma das Companhias, Capitão Pardal (do quadro permanente) baixou ao Hospital Militar e eu fui designado para o substituir. Munido das análises e do relatório médico dirigi-me a Chaves, onde cheguei ao fim de um determinado dia.

Na manhã seguinte apresentei-me ao Comandante de Batalhão e referi-lhe o que tinha acontecido comigo, relatando-lhe a cólica renal de que teria sido acometido e mostrando-lhe os documentos que me acompanhavam.

- Já tomou o pequeno almoço? - perguntou-me o Comandante.
- Não, ainda não, respondi-lhe.
- Então venha daí comigo e enquanto o tomamos juntos vamos conversando.

Nessa conversa que tivemos fiz-lhe ver que para o Batalhão que comandava não era aconselhável ter um Comandante de Companhia (um capitão) fisicamente diminuído e que me parecia dever procurar-se, em primeiro lugar, o meu restabelecimento completo antes de iniciar funções.
Concordou comigo e mandou chamar o médico para me observar. Dessa inspecção médica resultou que, nesse mesmo dia, fui mandado para o Hospital Militar do Porto.

Aí apresentei as minhas queixas no que respeitava à parte renal mas também fiz questão em referir que fazia a digestão dos alimentos com dificuldade e tinha permanentemente azia.
Fui por isso sujeito a diversas análises à urina e ao sangue.

Quando os resultados foram conhecidos pelo médico este chamou-me ao seu consultório e fez-me algumas perguntas:
- O Senhor Capitão consome bebidas alcoólicas com frequência?
- Não. Raramente bebo vinho e quando o faço é com muita moderação. Quando muito bebo um copo a certas refeições.
- Nunca teve hepatite?
- Não, que eu saiba não.
- Olhe Senhor Capitão, para África o Senhor não vai, concerteza. Há aqui uma análise que nos dá valores muito altos: quatro cruzes.
- Quatro cruzes? Mas isso é um cemitério. Doutor, o que se passa? Estou a ficar intranquilo.

O médico acabou por me aconselhar calma e decidiu que, durante quinze dias, passaria a fazer uma rigorosa dieta e que, no final dessas duas semanas, voltaria a fazer novas análises.
Com este contratempo, em Chaves não puderam esperar mais por mim e fui substituído no Batalhão que estava para partir para a Guiné.

As novas análises apresentaram somente duas cruzes, o que já não foi considerado grave. Quanto às minhas queixas na região lombar verificou-se que, além de pedras nos rins, eu tinha uma deficiência congénita: uma das vértebras finais da minha coluna vertebral não tinha ossificado completamente, pelo que, possivelmente, era essa anomalia a causadora da incomodidade que sentia quando estava algum tempo na posição de pé. Defeito de fabrico. Nada que fizesse parte da lista de doenças que impedissem o cumprimento do serviço militar. Tive, por isso, alta do Hospital, e apresentei-me na minha unidade de origem: o Grupo de Artilharia Contra Aeronaves nº 3, em Paramos, Espinho. Unidade essa que, no caso de Portugal ser atacado, fazia parte da defesa antiaérea da cidade do Porto.

Parada actual do ex-GACA 3 de Espinho

Nunca percebi porque pertencendo eu a uma arma de artilharia antiaéria teria de integrar uma Companhia de Infantaria.
Como já havia sido mobilizado para a Guiné, fiquei, por isso, hipotecado a essa província ultramarina, como acontecia então.

Passei a fazer parte de uma lista de rendição individual. Quando chegasse a minha vez renderia na Guiné um Capitão que, porventura, viesse a ser evacuado por doença ou ferimento. Nessa situação e com base numa disposição vigente na altura, ofereci-me para efectuar uma comissão civil no território da Guiné, solicitando, por isso, que a minha futura mobilização fosse suspensa.

O resultado dessa minha iniciativa foi o seguinte:
"Por despacho de S.Exª o Secretário de Estado do Exército foi indeferido o requerimento em que o Cap. Milº de Artª Fernando de Pinho Valente do G.A.C.A. 3 requer suspensão da mobilização para o C.T.I. (Comando Territorial Independente) da Guiné, até ser despachado o seu oferecimento para o mesmo C.T.I. em cumprimento de comissão civil.
Nos termos do mesmo despacho deverá ser o oficial informado que a sua passagem à comissão civil está a ser considerada."

Perante isto resolvi escrever uma carta pessoal ao General Spínola, Governador e Comandante-Chefe da Guiné.
Nessa carta referia que, não sendo militar profissional, tinha dúvidas acerca da minha futura actuação como Comandante de uma Companhia Operacional. Não estava em causa a minha colaboração no esforço que estava sendo levado a efeito na Guiné, mas pela formação que tinha e pelas boas provas que já havia prestado como técnico de engenharia, julgava eu que poderia dar muito melhor rendimento no desenvolvimento sócio-económico que sabia estar a verificar-se na Província do que propriamente no campo militar.

Uns dias antes de me chegar a mobilização para substituir o Capitão Milº Quintela que havia sido alvejado com um tiro num braço na região de Serpa Pinto, recebi uma carta do Secretário do General Spínola onde me era dito que o Senhor Governador e Comandante-Chefe tinha tomado em muito boa conta as palavras da minha carta e que, quando chegasse à Província, lhe pedisse audiência que ele me receberia.

Na altura fiquei optimista e lembro-me de dizer à Lena:
- Olha, suponho que a guerra da Guiné está ganha.

Ela queria que eu pedisse uma nova Junta Médica, mas resolvi esperar pela nova mobilização. Mobilização que passados dias chegou.

Procurei lugar num dos táxis da praça de Viseu, que se dirigiam a Lisboa regularmente nessa altura. Acabei por arranjar lugar num deles.
Os meus companheiros de viagem deram-me o lugar da frente.

Despedi-me da Lena e do miúdo que ficaram lavados em lágrimas.
Pus uns óculos escuros e durante alguns quilómetros não falei. As lágrimas rolaram-me ininterruptamente pela cara.

Às 2 horas da manhã desse dia voava na TAP para a Guiné.

(Continua)


in "Memórias da Guiné" de Fernando Magro - Edições Polvo, Ldª - 2005
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 24 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11865: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (1): A incorporação na vida militar

Guiné 63/74 - P11891: De regresso, com o fotojornalista Daniel Rodrigues... As fotos que eu gostaria de poder voltar a tirar (1): Os putos de Candamã, regulado do Corubal (Torcato Mendonça, Fundão, ex-alf mil, Cart 2339, Mansambo, 1968/69)










Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor de Mansambo >  Camdamã > 1969 > Fotos Falantes III > Aspectos da tabanca em autodefesa de Candamã. O 2º Gr Comb, comandado pelo alf mil Torcato Mendonça, vindo de Mansambo, foi destacado em Julho/Agosto de 1969, para o reforço do subsector de Galomaro, incluindo as tabancas em autodefesa de Cansamba e Candamã. O Gr Comb do Torcato Mendonça voltaria a Candamã, já no final da Comissão, em Outubro de 1969, no mês em que se realizaram as eleições para a Assembleia Nacional... 

Fotos:  © Torcato Mendonça (2012). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Comentário de Torcato Mendonça ao poste P11888 (*)

Olá,  Luís Graça,

Ainda não estou ON...estou a sair do OFF. Foi quase um mês fora do "circuito". Ontem já falei com o Carlos Vinhal e tento arrumar, além dos obrigatórios, os "postes" do Blogue, comentários e e-mails. Os do Blogue são uma resma e os restantes estão seleccionados...por alto. Vai com calma e não esqueci a tal Lança Afiada.

Quanto *a foto do Daniel Rodrigues,  já falei nela com o Luìs Dias, se me não engano, ou com outro "Dulombi". Além disso tenho o Blogue do Daniel na minha "Pasta Fotografia". Acho a ideia gira, como giro seria fotografar os meninos de Candamâ e outros das Fotos Falantes e outras que nem sei aonde estão (disco externo? Talvez.), São do Blogue,  claro,  e tiradas por mim.

Escrevi porque estas fotos do Dolombi me impressionaram e trouxeram-me, com emoção, outras aqui saídas e a questão é: quantos meninos a que demos aulas, alguma comida, ensinamentos etc., estarão vivos ? Agora vou fechar isto e tentarei ver da varanda as estrelas...Abraço,  Camarada T. .....Ainda doi, não é?...Vidas!!!

2. Nós da memória > Os putos de Candamã (**)
por Torcato Mendonça 

Parecem bandos de pardais os Putos… os Putos…Não, estes não eram esses putos. Estes viviam nas Tabancas de Candamã e Afiá, como em muitas outras por essa Guiné fora. Alegres, brincalhões, bem dispostos, sorrisos francos e abertos os destes putos. Felizes? Penso que sim, dentro das limitações impostas.

Tinham pouco, tão pouco e, mesmo assim, nada pediam talvez pela sua timidez e educação. Os olhos,  esses,  tudo diziam, olhares iguais a de outros miúdos, aos dos putos do fado ou dos putos de nossas vilas e aldeias que nesse tempo, a maioria, pouco mais tinham que esses putos de Candamã ou das Tabancas.

Aos poucos fomos conquistando a sua confiança. Dava-se algo, tratava-se de uma ferida infectada, pedia-se para executarem uma simples tarefa. A sua curiosidade, a alegria espontânea,  levava-os a de pronto ajudar. Para eles éramos pessoas diferentes, não só na cor, mas no vestir, nos hábitos, na comida. As armas eram o poder da força que parecíamos ter.

Andavam à nossa volta timidamente e sem incomodar, aproximando-se mais na hora das refeições mas sem nada pedir. Fomos nós a oferecer do pouco que tínhamos. Talvez pareça estranho mas não abundava a nossa comida e, de quando em vez, havia “rotura de stock”.

Acabamos, não recordo de quem foi a ideia, por fazer uma Escola para os putos. Não privilegiámos o ensino do 1, 2, 3…ou do a, e, i, o, u. Procurámos, dentro das nossas possibilidades, transmitir conhecimentos diversos como regras de higiene, tratar dos pequenos problemas de saúde e outros, onde também se inseriam o ensino das letras e números e, talvez mais importante, fazendo deles os elos de ligação entre nós e a comunidade onde nos inseríamos. Seria fundamental esta interligação entre as duas culturas. Já tínhamos algum tempo de Guiné e sabíamos quanto isso era importante. A Escola foi o local onde eles iam aprendendo e apreendendo muito bem tudo o que lhes ensinado e, ao mesmo tempo, o local de integração mutuo.

Eram outros saberes e procurávamos nunca violentar os deles antes apreende-los e assim melhor entender como ali se devia viver. Desse modo creio, mesmo hoje, que todos beneficiaram. Pouco podíamos fazer pela melhoria da saúde ou higiene deles. Os nossos recursos e conhecimentos eram muito limitados. Pedíamos à sede da Companhia e geralmente apareciam. A sarna era debelada com Thiosan, a pele era melhorada com sabonetes Lifeboy (seriam estes os nomes?) e as pomadas e líquidos LM . [, Laboratório Militar,] para tudo davam.

Depois das “aulas”, pouco tempo sentados para não aborrecer, tínhamos a ginástica, o jogo com a bola de trapos e outros jogos simples. Tudo a passar-se no largo das moranças do Régulo e com a bandeira de Portugal no mastro. Era diariamente hasteada e arreada pelos homens das Tabancas. Muitas vezes assistíamos. Afazeres diversos, que se prendiam com a nossa vida militar, não permitiam a assiduidade que devíamos ter. Era uma vida em que as horas, e muito mais, eram limitativas dessa e de outras disponibilidades. Eram sempre os homens da tabanca a tratar daquela sua bandeira. O Régulo, quando estava, assistia sempre. Um homem extraordinário o António Bonco Baldé.

Voltando aos putos, depois das aulas e dos jogos vinha o banho, os saltos para a água, a lavagem com o sabão e sabonete.  Ressalvo um ponto: nas Tabancas era praticada a higiene. As famílias tinham instalações próprias. Não falamos dela pois sairíamos do tema: - os putos.

Os risos deles, a alegria eram contagiantes para nós, talvez, porque não, sentíssemos, nesses curtos momentos, estar num mundo diferente. Depois cada um ia à sua vida. À hora do almoço, muitos deles apareciam e da parte da tarde iam para a bolanha tentar apanhar uns pequenos peixes que nós comíamos depois de fritos e polvilhados com piri-piri. Esta troca, - este “partir” – estes peixes minúsculos por comida e outros géneros, eram o gesto da troca, da não dádiva, da dignidade da permuta. Dou e recebo.

Eram felizes os putos? Eram!

Além disso faziam de nós mais humanos, mais despreocupados e a guerra naqueles momentos devia parar. Os putos parecíamos nós. Por pouco tempo,  é certo. Não eram permitidos descuidos ou desatenções, imperdoáveis quaisquer desatenções.

Desdramatizemos e pensemos antes que todos, nós e os putos eram, naqueles momentos, bandos de pardais à solta… como os do fado…  A guerra, essa besta, estava logo ali. Mesmo hoje, ao escrever isto, sinto-a ao alcance da mão.

Esqueçamo-la e desaparece.

O que será feito dos putos? Cinquentões hoje ou a caminho disso.

Sinto saudades daquela gente. Das gentes das Tabancas, dos que comigo andavam no mato, dos que connosco combatiam ou, como dizia alguém, talvez tenha também saudades da juventude que passou…
De tudo e tanto há para recordar.

Dou-vos as fotos. Elas dizem mais do que as palavras de um velho e ex-soldado. Recordem. Vidas… lá ou cá… Adeus!
Torcato Mendonça



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor de Mansambo > Mansambo (sede da CART 2339, 1968/69) e Candamã, tabanca fula em autodefesa do regulado do Corubal > Carta do Xime (1961) > Escala 1/50 mil. Pormenor > A distância em linha reta entre Mansambo e Candamã era de 10 km... pela picada seria 15 km.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)

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Notas do editor:

(*) vd. poste de 30 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11888: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (13): Fotojornalista famoso, Daniel Rodrigues, prémio 'World Press Photo 2013', quer fotografar alguns de nós, antigos combatentes, nos sítios originais onde tirámos as nossas melhores fotos no tempo da guerra