segunda-feira, 27 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14936: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (5): Idas a Bafatá para comprar vacas

1. Mensagem do nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art da CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data de 20 de Julho de 2015:

Caro amigo e camarada Carlos Vinhal,
A minha Companhia, a CArt 2520 era normalmente abastecida de munições e alimentos por via fluvial, ou seja através do rio Geba.
Estes transportes eram feitos por barcaças civis ou por lanchas da Marinha.
Quanto a proteína animal, ou melhor dizendo, carne de vaca, tínhamos que nos deslocar a Bafatá para o nosso vaguemestre, o Furriel Cabral, comprar os animais vivos aos criadores ou comerciantes civis.
Assim eram organizadas as colunas a Bafatá, que habitualmente demoravam um dia. Saíamos de manhã e voltávamos já ao anoitecer. Quando isto acontecia havia sempre muitos militares que desejavam ir nestas colunas, pois era sempre um dia passado de maneira diferente, almoçávamos nos restaurantes locais e sempre se compravam algumas lembranças e outras coisas, por exemplo eu comprei uma máquina fotográfica e um gravador de fita. Houve outros que compraram rádios e lanternas de pilhas.

Quando voltávamos ao Xime, as vacas ficavam presas junto à vedação de arame farpado e iam sendo abatidas conforme as necessidades(?).
Esta estadia dos animais não podia demorar muito tempo, uma vez que não havia ração para os alimentar, nem tão pouco a possibilidade de os levar a pastar.

Coube-me a mim algumas vezes, organizar as colunas e escoltas com o meu pelotão. Correu sempre tudo pelo melhor e nunca houve problema algum. Cheguei a encontrar em Bafatá um rapaz de Silves, que foi jogador de futebol e até treinador de equipas amadoras. Para atestar o que aqui digo, junto algumas fotos que conservo com muito carinho.

Mais uma vez aqui vai um grande abraço do tamanho da nossa tabanca.
José Nascimento


Bafatá - Carregando vacas. Do lado diteito o Fur Mil Martins

Bafatá - Carregando vacas

Bafatá - Da esquerda para a direita: Fur Mil Durão, Fur Mil José Nascimento e Alf Mil Lapa

Bafatá - Junto à bomba da gasolina. À esquerda o Fur Mil Durão

Andorinhas sobre a piscina de Bafatá

Bafatá - Carregando vacas

No Mercado de Bafatá

Bafatá - Na base de um monumento

Bafatá - Brincando. A "armação" estava pregada na árvore

Xime - As vacas compradas em Bafatá. Ao fundo a Secretaria

Fotos e legendas: © José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14517: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (4): Primeiro dia no Xime

Guiné 63/74 - P14935: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (1): Bolama, chegada e primeiros contactos com a população

1. Iniciamos hoje a publicação das Memórias do nosso camarada José João Domingos* (ex-Fur Mil At Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 (Colibuía, Ilondé e Canquelifá, 1973/74), enviadas ao Blogue em mensagens do dia 26 de Junho (texto) e 15 de Julho de 2015 (fotos).

Caro Carlos,
De acordo com o que temos conversado junto envio um ficheiro com algumas histórias da minha passagem pela Guiné.
[...]
Dada a extensão do texto, e se achares nele mérito suficiente para uma eventual publicação no blogue, esta pode ser feita, naturalmente, de forma faseada e de acordo com a disponibilidade de espaço de que disponhas. Em geral, as histórias seguem a ordem cronológica mas podes ordená-las como te der mais jeito.

Um grande abraço
José João Domingos
Ex-Fur.Mil. da 2.ª CCAÇ do BCAÇ 4516
(Colibuia, Ilondé e Canquelifá)

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1 - BOLAMA 

À vista do cais de Bissau, saí diretamente do “Niassa” para uma Lancha de Desembarque Grande (LDG) que me levou a Bolama para fazer a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO), onde só cheguei no dia seguinte.

No cais de desembarque apareceram dezenas de crianças negras propondo-se transportar as bagagens dos militares até ao quartel, que era próximo, a troco de uns pesos. Era doloroso vê-los arfar debaixo de malas maiores do que eles, sendo frequente os donos das malas pagar-lhes e fazer eles o serviço. Entretanto, aqueles que não tinham arranjado cliente colocavam-se ao lado dum recém-chegado que transportasse um saco de plástico e, subrepticiamente, no meio da barafunda, com as unhas, iam produzindo rasgões no saco até que o seu conteúdo caísse no chão após o que, em bando, disputavam os despojos.

À porta do quartel contratava-se a lavagem de roupa sendo de notar que as lavadeiras levavam um preço mais alto a quem tinha maior rendimento. O preço era contratado à vista dos galões, divisas ou na sua ausência, não importando a quantidade ou a sujidade da roupa.

Num rápido reconhecimento à cidade, que já tinha sido capital da Guiné, e perante tal deceção, poderia perguntar-se que civilização, após 500 anos de domínio, apenas consegue produzir uma cidade daquelas, com edifícios degradados e ruas sem asfalto. Creio ter sido aí que me foi dada uma forte machadada no patriotismo que transportava na bagagem. Não muito mais tarde, tornou-se claro, para mim, que aquela guerra não tinha razão de ser e que nunca iria ter o nosso lado como vencedor. Era uma questão de tempo e, hoje, estou convicto que quem comandava as tropas no terreno tinha já consciência disso. Apenas aqueles que, no remanso dos gabinetes, planeavam as ações estavam míopes para a realidade.

Bolama: desfile perante o Governador 

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2 - AS LAVADEIRAS 

À chegada a Bolama estavam junto do aquartelamento várias lavadeiras negras na expectativa de encontrar novos clientes. Se bem me lembro, o preço para a lavagem de roupa era de 50 pesos para os soldados, 70 pesos para os sargentos e 100 ou 120 pesos para os oficiais. O preço para o comandante eram 150 pesos.

Os periquitos (eu era um deles), antecipadamente informados, procuravam discutir os preços fazendo-os baixar ou procurando incluir cláusulas para além da simples lavagem de roupa (pessoal lava tudo). De qualquer modo, o negócio fazia-se com alguma facilidade pois se a oferta era muita também a procura era bastante e rapidamente se chegava ao ponto de equilíbrio.
Ressalta, pelo acima exposto, a justiça relativa do pessoal guineense que, sem consultar manuais, pedia mais a quem mais recebia. Mas, esta forma de proceder viria a dar origem a um caso caricato e que levou algum tempo a resolver.

Na Companhia de Comando e Serviço (CCS) do Batalhão havia um sargento-ajudante (que foi evacuado após um ataque a Bolama a 3 de Agosto de 1973), já com bastantes anos acima dos cinquenta e muito cabelo branco, que ostentava um distintivo (escudo) desconhecido para a lavadeira. Esta entendeu que ele seria o comandante e, como tal, teria que pagar pela lavagem de roupa a quantia máxima, situação que apenas foi corrigida na presença do verdadeiro comandante.
Por outro lado, o metropolitano vivaço contratava a lavagem de roupa ao preço estabelecido mas, na trouxa de roupa suja para lavar, incluía a roupa de outro camarada com porte físico semelhante, baixando para metade a sua despesa. Na resposta, a lavadeira, sentindo que estava a ser intrujada, exigia uma barra de sabão adicional dado o anormal volume de roupa para lavar.
Ainda hoje me pergunto como é que se pensava conciliar mentalidades tão diferentes.

Bolama: roupa limpa, ruas sem asfalto e cais de Bolama ao fundo 

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3 - ORAÇÕES 

Embora não tivéssemos tocado em Bissau, a cidade, vista do mar, parecia ter alguma dimensão e vida. Ao contrário, Bolama foi uma deceção, com edifícios degradados e ruas sem asfalto.
Nos tempos livres, que eram poucos, alguns de nós frequentavam a piscina, junto ao mar, onde, perto da sua entrada, existia um quiosque com uma pequena esplanada, que servia um café manhoso, cerveja e digestivos, incluindo aguardente de cana.

Um domingo, ao fim da tarde, estava com outros camaradas na tal esplanada, bebendo cerveja, quando comecei a sentir movimento próximo das minhas costas. O camarada que estava na minha frente fez-me um sinal que não entendi e, entretanto, voltei-me e deparei com um quadro que só conhecia dos filmes: voltados para nordeste estavam três guineenses, ajoelhados no chão, cada um em cima dum tapete, a fazer as suas orações.
Não houve, nem tinha que haver, qualquer comentário da nossa parte que perturbasse o normal desenrolar daquela atividade. Mais tarde, noutros locais, este comportamento era tão comum que ninguém o estranhava. Porém, pensei que teria sido útil que os militares oriundos da Metrópole tivessem recebido alguma informação no sentido de aceitar e respeitar as crenças alheias, mas, francamente, não me recordo de a ter recebido.


Bolama: a piscina

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Textos e fotos: © José João Domingos
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 10 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14727: Tabanca Grande (467): José João Braga Domingos, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (Colibuia, Ilondé e Canquelifá, 1973/74), 691.º Grã-Tabanqueiro

Guiné 63/74 - P14934: Notas de leitura (741): “Autópsia de um Mar de Ruínas”, de João de Melo (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Agosto de 2014:

Queridos amigos,
Nome sonante da nossa república das letras, várias vezes premiado, professor, antigo conselheiro cultural na Embaixada de Portugal em Madrid, João de Melo registou neste livro duríssimo, em que se põe inequivocamente o lado do movimento de libertação, a vida da sua companhia em Calambata.
A todos os títulos, um romance poderoso, devorador e demolidor. Nunca me fora dado ler literatura portuguesa anticolonial em que o colono, o PIDE, o militarão, são postos de rastos, são imagens deformadas da barbárie, são desumanos, daí o ódio que ressuma nas sanzalas de Calambata.
Incontornável obra de ficção, há para ali imagens de dor que ultrapassam tudo quanto se sabe e ouviu sobre o sofrimento do combatente e dos inocentes civis.

Um abraço do
Mário


Autópsia de Um Mar de Ruínas (1)

Beja Santos

Cada um dos teatros da guerra que travámos em África gerou alguma literatura de primeiríssima água, obras incandescentes, que irão perdurar, possuem um valor intrínseco seja pelo engenho da construção, a carpintaria dos personagens e figurantes, o talento inequívoco da composição, roçando a obra-prima. Será o caso de “Nó cego”, de Carlos Vale Ferraz, “Olhos de Caçador”, de António Brito, quanto a Moçambique; “Estranha noiva de guerra”, de Armor Pires Mota, “Lugar de Massacre”, de José Martins Garcia. Passando para Angola, considero que podemos por na primeira fila um romance duríssimo, excessivo, um terrível libelo acusatório, que permanece incómodo: “Autópsia de um Mar de Ruínas”, de João de Melo, com várias edições.

Passa-se em Calambata, não muito longe de S. Salvador. O território está muito confinado à vida daquela companhia. O leitor é prontamente agarrado pela linguagem poética que em nada contrasta ou desvaloriza o registo por vezes brutal das pessoas e dos lugares. Acresce uma inovação, João de Melo reconstitui os falares africanos, um português mascavado, que resulta quase sempre melodioso. Há descrições cruéis dos colonos, dos polícias, dos militares, eles são tratados impiedosamente e muitas vezes revelam-se ímpios. É um romance que se saboreia e relê, deixa-nos incrédulos, tal a dimensão dos excessos, tal a vastidão dos requisitórios ao colonialismo angolano. João de Melo foi furriel enfermeiro o que permite fazer supor que o furriel enfermeiro de Calambata é decalcado nos seus ideais políticos e da sua postura cívica. É um livro cheio de solidão, os cheiros angolanos inebriam, há feitiçaria, há minas e emboscadas, há até mesmo atitudes comuns que se agigantam e a literatura com elas. Logo no capítulo primeiro, aquela sentinela confusa que escuta passos para lá do arame-farpado, é um corpo indefinido, a sombra de um vulto, a sentinela angustia-se, entramos diretamente no seu estado de alma, até passamos a combatentes, aquilo é assunto estritamente nosso:
“Através da mira da arma, é uma silhueta sem espessura que se enrola sobre si, tropeça, segura-se à escuridão para não cair e depois salta para diante. Se era anjo, depenara-se: perdera as penas, a cauda, sobretudo as asas. Agora, lembra apenas um gafanhoto agachado, imóvel, com as patas tensas, postas em argo.
O soldado soube então que o pânico começaria a castigar-lhe as tripas. Pensou que levaria o dedo ao gatilho da arma pronta disparar. Assestara uma metralhadora do alto de um posto de sentinela, sobre essa coisa difusa – homem, anjo ou bicho – seria sempre um ato muito superior à sua vontade. Decide esperar. Brando, o grito escorre para dentro. O pior eram as mãos trémulas. Quem vem lá? Corriam perdidas, ao longo da arma suadas do visco de resina que se despegava do metal e lhe inundava de gordura os dedos inchados pelo frio.
A arma desfechou-lhe um coise no ombro. O soldado observou que o capim, os bidões de combustível para o gerador de luz, os ninhos de morteiro, a picada Pemba e a tonga do café estavam sendo bombardeados pelos ovos de fogo da sua arma”.

Os estrondos levam todos os outros a posicionarem-se nas valas, cedo se verificará que é fogo inútil, no escuro da mata não vem resposta. Surge o capitão Marinho, é logo desenhado para magoar, a caricatura é corrosiva:
“De cabelos esgrouviados, aos saculões dentro do pijama excessivamente curto, ele coçava os testículos e o nariz. Alguém devia tê-lo despido também dos seus galões azuis, despido até à nudez ridícula. A sua voz, espremida e medrosa, penetrou numa curta brecha do tiroteio e despediu uma frase sem glória: - Ei, rapazinhos dos meus tomates! Armas para o ar rapazinhos!”.

Segue-se o diálogo com a sentinela, capitão Marinho destila desprezo. A custo, o fogo cessou. Há razões para todos andarem inquietos. Depois das flagelações aos quartéis da Mama Rosa e do Luvo, todo o Norte esperava a sua vez, a guerrilha movia-se, atacara os postos fronteiriços, semeara minas por toda a região da Canda, encurralara os açorianos nas margens do Lufiko.

O segundo capítulo é arrepiante, o chefe da polícia branco, sô Valentim chicoteia o Romeu. A mulher grita, pede socorro, tudo começara quando Romeu dera dois pontapés no cão do chefe da polícia que o xingava, o chicote de rabo curtido de pacaça vai esquartejando Romeu. Natália vai chamar o soba Mussunda, é ele quem tem poderes na sanzala de Calambata. Mas Mussunda não pode intervir, os poderes estão bem limitados. As súplicas são tão existentes que Mussunda resolve enfrentar sô Valentim. A descrição é medonha:
“- Ah, tu vens acudir ao teu protegido, pedaço de cão de soba? Espera aí, que te dou eu a proteção, filho de um grande boi sem tesão!
E logo aí eu vi: o chicote desenrola-se do braço e sobe vertiginosamente no ar, por cima da sua cabeça, em espiral de morte pela mordedura. Vibra o primeiro golpe no pescoço de Mussunda, que abre muito os olhos de surpresa imensa; o golpe seguinte atinge-o na cara, às cegas. Logo a seguir o branco assenta-lhe um punho bem no centro da boca e estende-lhe uma joelhada por baixo, nos sítios mortos dos machos já sem alegria de mulher”.

No capítulo terceiro, participamos num patrulhamento, caminha-se ao encontro do inimigo. Somos ambientados:
“Trovoadas longínquas vinham então anunciadas no cacimbo varrido pelo vento. Havia no ar uma eletricidade turva e estival, de tempestades tão grossas que apenas lhes faltavam os peixes para serem mar. Se a chuva chegava, interrompiam a marcha, abrigavam-se, armavam à pressa as tendas numa clareira da mata, longe do morros de salalé; se não, lançavam-se pelo capim dentro”.
Cada um levava cinco rações de combate. E chegou o momento de conhecermos a enfermaria, o que faz e quem faz, estamos próximos de João de Melo:
“Às dez em ponto, o enfermeiro de serviço abria a enfermaria e iniciava a ronda sanitária pelas casernas. Havia o paludismo, as doenças venéreas e as diarreias de sangue; havia a flor-do-congo em redor dos testículos, feridas e ferimentos cosidos. O furriel Pacheco substituía o clínico do Batalhão, a residir no Cuimba, a setenta quilómetros de picada, bem perto do comandante, do álcool e do seu imenso medo de morrer sem a assistência adequada, e que se lixassem as setecentas e cinquenta pessoas de Calambata, entregues como estavam, ao expediente de um rapaz muito magro que sofria de insónias. De modo que o furriel Pacheco saía para as duas sanzalas e não queria saber de armas e de fardas; não queria saber do que o começavam a acusar: fuga de informação militar para as populações civis, elemento subversivo que inspirava núcleos de resistência – dizendo os relatórios do capitão, para a PIDE, para o Sector e para a própria Companhia, que estaria ligado a uma célula-bolsa de resistência de S. Salvador, onde oficiais menores preparavam a derrota do exército português em África e a falência dos governos de Lisboa. A sua esperança eram as crianças desprotegidas de Calambata, os partos artesanais das muito grávidas mulheres daquela terra, o olhar de lado das velhas, a tensão arterial, o pulso morno dos homens e o assobio dos seus pulmões.
Vacinava meninos contra a cólera, a difteria, o sarampo, a varíola e a tuberculose; receitava xaropes crónicos e vitaminas laboratório militar, o cálcio os comprimidos de quinino contra o paludismo, suturava dedos e lábios, lancetava flamões, desentupia seios com leite coagulado e infeto”.

O furriel Pacheco anda vigiado. As crianças à procura de restos de comida é um relato pungente.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14926: Notas de leitura (740): “Recriar a China na Guiné: os primeiros chineses, os seus descendentes e a sua herança na Guiné colonial”, artigo assinado por Philip J. Harvik e António Estácio (Mário Beja Santos)

domingo, 26 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14933: Libertando-me (Tony Borié) (27): Todos temos um rio, eu tenho quatro: o Águeda, em Portugal; o Mansoa, na Guiné e os Passaic e o Yukon, nos Estados Unidos

Vigésimo sétimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.




Os meus quatro rios

Todos temos um rio e, em alguns momentos dizemos, olha, preciso de ar fresco, vou até ao rio, referindo-nos ao rio, como se fosse nosso, nossa propriedade.

Quase em todas as grandes cidades passa um rio. Por quê? Porque essas cidades, outrora pequenas povoações, nasceram junto ao rio, que já lá existia, porque os povos, nas suas migrações, normalmente paravam e estabeleciam-se onde houvesse água, que ainda hoje continua a ser essencial para a vida, para a nossa sobrevivência.

Quase todos nós lembramos o “nosso rio”, temos cá dentro o “nosso rio”, mesmo os que nasceram na montanha têm o seu rio, que era aquele riacho, entre pedras de granito, onde levavam as ovelhas ou as cabras a beber, onde tomavam banho, onde tiravam a água pura e cristalina para beberem, era o “nosso rio”, embora hoje, com as alterações climáticas, a maior parte desses rios tenham sacado.

Nós temos quatro rios que nos marcaram. Foi o rio na localidade onde nascemos, o rio Águeda, onde havia um grande areal no verão, uma grande nora, instalada numa rudimentar represa, que lhe roubava alguma água, que ia fazer crescer uns campos de milho em seu redor. Foi aí que aprendemos a nadar, onde, junto com os rapazes da nossa idade, empoleirados nas velhas árvores, às vezes nos alcatruzes da própria nora, nos atirávamos à água, sabendo ou não nadar. Este rio nasce na Serra do Caramulo, tem cerca de 40 quilómetros de extensão, passa entre outras localidades, na hoje, cidade de Águeda e junta-se ao rio Vouga na localidade de Eirol, que leva a sua água e talvez alguma poluição para a ria de Aveiro, que por sua vez desagua no oceano Atlântico.

O “nosso outro rio” foi, o rio Mansoa, lá na Guiné e, não querendo ser deselegantes, parecia-nos que o oceano estava longe do mar, o sol tórrido espelhava naquela água lamacenta, ficava ali, horas e horas, na ponte velha, que era por onde passavam as “bajudas”, e outro pessoal, para irem trabalhar nas bolanhas, a sua lama até se tornava brilhante, talvez fosse da nossa idade jovem, era aí, onde normalmente líamos e relíamos as cartas e aerogramas da família e amigos, sonhávamos, às vezes acordados por uma pequena brisa, onde a mágoa da lama dos nossos antepassados, aventureiros descobridores, nos enviaram para ali, onde naquele momento, o frio e o gelo da nossa aldeia da Serra do Caramulo, seria bem vindo, tornando aquela bolanha lamacenta, onde se agitava no ar aquele pato preto, que nos parecia que ia chorando lágrimas de orvalho, lágrimas frescas, que iam secando as nossas, verdadeiras, que juntávamos às do cisne cor de rosa que deslizava sobre aquela água, procurando algo que não encontrava.


Aquele cenário, visto da ponte, algumas vezes era um grande lago, outras uma bolanha, pois sobressaiam pequenas árvores e arbustos à superfície, outras um pequenino riacho, perigoso, com lama a circundar esse pequeno riacho, assistindo à sua corrente forte, quando desaguava, levava restos de arbustos e lama para não sabemos onde, em que em alguns momentos, saltavam peixes, fazia alguma turbulência, querendo passar a toda a pressa, fugindo daquela área, em direcção ao oceano Atlântico, tal como nós, no nosso pensamento e, ainda hoje, não sabemos se era um rio ou um canal, se era de água fresca ou salgada, onde começava ou onde acabava, sabemos que era o “nosso rio”, onde, todavia, ao fim de algum tempo, aquela água lamacenta, para nós, significava silêncio e alguma paz.

O “nosso outro rio”, que nos marcou, é o rio Passaic, em Nova Jersey, que tem uma extensão de aproximadamente 130 quilómetros, que desde a sua origem, nas montanhas de Mendham, no sul do condado de Morris, onde havia “glacieres”, 13.000 anos atrás, durante o seu percurso, forma diversos lagos e mesmo terras alagadiças, passando por diversas cidades até chegar ao local onde nos marcou, que foi a cidade de Newark, pois dormimos algumas vezes junto ao seu leito, em algumas noites de neve e frio de rachar, junto de outros “desafortunados”, a que chamavam “descamisados”, dormíamos juntos, encostados uns aos outros, para nos aquecermos.

Este rio, hoje tem outro aspecto, pois a Agência do Governo, que trata da poluição ambiental, tem gasto milhões de dólares limpando o seu leito, onde a água já corre, em alguns locais algumas vezes cristalina.

Bem, ainda temos outro “nosso rio”, que é o rio Yukon, cuja palavra, significa grande rio no idioma athabaskan, uma língua aborígene, que na forma portuguesa significa mais ou menos Lucão, é um rio que corre na América do Norte, nas províncias da Colúmbia Britânica e do Yukon, em território do Canadá e no estado Norte Americano do Alaska, desembocando no mar de Bering, no Oceano Pacífico. Tem uma extensão de aproximadamente 3645 quilómetros, fazendo dele o 20.º maior do mundo, em comprimento. Supõe-se que sua nascente está localizada nos “glacieres” de Llewellyn, ao sul do Lago Atlin, na Colúmbia Britânica, território do Canadá, mas o rio Yukon propriamente dito, começa no lago Marsh, logo ao sul da cidade de Whitehorse, na província de Yukon, onde nos marcou, pelo menos nas povoações de Carmacks ou Dawson City e, talvez em outras mais pequenas na sua dimensão, pela sua grandiosidade, passando por entre montanhas, vales, planícies, formando grandes lagos, onde podemos ainda ver animais e aves selvagens, onde existem poucas pontes, a sua travessia continua a ser por jangadas, os seus afluentes, como o rio Tanana, Porcupine, Pelly ou Koyukuk, são paraísos terrestes, tantos para humanos com para aves e animais, onde ainda existem grandes cardumes de peixes, em especial salmão, tornando o dia-a-dia dos habitantes em seu redor, numa vida difícil, privados de algumas soluções modernas, mas sadia e agradável.

Aqui, onde vivemos, tudo é “nosso rio”, mas de água salgada.

Tony Borie, Julho de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14900: Libertando-me (Tony Borié) (26): Não é fácil

Guiné 63/74 - P14932: Memória dos lugares (310): O rio que vi apenas duas vezes mas que me impressionou seriamente foi o Corubal (António Murta)

1. E assim finalizamos a apresentação de fotos referentes ao Rio Grande de Buba e Rio Corubal, enviadas ao nosso Blogue pelo nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), em mensagem do dia 1 de Julho de 2015:


RIO GRANDE DE BUBA E RIO CORUBAL (3)

RIO CORUBAL

[...]
Mas o rio que me impressionou seriamente foi o CORUBAL, que vi apenas duas vezes: uma na Ponte Interrompida (Marechal Carmona) lá para os lados do Xitole e outra numa deslocação propositada a uma zona próxima de Aldeia Formosa, provavelmente depois do 25 de Abril/74.

Mesmo antes de chegar ao rio, senti uma enorme satisfação por me ver no cimo de uma pequena colina, a única que conheci na Guiné. O rio corria lá em baixo quase oculto. Parámos a viatura só para eu fotografar e poder desfrutar por alguns instantes esta sensação quase esquecida de ver a paisagem a partir do alto.

O rio tem as margens quase ocultas por denso arvoredo e o acesso às suas águas, naquela zona, fazia-se por pequenas aberturas na mata, o que o tornava ainda mais misterioso. Ao penetrar numa dessas aberturas, a primeira coisa que me saltou à vista, foram os “alfaiates” (crocodilos ou jacarés?), preguiçando em cima dos ramos que entravam na água. Depois, olhando toda a extensão do rio e a margem distante em frente, fiquei sem respiração. Impressionou-me aquela massa líquida, quase parada, e negra devido à profundidade desmesurada. Tudo envolto em silêncio. Resolvemos dar um passeio de canoa por termos o homem certo mesmo à mão, e isso aumentou o deslumbramento. Imagino, hoje, como seria no Geba, Cacheu e outros.

Sei que o rio Corubal tem secções porventura menos impressionantes e misteriosas, mas muito mais belas. Desde o início da minha comissão que estava prometida, pelo comandante da minha Companhia, uma “excursão” aos rápidos de Cussilinta, mas isso nunca chegou a acontecer por falta de oportunidade. Tudo o que conheço é por descrições da época e por fotografias de hoje.

Junto algumas fotografias que, espero, sejam reveladoras. A qualidade não é grande porque derivam dos meus slides.

Então um abraço fraterno para vocês e para toda a Tabanca.
A. Murta
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Rio Corubal, 1974 – O rio lá ao fundo visto de uma colina rara.

Rio Corubal, 1974 – Margem junto ao “cais” das canoas.

Rio Corubal, 1974 – “Cais” das canoas.

Rio Corubal, 1974 – “Cais” das canoas.

Rio Corubal, 1974 – Furriel Casaca da minha Companhia em pleno rio, sentado à minha frente na canoa, num dia de descompressão.

Rio Corubal, 1974 – Atrás de mim, o homem do leme que é também o homem da “máquina”.

Rio Corubal, 1974 – Entardecer no Rio Corubal.

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Postes anteriores da série de:

20 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14903: Memória dos lugares (305): O meu rio próximo, e de estimação, era o Rio Grande de Buba (1) (António Murta)
e
22 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14916: Memória dos lugares (307): O meu rio próximo, e de estimação, era o Rio Grande de Buba (2) (António Murta)

sábado, 25 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14931: Recortes de imprensa (74): Informação Oficial, publicada no jornal "A Província de Angola", sobre o desastre do Cheche aquando da travessia do Rio Corubal em 6 de Fevereiro de 1969 (José Teixeira / José Marcelino Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2015:

Caríssimos.
Apesar de já ter corrido muita tinta sobre o sangue que correu no desastre do Rio Corubal, achei interessante voltar ao tema com este documento histórico que alguém conseguiu extraído do jornal A Província de Angola – o porta voz do regime colonial em Angola com a versão oficial do Desastre do Cheche.

Abraços
Zé Teixeira



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2. E por falar em informação oficial, vem a propósito falar de outro meio de comunicação oficial, o Telegrama, que podia ser civil ou militar, como diz o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), no trabalho que se apresenta a seguir.


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Nota do editor

Último poste da série de 21 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14912: Recortes de imprensa (73): Duas guerras na fronteira dos felupes, artigo de Pedro Rosa Mendes no jornal Público de 19 de Fevereiro de 1999 (António Martins de Matos)

Guiné 63/74 - P14930: In Memoriam (235): Manuel Moreira de Castro (1946-2015), ex-Soldado At Inf da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835 (Bula, Binar, Mansoa, Bissorã e Mansabá, 1968/69)

1. Mensagem da nossa amiga Arminda Castro, filha do nosso camarada Manuel Moreira de Castro (ex-Soldado Atirador de Infantaria da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, Bula, Binar, Mansoa, Bissorã e Mansabá, 1968/69), com data de hoje, dando-nos a triste notícia do falecimento do seu pai e nosso tertuliano:

É com grande dor e tristeza que anuncio o desaparecimento do meu pai, Manuel José Moreira de Castro da Companhia de Caçadores 2315. 


Estará em câmara ardente na Capela Mortuária de Covelas, Concelho da Trofa. 

O funeral realiza-se amanhã, Domingo, pelas 11H45. 

Filha, Arminda Castro



Duas fotos, duas recordações de mais um amigo que nos deixa.

À nossa amiga Arminda e à restante família deixamos o nosso testemunho de sentido pesar e a certeza de que o camarada Manuel Castro não será esquecido enquanto este blogue estiver em actividade.

A Tertúlia
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14886: In Memoriam (234): Manuel Pescadinha Lazarino, ex-fur mil enf, CCAV 2748 (Canquelifá, 1970/72)... O funeral foi hoje de manhã, em Valado de Frades, Nazaré (Francisco Palma)

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14929: Convívios (698): A Magnífica Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, 23 de junho de 2015 - Parte I: Quando os chefes são mais do que os índios... (Crónica de José Manuel Matos Dinis; fotos de Manuel Resende;legendas de LG)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), Amanuense da Magnífica Tabanca da Linha, em efectividade de serviço, com data de hoje, 24 de Julho de 2015:

Exercício Cronicante sobre o XX Encontro da Magnífica Tabanca da Linha

Neste dia quente, mas sob ligeira e confortável brisa, 23 de Julho, do ano 41.º do P. C. - período colonial, reuniu novo plenário da Magnífica, para nova sessão confraternizante e manducante, desta vez com o valioso acréscimo de um animador de grande garbo e versatilidade, pois canta, toca, declama, conta anedotas, e o mais que não se sabe, como andar de bicicleta.

Pelas 12H30, quando cheguei, já havia uma certa azáfama na colocação da escrita em dia. Até às 13 horas chegaram praticamente todos. Devo registar, que pela primeira vez o nosso confrade AGA não compareceu nem fez marcação, o que é tão mais de acentuar, quanto em vezes anteriores só não fazia a inscrição. Acho que anda nas terras amarelas do fim da Ásia, mas não imagina o arroz que aqui perdeu, quiçá o mais sápido e bem acolitado que ali tenha sido servido.

Outra nota a registar, tem a ver com a adesão de novos atabancados, alguns aproveitando a licença sabática da Tabanca do Centro, mas susceptíveis de confirmarem o estatuto de permanentes e assíduos confrades desta Magnífica, tais as manifestações de satisfação que nos transmitiram em clima de grande comunhão com os veteranos da Linha. A verdade é que a quase todos nos conhecíamos do antecedente, e já manifestávamos frequentes concordâncias sobre preferências estomacais e demais prazeres da vida, designadamente vinhos tintos Esteva, e diferentes digestivos de diferentes estirpes, que alguns dos nossos melhores (não há piores atabancados, mas fica sempre bem ao discurso, a inclusão de generosas dádivas com tão bons efeitos dietéticos).

Antes do inicio das hostilidades mastigantes, S. Exa. o Senhor Comandante Rosales, voluntariamente ausente deste evento, mas preocupado com o bom andamento e a boa impressão a causar aos novatos, encarregou-me de lhes apresentar uma mensagem de boas vindas, igualmente extensiva aos que não se cansam de comparecer. Fiz o que pude, arranjei a tanga que me pareceu mais adequada para justificar o injustificável, e transmiti a tanga com tanta veemência, que no final até recebi aplausos, ao ponto de ter que solicitar o fim da manifestação apoteótica. No final, a assembleia decidiu arquivar uma manifestação de censura a S. Exa., tendo em conta o imenso prazer que ele não desfrutou, considerado aqui como sanção bastante para o acto faltoso.

Naturalmente informado com antecedência sobre as condicionantes e expectativas que incidiram desta vez, S. Exa. o Comandante-Chefe Luís Graça não se fez representar, mas compareceu "lui-même", à cautela e na confirmada desconfiança de que desta vez é que seria. E foi. Foi bom. E quando o "shope" é bom, o convívio também corresponde com brilhantismo. Convenço-me de que S. Exa. não ficou envergonhado desta reincidência da Magnífica em Oitavos. E assim, aproveito para referir que o pessoal de Oitavos contribuiu decisivamente para o sucesso do XX Encontro.

Chamo a atenção dos estimados e viciados seguidores do Blogue, para avaliarem as caras alegres de antes e depois do acto refeiçoeiro, o que já atesta sobre a confiança dos confrades na partilha destes momentos de camaradagem franca e feliz. Até parece que sou parte interessada e que estou a engraxar alguém da hierarquia, e é verdade: sou parte interessada pela satisfação que possa obter destes encontros. E o que posso aqui afirmar. é que vi permanentes grupos em manifestações de cortesia e partilha de sentimentos alegres. Mesmo no serviço de tinto ou branco, a contrariar as normais manifestações de egoísmo. Lindo de se ver! Não bebe mais um copinho? Muito obrigado, mas depois de o camarada se servir! Só comparável com a nobreza britânica.

Nestes termos pretensamente croniqueiros, dispensada a adesão ao badalado acordo ortográfico e às reguadas do professor Salgueiro, que bem se esforçou por me ensinar alguma coisinha, dá-se a reportagem por concluída, ainda antes do antipático aumento de impostos para quem navega na net e possa ser dedicado adepto das estórias das derradeiras campanhas de África. Com votos para que todos se apresentem nas melhores condições físicas e psicológicas no próximo evento a realizar em data oportuna, dou por terminado este trabalho lixado e mal pago.

Abraços fraternos
JD



Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > Noblesse oblige: ausência do régulo Jorge Rosales (que foi a banhos...), o secretário J. M. Matos Dinis teve as honras de palanque... Aqui com a sua simpatiquíssima quão disccreta Teresa...


Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > (E)ternos apaixonados: o Manuel Joaquim e a Deonilde de Jesus


Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > Estão, circunstancilamente, de costas voltadas um (João Sacôto, sentado) para o outro (João Martins) mas são tio e sobrinho, respetivamente, e estiveram os dois no TO da Guiné...


Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 &gt Dois "pesados pesados" da nossa galeria de heróis: a história da FAP na Guiné não pode ser escrita sem a a sua história, a do Miguel Pessoa (à esquerda) e a do António Martins de Matos (à direita; estreante na Tabanca da Linha)...


Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > Dos "periquitos" que foram recebidos com muita ternura... e tiveram agradáveis surpresas: o comandante Pombo e a sua querida filha Maria João que fez questão de acompanhar o pai, regressado há um ano do Brasil, que mora em Bucelas, na quinta do Avelar de Sousa, e que acaba de superar alguns problemas de saúde.



Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > Uma "panorâmica",  do fotógrafo de serviço e homem-de-todo-o-terreno da Tabanca da Linha: o Manuel Resende. O espaço, fabuloso, não encheu como de outras vezes, mas a sala estava composta, com cerca de meia centena de conivas. A lotação anda à volta dos 80 lugares.


Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > O prato emblemático da casa, o "arroz de marisco à Tabanca da Linha"... 


Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > E no final cantou.se o fado: Hernâni Teixeira (voz e viola)  e o "veteraníssimo" Carlos Cruz (amante do fado)... O Hernâni foi enfermeiro militar, no HMP, não chegou a ir ao Ultramar... Hoje atua em convívios e festas. Tem reportório para dar e duar... Belíssima voz: fiquem o n.º de telemóvel (919 353 024) e endereço de email: hernanifado@hotmail.com. 



Tabanca da Linha > Restaurante Oitavos, estrada do Guincho, Qta Marinha, Cascais > 23 de julho de 2015 > Um foto de grupo para mais tarde recordar: da esquerda para a direita, 1.ª fila: Zé Rodrigues, Luís Graça, António Matos Martins ("pira", na Tabanca da Linha), Avelar de Sousa (outro "pira") e Manuel Resende; 2.ª fila,  Juvenal (mais um "pira", de passagem por Lisboa, inscreveu-se na 25.ª hora), O Manuel Joaquim e mais dois adoráveis "periquitos", o comandante Pombo (como a gente carinhosamente vai continuar a tratá-lo, a história da sua vida é uma enciclopédia) e a sua filha mais nova, a Maria João (que é formada em direito e trabalha em eventos relacionados com a moda e a televisão, SIC Mulher). 

Fotos: © Manuel Resende  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


2. Comentário de LG:

Dizem (ou diziam, no tempo do régulo Rosales)  as más línguas que na Tabanca da Linha são (ou eram)  mais os chefes que os índios... mas não é verdade... Pelo menos ontem não foi verdade... E eu confesso que ainda conheço mal a tabanca, sou visita esporádica...  Ainda houve um almirante que ameaçou vir, e o mais graduado era um tenente general da FAP, o nosso querido António Martins Matos, que ficou na mesa ao lado do comandante Pombo, o que deu para viver e reviver os bons velhos tempos, de ambos,  de Bissau...lanca. 

Na mesma mesa, à direita, ficou o Avelar de Sousa, que andou pela Guiné entre 1968 e 1971, tendo comandado tanto a CCP 123 como a CCP 122, do BCP 12... É hoje major general na reforma. Tem a cartografia da Guiné na cabeça... Passou também por Angola, donde regressou em 23 de novembro de 1975 com 600 homens, esses sim, os últimos guerreiros do império... 

No final, o Avelar de Sousa, manifestou-me o seu agrado por ter vindo, a este convívio,  com o seu amigo do peito, o comandante Pombo. Espero que o Avelar de Sousa aceite o meu convite para, formalmente, integrar a nossa Tabanca Grande onde todos cabemos com tudo o  que nos une e até com aquilo que nos pode separar. O nosso conceito de camarada vai até comandante operacional... 

O comandante Pombo, por sua vez,  já aceitou o meu convite. Aguardo que a Maria João nos mande alguns fotos digitalizadas do álbum do pai (que, além da Guiné e Guiné-Bissau, viveu e trabalhou em Angola, República Democrática do Congo e Brasil), É um adorável contador de histórias, e tive pena de não ter gravado algumas... (LG)
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Nota do editor:

21 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14911: Convívios (697): Encontro do pessoal da CCAÇ 3327, dias 24 e 25 de Julho de 2015, em Fazenda, Laje das Flores, Ilha das Flores, Açores (José da Câmara)

Guiné 63/74 - P14928: Manuscrito(s) (Luís Graça) (62): "I want you, dead or alive"




Vídeo (0' 06'') > Alojado em You Tube > Luís Graça


Lourinhã, Vimeiro, 18 de julho de 2015_Reconstituição histórica da batalha de 21 de agosto de 1808 e mercado oitocentista. Vídeo: Luís Graça (2015)




"I Want you, dead or alive"
por Luís Graça (*)


À memória do Umaru Baldé, (que morreu de sida e tuberculose, no terminal da morte que dá pelo nome de Hospital do Barro, em Torres Vedras);

do Abibo Jau (, o gigante do 1º Gr Comb da CCAÇ 12., fuzilado em Madina Colhido);

do Abdulai Jamanca (, cmdt da CCAÇ 21, fuzilado em Madina Colhido);

do Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015);

do Iero Jaló (, o 1º morto em combate, da CCAÇ 12, em 8/9/1969);

do Manuel da Costa Soares (, sold cond, da CCAÇ 12, morto em Nhabijões, em 13/1/1971, por uma mina A/C, sem nunca ter chegado a conhecer a sua filha);

do Luciano Severo de Almeida ( que terá morrido de morte violenta, já como paisano);

e dos demais camaradas da CCAÇ 12 e da CCAÇ 21,
brancos e pretos,
mortos em combate
ou abandonados à sua sorte,
depois do regresso a casa
ou da independência da Guiné-Bissau;

ao José Carlos Suleimane Baldé,
felizmente ainda vivo, espero,
a morar em Amedalai, Xime
(e o único camarada guineense da CCAÇ 12
a integrar a Tabanca Grande);

a todos os demais camaradas da Guiné
que ainda hoje estão (sobre)vivos.




Foderam-te, meu irmão!
Enganaram-te, irmãozinho!
Traíram-te, amigo!
Deixaram-te para trás, camarada!

Não, não era este país milenário
que vinha no cartaz de promoção turística,
com montes, vales e charnecas,
com rios, praias e enseadas,
com fama de gente patriótica,
riqueza gastronómica
e forte sentido identitário.

“I want you”,
disseram-te eles,
e tu respondestes sem hesitar:
“Pronto!”.

Meu tonto,
disseste "presente!",
mesmo sem poderes avaliar
todas as consequências presentes e futuras
da tua decisão,
em termos de custo/benefício.

Decidiste com o coração,
não com a razão,
deste um passo em frente,
abnegado e generoso,
mesmo sem saberes
onde era o distrito de recrutamento,
e sem sequer conheceres
o teatro de operações,
o estandarte,
o fardamento,
a ciência e a arte da guerra,
o comandante-chefe
ou até mesmo a cara do inimigo.

Um homem não vai para a guerra
sem fixar a cara do inimigo,
sem reconhecer a voz do inimigo,
pode ser que seja teu pai,
mãe, irmão, irmã,
vizinho, amigo,
ou até mesmo um estrangeiro,
um pobre e inofensivo estrangeiro,
apanhado à hora errada no sítio errado.

Camarada,
um homem não mata outro homem
só porque é estrangeiro,
ou só porque não pensa ou não sente como tu,
um homem não puxa o gatilho
ou saca da espada,
sem perguntar quem vem lá!

Enfim, não se mata um homem,
de ânimo leve,
gratuitamente,
só porque alguém o elegeu como teu inimigo.

Não, meu irmãozinho,
não eram estes outdoors
e muros grafitados,
ao longo da picada,
não, não era este trilho,
que era pressuposto levar-te
do cais do inferno
às portas do paraíso.

Sim, porque no final, 
meu irmão,
há sempre alguém a prometer-te
o paraíso,
o olimpo,
o panteão nacional
ou cruz de guerra com palma,
em troca da dádiva suprema
da tua vida,
do teu corpo,
da tua alma.

Todos te querem,
todos te queremos,
“I want you”,
sim, quero-te, mas por inteiro,
quanto mais não seja
para tirar uma fotografia contigo,
não vales nada
cortado às postas,
decepado,
decapitado,
ou, pior ainda,
perdido, errático,
com stress pós-traumático
sem bússola nem mapa,
apanhado à unha pelo inimigo,
ou fuzilado no poilão de Bambadinca
ou de Madina Colhido.
Fuzilado, és um cadáver incómodo,
apanhado, és um embaraço diplomático,
pior do que tudo isso,
doente psiquiátrico.



Não, não foi este destino
que compraste,
com o patacão do teu sangue, suor e lágrimas,
enganaram-te, os safados,
os generais
e os seus ajudantes de campo,
os burocratas da secretaria,
os recrutadores,
a junta médica,
os instrutores
e até os historiadores.

“Guinea-Bissau, far from the Vietnam”,
alguém escreveu no poilão de Brá
ou na estrada de Bandim,
a caminho do aeroporto, tanto faz,
“Tuga, estás a 4 mil quilómetros de casa”.
Ou então foi imaginação tua,
pesadelo teu,
deves ter sonhado com essa placa toponímica,
algures,
numa noite de delírio palúdico,
deves tê-la visto
a sul do deserto do Sará.

Alguém sabia lá
onde ficava a Guiné,
longe do Vietname,
alguém se importava lá
com o teu prémio da lotaria da história,
mesmo que em campanha
te tenhas coberto de glória!

Acabaram por te meter
num avião “low cost”
ou num barco de lata,
ferrujento,
deram-te um pontapé no cu
ou cravaram-te a tampa do caixão de chumbo.
"Bye, bye, my friend.
Fuck you, man”.
Nem sequer te desejaram
"Oxalá, inshallah, enxalé,
que a terra te seja leve!"

País de merda"...
Tinha razão o polícia, racista,
que te quis barrar a entrada
no aeroporto de Saigão
(ou era Lisboa ?
ou era Amsterdão?).

Quem disse que os polícias
de todo o mundo
são estúpidos ?
Até o polícia racista
entende o sofisma
do país de merda:
“Pensando bem,
soletrando melhor,
país de merda,
país de merda,
só pode ser o meu”.

Os gajos estavam fartos de ti,
meu irmão,
meu camarada,
meu amigo.
Os gajos pagavam-te,
se preciso fosse,
para se verem livres de ti,
vivo ou morto,
devolvido à procedência.

“I want you, alive ou dead”,
porque na contabilidade nacional
tudo tem de bater certo,
diz o cabo arvorado.
Todo o que entra, sai,
é o deve e o haver
do escriturário, encartado,
mesmo que seja merda:
“Garbage in, garbage out”,
se entra merda, sai merda.

Procuraram-te por toda a parte,
do Minho ao Algarve
do Cacheu ao Cacine,
só te queriam bem comportado,
escanhoado,
ataviado,
de botas engraxadas,
se possível herói de capa e espada,
medalhado, condecorado,
de cruz de guerra ao peito,
mesmo que viesses amortalhado.

E tu ?
Sabias lá tu
o que era a pátria,
onde ficava a tabanca da pátria,
onde começava e acabava o chão da pátria ?
Muito menos sabias
a geografia da guerra,
Aljubarrota,
Alcácer Quibir,
Vimeiro,
Waterloo,
La Lys,
lha do Como,
Guidaje,
Gadamael,
Dien-Bien-Phu,
Madina do Boé,
Ponta do Inglês,
Madina Belel...

Conhecias lá tu
da pátria a anatomia e a fisiologia ,
o intestino grosso e delgado,
o que é que a pátria comia,
o que é que a pátria defecava,
ou até mesmo o que é que a pátria sentia e pensava,
se é que a pátria deveras sentia e pensava.

Queriam-te sedado,
anestesiado,
amnésico, de preferência,
sobretudo amnésico.
alienado,
aculturado,
desformatado,
paisano,
só assim eles te queriam de volta
ao teu anódino quotidiano,

Meu irmão,
meu pobre camarada,
fizeste por eles
o trabalho sujo
que compete a qualquer bom soldado
em qualquer guerra.
Mas nem como soldado eles te trataram,
nem sequer como mercenário
te pagaram,
em espécie ou em géneros.

Afinal a guerra acabou,
como todas as guerras acabam,
até mesmo a guerra dos cem anos
teve um fim
com o seu rol de mortos, feridos e desaparecidos.
“Para quê mexer agora na merda, ó nosso cabo ?”,
pergunta o sorja da companhia.
“Boa pergunta, meu primeiro,
mas há muito já que eu não cheiro,
a guerra embotou-me os sentidos”.

Luís Graça
Lourinhã, Vimeiro, 18/7/2015,
Reconstituição histórica da batalha do Vimeiro (21/8/1808)
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14846: Manuscrito(s) (Luís Graça) (61): Poema interpretativo da batalha do Vimeiro (, dedicado ao Eduardo Jorge Ferreira)