Vigésimo sétimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.
Os meus quatro rios
Todos temos um rio e, em alguns momentos dizemos,
olha, preciso de ar fresco, vou até ao rio, referindo-nos ao
rio, como se fosse nosso, nossa propriedade.
Quase em todas as grandes cidades passa um rio. Por quê? Porque essas cidades, outrora pequenas
povoações, nasceram junto ao rio, que já lá existia,
porque os povos, nas suas migrações, normalmente
paravam e estabeleciam-se onde houvesse água, que
ainda hoje continua a ser essencial para a vida, para a
nossa sobrevivência.
Quase todos nós lembramos o “nosso rio”, temos cá
dentro o “nosso rio”, mesmo os que nasceram na
montanha têm o seu rio, que era aquele riacho, entre
pedras de granito, onde levavam as ovelhas ou as cabras
a beber, onde tomavam banho, onde tiravam a água pura
e cristalina para beberem, era o “nosso rio”, embora hoje,
com as alterações climáticas, a maior parte desses rios
tenham sacado.
Nós temos quatro rios que nos marcaram. Foi o rio na
localidade onde nascemos, o rio Águeda, onde havia um
grande areal no verão, uma grande nora, instalada numa
rudimentar represa, que lhe roubava alguma água, que
ia fazer crescer uns campos de milho em seu redor. Foi
aí que aprendemos a nadar, onde, junto com os rapazes
da nossa idade, empoleirados nas velhas árvores, às vezes nos alcatruzes da própria nora, nos
atirávamos à água, sabendo ou não nadar. Este rio
nasce na Serra do Caramulo, tem cerca de 40
quilómetros de extensão, passa entre outras localidades,
na hoje, cidade de Águeda e junta-se ao rio Vouga na
localidade de Eirol, que leva a sua água e talvez alguma
poluição para a ria de Aveiro, que por sua vez desagua no
oceano Atlântico.
O “nosso outro rio” foi, o rio Mansoa, lá na Guiné e, não
querendo ser deselegantes, parecia-nos que o oceano
estava longe do mar, o sol tórrido espelhava naquela
água lamacenta, ficava ali, horas e horas, na ponte velha,
que era por onde passavam as “bajudas”, e outro pessoal,
para irem trabalhar nas bolanhas, a sua lama até se tornava
brilhante, talvez fosse da nossa idade jovem, era aí, onde
normalmente líamos e relíamos as cartas e aerogramas
da família e amigos, sonhávamos, às vezes acordados
por uma pequena brisa, onde a mágoa da lama dos
nossos antepassados, aventureiros descobridores, nos
enviaram para ali, onde naquele momento, o frio e o gelo
da nossa aldeia da Serra do Caramulo, seria bem vindo,
tornando aquela bolanha lamacenta, onde se
agitava no ar aquele pato preto, que nos parecia que ia
chorando lágrimas de orvalho, lágrimas frescas, que iam
secando as nossas, verdadeiras, que juntávamos às do
cisne cor de rosa que deslizava sobre aquela água, procurando algo que não encontrava.
Aquele cenário, visto da ponte, algumas vezes era um
grande lago, outras uma bolanha, pois sobressaiam
pequenas árvores e arbustos à superfície, outras um
pequenino riacho, perigoso, com lama a circundar esse
pequeno riacho, assistindo à sua corrente forte, quando
desaguava, levava restos de arbustos e lama para não
sabemos onde, em que em alguns momentos, saltavam
peixes, fazia alguma turbulência, querendo passar a toda
a pressa, fugindo daquela área, em direcção ao oceano
Atlântico, tal como nós, no nosso pensamento e, ainda
hoje, não sabemos se era um rio ou um canal, se era de
água fresca ou salgada, onde começava ou onde
acabava, sabemos que era o “nosso rio”, onde, todavia,
ao fim de algum tempo, aquela água lamacenta, para nós,
significava silêncio e alguma paz.
O “nosso outro rio”, que nos marcou, é o rio Passaic, em
Nova Jersey, que tem uma extensão de aproximadamente
130 quilómetros, que desde a sua origem, nas montanhas
de Mendham, no sul do condado de Morris, onde havia
“glacieres”, 13.000 anos atrás, durante o seu percurso,
forma diversos lagos e mesmo terras alagadiças,
passando por diversas cidades até chegar ao local onde
nos marcou, que foi a cidade de Newark, pois dormimos
algumas vezes junto ao seu leito, em algumas noites de
neve e frio de rachar, junto de outros “desafortunados”, a que chamavam “descamisados”, dormíamos
juntos, encostados uns aos outros, para nos aquecermos.
Este rio, hoje tem outro aspecto, pois a Agência do
Governo, que trata da poluição ambiental, tem gasto
milhões de dólares limpando o seu leito, onde a água já
corre, em alguns locais algumas vezes cristalina.
Bem, ainda temos outro “nosso rio”, que é o rio Yukon,
cuja palavra, significa grande rio no idioma athabaskan,
uma língua aborígene, que na forma portuguesa significa
mais ou menos Lucão, é um rio que corre na América do
Norte, nas províncias da Colúmbia Britânica e do Yukon,
em território do Canadá e no estado Norte Americano do
Alaska, desembocando no mar de Bering, no Oceano
Pacífico. Tem uma extensão de aproximadamente
3645 quilómetros, fazendo dele o 20.º maior do mundo, em
comprimento. Supõe-se que sua nascente está
localizada nos “glacieres” de Llewellyn, ao sul do Lago
Atlin, na Colúmbia Britânica, território do Canadá, mas o
rio Yukon propriamente dito, começa no lago Marsh, logo
ao sul da cidade de Whitehorse, na província de Yukon,
onde nos marcou, pelo menos nas povoações de
Carmacks ou Dawson City e, talvez em outras mais
pequenas na sua dimensão, pela sua grandiosidade, passando por entre montanhas, vales, planícies, formando
grandes lagos, onde podemos ainda ver animais e aves
selvagens, onde existem poucas pontes, a sua travessia
continua a ser por jangadas, os seus afluentes, como o rio
Tanana, Porcupine, Pelly ou Koyukuk, são paraísos
terrestes, tantos para humanos com para aves e animais,
onde ainda existem grandes cardumes de peixes, em
especial salmão, tornando o dia-a-dia dos habitantes em
seu redor, numa vida difícil, privados de algumas soluções
modernas, mas sadia e agradável.
Aqui, onde vivemos, tudo é “nosso rio”, mas de água
salgada.
Tony Borie, Julho de 2015.
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de julho de 2015 >
Guiné 63/74 - P14900: Libertando-me (Tony Borié) (26): Não é fácil