domingo, 15 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18524: Blogpoesia (562): "Insaciável...", "Irrompeu a Primavera", e "Roda viva", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, CachilCatió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Insaciável… 

Insaciável é o cultor da arte. 
Vive dela como respira o ar. 
O poeta. 
Mal acaba um poema, sente viva a fome de dar vida a outro. 
Sua mente num rodopio. 
Não pára mais. 
Até encontrar o tema. 
Depois, segui-lo. 
O escultor. 
Ultimou a obra. 
Contempla-a. 
Se gosta dela, se sente triste. 
Chegou ao fim. 
O pintor.  
Sua alma encheu a tela. 
Amplidão. Harmonia e cor. 
Ali está tudo. 
Já não é seu. 
É outro ser. 
O músico. 
De repente, reluz a luz. 
O conduz ao céu. 
Encantado. 
É sou ouvir. 
O pior é o fim… 
O fogo só aquece enquanto arde. 

Ouvindo Hauser em violoncelo - Vocalise- Rachmaninov
Berlim, 8 de Abril de 2018
8h11m
Jlmg

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Irrompeu a Primavera 

Aquelas alamedas de sebes secas, 
Pareciam mortas. 
Aquelas copas hirtas e desgrenhadas 
Das árvores tristes. 
Aquelas hortas nuas, sempre a dormir, 
Tudo mudou. 
Bastou o sol de um só dia. 
Foi de repente. 
Dum dia para o outro. 
Ficaram verdes. Folhinhas tenras. 
Vieram flores, de várias cores. 
Com alegria. Fazia falta. 
A vida viva brota abundante. 
As vestes negras, de cores sombrias 
Se põem num canto. 
Surgiram braços à luz do dia. 
Brilham os rostos. 
Há algazarra da pequenada 
A jogar ao sol. 
Bailam baloiços. 
Se alcançam alturas 
Nas cordas bambas, 
Parece um circo. 
E os cantoneiros da praxe, 
De engaço em punho, 
Enchem o carro com o que há a mais, 
Pelo chão do bosque. 
Uma feliz ideia que ocupa os idosos 
E os faz felizes, por pouco dinheiro. 
Para eles é muito. 
Em vez da bisca... 

Berlim, 11 de Abril de 2018 
10h28m 
Jlmg

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Roda viva

A vida é roda viva.
Vela acesa.
Sua chama arde,
Brilha e ilumina.
Banha e inunda.
Dá cor.
Semeia a chuva
E sopra o vento.
Mas é o sol que a sustenta.
Um mar sem fim.
Um arco imenso.
Abraça o mundo.
Por vezes, plange,
Outras, sorri.
Tem duas faces.
Como a lua.
Uma brilha.
A outra não.
Para que serve, apagado
O farol na praia?
Moinho sem vento não mói.
Navio fantasma,
Carregado de oiro e de sonhos
Afugenta quem sonha,
Pelo aspecto que tem.
Afinal,
Para que serviu uma vida, sem vida?...

Berlim, 12 de Abril de 2018
17h12m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18501: Blogpoesia (561): "Natureza humana", "Deslumbramento...", e "Fulgurante o sol...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18523: Parabéns a você (1420): António Pimentel, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de > Guiné 61/74 - P18516: Parabéns a você (1419): Francisco Alberto Santiago, ex-1.º Cabo TRMS do BART 3873 (Guiné, 1972/74)

sábado, 14 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18522: FAP (102): Paixões das nossas vidas - A Força Aérea Portuguesa (Mário Santos, ex-1.º Cabo MMA - F 86 e Fiat G-91)

1967 - Base Aérea 12 - Linha da Frente - Esquadra de Tigres 


1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, 1967/69), com data de 13 de Abril de 2018:

Caro Carlos 
Envio-te para publicação este texto e foto da Linha da Frente em 1968. Esquadra 121 "Tigres de Bissalanca", composta pelos primeiros Fiat's G-91 R/4 a operarem no nosso teatro de guerra. 
O nosso "logo" com uma Cabeça de Tigre e Boca de Tubarão pintados respectivamente por debaixo do Cockpit e na entrada de ar do Reactor. 
Vai também um logotipo da Força Aérea em que estão inseridos o novo emblema e outros bem mais antigos. 
É tudo pertença do meu espólio. 
Espero que seja do interesse da tertúlia... como sou "periquito" nestas lides, espero que este seja o procedimento normal. Tu dirás! 

Abraço amigo, 
Mário Santos



PAIXÕES DAS NOSSAS VIDAS

A Força Aérea Portuguesa

Num ser humano considerado emocionalmente equilibrado, as paixões de vida começam normalmente pela família, namoradas, amigos e conhecidos.
Esta é quanto a mim, a ordem natural da essência da vida, embora como bem sabemos as excepções existam.

Vêm depois as outras, as secundárias, mas bem importantes se tivermos em consideração o que se vai passando e sabendo hoje através dos media e das redes sociais. Refiro-me a este fenómeno curioso e transversal, que engloba a maioria do pessoal militar que passou pela gloriosa instituição que é a Força Aérea onde me integrei como voluntário aos 17 anos de idade.

Desde o mais simples soldado até à mais alta patente, “a nossa Força Aérea” mexe com todos, mesmo com aqueles que como eu, tiveram uma passagem curta, mas de tão intensa, marcou o meu percurso de vida até aos dias de hoje. Amizades que perduram passados mais de 50 anos. Eventos cuja memória não se desvanece nunca.

Todos ou quase todos, passámos pelos diferentes teatros de guerra, quando com honra, orgulho e sem preconceito, defendemos os territórios ultramarinos que os nossos antepassados nos legaram.

Aprendi na Força Aérea a cultivar o espírito da amizade, do fazer e fazer sempre bem, do rigor, da competência, da administração dos parcos recursos que a Nação colocou à nossa disposição, que a Instituição FAP, com inteligência e bom senso, soube utilizar com critérios de boa gestão, procurando sempre a proficiência dos seus recursos, buscando sempre em última instância o bom êxito da missão.

E, o mais importante, o apoio, a protecção e auxilio aos que no terreno combatiam o inimigo olhos nos olhos. Os nossos camaradas do exército terrestre. Os que mais padeceram e sacrificaram!

Colaborei em muitas missões, com técnicos e pilotos, que num espírito de união, trabalharam em uníssono, para que todas as missões tivessem sucesso. Admiro, louvo e reconheço publicamente, o nosso espírito de sacrifício, a entrega à missão que abraçámos e em que nos empenhámos devotadamente ao serviço de Portugal.

A Força Aérea Portuguesa existe para servir. Sem esperar recompensas. Hoje, como ontem, estão fortemente empenhados em continuar o seu caminho, de paulatinamente melhorar a sua prestação e o seu serviço ao País. O melhor de qualquer Instituição, são as pessoas que nela servem, com alegria, vontade firme e constante de dar o seu melhor, em favor de uma causa, que por ser pública e relevante, deve merecer de todos nós o nosso agradecimento e admiração.

Um grande bem haja a todos os meus camaradas de todas as armas que lutaram por Portugal.

Fraterno abraço para todos!
Mário Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE MAIO DE 2017 > Guiné 61/74 - P17303: FAP (101): Agora num expositor... Aventuras de um capacete... E não só... (Miguel Pessoa)

Guiné 61/74 - P18521: Os nossos seres, saberes e lazeres (261): Uma visita à casa museu de um grande génio: Leal da Câmara (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
É impossível que um qualquer visitante saia da Casa-museu Leal da Câmara defraudado com aquele espantoso conteúdo de obras de arte e do recheio da habitação, isto para já não falar nos toques graciosos de diferentes apontamentos no exterior da casa e na beleza do jardim que ele desenhou mas não chegou a ver.
Como um dos maiores artistas do seu tempo, que o foi, concebeu uma casa-museu para desfrute do seu génio, e percorre-se a casa e a exposição permanente e percebe-se que só homens de grande testemunho e vibração são capazes desta dádiva. E vem-nos logo à mente um outro vulto pluridimensional, Júlio Pomar, que abre as portas para que todos nós possamos desfrutar uma outra dimensão do talento que marca pelo menos 60 anos das belas artes em Portugal.
Lá o visitaremos.

Um abraço do
Mário


Uma visita à casa museu de um grande génio: Leal da Câmara (2)

Beja Santos

Logo no ponto alto da brochura temos o sorriso maroto e o olhar desafiante de mestre Leal da Câmara, como de costas voltadas para o rei que ele tão ferozmente ridicularizou, D. Carlos. Aliás há um desenho em que Leal da Câmara põe D. Carlos como na estátua de Camões no Chiado e diz a D. Carlos I, o último. Por estas e por outras lá foi para Espanha onde os poderes constituídos também não lhe deixaram graça, e saiu-lhe a sorte grande, de Madrid partiu para o epicentro cultural da Europa, Paris. E escreve-se nesta brochura: “Será nesta nova ambiência cultural que Leal da Câmara permanecerá por uma década, construindo a sua carreira e impondo-se com a sua técnica e concepção artística. As suas paisagens de efeitos simples, os seus retratos sóbrios, a par das suas rebuscadas e irónicas caricaturas, são identificadores de um traço amplo e inteligente que reflectem o poder criador e alto nível técnico de um pintor todo ele de cor e movimento, pleno de originalidade, acabando por conquistar um lugar de relevo no mundo artístico e cultural parisiense de então”.


Regressado a Portugal, dedica-se ao ensino, primeiro no Norte e depois em Lisboa. A sua colaboração na imprensa é avassaladora. Vem viver para Lisboa e continua infatigável a colaborar com jornais e revistas da capital. Em 1930 fixa-se na Rinchoa, transforma uma habitação rústica numa casa cheia de gosto que sucessivas requalificações não desfiguraram. O viandante desconfia que o que está a ver não era exatamente o ambiente que cercava o maior dos desenhadores de humor da primeira metade do século XX, mas está tudo cheio de caráter e harmónico, as obras de arte falam com o mobiliário e não resta dúvida que terá sido aproximadamente assim mesmo depois da sua morte, ocorrida em 1948.



Como é que a corte espanhola não se teria enfurecido com este retrato da rainha disfarçada de abutre, ou mulher mostrengo, ou virago de rosto azedado? E depois rendemo-nos ao traço, fica-nos a vontade de saber se a grande bailarina, diva do seu tempo, Josephine Baker, soube da existência deste desenho, que lindo sorriso.



Aqui fia mais fino, estamos em Outubro de 1910, republicano convicto dá à estampa a implantação da República socorrendo-se do Zé Povinho abraçado ao símbolo da República francesa e temos a capa de L’Assiette au Beurre, aquele Zé Povinho é o alter-ego de Leal da Câmara.



Este 5 de Outubro de 1910 trouxe-o de volta a Portugal, rapidamente Leal da Câmara se desapontou com o que viu e daí ter partido voluntariamente para Paris onde permanecerá até 1915, entretanto não deixa de ironizar sobre tudo quanto se passa na vida política portuguesa como este guache intitulado “Os partidos republicanos emergentes: a galinha no choco”. Só as condições da guerra o puseram de volta, vai começar a sua vida de professor, ministrará lavores femininos.



Quem nos guia nesta exaltante visita recorda que este “Muro do derrete” é a derradeira obra do artista, ficou incompleta, os últimos anos foram de grande sofrimento físico, poucos antes de morrer, Leal da Câmara queria a casa de portas abertas, transformou o seu ateliê em museu e, como também se escreve na brochura, “assim se perpetuar a sua memória e a sua arte, para melhor se compreender que tudo aquilo que desenhou, quer caricaturalmente, quer numa tradução simbolizante ou de real impressionismo, como realidade de um quotidiano de um concreto não é mais do que, como diria Leitão de Barros, verificar a fertilidade, a espontaneidade, a graça pessoal, o espírito crítico e satírico de um dos maiores desenhadores da sua época”.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18496: Os nossos seres, saberes e lazeres (260): Uma visita à casa museu de um grande génio: Leal da Câmara (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18520: Inquérito 'on line' (128): "Este ano vou a Monte Real, ao XIII Encontro Nacional"... Resultados das primeiras 30 respostas: 50% dizem que "sim", 13% estão "indecisos" e os restantes (37%) não vão, por razões de conflito de agenda, de saúde, económicas ou outras... O prazo de resposta ao inquérito termina na segunda-feira, dia 16, às 22h32... O prazo de inscrição termina no dia 30 de Abril ou quando se esgotarem os 200 lugares da lotação da sala Dom Dinis, do nosso Palace Hotel Monte Real


Foto nº 1 > Aspeto geral dos "aperitivos", na varanda da sala D. Dinis


Foto nº 2 > Em primeiro plano, o Jorge Narciso e o Victor Tavares


Foto nº 3 > O Sousa de Castro com um emissor-recetor AVP1. Foto: Sousa de Castro (2010)


Foto nº 4 > João Barge (1944-2010) e Carlos Nery


Foto nº 5  > O guineense António Estácio


Foto nº 6 > A prof Maria João Figueiras, dourorada em piscologia clínica (2000), esposa do camarada e editor Jorge Araújo. Na foto, está a folhear o livro autobiográfico do nosso saudoso Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015)

Imagens de arquivo do V Encontro Nacional da Tabanca Gande, Monte Real, o primeiro que se realizou no Palace Hotel Monte Real, 2m 26 de junho de 2010.

Recorde.se que o I Encontro Nacional foi na Ameira, Montemor-o-Novo, em 2006: o II em Pombal; o III e o IV, na Ortigosa, Monte Real, Leiria... Desde 2010, a 5.ª edição, mudámos para o Palace Hotel Monte Real. Até hoje... O XIII será de novo no mesmo sítio, no dia 5 de maio de 2018.

Estão a decorrer as inscrições. Lotação máxima: 200 lugares (Sala Dom Dinis, Palace Hotel Monte Real)

Fotos: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


1. Inquérito 'on line':

"Este ano a vou a Monte Real, ao XIII Encontro Nacional" (Resposta única)

Resultados preliminares (até 17h de hoje)


Sim, vou > 15 (50,0%) 

Talvez, ainda não decidi > 4 (13,0%)


Não vou > 11 (37,0%) 


Total > 30  (100,0%)


2. Os que respondem  "Não" (n=11), é por razões:

(i) de conflito de agenda  > 1 (3,0%)
(ii) de saúde  > 2 (6,0%)
(iii)  económicas > 2 (6,0%)
(iv) outras > 6 (20,0%)


3. O prazo para responder ao inquérito termina dia 16, segunda-feira, às 22h32.


Quanto à inscrição, no XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande, camaradas e amigos/as, podem fazê-lo até pelo menos ao fim do mês de abril (ou até ao limite dos 200 lugares).

Até sábado de manhã estavam  inscritos 85 amigos e camaradas da Guiné, 42,5% da lotação máxima.

Mas, por favor, aproveitem esta oportunidade... histórica. É que a Tabanca Grande é terna... mas não eterna.

Voltam a reproduzir-se aqui, hoje, algumas fotos de encontros anteriores, neste caso o V Encontro Nacional (2011). Na foto nº 5,  vemos o saudoso João Barge (1944-2010) a falar com o ex-cap mil Carlos Nery.
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(**) Vd. psste de 8 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17833: Inquérito 'on line' (127): Num total de 64 respondentes, mais de um 1/3 diz que não há (ou não sabe se há) um monumento aos combatentes do ultramar no concelho onde mora...

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18519: Notas de leitura (1057): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (30) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Caminha-se para o fim da guerra, os relatórios não dissimulam que o conflito e as carências estão a dar dinheiro a certos negociantes, os djilas apropriam-se de todo o arroz disponível e levam-no para o estrangeiro, pagam-no a alto preço. Há negócios na compra de camiões e barcos, vão ser inúteis depois da guerra, transaciona-se muito ouro em pó.
Antes da chegada de Sarmento Rodrigues já Bissau começa a mudar de imagem com os bairros para o funcionalismo, vai crescer a administração. Como um verdadeiro cronista, o gerente do BNU em Bissau é meticuloso na análise da praça, não há crescimento mas também não se registam afundamentos. E, inopinadamente, tudo vai crescer nas obras públicas, no rasgar das estradas, nos transportes, na saúde e no ensino. Estamos numa nova etapa da missão colonizadora, a que não faltará cultura. Os bons negócios estão a chegar, também.

Um abraço do
Mário



Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (30)

Beja Santos

Não se deve subestimar a importância dos relatórios do BNU naquele crítico período da II Guerra Mundial, tal a riqueza de pormenores, são informações que extravasam a situação da praça, iluminam a vida socioeconómica e política na colónia, que conhecerá substanciais alterações com a chegada, em 1945, do Capitão-de-Fragata Manuel Sarmento Rodrigues, alguém que aposta em fazer da Guiné uma colónia modelo.

No relatório de 1944, dá-se atenção aos negócios do Senegal, como já se fizera em relatório anteriores e posteriores, mas a situação tendia a normalizar, já estavam a ser reexportados muitos fardos de tecidos que seriam invendáveis na colónia. E dá-se pormenores:
“Muitos outros tecidos devem ter-se escoado em regime irregular para o Senegal. Dos que ficaram em nosso poder, alguns se estragaram, por razões derivadas de uma demasiada armazenagem e também devido à má qualidade das anilinas empregadas. Não tivemos nenhuma responsabilidade no caso”.
Aumentara o montante referente a letras protestadas e relativas a estes negócios, não havia a registar falências, não fechara nenhum dos estabelecimentos existentes mas também não abrira nenhum outro. Era a guerra:
“As casas estrangeiras continuam a abster-se de negociar produtos coloniais na antiga grande escala em que trabalhavam. Limitam-se a adquirir estes produtos em regime de permuta ou em liquidação de antigos créditos. É de esperar que voltem à sua actividade normal depois do fim da guerra, fazendo a costumada concorrências às casas nacionais. Os negócios de mancarra abrem com uma desatinada e desinteligente concorrência. Todos querem comprar o mais possível e o mais depressa possível. E então, nem se olha à qualidade do produto. A mancarra, de ano para ano é pior porque não há cuidados absolutamente nenhuns com a selecção das sementes. A boa prática de não comprar mancarra sem ser limpa caiu em total desuso, são os próprios compradores que não querem passar a mancarra pelas tararas no acto da compra para não haver atrasos. Isto é o cúmulo da falta de senso pois lhe fica a certeza que de pagam a dinheiro não só mancarra mas uma enorme percentagem de terra, pedra e cascas. Mas é assim mesmo. A Casa Gouveia, até certo ponto comanda preços por ser a maior compradora. Mas a sua orientação é francamente má e o sistema de compra peca da mesma desorientação geral, o que querem é comprar mais e mais. Nos negócios de arroz há mais equilíbrio, mas também se regista uma tendência geral para piorar a qualidade”.

O gerente está não só bem informado como sente o dever de incorporar no relato as suas impressões pessoais. Falando da determinação do governo em não permitir o estabelecimento do comércio sírio-libanês na região de Catió onde se cultiva em grande escala o arroz, observa:
“Insensatez grande foi anular-se esta boa determinação, chega-se ao ponto de haver autoridades que instaram com os sírios para que abrirem casas em Catió. Viu-se imediatamente o resultado. Concorrência desenfreada e prejuízos consequentes para a indústria de descasque de arroz. Esta, como lhe são impostos preços de venda, fatalmente tem que regular por estes o preço de compra. Os sírios, não têm entrave nenhum. Compram arroz, para permutar; para vender em regiões onde não deve chegar o controlo de preços e é natural até que o passem para território francês onde se paga arroz por todo o dinheiro, porque a crise resultante da guerra é muitíssimo séria, pouco ou nada havendo para a alimentação das populações. A meio do ano faz-se alarde grande de que a região de Catió pode produzir uma imensidade de toneladas de arroz, acima da produção do ano anterior, o que influiria muito na produção total da colónia. Afinal, nada disto se verificou. De facto, populações inteiras de outras regiões produtoras de arroz têm-se transferido para Catió. Mas a sua influência só se sentirá passados dois anos, pelo menos da sua instalação e trabalhos primaciais. Assim, poderá aumentar a produção de Catió mas falhará a das regiões onde as populações saíram, e permanecerá sem grandes alterações a produção geral. O que é um facto indiscutível é a degenerescências das sementes”.
E discreteia sobre os fatores, fala dos celeiros, da seleção de sementes, do péssimo acondicionamento dentro dos celeiros, havia regentes agrícolas que tinham chegado a conclusões sensatíssimas sobre o péssimo funcionamento de tais celeiros mas que ficavam desanimados por não verem consideradas as suas propostas de melhorar a situação.

O relatório de 1944 introduz um elemento novo que é a construção de moradias destinadas a funcionários, mas faz-se o reparo de que se continua sem casas para escolas, sem casa para tribunal, sem palácio para o governador pois as obras continuam paradas. Critica os altos salários dos operários europeus que encarecem mão-de-obra que não pode ser paga por outros. E acrescenta outros dados sobre construções: um muro-cais com escada de acesso e uma rampa que facilitou muito a saída dos carros da jangada em que se atravessa o rio, em Bafatá; em Caió, também foi construído um pequeno muro-cais e um farol que ainda não funcionara; há uma necessidade urgentíssima de se dragar o rio Geba e diz que o assoreamento do rio, em certos pontos, representa já um obstáculo sério à navegação, causando grandes prejuízos.


Falando da situação da praça no relatório de 1945, o gerente de Bissau afirma não se terem registado falências nem registos de novas firmas, presta as seguintes informações:
“Os negócios correram normalmente voltando à normalidade, alterada para um movimento muito mais elevado e intensivo no ano anterior, devido à guerra e consequente negócio com o Senegal. As grandes quantidades de tecidos que ficaram na Guiné e já não interessam às autoridades fronteiriças, foram-se escoando, em contrabando, para o território francês. Pagas em francos senegaleses, houve determinada altura em que estes existiam aos milhões, na nossa colónia. Os detentores desfizeram-se deles por modos diversos. Alguns compraram mancarra; cera; borracha e couros, vindos do chão francês por indígenas de lá, que querem o pagamento naquela moeda. Muitos compraram quilos e quilos de ouro em pó, negócio em que se tem feito fortunas. A pouco e pouco se escoaram tantos milhões de francos entrados no nosso território. Nesta data, mesmo nas regiões fronteiriças, já não é fácil encontrarem-se muitos francos no comércio português, além daqueles precisos para alimentar o negócio dos chamados ‘djilas’. É natural que na altura da próxima campanha se intensifiquem os negócios com os indígenas das colónias vizinhas, sobretudo nas regiões de Bafatá e Gabu.
Por vezes a intensidade destes negócios é tão grande que os pagamentos quase só se fazem em moeda francesa. Operação pouco legal, nada se pode fazer para evitar, tanto mais que por ela se canalizam milhares de contos em valor de géneros coloniais que o nosso comércio adquire e exporta e noutros milhares de contos de fazendas entradas pelas nossas alfândegas e que assim se escoam para o território vizinho, animando o nosso comércio e dando rendimentos ao Tesouro da colónia. Por ora, a vizinha colónia francesa ainda não ter fartura de fazendas ou mercadorias. De França quase nada vem. Da Gâmbia ou da Inglaterra pouco ou nada se recebe. Ultimamente tem recebido alguma mercadoria americana mas em pequena quantidade".

Mas o gerente do BNU irá no relatório seguinte carrear informações pessimistas, dirá que os negócios com o Senegal fraquejaram muitíssimo, mantendo-se, porém, sobretudo na região de Bafatá, os negócios clandestinos sobre o ouro em pó, negócio que movimenta milhões de francos, não se faz em moeda portuguesa. E presta a seguinte informação:
“Nos últimos anos da guerra o ouro em pó vendeu-se à razão de 13 a 20 contos por quilo. Hoje, o preço do quilo regula por 23 a 24 contos. O comprador manda-o clandestinamente para Lisboa, pagando entre 50 centavos a 1 escudo, por grama, aos portadores. Na conversão do ouro em pó para ouro em barra, contando com as quebras, pagamento do trabalho e contrastaria, a uma quebra que tem andado por 6 a 10%, sendo raro chegar-se aos 10%. Vendido depois às cotações atuais, dá um bom lucro e serve de meio de colocar capitais na metrópole, o que só pela transferência que se não paga adiciona lucro. Cifram-se em milhares de contos os negócios de ouro feitos durante todo o ano".

Tudo vai mudar no pós-guerra, como se verá diante. Os relatórios continuarão a falar no ouro em pó convertido em ouro em barra, bastante lucrativo, há muita gente a prosperar com estes negócios, insiste-se nesta tónica. O relatório de 1946 adianta que houve alguns negócios com a colónia inglesa da Gâmbia, sobretudo em compras de ferragens e camiões militares que sobraram da guerra, corriam transações para comprar algumas embarcações para o serviço de capotagem na Guiné.
O relatório fala em dificuldades mas também em muita prosperidade, nesse primeiro ano sem guerra: “Daqui para lá nada se vendia, apesar da imensa necessidade que a Gâmbia tinha de nos comprar arroz, cuja exportação não é permitida. Se fosse permitida, era certo que nos pagariam o arroz da Guiné a um xelim ou mais, por quilo, nos armazéns de Bissau e que seria um óptimo negócio para o comércio desta colónia. Contudo, os djilas levam muito arroz, sobretudo descascado a pilão, para a Gâmbia, utilizando canoas indígenas. Compram-no a todo o preço, não hesitando mesmo pagá-lo a cinco ou seis escudos o quilo. Na campanha que está correndo, ao fazer-se este relatório, quase nenhum aparece, porque os djilas o andam comprando pelas estradas e caminhos do mato, directamente aos indígenas e a altos preços”.

Vai seguir-se a descrição dos bons negócios nesse ano, cheio de realizações nas comemorações do V Centenário do Descobrimento da Guiné. Parece que a crise económica estava ultrapassada, anunciava-se um surto desenvolvimentista.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 6 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18492: Notas de leitura (1055): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (29) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18505: Notas de leitura (1056): Colóquio Internacional "Bolama Caminho Longe" (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18518: Convívios (849): CCAÇ 1586 (Piche, Ponte Caium, Nova Lamego, Béli, Madina do Boé, Bajocunda, Copá e Canjadude, 1966/68): almoço-convívio comemorativo dos 50 anos do regresso a casa: Abrantes, 19 de maio de 2018... Inscrições até ao próximio dia 25 de abril (Eduardo Gadanho dos Santos, Lisboa / Manuel Domingos Casimiro, Tomar)



GUINÉ

COMPANHIA DE CAÇADORES 1586 (PICHE, PONTE CAIUM, NOVA LAMEGO, BÉLI, MADINA DO BOÉ, BAJOCUNDA, COPÁ E CANJADUDE, 1966-1968)





ALMOÇO-CONVÍVIO COMEMORATIVO DO CINQUENTENÁRIO 
DA CHEGADA A LISBOA (*)

Abrantes, 19 de maio de 2018



CONVITE - PROGRAMA (**)




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Notas do editor JA:

(*) Vd. poste de 11 de abril de  2018 > Guiné 61/74 - P18512: CCAÇ 1586, "Os Jacarés" (Piche, Ponte Caium, Nova Lamego, Beli, Madina do Boé, Bajocunda, Copá e Canjadude (1966-1968): Subsídios para a reconstituição da sua história (Jorge Araújo) - Parte I

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18517: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (27): Visita de uma delegação do PAIGC a Missirá, em julho de 1974, no âmbito dos acordos de cessar-fogo - Parte II: Dando uma oportunidade à paz, depois de oito anos de guerra: os últimos dias dos bravos do pelotão


Foto nº 3 / 10 >  Sete elementos do bigrupo, com o comandante à esquerda (em 2º lugar)... O jovem porta-estandarte oparece usar pistola à cintura... Três elementos, incluindo o comandante, devem ter trocado os seus chapéus por boinas castanhas das NT...


Foto nº 10 A /10 >  Outros elementos do bigrupo com garrafas de cerveja... ou aguardente de cana (ou vinho de palma)...


Foto nº 4 A /10 > O Fur mil Sérgio cumprimenta o cmtd do bigrupo... Dá para perceber, pelos detalhes do fardamento, que terá havido entretanto "troca de galhardetes" (é uma confusão de boinas, quicos e gorros...).  Os guerrilheiros trazem, como calçado, botas de lona, uns, ou sandálias de plástico, outros. Estão equipados com a Kalash.


Foto nº 2 A/10 > O "alteirão" é o fur mil Sérgio, metropolitano, do Pel Caç Nat 52... e dá um "jeitinho" para que a bandeira dos "visitantes" também caiba na fotografia...


Foto nº 5 / 10 >  Alguns elementos do bigrupo com as praças, metropolitanas, do Pel Caç Nat 52, com alguns populares à volta, naturalmente "curiosos" e "expectantes"...


Foto nº 5 A / 10 > 


Foto nº 6A /10 > Nem faltou o apontador do RPG-7...


Foto nº 6 B / 10


Foto nº 7A /10 > Que "promessas" ou "ameaças" terá feito o comandante do bigrupo (ou de zona) ?


Forto nº 7 /10 > Comício, numa tabanca nos arredores de Missirá. talvez Sancorlá ou Salá, a noroeste, já no limitedo regulado do Cuor.

Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 52 > c. julho de 1974 > São "10 fotos para a história"... As NT "deixam-se fotografar" com uma delegação do PAIGC, que vem (sempre) armada, em "visita de cortesia" ao destacamento e tabanca de Missirá, na sequência do processo de cessar-fogo e negociação da paz...

Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Continuação da publicação das fotos do álbum do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)

Lisboeta, bancário reformado, tem raízes na Lourinhã (Marteleira e Miragaia), pelo lado materno. Durante a sua comissão no CTIG foi sempre um apaixonado pela fotografia... Fotografou quase tudo... e neste caso algumas das últimas cenas da presença portuguesa no TO da Guiné.

São 10 fotos ("slides" digitalizados) da visita, a Missirá, de um grupo do PAIGC, ou menos que um bigrupo. Missirá era o destacamento mais a norte, no regulado do Cuor, do setor L1 (Bambadinca). Provavelmente estes homens do PAIGC pertenciam à base de Sara-Sarauol, no Morés, a noroeste de Madina / Belel (aonde fui, com o Beja Santos, na sequência da Op Tigre Vadio, iniciada em 30 março de e terminada em 1 de abril 1970).


2. E porque uma imagem às vezes precisa de "mil palavras", aqui vai, a nosso pedido, "o texto e o contexto" destas 10, em mensagem que nos mandou o autor, com a data de 10 do corrente: 

Luís:

Aqui vai,  tal como me pediste,  uma pequena descrição dos acontecimentos que deram origem aos encontros com o PAIGC que estão documentados nas fotografias que contigo partilhei e assim estão à disposição dos camaradas do blogue.


Foto nº 9/10 (*):
Foto nº 9/10

No grupo está à minha esquerda está comandante do bigrupo, a seguir está o furriel maçarico do Pel Caç Nat  52,  natural da Guiné. É o João [, devida ser de etnia papel,  de Bissau, tinha o 5º ano do liceu]. À esquerda do João,  o "pequenino" do PAIGC é o comissário politico e a seguir o homem grande de branco é Malan Soncó. Dos cabos europeus não me recordo o nome. Está também um milícia de Missirá [, na ponta direita, na primeira fila de pé]. Segue um texto em anexo.

Um abraço, Luís

3. Os últimos dias do Pel Caç Nat 52: contactos com o PAIGC

por Luís Mourato Oliveira


Foto nº 8 B  /10 (*)
Os meus primeiros encontros com o PAIGC,  enquanto comandante do Pel.Caç Nat 52, não decorreram,  como calculas,  na forma de uma cordial e amigável confraternização social.

Imediatamente após a minha chegada 
ao destacamento do  Mato de Cão,  recebemos a "visita" do então IN que nos quis saudar com uma flagelação com canhão sem recuo. O ataque,  como os outros que se seguiram,  era desencadeado da orla de mata que abraçava uma bolanha a oeste do planalto onde estava instalada a guarnição de Mato de Cão.


A sudoeste do planalto, junto à estrada para Bafatá e junto ao Geba,  havia apenas uma tabanca que albergava apenas uma família de civis. No cume do planalto não existiam infra-estruturas a que pidéssemos chamar aquartelamento,  pois limitavam-se a quatro abrigos subterrâneos suportados por “cibes” [troncos de palmeira]  e cobertos por bidões com areia.

Havia ainda uma construção precária em chapa ondulada que servia de depósito de géneros, cozinha e refeitório dos europeus e uma pequena tabanca [morança] de adobe que designávamos de “enfermaria” e era utilizada pelo maqueiro africano de que não tenho o nome na memória (já passou muito tempo). As outras construções eram tabancas [moranças] de palha e colmo onde viviam os soldados africanos e respectivas famílias e uma mais pequena de que existem fotografias no blogue e onde eu habitei durante o período que lá estive.

A esta incursão do IN seguiram-se outras de morteiro e até uma tentativa de assalto em golpe de mão em pleno dia, evitado pelas mulheres dos soldados que,  quando lavavam a roupa junto ao Geba, detectaram a progressão do IN na bolanha,  o que nos permitiu escorraçá-los, dado estarmos numa posição superior e estrategicamente mais favorável.

Na sequência destes acontecimentos tivemos informação com origem em civis, familiares de soldados do pelotão, que o IN preparava um novo assalto ao destacamento. A informação pareceu-me fiável porque os soldados confiaram absolutamente nas narrativas dos civis e inclusivamente fizeram uma cerimónia ritual na qual, para além de juntarem palhas de colmo de cada tabanca e pólvora de uma munição de cada militar, eu incluído, com que fizeram uma fogueira, procederam à leitura do Corão.

Isto aconteceu dia 23 de dezembro de 1973 e,  no dia seguinte, apesar de ser véspera de Natal,  pensando que seria nessa data que o IN poderia aproveitar para atacar, saímos em patrulhamento para confirmar as informações recebidas.

Detectámos a coluna IN que se dirigia na nossa direcção,  talvez a três quilómetros a Norte do destacamento, e montámos uma emboscada imediata.

Dada a proximidade da coluna IN,  a última secção de caçadores do Pelotão, ao contrário da primeira,  posicionou-se com algum afastamento do trilho. A primeira  secção, da qual eu fazia parte, ficou a cerca de talvez dez ou quinze metros da zona de morte e tivemos ocasião de verificar que o IN não tinha intenções de atacar Mato de Cão. Era um grupo onde inclusivamente vinha um adolescente e que tinha ido caçar, pois eram portadores de vários macacos-cães que transportavam.

A última secção desencadeou a emboscada e o destacamento que acompanhava a nossa deslocação no terreno fez fogo de protecção de morteiro 81 para Norte da nossa posição, em pontos previamente assinalados no plano de tiro.

O contacto durou poucos minutos e,  em virtude da nossa flagelação de morteiro estar a bater na zona de assalto, o destacamento estar completamente desguarnecido e verificar que a intenção do IN não era agressiva, não efectuámos a perseguição ao IN e  regressámos a Mato de Cão.

Na sequência destes acontecimentos e do ataque efectuado pelo IN na zona de Enxalé a um barco de munições com destino a Bambadinca,  e que explodiu nesse ataque, o Pel Caç Nat 52 tentou a intercepção da força atacante,  progredindo na mata do Enxalé mas sem resultado. Passámos então  a ter uma acção de vigilância muita activa na navegação do Geba e detectámos e aprisionámos uma canoa IN que transportava arroz e tabaco adquiridos em Bambadica e que tinham como destino (penso eu,  que a memória vai falhando) [a base de ] Sára.

A tripulação da canoa foi interrogada, deu informações claras que as provisões se destinavam ao PAIGC, que tinham uma base militar com anti-aérea e onde estava aquartelado um bigrupo. Fizemos apreensão de todas as mercadorias transportadas, pagámos o arroz apreendido após pesado a sete pesos o quilo e libertámos os tripulantes,  explicando-lhes que se tratava de um gesto de boa vontade,  que se alteraria caso as acções do PAIGC continuassem agressivas para com Mato de Cão.

Deveria ter resultado esta acção [psicossocial...], pois nunca mais sofremos qualquer ataque e também nunca mais bloqueámos o esquema logístico do PAIGC. (**)

Após o 25 de Abril, todos nos apercebemos que os dias da guerra estavam a chegar ao fim, que a nova ordem politica iria finalmente reconhecer o direito dos colonizados à independência e que a tropa iria regressar a casa para bem de todos e felicidade das famílias.

O PAIGC também não teve dúvidas do que seria o futuro próximo e,  nesta altura, o Pel Caç Nat 52 que tinha sido deslocado para Missirá,  através de elementos da população, recebeu o pedido para visitar a tabanca.

Ponderando as consequências futuras para os nossos soldados que tinham sido leais, que acreditavam ser Portugueses, que,  sendo militares profissionais alguns há oito anos em combate,  não tinham outra perspectiva de ganhar a vida, que apelidavam o IN de “bandido” e que não compreendiam como um acontecimento longínquo no dia 25 de Abril também poderia afectar as suas vidas,  decidi que deveria a qualquer custo aproximar os soldados do meu pelotão dos soldados do PAIGC, para que os antigos inimigos se conhecessem pessoalmente, que se fosse possível confraternizassem para que o futuro fosse o menos doloroso,  sobretudo para aqueles que eu tinha comandado e com quem tinha criado laços de estima e amizade.

O PAIGC avisou o dia da visita e deslocaram-se a Missirá um comissário político e alguns soldados. Entraram, com confiança,  fardados e com equipamento militar, conversaram e confraternizamos como combatentes numa guerra que tinha acabado. Bebemos cerveja, aguardente de cana e, a quem a religião proibia,   cocas e  cerveja sem álcool.

Nessas conversas, um soldado do PAIGC em conversa comigo, disse-me “ alfero já te conhecia, um dia vi-te na mata.” Respondi que “não acredito, se me tivesses visto ias usar a Kalash”, então ele justificou “ alfero, nós tínhamos atacado o barco das munições, a tropa correu de Mato de Cão para nos apanhar, mas já tínhamos gasto todas as munições e ficámos escondidos até se irem embora”....

Trocámos histórias como esta, fizemos “selfies” [, "avant la lettre"...] com armas trocadas (!) e até disputámos um jogo de futebol de cinco entre as NT e o ex-IN onde eu fui guarda-redes,  não permitindo mais uma vez que naquele jogo o IN levasse a melhor...

Estas visitas levaram a várias reacções, alguns aceitaram sem qualquer relutância estes encontros,  mas não esqueço a tristeza que levou ao choro compulsivo o soldado e grande companheiro Jalique Baldé, cuja família tinha sido vítima do PAIGC numa acção de recrutamento na sua tabanca a que ele escapou por estar a caçar. Recordo que foi o Jalique, enorme soldado e caçador, que detectou o IN quando este se dirigia na nossa direcção dia 24 de dezembro de 1973 e, se não fora ele, teríamos sido nós a cair na emboscada.

Na sequência destes encontros que se tornaram normais, fomos convidados para assistir a um comício organizado pelo PAIGC,  dirigido à população de Missirá e aos soldados e milícias da guarnição,   e aceitámos estar presentes.

Presidiram ao comício o comissário político bem como o chefe militar da zona e esteve presente grande parte da população civil da zona.

Na minha experiência politica levei o pelotão bem fardado e armado e foi-me pedido pelo comissário politico que os soldados poderiam assistir ao comício mas não deveriam estar armados,  o que me deixou apreensivo, mas, dada a forma como me foi transmitido o pedido e ao relacionamento anterior, aceitei que as nossas armas ficassem numa tabanca [, morança,] à guarda e irmos desarmados. Felizmente tudo decorreu com normalidade e, findo o comício e as fotografias que considero históricas,  recolhemos as armas e regressámos a Missirá.

A última missão que recebi na Guiné foi, a pedido do PAIGC ao comandante do batalhão de Bambadica [, BCAÇ 4616/73] (***), que me deu ordem de participar numa cerimónia simbólica do içar da bandeira do PAIGC numa localidade a norte de Missirá, provavelmente  Salá ou Sancorlá [, a noroeste de Missirá, vd. mapa a seguir]


Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca  (1955) > Escala de 1/50 mil >  Detalhes: posição relativa de Bambadinca, Nhabijões, Mato Cão, Missirá, Sancorlá e Salá.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)

O meu pelotão [, o Pel Caç Nat 52,]  tinha sido desmobilizado após os acontecimentos de agosto de 1974 em que algumas tropas africanas se rebelaram tendo a CCAÇ 21 [... e não 22],  tomado o quartel de Bambadinca e sequestrado, eu incluído, o pessoal europeu com ameaça de fuzilamento,  caso não recebessem contrapartidas pela desmobilização (episódio já relatado no blogue)  [Vd. poste com depoimentos de Fernando Gaspar e Luís Mourato Oliveira] (****).

Por essa razão,  e obedecendo às ordem do comando, dirigi-me ao local da cerimónia, apenas acompanhado pelo soldado condutor que me foi dispensado,  sendo recebido com algum descontentamento pelos quadros do PAIGC que queriam dar alguma ênfase à cerimónia do içar da sua bandeira naquela localidade.

Foram estes os últimos dias do Pel Caç Nat 52. Estas memórias trazem-me sempre tristeza e remorso pela forma em que deixámos na Guiné os nossos irmãos de armas africanos que ficaram sem qualquer apoio ou negociação,  à mercê dos antigos inimigos.

Quero ter fé que o processo de integração que me foi possível iniciar,  minimizou ou talvez até tenha evitado as consequências que todos nós conhecemos e que tiraram a vida a muitos que,  ombro a ombro,  connosco suaram e sangraram num conflito que atempadamente se poderia ter evitado se os nossos dirigentes da época tivessem a noção que o curso da história não se pode travar apenas com armas.

Luís Mourato Oliveira
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18504: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (27): Visita de uma delegação do PAIGC a Missirá, em julho de 1974, no âmbito dos acordos de cessar-fogo - Parte I

(**) Vd. postes anteriores com fotos do álbum do Luís Mourato Oliveira, respeitantaes ao setor L1, tiradas em lugares como Bambadinca, Mato Cão, Fá Mandinga e Missirá:

9 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17227: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (14); Uma horta em Missirá, no regulado do Cuor

11 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17126: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (13): Visita de cortesia a Fá Mandinga, onde ainda pairava o fantasma do famoso "alfero Cabral"...

22 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17073: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (12): Bambadinca (a "cova do lagarto", em mandinga) e algumas das suas gentes

21 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17068: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (11): Bambadinca, o porto fluvial, onde atracavam os heróicos e lendários "barcos turras"

23 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16981: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (10): 28 de outubro de 1973, dia de festa ecuménica, a festa do fim do Ramadão (Eid-ul-Fitr) no... Mato Cão

14 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16954: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (9): cenas do quotidiano do destacamento de Mato Cão

9 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16936: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (8): o comandante do destacamento de Mato Cão "travestido" de... mandinga

23 de dezenmbro de 2016 > Guiné 63/74 - P16873: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (7): o destacamento de Mato Cão - Parte III: a construção da tabanca

12 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16828: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (6): o destacamento de Mato Cão - Parte II

7 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16808: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (5): o destacamento de Mato Cão - Parte I

4 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16797: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-al mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (4): A nosso Natal de 1973, onde não faltou nada, a não ser o cartão de boas festas dos nossos vizinhos de Madina / Belel

(***) Vd.  poste de  18 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14894: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXV: fevereiro de 1973: três meses depois do fim da comissão, faz-se a sobreposição com os "piras" do BCAÇ 4616/73, o "batalhão liquidatário" (mar / ago 1974)

O BCAÇ 4616/73, mobilizado pelo RI 16, partiu para o TO da Guiné em 30/12/1973 e  regressou a  16/9/1974. Esteve sediado,  a CCS e o Comando, em Bambadinca. Foi comandado pelo  ten cor inf  Luís Ataíde da Silva Banazol e depois pelo ten cor  inf Joaquim Luís de Azevedo Alves Moreira. Tem como unidades de quadrícula a 1ª C/BCAÇ 4616/73 (Mansambo e Xime), 2ª C/BCAÇ 4616/73 (Xime, Bambadinca) e 3ª C/BCAÇ 4616/73 (Farim, Jumbembém e Farim).

(****) Vd., poste de 13 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9892: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (10): Em Bambadinca, em agosto de 1974, eu (e outros camaradas) fui sequestrado, feito refém e ameaçado de fuzilamento por militares guineenses das NT... Cerca de 40 horas depois, o brig Carlos Fabião veio de helicóptero com duas malas cheias de dinheiro, e acabou com o nosso pesadelo (Fernando Gaspar, ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BCAÇ 4518, 1973/74)

Guiné 61/74 - P18516: Parabéns a você (1419): Francisco Alberto Santiago, ex-1.º Cabo TRMS do BART 3873 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18511: Parabéns a você (1418): Jorge Félix, ex-Alf Mil PilAv Alouett III da BA 12 (Guiné, 1968/70); Jorge Picado, ex-Cap Mil das CCAÇ 2589; CART 2732 e CAOP 1 (Guiné, 1970/72) e Manuel Marinho, ex-1.º Cabo At do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)