sábado, 14 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18521: Os nossos seres, saberes e lazeres (261): Uma visita à casa museu de um grande génio: Leal da Câmara (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
É impossível que um qualquer visitante saia da Casa-museu Leal da Câmara defraudado com aquele espantoso conteúdo de obras de arte e do recheio da habitação, isto para já não falar nos toques graciosos de diferentes apontamentos no exterior da casa e na beleza do jardim que ele desenhou mas não chegou a ver.
Como um dos maiores artistas do seu tempo, que o foi, concebeu uma casa-museu para desfrute do seu génio, e percorre-se a casa e a exposição permanente e percebe-se que só homens de grande testemunho e vibração são capazes desta dádiva. E vem-nos logo à mente um outro vulto pluridimensional, Júlio Pomar, que abre as portas para que todos nós possamos desfrutar uma outra dimensão do talento que marca pelo menos 60 anos das belas artes em Portugal.
Lá o visitaremos.

Um abraço do
Mário


Uma visita à casa museu de um grande génio: Leal da Câmara (2)

Beja Santos

Logo no ponto alto da brochura temos o sorriso maroto e o olhar desafiante de mestre Leal da Câmara, como de costas voltadas para o rei que ele tão ferozmente ridicularizou, D. Carlos. Aliás há um desenho em que Leal da Câmara põe D. Carlos como na estátua de Camões no Chiado e diz a D. Carlos I, o último. Por estas e por outras lá foi para Espanha onde os poderes constituídos também não lhe deixaram graça, e saiu-lhe a sorte grande, de Madrid partiu para o epicentro cultural da Europa, Paris. E escreve-se nesta brochura: “Será nesta nova ambiência cultural que Leal da Câmara permanecerá por uma década, construindo a sua carreira e impondo-se com a sua técnica e concepção artística. As suas paisagens de efeitos simples, os seus retratos sóbrios, a par das suas rebuscadas e irónicas caricaturas, são identificadores de um traço amplo e inteligente que reflectem o poder criador e alto nível técnico de um pintor todo ele de cor e movimento, pleno de originalidade, acabando por conquistar um lugar de relevo no mundo artístico e cultural parisiense de então”.


Regressado a Portugal, dedica-se ao ensino, primeiro no Norte e depois em Lisboa. A sua colaboração na imprensa é avassaladora. Vem viver para Lisboa e continua infatigável a colaborar com jornais e revistas da capital. Em 1930 fixa-se na Rinchoa, transforma uma habitação rústica numa casa cheia de gosto que sucessivas requalificações não desfiguraram. O viandante desconfia que o que está a ver não era exatamente o ambiente que cercava o maior dos desenhadores de humor da primeira metade do século XX, mas está tudo cheio de caráter e harmónico, as obras de arte falam com o mobiliário e não resta dúvida que terá sido aproximadamente assim mesmo depois da sua morte, ocorrida em 1948.



Como é que a corte espanhola não se teria enfurecido com este retrato da rainha disfarçada de abutre, ou mulher mostrengo, ou virago de rosto azedado? E depois rendemo-nos ao traço, fica-nos a vontade de saber se a grande bailarina, diva do seu tempo, Josephine Baker, soube da existência deste desenho, que lindo sorriso.



Aqui fia mais fino, estamos em Outubro de 1910, republicano convicto dá à estampa a implantação da República socorrendo-se do Zé Povinho abraçado ao símbolo da República francesa e temos a capa de L’Assiette au Beurre, aquele Zé Povinho é o alter-ego de Leal da Câmara.



Este 5 de Outubro de 1910 trouxe-o de volta a Portugal, rapidamente Leal da Câmara se desapontou com o que viu e daí ter partido voluntariamente para Paris onde permanecerá até 1915, entretanto não deixa de ironizar sobre tudo quanto se passa na vida política portuguesa como este guache intitulado “Os partidos republicanos emergentes: a galinha no choco”. Só as condições da guerra o puseram de volta, vai começar a sua vida de professor, ministrará lavores femininos.



Quem nos guia nesta exaltante visita recorda que este “Muro do derrete” é a derradeira obra do artista, ficou incompleta, os últimos anos foram de grande sofrimento físico, poucos antes de morrer, Leal da Câmara queria a casa de portas abertas, transformou o seu ateliê em museu e, como também se escreve na brochura, “assim se perpetuar a sua memória e a sua arte, para melhor se compreender que tudo aquilo que desenhou, quer caricaturalmente, quer numa tradução simbolizante ou de real impressionismo, como realidade de um quotidiano de um concreto não é mais do que, como diria Leitão de Barros, verificar a fertilidade, a espontaneidade, a graça pessoal, o espírito crítico e satírico de um dos maiores desenhadores da sua época”.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18496: Os nossos seres, saberes e lazeres (260): Uma visita à casa museu de um grande génio: Leal da Câmara (1) (Mário Beja Santos)

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