Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 9 de abril de 2018
Guiné 61/74 - P18505: Notas de leitura (1056): Colóquio Internacional "Bolama Caminho Longe" (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Maio de 2016:
Queridos amigos,
Na década de 1990, no âmbito de uma iniciativa destinada a revitalizar a cidade de Bolama, realizou-se um colóquio internacional onde houve intervenções de muitíssima boa qualidade, tem todo o cabimento dar-lhes aqui guarida.
Neste texto dá-se voz a um belíssimo trabalho do investigador francês sobre testemunhos de viajantes em torno de Bolama. A ilha sempre fascinou navegadores, comerciantes e aventureiros, convém recordar que os primeiros relatos de ocupação do arquipélago apontam para o período quatrocentista, cresceu depois a importância dos negócios ao longo do rio Grande de Buba, no continente, os Beafadas, que habitavam na zona costeira fizeram frente ao povo Bijagó. Temos descrições sobre os Bijagós com data de 1457, registos cartográficos a partir de 1468 e relatos de André Alvares de Almada e Duarte Pacheco Pereira de grande importância. E o processo de crescimento de Bolama ficou indissociavelmente ligado à região de Quínara e rio Grande de Buba. Pela sua posição geográfica, atraía a navegação marítima estrangeira e daí a aura de grande beleza com que irá ser descrita em documentos nacionais e estrangeiros.
Um abraço do
Mário
À procura da identidade de Bolama:
Imagens da capital segundo relatos de viajantes europeus (2)
Beja Santos
Na obra dedicada ao colóquio internacional “Bolama Caminho Longe, Bolama entre a generosidade da natureza e a cobiça dos homens”, coordenada por Carlos Cardoso, edição do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau, 1996, há um curioso texto assinado por Jean-Michel Massa, da Universidade da Bretanha, Rennes, França, dedicado às razões porque se escolheu Bolama como capital, em 1879.
O autor intenta proceder a uma reflexão sobre factos convergentes, decisivos, que levaram a que, contra toda a expetativa que existia quanto a duas aglomerações urbanas importantes, Cacheu e Bissau, a escolha recaiu sobre Bolama. Mais do que simbolicamente, esta escolha era interpretada como um corte com o cordão umbilical, depois de vários séculos de uma extensa mas vaga referência aos Rios de Guiné do Cabo Verde surgia a Guiné Portuguesa com uma capital de praticamente de raiz. Bolama não surgiu de repente. Navegadores e viajantes referem o Rio Grande, os Bijagós, a Ilha das Galinhas, a ponta de Bolama no Sul da ilha. E o autor exemplifica com a Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné e de Cabo Verde, de André Donelha, 1625, fala-se da ponta de Bolama que é terra dos Beafares (Beafadas) que está diante do Rio Grande de Guinala e Biguba (Buba) e acrescenta Donelha: “Indo correndo da Ponta da Bolama para ir ao chamado Rio Grande, sendo pequeno, ficando a terra de Bolama já nos Beafares, à nossa mão esquerda”. Lemos Coelho (1669) dirá que Bolama e a Ilha das Galinhas estavam desabitadas. O holandês Olfert Dapper (1668) referirá o Rio Grande mas não fará qualquer referência a Bolama. O senhor de La Courbe na sua primeira viagem à costa de África, 1685, fará referência expressa à ilha de Bolama e tecerá um comentário edénico, falando mesmo de elefantes e da existência de muitas fontes.
Jean-Michel Massa chama a atenção para outros testemunhos, procurando dissociar os viajantes que relatam o que viram e os viajantes que se limitam a dizer o que leram de outros viajantes. Para o investigador é em finais do século XVII, princípios do século XVIII que se irá definir o lugar de Bolama. O relato de Labat, Relação da África Ocidental, 1728, em sete volumes revela que o autor nunca esteve m Bolama mas construiu uma imagem bastante favorável da ilha. Galberry, que escreveu Fragmentos de uma viagem a África, 1802, também não conheceu Bolama, mas não deixa de fazer uma exaltação quase apoteótica às belezas da ilha. Estamos já numa época em que diferentes viajantes franceses incitam os seus compatriotas a instalarem-se no paraíso bolamense.
Monumento aos aviadores italianos falecidos em Bolama, imagem retirada do blogue Cadernos da Libânia, com a devida vénia
Antes de falar de Philip Beaver que irá estabelecer em Bolama, em 1792, uma importante colónia inglesa que redundará num completo fracasso, refere com muitos pormenores Duas Descrições Seiscentistas da Guiné, de Francisco Lemos Coelho, como se segue:
“Não terá mais do que quatro léguas de circuito mas é formosa e tem logo à entrada mui bons portos; a terra é fertilíssima, mui cheia de palmeirais e de árvores fruteiras, mui abundante de madeiras para fazer grandes fábricas de navios; tem um rio que a costa da terra de Guinala o qual tem um boca no Rio Grande, e a outra sai fora de fronte da ilha de Bissau, aqui é que o capitão Cristóvão de Melo foi de parecer que havendo de se mudar a povoação de Cacheu fosse para aqui, sendo forçoso ficar como no meio da Costa da Guiné, a viagem da Serra Leoa fica muito mais perto, a povoação de Geba para o negócio da cola dentro de casa, os Bijagós em frente; sobretudo livre de tantos perigos com tem a barra de Cacheu e serem aqui logo os brancos senhores da terra em que moram e podem fazer logo fazendas e em Cacheu não serem senhores nem da água que bebem; quando Sua Majestade que Deus guarde puser os olhos neste império então se fará o que parecer mais acertado”.
Noutra descrição, Lemos Coelho dar-nos-á uma versão muito semelhante ao que vimos atrás:
“Nesta ilha de Bolama foi de parecer o capitão Cristóvão de Melo (homem muito prático e antigo da Guiné quando se falava em mudar a povoação de Cacheu, que em nenhuma parte convinha que fosse a principal povoação e assistência do capitão-mor senão nesta ilha. Esta ilha fica no meio de toda a Costa da Guiné: a viagem de Serra Leoa mais perto, mais perto a povoação de Geba para o negócio da cola; os Bijagós de frente, a viagem da Costa e Gâmbia a mesma viagem, e menos riscos de baixios; os vizinhos caseiros o melhor gentio, que são os Beafadas”.
Está finalmente esclarecida a escolha de Bolama: a situação geográfica, a abundância da água, a vegetação, a terra fértil. Também o capitão Philip Beaver irá escrever um relato de 500 páginas sobre Bolama e os seus predicados. Como se disse atrás, Beaver irá instalar 275 colonos ingleses, o fracasso foi total. Na sua sequência, começará a disputa entre Inglaterra e Portugal, a Inglaterra irá alegar os direitos adquiridos pelas terras compradas e Portugal irá destacar a antiguidade dos seus direitos na região. A arbitragem do presidente norte-americano Ulysses Grant será favorável a Lisboa. Os oito anos que irão decorrer entre 1871 e 1879 permitirão a organização da infraestrutura administrativa: o distrito de Bolama a par dos distritos de Cacheu e Bissau, será instalada uma comissão municipal e criada uma paróquia. A criação de uma alfândega tornou-se o símbolo da presença colonial. E a cidade cresce. Entretanto, a França estende os seus tentáculos em toda a região de que é hoje o Senegal, iremos perder Ziguinchor.
Imagem da estátua hoje desaparecida do presidente Ulysses Grant, inaugurada em 1955, retirada com a devida vénia do blogue Bolama Minha Terra
Data de 1834 a descrição de Bolama pelo naturalista alemão Richard Greef. Ele desembarcou aqui em 17 de Novembro de 1879 e descreve a ilha luxuriante, as ruas da cidade em fase de pavimentação e pormenoriza informação sobre os insetos. Por essa época surge o Almanaque de Lembranças Luso-brasileiro. Veja-se Gaudêncio da Silva Gonçalves a descrever Bolama:
“Situada na embocadura do Rio Grande, tem um óptimo ancoradouro abrigado pela terra-firme, que lhe fica fronteira. O comércio é ali mantido por quatro ou cinco fortes casas francesas, cujas ramificações se estendem até Bissássema e Cacheu. O solo é feracíssimo de uma vegetação espontânea e maravilhosa e o clima é o mais salubre da Senegâmbia. Pelos esforços do governo da metrópole que, com tanta solicitude procurou promover nestes últimos tempos o engrandecimento das colónias, a Guiné Portuguesa acaba de ser levada à categoria de província ultramarina”.
No termo da sua comunicação, e seguramente olhando à volta a desolação de uma cidade em abandono, Jean-Michel Massa faz a exaltação da Imprensa Nacional, para ele um raio de luz para o renascimento da cidade, um renascimento sobre a égide da cultura.
Em anexo ao seu texto dá à estampa a carta de Claude Trouillet, datada de 26 de Maio de 1882 em que diz que a ilha é um porto natural magnífico, todo o comércio está nas mãos dos franceses, a nação francesa é muito amada aqui a tal ponto que certas tribos dos Bijagós arvoram nas suas pirogas o pavilhão da França. E acrescenta:
“A ilha tem de ponta a ponta 27 ou 28 quilómetros e a sua largura é de 10 a 11. Os rios que servem para o transporte de mercadorias são: Geba, Rio Grande, o Tombali e o Cacine, mais ao Sul, nas possessões francesas, o Compony, os rios Nuno e Pongo. Bolama é sobretudo frequentada pelos Nalus, Bijagós, Papéis, Brames e Fulas”. E descreve depois as riquezas e as potencialidades da colónia portuguesa, dizendo que em Bolama havia um governador com o posto de coronel, alfândega, hospício militar e igreja católica e que na cidade se publicava o Boletim Oficial do Governo-Geral da Província de Cabo Verde. E conclui: “Consideramos que é dever dos franceses fazer tudo o que estiver ao seu alcance para colonizar um país que em breve será cobiçado pelos nossos vizinhos da Europa”.
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Nota do editor
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