segunda-feira, 16 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18528: O Cancioneiro da Nossa Guerra (6): "Os Homens não Morrem" (Recolha de Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, "Zorba", Gadamael e Ganturé, 1967/ 68)


Batalha > Fetal > 26 de setembro de 2015 > Convívio da CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/69) >  Em primeiro plano, à esquerda, o ex-cap mil inf, hoje advogado, Manuel Francisco Fernandes de Mansilha... No final do almoço, leu as quadras que abaixo se reproduzem, e que lhe foram enviadas por um "Zorba", em 2011 pelo Natal. Segundo o Mário Gaspar, o autor dos versos é António Luís Faria Mendes, ex-1.º Cabo Operador Cripto.


Brasão da CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68). Lema: "Os Homens Não Morrem".

Fotos (e legendas) : © Mário Gaspar (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Os Homens Não Morrem

por António Luís Faria Mendes,
ex-1.º Cabo Operador Cripto

Bem certo que o tempo passa,
Já nos vai pesando o pé, 
Mas não há nada que faça
Esquecermos a Guiné!

Alguns em Gadamael,
Os outros em Ganturé.
Fulas, mandingas, papel,
Sobe o rio com a maré.

Tempos difíceis, claro.
Sei que se foi cimentando
A amizade, um dom raro,
Que estamos comemorando.

Caro Mendes, Cabo Cripto,
Que que decifravas a mensagem,
Magro como um eucalipto,
Sempre com fé e coragem.

Vale a pena acreditar
Que há mar e os rios correm.
O que nos fez regressar?
Foi porque “Os Homens Não Morrem”!

Versos da autoria de António Luís Faria Mendes ex-1.º Cabo Operador Cripto. Data: c. 2011. Recolha de Mário Gaspar (ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (*). Transcrição, revisão e fixação de texto: MG / LG (**)
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Vd,. postes anteriores:

27 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18261: O cancioneiro da nossa guerra (4): "o tango dos periquitos" ou o hino da revolta da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (Silvino Oliveira / José Colaço)

27 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18259: O cancioneiro da nossa guerra (3): mais quatro letras, ao gosto popular alentejano, do Edmundo Santos, ex-fur mil, CART 2519, Os Morcegos de Mampatá (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)

8 de novembro de 2017> Guiné 61/74 - P17944: O cancioneiro da nossa guerra (2): três letras do Edmundo Santos, ex-fur mil, CART 2519, Os Morcegos de Mampatá (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71): (i) Os Morcegos; (ii) Estou farto deles, tirem-me daqui; (iii) Fado da Metralha

30 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17811: O cancioneiro da nossa guerra (1): "Asssim fui tendo fé, pedindo a Deus que me ajude"... 4 dezenas de quadras populares, do açoriano Eduardo Manuel Simas, ex-sold at inf, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74

Guiné 61/74 - P18527: Notas de leitura (1058): “Memórias da minha guerra colonial”, de João Matos Lourenço Rosa; edição de autor de 2009 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Pela mão do Mário Vitorino Gaspar cheguei a este livro escrito por um auxiliar de serviço religioso.
Já tínhamos relatos de capelães, de combatentes a desnudarem as suas profissões de fé, sempre achei que fazia falta estas escavações junto daqueles que não eram formalmente combatentes, mas que acabaram por o ser pela força das circunstâncias ou resolvendo a quem vivia em destacamento no mato os problemas das transmissões, das viaturas e até os cortes de cabelo.
Li o relato do primeiro-cabo Lourenço Rosa e lembrei-me do Costa de quem o David Payne Pereira dizia ser o seu lugar tenente. Do Costa, que já se apresentou no blogue, tenho justificadas saudades e gratidão: pelos frascos de vitaminas, pelos cortes de cabelo, pela população do Cuor que lhe passou pelas mãos, pela sua presença na capela de Bambadinca.

Onde quer que tu estejas, Costa, um abraço muito afetuoso deste teu confrade,
Mário


O que era um auxiliar do serviço religioso nas nossas guerras africanas

Beja Santos

Uma das preocupações constantes no respigo de textos e no espírito das recensões é desvelar a natureza das especialidades de cada um, operações especiais, atiradores, capelães, médicos, enfermeiros, a todos se procura dar guarida. Tenho para mim que continuamos sem testemunhos que abarquem os soldados básicos, os maqueiros e aqueles que nas CCS auxiliavam nas transmissões, na manutenção das viaturas, nas cozinhas, etc. Neste entendimento, julgo que terá interesse dar atenção às “Memórias da minha guerra colonial”, de João Matos Lourenço Rosa, edição de autor de 2009. Esclareça-se que ele cumpriu a sua missão em Moçambique entre 1971 e 1974, integrado no BCAÇ 3866, destacado em Furancungo, no Tete. É um homem com itinerário curioso. Veio aos 12 anos da Portela do Fojo (Pampilhosa da Serra) para Lisboa, trabalhou numa fábrica de calçado, em feiras, num restaurante, em carrosséis de diversão, foi resineiro, teve uma passagem fugaz pelo Seminário dos Missionários Comboianos e até cumprir o serviço militar obrigatório tirou cursos profissionais nas áreas de eletrónica e da carpintaria mecânica. Vindo da guerra, trabalhou na Brisa, foi dirigente sindical, e ficamos por aqui.

Foi à inspeção, assentou praça em Aveiro, onde jurou bandeira. Colocado no RI 6 do Porto, onde se preparou a sério para ser auxiliar do serviço religioso, daqui seguiu para Espinho, já mobilizado para ir para Moçambique, houve viagem com peripécias, incluindo um pequeno incêndio no Niassa que obrigou a uma reparação em Bissau. Em Outubro de 1971 chegaram a Lourenço Marques, não gostou da chacota dos Moçambicanos brancos que os alcunhavam de “pior que pretos”, pessoas de baixo nível. Da capital seguem para a Beira. Diz abertamente que o capelão não lhe é uma pessoa cara:
“Era um homem que não tinha carisma, não tinha o dom da palavra. Mas eu haveria de encontrar bem piores em Nampula. Aí alguns não tinham mesmo qualquer feitio ou mesmo vocação para o sacerdócio. O padre de Nampula namorava com uma mulher da metrópole e casaria com ela quando chegou da sua guerra. Quanto ao padre Emílio, o do meu Batalhão, também ele pediu ao Papa a sua resignação e casou com uma senhora professora lá da terra”.

Da Beira rumam com destino a Moatize, são depois transportados de Berliet para a base aérea de Tete e depois Furancungo. O auxiliar do serviço religioso é cabo escriturário, faz rondas, é escalado para vigilâncias, dá catequese na Missão Nazareno e no Baué, quando necessário guarda urnas, os reforços de noite tornam-se um tormento, passa a ter graves problemas de sono, o médico receitou-lhe Fenobarbital, Diazepan e Bialzepan, mas nunca mais teve sono normal. É enviado a Nampula, ao serviço de psiquiatria, dois meses depois teve alta, o médico considerou que ele estava bem de saúde e que era um manhoso. Volta a Furancungo, no meio disto tudo houve uma punição, foi despromovido e depois promovido. Volta a Nampula, tem um desentendimento com a Polícia Militar, apanha 10 dias de detenção. Passa as férias com a família em Moçambique. Já vai no terceiro Natal passado na guerra. E em Dezembro de 1973, Furancungo é alvo do primeiro ataque com morteiros de 122 mm. Formou-se um grupo de combate, uma história patética. Os problemas com o sono não param. Nisto vem o fim da comissão, faz-se a viagem em sentido inverso, Furancungo-Tete, comboio a Moatize até à Beira, embarca de avião com escala em Luanda, Lisboa, acolhimento familiar, em 1974 casa-se com a menina que namora há muito.

O João Lourenço Rosa é despretensioso e não se ufana de quaisquer atos heróicos, no caso de uma mina anticarro com emboscada diz abertamente que se atirou para debaixo da viatura.

Fiquei a pensar neste relato e a procurar nos escaninhos da memória quem era o auxiliar do serviço religioso em Bambadinca. E recordei-me do Costa, que até já se apresentou no blogue. Extremamente gentil e prestimoso, era barbeiro, creio que escriturava, viu-o ajudar no posto de enfermagem e acolitava na celebração da missa na capela de Bambadinca. Era portanto uma especialidade com diferentes usos, um pouco como vem no relato de João Lourenço Rosa. Oxalá o Costa me leia e decida contar a sua comissão pluriprofissional, desde que se preparou para auxiliar de serviço religioso. E bom seria que chovessem mais depoimentos, a começar pelos maqueiros, os que comigo trabalharam eram incansáveis e forçosamente pluriprofissionais, faziam reforços, acompanhavam os patrulhamentos e nas horas difíceis faziam trabalho de trolha e outros místeres delicados. “Os do mato” não escondiam um relativo desdém pela malta da CCS, os que cozinhavam, reparavam viaturas, os cabo-cripto, a malta da manutenção. E como eles foram tão importantes, tão importantes para a nossa vida de combatentes!
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18519: Notas de leitura (1057): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (30) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18526: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 39 e 40: Atenção, inimigo, não se metem connosco!... "Embora tu não ligues nada à guerra, eu quero informar-te de uma coisa: nós aqui lutamos contra as forças do PAIGC e comandante desse partido, que era o Amílcar Cabral, foi morto esta manhã no Senegal... Não sabemos se a guerra vai piorar ou melhorar, esperemos uns dias e depois digo-te algo"


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > 1973 > Um dos postais que o José Claudino da Silva passou a mandar à namorada (e futura esposa), todos os meses, depois da notícia da morte de Amílcar Cabral (que foi morto na Guiné-Conacri e não no Senegal, em 20 de janeiro de 1973).

Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça]



1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*)

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje);

(ii) foi criado pela avó materna;

(iii) trabalahou e viveu em Amaranete, residindo hoje naLixa, Felgueiras;

(iv) é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(v) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado;

(vi) completou o 12.º ano de escolaridade;

(vii) foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(viii) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;

(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(xi) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda;

(xiii) ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xiv) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xv) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xvi) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xvii) começa a colaborar no jornal da unidade, e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, s pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo...

(xviii) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. capº 34º, já publicado noutro poste);

(xix) como responsável pelos reebastecimentos, a sua preocupção é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xx) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacaunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada.


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 39  e 40

[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'...  Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


39º Capítulo   > AMÍLCAR CABRAL

Ena, pá! Que ousadia!

“Atenção inimigo! Não se metam connosco. Estamos de olho vivo. Sabes meu amorzinho? Estes negros nojentos não querem nada com “Os Serrotes” as nossas laminas estão bem afiadas e eles sabem que podem cortar-se.”

Dizia isto em mais uma noite de prevenção. Seria mais uma noite, mas não foi. Aquela noite foi de 20 para 21 de Janeiro de 1973. O meu comentário no dia 21:

“Embora tu não ligues nada à guerra eu quero informar-te uma coisa. Nós aqui na Guiné lutamos contra as forças do P.A.I.G.C. (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo-Verde) e o comandante desse partido que era o Amílcar Cabral foi morto esta manhã no Senegal, país que faz fronteira com a Guiné e de onde entram os terroristas, por isso nós não sabemos se a guerra vai piorar ou melhorar, esperemos uns dias e depois digo algo”

Um facto histórico tão relevante foi passado por nós duma forma completamente superficial. Até o comandante foi de férias, no dia 25.

Que guerra aquela!

No mesmo aerograma falo de Camilo Castelo Branco e digo uma frase que ainda hoje sei de cor. (A dor que proporcionamos às outras pessoas devia ser equivalente à que sentimos.) Nos dias seguintes, apenas falei de amor.

Era domingo, decidi começar a mandar um postal por mês.


40º Capítulo  > DEPOIS DAS MORTES.  O CINEMA

26 de Janeiro de 1973

Estive tentado, como em muitas outras vezes, a não falar de guerra, mas neste dia na última página da carta do mês não resisti.

“Como sabes pertenço a um batalhão que tem quatro companhias. C.C.S. 1ª; 2ª e 3ª que é a minha. A C.C.S. está em Tite e já sofreram um ataque sem feridos. A 1ª está em Jabadá, também sofreram um ataque sem feridos. A 2ª está em Nova Sintra, sofreram um ataque tiveram quatro feridos e dois mortos. Nós ao quartel ainda não tivemos nenhum e decerto não teremos, agora toda a companhia está de prevenção das seis horas da tarde às quatro da manhã e dormimos de dia.

Hoje 85 colegas estão para o mato em operação. Acho que as coisas estão a piorar. Para tornar tudo mais difícil o gerador avariou e a vigilância é muito menos eficaz. Estamos sujeitos a só detectar o inimigo quando estiverem mesmo em cima de nós. Neste momento lá fora a escuridão é total, estou a escrever-te à luz da vela”


Não me levem a mal por, nos dias seguintes, só escrever sobre bigamia e gravadores de cassetes, futebol e bebidas, sobre o Zé Leal que tinha ido a Bissau, as contas de Janeiro que bateram certas e o reabastecimento que seria dia dois. Correu tudo tão bem que até recebi dois cabelos que a namorada mandou. Eram grandes. Ela ia cortar o cabelo à moda.

Guerra? Grave foi ter-me magoado num pé a jogar voleibol.

“Na próxima semana vamos ter cinema em Fulacunda. Fixe há muitos meses que não vejo um filme.

Quero dizer-te que a nossa companhia agora faz parte operacionalmente de uma outra que é a C.O.P. 7 e está cá um capitão dessa C.O.P. 7 que é um tipo porreiro, até se come melhor”


Foi em Fevereiro que mandei uma encomenda para a minha namorada. A cantina, em miniatura, uma faca de mato, um livro com duas comédias. (“Monsieur de Pourceaugnac" e “O Avarento” de Moliére), uma garrafa de whisky e mais umas latas de Coca-Cola para misturar. Pesava 6,5Kg.

Uma parvoíce, não? Quem era tão parvo que mandasse essas coisas para a metrópole? Eu, é claro!
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domingo, 15 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18525: Efemérides (273): No 24º aniversário da Apoiar - Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra: "Ter que matar para sobreviver", texto de Mário Gaspar, originalmente publicado no jornal Apoiar, nº 2, jul / set 1996


 Cartaz com o convite  para a sessão de comemoração do 24º Aniversário da APOIAR, Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra. O evento realizar-se-á na sede da APOIAR, sito na Rua C, Lote 10, Lj. 1.10, Piso 1 – Bairro Liberdade 1070-023 Lisboa, na quarta-feira, dia 18 de abril de 2017, pelas 15:00.Aderir através do Facebook. Vd página da associação aqui.



1. Mensagem,  com data 12 de abril de 2018, do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar:

[foto atual à esquerda; ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associação APOIAR; tem mais de. 100 referências no nosso blogue]




Caros Camaradas

Logo no início da fundação da APOIAR – Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra, registada no dia 18 de Abril de 1994, sendo fundador, também do Jornal APOIAR  (fui primeiro Director), vi-me na necessidade de escrever muitos textos sobre o tema. Lembrar que deixara de escrever desde que terminara Comissão na Guiné.

Este foi talvez o texto que teve mais impacto no Jornal fundado em Janeiro de 1996.

Já que dentro de dias a APOIAR comemora o aniversário [, o 24º], talvez fosse bom recordar o tema escolhido para falar de um tema que temos de afirmar era tabu. Lembrar que foi escrito dirigido a Combatentes que sentiam na pele o trauma da guerra.

Cumprimentos

Mário Vitorino Gaspar


Cabeçalho do jornal Apoiar, nº 2, jul / set 1966

2. Ter que Matar para Sobreviver 

[adaptação de texto publicado no Jornal Apoiar, nº 2, julho / setembro de 1996, pp. 10/11, "Ele teve que matar para sobreviver", da autoria de Mário Gaspar]

por Mário Vitorino Gaspar


“Nos nossos livros de escola glorificam a guerra
 escondem seus horrores.
Eles incutem ódio nas veias das crianças.
Eu preferia ensinar a paz do que a guerra.
Eu preferia incutir amor do que ódio.”


Albert Einstein


(...) O assistir a mortes e ter que matar para sobreviver; estar presente em acções de violência; passar fome e sede; assistir e/ ou participar na morte de crianças e mulheres; estar presente em acções de bombardeamentos, tiroteios intensivos; rebentamentos de minas e armadilhas, fornilhos e o tão famigerado napalm e as dificuldades de ambientação ao clima e o estar longe da família, tornou aqueles jovens sorridentes, ávidos de vida, em homens precocemente envelhecidos. Farrapos humanos, remendados.

Uns já haviam constituído família, outros fizeram-no logo de imediato, os restantes ficaram solteiros. Marcham para a vida, mas diferentes. As mulheres e os filhos paridos muitas vezes de atos sexuais de violência, mulheres violadas pelo guerreiro, e não pelo amor do marido. De imediato, ou posteriormente, o ex-combatente isola-se como se a aldeia, a vila ou a cidade fosse um aquartelamento. Não fala da guerra nem aos pais, à mulher, aos filhos, a familiares e amigos, como não o fizera quando combatia. Ao fazê-lo com alguém só narra as bebedeiras. E sorria.

Na generalidade, e num período curto ou mais lasso, volta a vestir a farda, embora civil, agride, esbofeteando a mulher, os filhos, ou ambos. Não tem paciência para o diálogo e, por vezes, a família embrião é destruída como por acção de um rebentamento. Os filhos ficam a cargo da mãe violada pela guerra colonial. Ele teve que matar para sobreviver na guerra. É o funeral da família. Foi uma mina, uma armadilha ou um fornilho?

Pais, irmãos, mulheres e os filhos daqueles que haviam contraído matrimónio antes da partida, num porão ou num avião, assim como as namoradas ou noivas, familiares e amigos, traumatizados pelo seu ente querido e amigos, choraram à partida para a guerra. Os pais, em muitos casos, morrem precocemente. O Estado português ignora e deixa viúvas, por vezes mães, na miséria. Um ex-combatente suicida-se. Perguntam: porque se suicidou? E não entendem. E os vivos, os ex-combatentes, vivem (se isso é viver!) com medo do futuro. Aqueles que ainda possuem o amor das esposas, dos filhos, por vezes partem portas, armários e outros utensílios domésticos, talvez por não quererem agredi-los.

No quotidiano, aqueles dóceis seres humanos que partiram para a guerra, são despedidos no trabalho. Na rua são presos por criarem conflitos e são desconfiados. São possuidores de um forte espírito de justiça.

E isto por existir um desdobramento em duas personagens distintas: a boa, porque era um jovem alegre, e a má porque partira para a guerra, onde ele teve que matar para sobreviver.

E é por tal razão que, na maioria dos casos odeiam fardas, qualquer tipo de fardas, inclusive a dos bombeiros, embora os adorem. E porque a farda alimenta o ódio, nas suas mentes amputadas, parecendo paradoxo, andam fardados, diariamente, andam em guerra consigo e com os outros, armados, imaginariamente, de arma na mão, como se os pavimentos fossem matas, atentos aos ruídos, passos e chorando como quando uma criança chora, lembrando, nalguns casos a criança que viram matar ou mataram.

Pela noite dentro, já depois de ingerirem doses excessivas de medicamentos, sonhos, pesadelos angustiantes, sufocantes, com gritos, choros, sangue em corpos retalhados, rebentamentos, tudo numa amálgama. Restando do sono três ou quatro horas de descanso, se é descanso, isto após inúmeras dificuldades em adormecer. Ao levantarem-se pretendem iniciar um novo dia, mas tudo se repete.

Na guerra bebia-se ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar. E também nos intervalos. E a bebida normalmente não faltava. Uma das principais razões de se ingerir álcool em demasia era, talvez terem que sofrer a sede nas operações, outra razão era para esquecer. Bebia-se, mas menos, nas matas quando acabava a água no cantil, o líquido dos charcos, onde por vezes se urinava. Aqueles que fumam fazem-no em excesso. Há ainda os que se tornaram toxicodependentes.

Ex-combatentes com PTSD [, sigla inglesa, Post-Traumatic Stress Disorder, em português Perturbação de Stress Pós-Traumático] de Guerra têm dificuldades de concentração, esquecem, quer se alaguem em álcool quer se droguem ou não. Têm, por vezes, tremuras, ranger de dentes e gaguejam, por vezes. A família não entende o medo que vai dentro deles, quando se deslocam a hipermercados, supermercados e outros locais de forte concentração de pessoas. Medo dos grandes espaços, não estando bem em local algum, nem no lar, se o possuem, no café, no restaurante ou noutro local público. Querem abandonar os locais onde se encontram. Não querem estar fechados. Quanto aos transportes, alguns nem sequer tiraram a carta de condução, porque sabiam que o carro na estrada podia ser um foco de conflitos com os outros; não andam, em muitos casos, de metro, não querem servir-se de elevadores e outros transportes públicos, principalmente os superlotados. Estar metido em bichas é uma afronta, uma agressão. Detestam.

São estes ex-combatentes, que no dia-a-dia estão em guerra consigo – a guerra continua, dentro deles. Na grande maioria não estão amputados de membros, não estão cegos, sem cicatrizes visíveis e não possuem próteses. Foram eles que transportaram – sim porque foram eles que o fizeram – os tais amputados, os cegos e inúmeras vezes foram eles que lhes salvaram as vidas. Apanharam das bolanhas, das matas, os pedaços dos mortos, escorrendo o sangue pelos seus corpos, colocando esses restos de corpos, bocado, a bocado em sacos de plástico e outros recipientes. Transportaram os feridos e choraram de dor os mortos.

Hoje os ex-combatentes com perturbações de stress pós traumático de guerra são autênticos despojos humanos, com as vísceras sangrando-lhes os corpos, dos camaradas abatidos pelo inimigo.

Os ex-combatentes com stress de guerra são portadores de outras doenças associadas: problemas musculares, cardíacos, ósseos, de pele, sexuais, etc.. Possuem uma vida curta. Vivem com problemas que a nossa sociedade desconhece. E por culpa de quem? (...)

Contem a história da Guerra Colonial nos manuais escolares, não a façam prisioneira.

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18494: Efemérides (272): No Centenário da Batalha de La Lys, homenagem aos Combatentes do Concelho de Barcelos (Manuel Luís Lomba)

Guiné 61/74 - P18524: Blogpoesia (562): "Insaciável...", "Irrompeu a Primavera", e "Roda viva", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, CachilCatió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Insaciável… 

Insaciável é o cultor da arte. 
Vive dela como respira o ar. 
O poeta. 
Mal acaba um poema, sente viva a fome de dar vida a outro. 
Sua mente num rodopio. 
Não pára mais. 
Até encontrar o tema. 
Depois, segui-lo. 
O escultor. 
Ultimou a obra. 
Contempla-a. 
Se gosta dela, se sente triste. 
Chegou ao fim. 
O pintor.  
Sua alma encheu a tela. 
Amplidão. Harmonia e cor. 
Ali está tudo. 
Já não é seu. 
É outro ser. 
O músico. 
De repente, reluz a luz. 
O conduz ao céu. 
Encantado. 
É sou ouvir. 
O pior é o fim… 
O fogo só aquece enquanto arde. 

Ouvindo Hauser em violoncelo - Vocalise- Rachmaninov
Berlim, 8 de Abril de 2018
8h11m
Jlmg

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Irrompeu a Primavera 

Aquelas alamedas de sebes secas, 
Pareciam mortas. 
Aquelas copas hirtas e desgrenhadas 
Das árvores tristes. 
Aquelas hortas nuas, sempre a dormir, 
Tudo mudou. 
Bastou o sol de um só dia. 
Foi de repente. 
Dum dia para o outro. 
Ficaram verdes. Folhinhas tenras. 
Vieram flores, de várias cores. 
Com alegria. Fazia falta. 
A vida viva brota abundante. 
As vestes negras, de cores sombrias 
Se põem num canto. 
Surgiram braços à luz do dia. 
Brilham os rostos. 
Há algazarra da pequenada 
A jogar ao sol. 
Bailam baloiços. 
Se alcançam alturas 
Nas cordas bambas, 
Parece um circo. 
E os cantoneiros da praxe, 
De engaço em punho, 
Enchem o carro com o que há a mais, 
Pelo chão do bosque. 
Uma feliz ideia que ocupa os idosos 
E os faz felizes, por pouco dinheiro. 
Para eles é muito. 
Em vez da bisca... 

Berlim, 11 de Abril de 2018 
10h28m 
Jlmg

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Roda viva

A vida é roda viva.
Vela acesa.
Sua chama arde,
Brilha e ilumina.
Banha e inunda.
Dá cor.
Semeia a chuva
E sopra o vento.
Mas é o sol que a sustenta.
Um mar sem fim.
Um arco imenso.
Abraça o mundo.
Por vezes, plange,
Outras, sorri.
Tem duas faces.
Como a lua.
Uma brilha.
A outra não.
Para que serve, apagado
O farol na praia?
Moinho sem vento não mói.
Navio fantasma,
Carregado de oiro e de sonhos
Afugenta quem sonha,
Pelo aspecto que tem.
Afinal,
Para que serviu uma vida, sem vida?...

Berlim, 12 de Abril de 2018
17h12m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18501: Blogpoesia (561): "Natureza humana", "Deslumbramento...", e "Fulgurante o sol...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18523: Parabéns a você (1420): António Pimentel, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de > Guiné 61/74 - P18516: Parabéns a você (1419): Francisco Alberto Santiago, ex-1.º Cabo TRMS do BART 3873 (Guiné, 1972/74)

sábado, 14 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18522: FAP (102): Paixões das nossas vidas - A Força Aérea Portuguesa (Mário Santos, ex-1.º Cabo MMA - F 86 e Fiat G-91)

1967 - Base Aérea 12 - Linha da Frente - Esquadra de Tigres 


1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, 1967/69), com data de 13 de Abril de 2018:

Caro Carlos 
Envio-te para publicação este texto e foto da Linha da Frente em 1968. Esquadra 121 "Tigres de Bissalanca", composta pelos primeiros Fiat's G-91 R/4 a operarem no nosso teatro de guerra. 
O nosso "logo" com uma Cabeça de Tigre e Boca de Tubarão pintados respectivamente por debaixo do Cockpit e na entrada de ar do Reactor. 
Vai também um logotipo da Força Aérea em que estão inseridos o novo emblema e outros bem mais antigos. 
É tudo pertença do meu espólio. 
Espero que seja do interesse da tertúlia... como sou "periquito" nestas lides, espero que este seja o procedimento normal. Tu dirás! 

Abraço amigo, 
Mário Santos



PAIXÕES DAS NOSSAS VIDAS

A Força Aérea Portuguesa

Num ser humano considerado emocionalmente equilibrado, as paixões de vida começam normalmente pela família, namoradas, amigos e conhecidos.
Esta é quanto a mim, a ordem natural da essência da vida, embora como bem sabemos as excepções existam.

Vêm depois as outras, as secundárias, mas bem importantes se tivermos em consideração o que se vai passando e sabendo hoje através dos media e das redes sociais. Refiro-me a este fenómeno curioso e transversal, que engloba a maioria do pessoal militar que passou pela gloriosa instituição que é a Força Aérea onde me integrei como voluntário aos 17 anos de idade.

Desde o mais simples soldado até à mais alta patente, “a nossa Força Aérea” mexe com todos, mesmo com aqueles que como eu, tiveram uma passagem curta, mas de tão intensa, marcou o meu percurso de vida até aos dias de hoje. Amizades que perduram passados mais de 50 anos. Eventos cuja memória não se desvanece nunca.

Todos ou quase todos, passámos pelos diferentes teatros de guerra, quando com honra, orgulho e sem preconceito, defendemos os territórios ultramarinos que os nossos antepassados nos legaram.

Aprendi na Força Aérea a cultivar o espírito da amizade, do fazer e fazer sempre bem, do rigor, da competência, da administração dos parcos recursos que a Nação colocou à nossa disposição, que a Instituição FAP, com inteligência e bom senso, soube utilizar com critérios de boa gestão, procurando sempre a proficiência dos seus recursos, buscando sempre em última instância o bom êxito da missão.

E, o mais importante, o apoio, a protecção e auxilio aos que no terreno combatiam o inimigo olhos nos olhos. Os nossos camaradas do exército terrestre. Os que mais padeceram e sacrificaram!

Colaborei em muitas missões, com técnicos e pilotos, que num espírito de união, trabalharam em uníssono, para que todas as missões tivessem sucesso. Admiro, louvo e reconheço publicamente, o nosso espírito de sacrifício, a entrega à missão que abraçámos e em que nos empenhámos devotadamente ao serviço de Portugal.

A Força Aérea Portuguesa existe para servir. Sem esperar recompensas. Hoje, como ontem, estão fortemente empenhados em continuar o seu caminho, de paulatinamente melhorar a sua prestação e o seu serviço ao País. O melhor de qualquer Instituição, são as pessoas que nela servem, com alegria, vontade firme e constante de dar o seu melhor, em favor de uma causa, que por ser pública e relevante, deve merecer de todos nós o nosso agradecimento e admiração.

Um grande bem haja a todos os meus camaradas de todas as armas que lutaram por Portugal.

Fraterno abraço para todos!
Mário Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE MAIO DE 2017 > Guiné 61/74 - P17303: FAP (101): Agora num expositor... Aventuras de um capacete... E não só... (Miguel Pessoa)

Guiné 61/74 - P18521: Os nossos seres, saberes e lazeres (261): Uma visita à casa museu de um grande génio: Leal da Câmara (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
É impossível que um qualquer visitante saia da Casa-museu Leal da Câmara defraudado com aquele espantoso conteúdo de obras de arte e do recheio da habitação, isto para já não falar nos toques graciosos de diferentes apontamentos no exterior da casa e na beleza do jardim que ele desenhou mas não chegou a ver.
Como um dos maiores artistas do seu tempo, que o foi, concebeu uma casa-museu para desfrute do seu génio, e percorre-se a casa e a exposição permanente e percebe-se que só homens de grande testemunho e vibração são capazes desta dádiva. E vem-nos logo à mente um outro vulto pluridimensional, Júlio Pomar, que abre as portas para que todos nós possamos desfrutar uma outra dimensão do talento que marca pelo menos 60 anos das belas artes em Portugal.
Lá o visitaremos.

Um abraço do
Mário


Uma visita à casa museu de um grande génio: Leal da Câmara (2)

Beja Santos

Logo no ponto alto da brochura temos o sorriso maroto e o olhar desafiante de mestre Leal da Câmara, como de costas voltadas para o rei que ele tão ferozmente ridicularizou, D. Carlos. Aliás há um desenho em que Leal da Câmara põe D. Carlos como na estátua de Camões no Chiado e diz a D. Carlos I, o último. Por estas e por outras lá foi para Espanha onde os poderes constituídos também não lhe deixaram graça, e saiu-lhe a sorte grande, de Madrid partiu para o epicentro cultural da Europa, Paris. E escreve-se nesta brochura: “Será nesta nova ambiência cultural que Leal da Câmara permanecerá por uma década, construindo a sua carreira e impondo-se com a sua técnica e concepção artística. As suas paisagens de efeitos simples, os seus retratos sóbrios, a par das suas rebuscadas e irónicas caricaturas, são identificadores de um traço amplo e inteligente que reflectem o poder criador e alto nível técnico de um pintor todo ele de cor e movimento, pleno de originalidade, acabando por conquistar um lugar de relevo no mundo artístico e cultural parisiense de então”.


Regressado a Portugal, dedica-se ao ensino, primeiro no Norte e depois em Lisboa. A sua colaboração na imprensa é avassaladora. Vem viver para Lisboa e continua infatigável a colaborar com jornais e revistas da capital. Em 1930 fixa-se na Rinchoa, transforma uma habitação rústica numa casa cheia de gosto que sucessivas requalificações não desfiguraram. O viandante desconfia que o que está a ver não era exatamente o ambiente que cercava o maior dos desenhadores de humor da primeira metade do século XX, mas está tudo cheio de caráter e harmónico, as obras de arte falam com o mobiliário e não resta dúvida que terá sido aproximadamente assim mesmo depois da sua morte, ocorrida em 1948.



Como é que a corte espanhola não se teria enfurecido com este retrato da rainha disfarçada de abutre, ou mulher mostrengo, ou virago de rosto azedado? E depois rendemo-nos ao traço, fica-nos a vontade de saber se a grande bailarina, diva do seu tempo, Josephine Baker, soube da existência deste desenho, que lindo sorriso.



Aqui fia mais fino, estamos em Outubro de 1910, republicano convicto dá à estampa a implantação da República socorrendo-se do Zé Povinho abraçado ao símbolo da República francesa e temos a capa de L’Assiette au Beurre, aquele Zé Povinho é o alter-ego de Leal da Câmara.



Este 5 de Outubro de 1910 trouxe-o de volta a Portugal, rapidamente Leal da Câmara se desapontou com o que viu e daí ter partido voluntariamente para Paris onde permanecerá até 1915, entretanto não deixa de ironizar sobre tudo quanto se passa na vida política portuguesa como este guache intitulado “Os partidos republicanos emergentes: a galinha no choco”. Só as condições da guerra o puseram de volta, vai começar a sua vida de professor, ministrará lavores femininos.



Quem nos guia nesta exaltante visita recorda que este “Muro do derrete” é a derradeira obra do artista, ficou incompleta, os últimos anos foram de grande sofrimento físico, poucos antes de morrer, Leal da Câmara queria a casa de portas abertas, transformou o seu ateliê em museu e, como também se escreve na brochura, “assim se perpetuar a sua memória e a sua arte, para melhor se compreender que tudo aquilo que desenhou, quer caricaturalmente, quer numa tradução simbolizante ou de real impressionismo, como realidade de um quotidiano de um concreto não é mais do que, como diria Leitão de Barros, verificar a fertilidade, a espontaneidade, a graça pessoal, o espírito crítico e satírico de um dos maiores desenhadores da sua época”.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18496: Os nossos seres, saberes e lazeres (260): Uma visita à casa museu de um grande génio: Leal da Câmara (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18520: Inquérito 'on line' (128): "Este ano vou a Monte Real, ao XIII Encontro Nacional"... Resultados das primeiras 30 respostas: 50% dizem que "sim", 13% estão "indecisos" e os restantes (37%) não vão, por razões de conflito de agenda, de saúde, económicas ou outras... O prazo de resposta ao inquérito termina na segunda-feira, dia 16, às 22h32... O prazo de inscrição termina no dia 30 de Abril ou quando se esgotarem os 200 lugares da lotação da sala Dom Dinis, do nosso Palace Hotel Monte Real


Foto nº 1 > Aspeto geral dos "aperitivos", na varanda da sala D. Dinis


Foto nº 2 > Em primeiro plano, o Jorge Narciso e o Victor Tavares


Foto nº 3 > O Sousa de Castro com um emissor-recetor AVP1. Foto: Sousa de Castro (2010)


Foto nº 4 > João Barge (1944-2010) e Carlos Nery


Foto nº 5  > O guineense António Estácio


Foto nº 6 > A prof Maria João Figueiras, dourorada em piscologia clínica (2000), esposa do camarada e editor Jorge Araújo. Na foto, está a folhear o livro autobiográfico do nosso saudoso Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015)

Imagens de arquivo do V Encontro Nacional da Tabanca Gande, Monte Real, o primeiro que se realizou no Palace Hotel Monte Real, 2m 26 de junho de 2010.

Recorde.se que o I Encontro Nacional foi na Ameira, Montemor-o-Novo, em 2006: o II em Pombal; o III e o IV, na Ortigosa, Monte Real, Leiria... Desde 2010, a 5.ª edição, mudámos para o Palace Hotel Monte Real. Até hoje... O XIII será de novo no mesmo sítio, no dia 5 de maio de 2018.

Estão a decorrer as inscrições. Lotação máxima: 200 lugares (Sala Dom Dinis, Palace Hotel Monte Real)

Fotos: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


1. Inquérito 'on line':

"Este ano a vou a Monte Real, ao XIII Encontro Nacional" (Resposta única)

Resultados preliminares (até 17h de hoje)


Sim, vou > 15 (50,0%) 

Talvez, ainda não decidi > 4 (13,0%)


Não vou > 11 (37,0%) 


Total > 30  (100,0%)


2. Os que respondem  "Não" (n=11), é por razões:

(i) de conflito de agenda  > 1 (3,0%)
(ii) de saúde  > 2 (6,0%)
(iii)  económicas > 2 (6,0%)
(iv) outras > 6 (20,0%)


3. O prazo para responder ao inquérito termina dia 16, segunda-feira, às 22h32.


Quanto à inscrição, no XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande, camaradas e amigos/as, podem fazê-lo até pelo menos ao fim do mês de abril (ou até ao limite dos 200 lugares).

Até sábado de manhã estavam  inscritos 85 amigos e camaradas da Guiné, 42,5% da lotação máxima.

Mas, por favor, aproveitem esta oportunidade... histórica. É que a Tabanca Grande é terna... mas não eterna.

Voltam a reproduzir-se aqui, hoje, algumas fotos de encontros anteriores, neste caso o V Encontro Nacional (2011). Na foto nº 5,  vemos o saudoso João Barge (1944-2010) a falar com o ex-cap mil Carlos Nery.
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(**) Vd. psste de 8 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17833: Inquérito 'on line' (127): Num total de 64 respondentes, mais de um 1/3 diz que não há (ou não sabe se há) um monumento aos combatentes do ultramar no concelho onde mora...

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18519: Notas de leitura (1057): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (30) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Caminha-se para o fim da guerra, os relatórios não dissimulam que o conflito e as carências estão a dar dinheiro a certos negociantes, os djilas apropriam-se de todo o arroz disponível e levam-no para o estrangeiro, pagam-no a alto preço. Há negócios na compra de camiões e barcos, vão ser inúteis depois da guerra, transaciona-se muito ouro em pó.
Antes da chegada de Sarmento Rodrigues já Bissau começa a mudar de imagem com os bairros para o funcionalismo, vai crescer a administração. Como um verdadeiro cronista, o gerente do BNU em Bissau é meticuloso na análise da praça, não há crescimento mas também não se registam afundamentos. E, inopinadamente, tudo vai crescer nas obras públicas, no rasgar das estradas, nos transportes, na saúde e no ensino. Estamos numa nova etapa da missão colonizadora, a que não faltará cultura. Os bons negócios estão a chegar, também.

Um abraço do
Mário



Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (30)

Beja Santos

Não se deve subestimar a importância dos relatórios do BNU naquele crítico período da II Guerra Mundial, tal a riqueza de pormenores, são informações que extravasam a situação da praça, iluminam a vida socioeconómica e política na colónia, que conhecerá substanciais alterações com a chegada, em 1945, do Capitão-de-Fragata Manuel Sarmento Rodrigues, alguém que aposta em fazer da Guiné uma colónia modelo.

No relatório de 1944, dá-se atenção aos negócios do Senegal, como já se fizera em relatório anteriores e posteriores, mas a situação tendia a normalizar, já estavam a ser reexportados muitos fardos de tecidos que seriam invendáveis na colónia. E dá-se pormenores:
“Muitos outros tecidos devem ter-se escoado em regime irregular para o Senegal. Dos que ficaram em nosso poder, alguns se estragaram, por razões derivadas de uma demasiada armazenagem e também devido à má qualidade das anilinas empregadas. Não tivemos nenhuma responsabilidade no caso”.
Aumentara o montante referente a letras protestadas e relativas a estes negócios, não havia a registar falências, não fechara nenhum dos estabelecimentos existentes mas também não abrira nenhum outro. Era a guerra:
“As casas estrangeiras continuam a abster-se de negociar produtos coloniais na antiga grande escala em que trabalhavam. Limitam-se a adquirir estes produtos em regime de permuta ou em liquidação de antigos créditos. É de esperar que voltem à sua actividade normal depois do fim da guerra, fazendo a costumada concorrências às casas nacionais. Os negócios de mancarra abrem com uma desatinada e desinteligente concorrência. Todos querem comprar o mais possível e o mais depressa possível. E então, nem se olha à qualidade do produto. A mancarra, de ano para ano é pior porque não há cuidados absolutamente nenhuns com a selecção das sementes. A boa prática de não comprar mancarra sem ser limpa caiu em total desuso, são os próprios compradores que não querem passar a mancarra pelas tararas no acto da compra para não haver atrasos. Isto é o cúmulo da falta de senso pois lhe fica a certeza que de pagam a dinheiro não só mancarra mas uma enorme percentagem de terra, pedra e cascas. Mas é assim mesmo. A Casa Gouveia, até certo ponto comanda preços por ser a maior compradora. Mas a sua orientação é francamente má e o sistema de compra peca da mesma desorientação geral, o que querem é comprar mais e mais. Nos negócios de arroz há mais equilíbrio, mas também se regista uma tendência geral para piorar a qualidade”.

O gerente está não só bem informado como sente o dever de incorporar no relato as suas impressões pessoais. Falando da determinação do governo em não permitir o estabelecimento do comércio sírio-libanês na região de Catió onde se cultiva em grande escala o arroz, observa:
“Insensatez grande foi anular-se esta boa determinação, chega-se ao ponto de haver autoridades que instaram com os sírios para que abrirem casas em Catió. Viu-se imediatamente o resultado. Concorrência desenfreada e prejuízos consequentes para a indústria de descasque de arroz. Esta, como lhe são impostos preços de venda, fatalmente tem que regular por estes o preço de compra. Os sírios, não têm entrave nenhum. Compram arroz, para permutar; para vender em regiões onde não deve chegar o controlo de preços e é natural até que o passem para território francês onde se paga arroz por todo o dinheiro, porque a crise resultante da guerra é muitíssimo séria, pouco ou nada havendo para a alimentação das populações. A meio do ano faz-se alarde grande de que a região de Catió pode produzir uma imensidade de toneladas de arroz, acima da produção do ano anterior, o que influiria muito na produção total da colónia. Afinal, nada disto se verificou. De facto, populações inteiras de outras regiões produtoras de arroz têm-se transferido para Catió. Mas a sua influência só se sentirá passados dois anos, pelo menos da sua instalação e trabalhos primaciais. Assim, poderá aumentar a produção de Catió mas falhará a das regiões onde as populações saíram, e permanecerá sem grandes alterações a produção geral. O que é um facto indiscutível é a degenerescências das sementes”.
E discreteia sobre os fatores, fala dos celeiros, da seleção de sementes, do péssimo acondicionamento dentro dos celeiros, havia regentes agrícolas que tinham chegado a conclusões sensatíssimas sobre o péssimo funcionamento de tais celeiros mas que ficavam desanimados por não verem consideradas as suas propostas de melhorar a situação.

O relatório de 1944 introduz um elemento novo que é a construção de moradias destinadas a funcionários, mas faz-se o reparo de que se continua sem casas para escolas, sem casa para tribunal, sem palácio para o governador pois as obras continuam paradas. Critica os altos salários dos operários europeus que encarecem mão-de-obra que não pode ser paga por outros. E acrescenta outros dados sobre construções: um muro-cais com escada de acesso e uma rampa que facilitou muito a saída dos carros da jangada em que se atravessa o rio, em Bafatá; em Caió, também foi construído um pequeno muro-cais e um farol que ainda não funcionara; há uma necessidade urgentíssima de se dragar o rio Geba e diz que o assoreamento do rio, em certos pontos, representa já um obstáculo sério à navegação, causando grandes prejuízos.


Falando da situação da praça no relatório de 1945, o gerente de Bissau afirma não se terem registado falências nem registos de novas firmas, presta as seguintes informações:
“Os negócios correram normalmente voltando à normalidade, alterada para um movimento muito mais elevado e intensivo no ano anterior, devido à guerra e consequente negócio com o Senegal. As grandes quantidades de tecidos que ficaram na Guiné e já não interessam às autoridades fronteiriças, foram-se escoando, em contrabando, para o território francês. Pagas em francos senegaleses, houve determinada altura em que estes existiam aos milhões, na nossa colónia. Os detentores desfizeram-se deles por modos diversos. Alguns compraram mancarra; cera; borracha e couros, vindos do chão francês por indígenas de lá, que querem o pagamento naquela moeda. Muitos compraram quilos e quilos de ouro em pó, negócio em que se tem feito fortunas. A pouco e pouco se escoaram tantos milhões de francos entrados no nosso território. Nesta data, mesmo nas regiões fronteiriças, já não é fácil encontrarem-se muitos francos no comércio português, além daqueles precisos para alimentar o negócio dos chamados ‘djilas’. É natural que na altura da próxima campanha se intensifiquem os negócios com os indígenas das colónias vizinhas, sobretudo nas regiões de Bafatá e Gabu.
Por vezes a intensidade destes negócios é tão grande que os pagamentos quase só se fazem em moeda francesa. Operação pouco legal, nada se pode fazer para evitar, tanto mais que por ela se canalizam milhares de contos em valor de géneros coloniais que o nosso comércio adquire e exporta e noutros milhares de contos de fazendas entradas pelas nossas alfândegas e que assim se escoam para o território vizinho, animando o nosso comércio e dando rendimentos ao Tesouro da colónia. Por ora, a vizinha colónia francesa ainda não ter fartura de fazendas ou mercadorias. De França quase nada vem. Da Gâmbia ou da Inglaterra pouco ou nada se recebe. Ultimamente tem recebido alguma mercadoria americana mas em pequena quantidade".

Mas o gerente do BNU irá no relatório seguinte carrear informações pessimistas, dirá que os negócios com o Senegal fraquejaram muitíssimo, mantendo-se, porém, sobretudo na região de Bafatá, os negócios clandestinos sobre o ouro em pó, negócio que movimenta milhões de francos, não se faz em moeda portuguesa. E presta a seguinte informação:
“Nos últimos anos da guerra o ouro em pó vendeu-se à razão de 13 a 20 contos por quilo. Hoje, o preço do quilo regula por 23 a 24 contos. O comprador manda-o clandestinamente para Lisboa, pagando entre 50 centavos a 1 escudo, por grama, aos portadores. Na conversão do ouro em pó para ouro em barra, contando com as quebras, pagamento do trabalho e contrastaria, a uma quebra que tem andado por 6 a 10%, sendo raro chegar-se aos 10%. Vendido depois às cotações atuais, dá um bom lucro e serve de meio de colocar capitais na metrópole, o que só pela transferência que se não paga adiciona lucro. Cifram-se em milhares de contos os negócios de ouro feitos durante todo o ano".

Tudo vai mudar no pós-guerra, como se verá diante. Os relatórios continuarão a falar no ouro em pó convertido em ouro em barra, bastante lucrativo, há muita gente a prosperar com estes negócios, insiste-se nesta tónica. O relatório de 1946 adianta que houve alguns negócios com a colónia inglesa da Gâmbia, sobretudo em compras de ferragens e camiões militares que sobraram da guerra, corriam transações para comprar algumas embarcações para o serviço de capotagem na Guiné.
O relatório fala em dificuldades mas também em muita prosperidade, nesse primeiro ano sem guerra: “Daqui para lá nada se vendia, apesar da imensa necessidade que a Gâmbia tinha de nos comprar arroz, cuja exportação não é permitida. Se fosse permitida, era certo que nos pagariam o arroz da Guiné a um xelim ou mais, por quilo, nos armazéns de Bissau e que seria um óptimo negócio para o comércio desta colónia. Contudo, os djilas levam muito arroz, sobretudo descascado a pilão, para a Gâmbia, utilizando canoas indígenas. Compram-no a todo o preço, não hesitando mesmo pagá-lo a cinco ou seis escudos o quilo. Na campanha que está correndo, ao fazer-se este relatório, quase nenhum aparece, porque os djilas o andam comprando pelas estradas e caminhos do mato, directamente aos indígenas e a altos preços”.

Vai seguir-se a descrição dos bons negócios nesse ano, cheio de realizações nas comemorações do V Centenário do Descobrimento da Guiné. Parece que a crise económica estava ultrapassada, anunciava-se um surto desenvolvimentista.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 6 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18492: Notas de leitura (1055): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (29) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 DE ABRIL DE 2018 > Guiné 61/74 - P18505: Notas de leitura (1056): Colóquio Internacional "Bolama Caminho Longe" (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18518: Convívios (849): CCAÇ 1586 (Piche, Ponte Caium, Nova Lamego, Béli, Madina do Boé, Bajocunda, Copá e Canjadude, 1966/68): almoço-convívio comemorativo dos 50 anos do regresso a casa: Abrantes, 19 de maio de 2018... Inscrições até ao próximio dia 25 de abril (Eduardo Gadanho dos Santos, Lisboa / Manuel Domingos Casimiro, Tomar)



GUINÉ

COMPANHIA DE CAÇADORES 1586 (PICHE, PONTE CAIUM, NOVA LAMEGO, BÉLI, MADINA DO BOÉ, BAJOCUNDA, COPÁ E CANJADUDE, 1966-1968)





ALMOÇO-CONVÍVIO COMEMORATIVO DO CINQUENTENÁRIO 
DA CHEGADA A LISBOA (*)

Abrantes, 19 de maio de 2018



CONVITE - PROGRAMA (**)




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Notas do editor JA:

(*) Vd. poste de 11 de abril de  2018 > Guiné 61/74 - P18512: CCAÇ 1586, "Os Jacarés" (Piche, Ponte Caium, Nova Lamego, Beli, Madina do Boé, Bajocunda, Copá e Canjadude (1966-1968): Subsídios para a reconstituição da sua história (Jorge Araújo) - Parte I