Uma das plantas do que seria a nova sede do BNU em Bissau
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Dezembro de 2017:
Queridos amigos,
O aspeto mais importante que se observa da leitura destes relatórios do fim da década de 1950 é que eles ganharam uma tépida neutralidade, o gerente agarra-se permanentemente à terminologia da crise, há cada vez mais comerciantes que não se coadunam com a escassez do poder de compra. A crítica mais acerada do relatório dirige-se a esses arrivistas que demandam a Guiné em pequenos negócios particulares, mesmo quando são caixeiros-viajantes de empresas.
Já lá vai o tempo em que os relatórios esmiuçavam os transportes, os equipamentos, o estado das estradas, agora está tudo centrado no comércio, na liquidez e nas letras protestadas. Não há uma só menção a tudo que mudou com dois países independentes à volta da Guiné Portuguesa, isto no exato momento em que fervilha agitação em Dakar, Ziguinchor e Conacri, onde chegou Amílcar Cabral.
Lamentavelmente, este discurso será uma constante durante o período correspondente à guerra colonial, como é óbvio, com alguns matizes e alusões ao terrorismo.
Um abraço do
Mário
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (37)
Beja Santos
Impressiona a ausência de referências à pesca, é como se não existissem tais riquezas, seriam mesmo ignoradas? Um dos grandes acontecimentos de 1940 foi a missão geo-hidrográfica na Guiné, é impossível que não tenha havido uma referência mínima aos recursos marítimos. Até agora, os relatórios estão centrados naquilo que interessa predominantemente à administração em Lisboa: como vai a praça, como estão a evoluir as colheitas, quais os dados sobre a produção agrícola, se os comerciantes pagam a tempo e horas. O património do BNU na Guiné continua a crescer. Mas é em 1958 que pela primeira vez se fala em minas e petróleo. E da seguinte maneira:
“1 – Bauxite
No ano findo, a atividade da Companhia dos Alumínios da Guiné e Angola, SARL, firma a quem foi concedido o exclusivo da prospeção e exploração da bauxite nesta Província, não foi além do género de trabalhos já levados a cabo em 1957.
Apenas trabalhando durante o período seco, a sua ação pouco mais foi que prosseguir na prospeção e na abertura de picadas de acesso a novas zonas.
Parece não haver dúvidas sobre a existência deste minério em quantidade, bem como a respeito da sua boa qualidade, se bem que não seja a melhor, mas consta que a exploração só será economicamente viável desde que o Estado comparticipe em certos investimentos que se prendem com o transporte.
A exploração deste recurso representaria um grande passo em frente na economia desta Província, até porque poderia contribuir para o desenvolvimento industrial se aqui se desse a transformação da bauxite em alumina, já que não seria possível obter-se o alumínio por falta de condições par se conseguir a eletricidade necessária à sua produção – da ordem dos 20 000 Kw mais 6,6 toneladas de bauxite para uma tonelada de alumínio, segundo nos consta.
Na Guiné Francesa – atualmente a República da Guiné – existem e são já hoje exploradas grandes quantidades de bauxite que não tardarão a ser transformadas em alumínio no próprio território, visto estar prevista para muito breve a construção de uma grande barragem – a do Kouillou.
2 – Petróleo
Em Março do ano findo, por ocasião da visita que o então ministro do Ultramar, professor doutor Raúl Ventura, fez a esta Província, foi a Guiné informada pelo mesmo Senhor, de que iam ser oportunamente feitas, numa parte do seu território, pesquisas e prospeções de petróleo, por uma companhia associada da Standard Oil Corporation, de Nova Jérsia, que se denominaria Esso Exploration Guinea, Inc.
Com efeito, em 8 de Abril de 1958 foi celebrado entre esta Província e a referida Esso Exploration Guinea, Inc, o respetivo contrato para a concessão exclusiva de pesquisas e explorações de jazigos de carboretos de hidrogénios e produtos afins”.
Dá informações sobre o capital da empresa (40.000 contos) o prazo de concessão (40 anos, prorrogável por mais 20), período de pesquisas (3 anos), os investimentos obrigatórios durante o prazo de pesquisas e a renda de superfície (a Esso pagará à Província a quantidade de 3.22$65 por quilómetro quadrado da área de concessão, o que corresponde a 72.000 contos). E o relator adianta os seguintes dados:
“Este contrato obedeceu ao tipo conhecido pela regra do fifty-fifty, isto é, metade dos lucros para o Estado e metade para a companhia concessionária.
O pessoal técnico e administrativo da Esso instalou-se em Bissau em princípios de Setembro. Anteriormente, porém, já uma equipa de geólogos havia iniciado a investigação dos afloramentos antigos na Guiné.
As investigações geofísicas, consistindo de levantamento sísmicos e gravimétricos, foram iniciadas em Setembro por companhias geofísicas independentes (Western Geophisical Company e Robert H. Ray Exploration Company) contratadas pela Esso. Em fins de 1958, o número de técnicos e operadores ao serviço destas duas companhias era de 50 aproximadamente, acrescido de 40 trabalhadores indígenas.
No que respeita a material, as três companhias dispõem de equipamento técnico, de instalações para os acampamentos portáteis das equipas encarregadas dos levantamentos geofísicos e cerca de 30 veículos automóveis, na maioria camiões e jipes com tração às quatro rodas.
Segundo estamos informados, os levantamentos sísmico e gravimétrico estão em progressão e continuarão ativamente”.
No relatório de 1959, o gerente privilegiou um relato financeiro muito apurado, foi de um inusitado laconismo quanto à situação da praça, dizendo:
“A praça continua a ressentir-se das deficiências já conhecidas: excesso de comerciantes, escassa produção e importação superior Às necessidades e ao poder de compra da população civilizada e indígena.
São tradicionais os seguintes fatores: insuficiência de cambiais para satisfazer uma importação sem controlo, agravada com necessidades sempre crescentes de transferências e mesadas para particulares; o hábito de imobilizar em prédios, não apenas os excedentes do capital, mas a parte dele indispensável ao giro comercial; incapacidade financeira e técnico-profissional de boa parte do comércio lojista; facilidades excessivas ao consumidor; fraco poder de compra do funcionalismo público e de quase todos os trabalhadores, por elevação do custo de vida, etc. Sintoma do agravamento da situação da praça é o facto de no exercício decorrente se terem protestado 218 letras no total de 3002 contos, em contrate com as 100 letras no valor de 1586 contos protestadas em 1958”.
Estamos já muitíssimo longe de relatórios onde se explanam detalhadamente a situação das colheitas, as obras dos portos, a vida económica e financeira dos municípios, a evolução das vias de comunicação, a evolução linhas aéreas e até o cuidado em elencar o preço médio local dos géneros alimentícios. Parece que esmoreceu o interesse em falar nas oleaginosas e no comércio com os territórios vizinhos. Dera-se o aparecimento, ainda que incipiente, de pequenas indústrias e falava-se na exploração das riquezas do subsolo. Mas instalara-se uma trama discursiva circulando à volta da crise. É bem curioso registar que quem analisou estes relatórios vai fazendo notas à margem, pondo até pontos de interrogação e de exclamação, e a certa altura escreve-se: “Em que ficamos, há ou não há crise?”.
Isto vem a propósito do que se vai escrever no relatório de 1960 acerca da situação da praça:
“A praça compõe-se de sete firmas consideradas grandes, bem dirigidas e organizadas. Existem ainda outras tantas de categoria média, e o restante comércio é constituído por indivíduos sem formação comercial, que o mesmo é dizer de comerciantes sem noção nenhuma da sua função económica, nem da ética. Apesar de não terem dinheiro nem condições materiais e morais para usufruir crédito, são, todavia jactanciosos e atrevidos.
Porque constituem a maioria, são os que mais reclamam a crise e as dificuldades, quando a verdade é que uma e outra coisa só existem neles e em relação a eles. No entanto, porque fazem barulho e agitação, induzem em erro de apreciação o observador desprevenido.
De facto, a Província está a braços com uma produção agrícola que baixa de ano para ano.
Consequentemente, a exportação diminui, reduzindo os meios de pagamento no exterior. A orgânica administrativa, por antiquada e cheia de vícios, não possibilita as condições para progressos nos objetivos fundamentais que seria míster alcançar. Estes e outros elementos concorrem para uma situação depressiva a que urge acudir com soluções práticas.
A maioria do comércio não tem capacidade para compreender estes fenómenos e seus reflexos, e conclui que o mal deriva de dois fatores únicos: o Estado querer arrecadar impostos e taxas e o Banco não dar crédito. Daí a propaganda, o clamor, à volta de uma crise que em regra só se verifica nos incapacitados, nos ambiciosos e nos tolos. Este é, quanto a nós, o panorama da situação da praça”.
Outra curiosidade que chama à atenção do leitor é o desinteresse em registar o que se passa à volta: nem uma palavra sobre a situação social que se vive na Guiné, como se não houvesse agitação, não há qualquer comentário ao protesto dos estivadores, no Pidjiquiti, em 3 de Agosto de 1959. Enfim, é um relatório um tanto sofismado e cabalístico, uma verdadeira assepsia, fica-se mesmo na dúvida se não houvera instruções para pôr termo a comentários de índole sociopolítica, parece que agora, para Lisboa, só interessa repertoriar o que vai na praça, isto no preciso momento em que Amílcar Cabral já está instalado em Conacri.
(Continua)
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Notas do editor:
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