"Painel de azulejos de oficina de Lisboa, da 1ª metade do século XVIII, existente no Museu da Cidade, Lisboa, onde no primeiro plano aparecem tipos populares a comercializam bens de consumo e, no lado esquerdo é representado o Chafariz de Neptuno, equiparado ao dedicado a Apolo, existente no Terreiro do Paço. O Hospital Real de Todos-os-Santos tinha fachada virada para o Rossio e fora mandado erigir por D. João II em 1492, mas a sua construção só terminou no reinado de D. Manuel I, nos primeiros anos do século seguinte. Edifício de vanguarda na época, acolheu os primeiros internamentos em 1502, com regimento e estatuto de Escola de Medicina e o número de enfermarias foi crescendo ao longo do tempo: 3 (1504), 16 (1520) e 25 (1715). O Hospital Real de Todos-os-Santos foi desactivado na sequência do Terramoto de 1755, ocorrido a 1 de Novembro desse ano, o qual foi responsável pela destruição quase completa da cidade de Lisboa e foi substituído depois pelo Hospital Real de São José, no que restou do colégio de Santo Antão da Companhia de Jesus. (Rui Carita)
Data: circa 1740".
Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (31):
Sete vidas (1690-2044)
O Xavier Oliveira não sabia ainda o que gostaria de ser (e de fazer), desta vez, quando voltasse a ser "menino e moço".
Tinha direito a "sete vidas, como os gatos". Era, afinal, o único "privilégio" que podia dar como garantido na sua existência terrena.
Era um "homem de fé". Leia-se, crente. A igreja a que pertencia (e que tinha um templo com pórtico neoclássico, ali mesmo ao pé da sua casa), reunia os metempsicosistas da cidade.
Não eram muitos. Um "seita", escarneciam os seus detratores, quando lá passavam ao lado. O pior ainda era o padre, católico, da sua freguesia, a par do pastor, evangélico, na rua mais abaixo, que tinha um "tabernáculo" num antigo armazém, adaptado para o efeito, a que chamava pomposamente... a "catedral da salvação". (Todas as religiões são salvíficas; se o não fossem, tinham os templos vazios.)
Acreditava na transmigração da alma, mas dentro da espécie humana, incluindo as várias "raças" que se distinguiam umas das outras por diferentes fenótipos, "os brancos, os pretos, os amarelos, os mestiços"...
Não, não era "racista". Aliás, bastara-lhe ter sido negro e escravo no séc. XVIII, na época em que finalmente o esclavagismo começou a ser posto em causa pelo capitalismo industrial... (Com a máquina a vapor e a maquinofatura, isto é, a "revolução industrial", os ingleses não precisavam mais de escravos "negros", passavam a ter os próprios escravos "brancos", o "proletariado inglês", os camponeses e os artesãos finalmente "libertos" das velhas amarras da sociedade senhorial...)
Nisso distinguia-se de outras correntes afins, de base teosófica. Não havia o risco de reencarnar numa espécie não-humana, animal ou até vegetal, como defendiam certos animistas. "Só dentro da espécie humana"... Tanto podia ser homem ou mulher, branco ou preto... Era uma verdadeira lotaria. Não havia escolha. Mas o mecanismo da passagem da alma para um novo corpo ainda estava ("e estaria sempre") por explicar.
Os metempsicosistas eram "criacionistas", opositores da teoria da evolução. A metempsicose operava-se dentro das especificações do programa, definitivo e imutável, da criação da vida e do mundo. Era, de resto, um segredo inviolável, a que a ciência humana nunca poderia aceder, sob pena de usurpação do poder divino, ou pecado da húbris.
Havia a barreira da espécie, tal como no sexo. A alma humana, no "post mortem", só podia transmigrar para uma forma de vida igual ou superior, um outro corpo humano.
Xavier Oliveira acreditava que, de geração em geração, a sua alma, a sua verdadeira identidade, arranjaria um outro "invólucro", feito de "carne e osso".
Era uma forma de expiação terrena. Só os "puríssimos" , os 100% "limpos", tinham lugar imediato no Éden, após a morte física.
Não, não havia Inferno, tranquilizava-se ele. Não havia essa coisa da condenação eterna, "per saecula saeculorum" ou "ad aeternum", com que o aterrorizaram os padres jesuitas na sua primeira vida, quando se chamava Fernão Ferro (1690-1721), ou melhor, o "Enjeitado" . (Na verdade, Fernão Ferro fora o seu primeiro nome, de batismo.)
Essa ideia, a do Inferno, só por si, era uma insulto ao Criador da vida e ao grande Arquiteto do universo, e à Sua infinita sabedoria e bondade. No passado, tinha frequentado uma loja maçónica, iluminista, de que lhe ficara a poderosa imagem do Arquiteto supremo.
Em resumo, havia sete vidas para os seres humanos se poderem "purificar". Sete vidas, umas mais fáceis, outras mais difíceis, umas mais curtas (como a sua primeira, que não ultrapassara a trintena de anos), outras mais longas, como a quarta, de 1821 a 1891, em que chegou aos setenta. (Nessa altura, chamavam-lhe Joel de Castro mas também William Smith, Son.)
Sete vidas, mas todas elas imprevisíveis. Uma ideia aterradora ? Penosa, sem dúvida, mas ao mesmo tempo excitante. Sabia-se do passado mas o futuro era uma verdadeira "black box" ou "caixa preta". Um ser humano podia passar de senhor a servo, de rico a pobre, de bonito a feio, de bom a mau, de herói a vilão, de branco a preto, e vice-versa. Sem nunca se saber porquê... (O Criador nunca quis dar essa elementar explicação às suas criaturas, e muitas estavam longe de serem verdadeiras obras-primas.)
Havia sempre a esperança de se obter uma "melhor condição", de se subir na escala da criação. Mesmo assim , "tinhas que te esforçar por ser melhor", de encarnação em encarnação. Sob pena da alma... se "volatizar". Havia esse risco. ("Às vezes interrogava-se se valia a pena: por exemplo, ser um bom pobre, um bom escravo, um bom soldado"...).
Era um permanente teatro, com sucessivas recriações, cenários, atores, encenadores, palcos, papéis, guiões. Mas também "brancas e apagões ". ("De tanto representares, chegavas às vezes a trocar os papéis...")
"A vida era um palco"... O Xavier não sabia explicar muito bem o processo de purificação. Muito menos a atribuição de papéis. Havia um "deve-e-haver", uma balança para pesar "as boas e as más ações". Já os antigos egípcios e outros povos tinham essa crença. Mas o que era o bem e o mal ?
Mas não era isso que o excitava. Estavam-lhe garantidos, em princípio, três ou quatro séculos de transmigrações sucessivas. Estava agora na sexta (renascera em 1945, no final da II Guerra Mundial na Europa). Estava na penúltima vida. Na melhor das hipóteses, na sétima (e última) poderia ainda chegar à alvorada do séc. XXII, seguramente com outro nome que tanto podia ser português, como afro-mandinga ou chinês.
Não estava nada entusiasmado com essa perspetiva, a de chegar ao limiar do séc. XXII. E, ainda por cima, viver na China. (Não, não era "racista", nem xenófobo, mas também não era "sínico"...)
E, depois, ainda precisaria de morrer pela sexta vez. E transmigrar pela sétima. A morte era sempre uma chatice". Nunca se lembra, em todos os aqueles anos, de ter tido uma morte serena, a que no séc. XVIII se chamava uma "boa morte". Reconciliado com Deus e com os homens e com todos os demais seres vivos.
Nunca ninguém lhe lera o "consentimento informado" do Criador. Nunca morrera em paz. Nem muito menos lúcido. E sempre sozinho. ("Morre-se sempre sozinho, como um cão".) Já morrera de diversas maneiras, todas afinal violentas (por colapso dos órgãos vitais, por causas naturais ou artificiais). Só não morrera de parto, já que nunca fora até então mulher. (Nem gostaria de o ser: não, não era misógino, mas tinha dificuldade em entender as mulheres.)
Agora, aos 70 e muitos anos, estava cansado, confuso, indeciso. Quiçá infeliz. Chegava a pôr a causa a solidez da sua fé. Interrogava-se como iria morrer desta vez. Em casa, no hospital, no lar de idosos, na rua, na autoestrada ?
De acidente aéreo, não, porque não viajava de avião, a menos que lhe caisse um, em cima do telhado. (E não vivia, de facto, muito longe do aeroporto.) De naufrágio, também não: odiava o mar, os barcos, e até a maresia... Lembrava-se, ainda hoje, da sua primeira morte em 1721, ao largo das Berlengas. A morte dele, Fernão Ferro, e da sua Lia.
No campo de batalha, também seria improvável vir a morrer, já não tinha idade para vestir uma farda e empunhar uma espingarda ou uma espada, como na guerra da Patuleia (1846-1847). Ou na Guiné, por onde foi obrigado a passar um temporada em 1967/69. (Chamavam-lhe, ironicamente, uma "comissão de serviço".)
O recente tratamento de um cancro deixara-o de rastos. Passou a cultivar o humor negro. Tornara-se cáustico, sarcástico. Tinha um cartão de visita em que assinava o nome e por baixo um aviso, a vermelho: "Radioativo, protésico e parkinsónico"... Percebe-se a reação de repulsa, instintiva, das pessoas quando lhes entregava o cartão...
"Andava preso por arames". O último fora um "pace-maker". E isso "não era mais expiação mas condenação". Cruel. Às vezes parecia querer revoltar-se contra o Criador. De nada lhe valia. Porque Ele, Criador, não falava com ele, afinal uma simples criatura. "Não lhe dava troco". Limitava-se a manipular mecanicamente as suas criaturas como se fossem títeres.
Recuou... A ideia em si era blasfema. Húbris. Soberba humana. Penitenciou-se. Pediu perdão. Desceu à terra. Foi fazer análises clínicas. Os tais "checkups" anuais a que o obrigava a sua seguradora de saúde. Deixou de comer, beber, fumar, fazer sexo. "Tinha saúde, graças a Deus!", gritava-lhe a médica de família. Ouvia mal e não se adaptava à maldita prótese auditiva que lhe custara os olhos da cara.
− Saúde, doutora ?!
− Ah, sim, senhor Oliveira. É a competência para saber gerir as suas quatro ou cinco doenças crónicas.
− Quatro ou cinco ?!.. Não sabia que eram tantas... Surdez, diabetes...
− E por aí fora!... E por aí fora!...
Estava a precisar de um corpo novo. Fizera o testamento vital. Ofereceu o seu corpo à ciência. Era uma boa ação. Tinha horror à ideia de um dia ficar ligado a uma máquina por muito tempo. Como um vegetal.
Tinha uns sacanas de uns amigos que lhe estavam sempre a mandar, por email, as últimas descobertas da medicina.
Era hipocondríaco. Tinha medo que se pelava do cancro do pâncreas. Vários amigos e conhecidos tinham morrido com esse maldito cancro. Na fase terminal pareciam múmias.
Os médicos procuravam tranquilizá-lo. E, na sua igreja, diziam-lhe os seus irmãos: "Ah!, agora há de chegar a medicina genética que irá substituir a medicina química e ajudar a prevenir muitos dos nossos defeitos de fabrico".
Ou então:
− Deixa lá, Xavier, vamos rezar para que, para a próxima, tenhas um corpo de atleta!
− Um borracho, ou até uma "barbie", quem sabe?! − gozavam elas.
Mas ele não era um otimista por natureza, via a vida como "um mar infestado de corsários e tubarões", uma imagem que o perseguia há séculos.
Já passara por muitas situações-limite, subira os degraus do cadafalso de que fora salvo "in extremis" por uma intempestiva (mas providencial) tempestade de verão com queda de granizo... Conhecera o navio negreiro... Fora escravo, e depois forro... Sobrevivera ao terramoto de Lisboa... Comandara um bando de guerrilha... Lutara em vão contra uma tuberculose... Estivera num presídio por ser objetor de consciência... Fora cangalheiro...
Enfim, tinha atravessado épocas conturbadas, raramente conhecera a paz e a liberdade, muito menos o amor, a riqueza ou o poder... ("Nunca quis ter filhos, e se os teve foi sempre por vontade das mulheres que os geraram", numa época em que ainda não havia planeamento familiar, nem a pílula, nem o aborto terapêutico.)
Apetecia-lhe agora viver os últimos anos ( os últimos cinquenta ou até cem, na melhor das hipóteses) metido entre os claustros e as paredes de granito da cela de um convento medieval onde pouco ou nada se falasse. Como no útero materno, que era opaco e quente e insonoro. Estava farto do ruído do mundo... ("Mas será que não ficaria louco ?!")
Na presente vida, a sexta, fora batizado e crismado pela Santa Madre Igreja Católica, Apostólica, Romana. Tinha na sua "mother board", num cantinho da sua memória, um "chip" com os dados vitais relativos a toda a sua existência, incluindo o assento dos seus nomes ao longo das diversas reencarnações: Fernão Ferro, Inácio Medina, William Smith, Joel de Castro ou William Smith Son, Rafael Meneses, Xavier Oliveira...
A alma era sempre a mesma, a sua "alma mater", a sua matriz, o seu protótipo, o que variava era o corpo. "A alma não tem rugas, nem cicatrizes", dizia o o guru dos metempsicosistas, que, no passado, tinha sido um dos bravos marinheiros russos, revoltados do couraçado de Potemkine, em 1905.
Xavier Oliveira sabia, por exemplo,que tinha nascido, da última vez, em 1945, numa aldeia de Vila Nova de Famalicão, no Minho, em Portugal. Era papa em Roma o Pio XII e cardeal patriarca em Lisboa o Dom Manuel Cerejeira. A este último conhecera-o pessoalmente. E tratava-o com toda a deferência. Era conterrâneo e amigo de infância do seu avô, António Oliveira.
Foi ele que o crismou numa ida a Famalicão nos anos 50. O avô, colega de escola, tratava o Dom Manuel por "Sua Eminência Reverendíssima" enquanto lhe agarrava a mão e lhe beijava o anel. Lembrava-se do seu avô, embevecido, lhe ter repetido várias vezes as palavras do seu ilustre amigo, um "verdadeiro príncipe da Igreja":
− Ó Manel, deixa-te disso! Dá cá um abraço!
Não há registo destes factos nem eles são de todo relevantes para a história de vida do Xavier Oliveira. Acabou antes da tropa por afastar-se do catolicismo. E da sua família minhota.
Lidava mal com o trilogia "pecado, culpa e confissão". Era monstruoso, para um ser humano (queixava-se ele ao seu confessor) ter que assumir e expiar os seus muitos pecados mortais, com um registo de mais de 250 anos. Se calhar, até desde os primórdios, desde os seus primitivos antepassados, o Adão e a Eva, os pais da humanidade!
Foi então que se converteu ao metempsicosismo, que "verdadeiramente não era uma religião". E muito menos "proselitista", como a dos cristais ou a dos muçulmanos. Não adiantava dar essa garantia ao padre católico e ao pastor evangélico, seus vizinhos, que às vezes encontrava na rua e que à viva força o queriam no seu rebanho. ("Afinal, tinham inveja dele e das suas sete vidas.")
Continuava a acreditar em Deus, Criador do universo e de todos os seres vivos e das coisas inertes. Deus, Criador e Juiz Supremo.
Azar ou não, tinha nascido em 1690, filho bastardo, ao que saberá mais tarde, de uma filha, também ela bastarda, de um dos "40 conjurados" de 1640. "Neto de bastardo és, filho de bastardo serás", dizia o povo naquele tempo, sarcástico e cruel, nas costas, mas sempre temente e reverente, na frente, em relação a Deus e aos poderosos.
Esta foi, pelo menos, a história que lhe contaria mais tarde o seu padrinho de batismo, que exercia o mister de barbeiro, na Mouraria, e de barbeiro-sangrador no Hospital Real de Todos os Santos.
O avô materno de Fernão Ferro (era assim que ele se chamava na primeira encarnação) , segundo se dizia à boca pequena, terá sido um fidalgo da corte, próximo do Dom João IV e da casa de Bragança. ("Quiçá até com laços de sangue com a família real".)
Hoje sabia-se, pelo que escreviam os historiadores da Academia, que afinal não eram 40 mas 70 os valentes portugueses que puseram o Duque de Bragança no trono, depois de correrem com os Filipes.
Mas para o caso também não interessava nada. Que importava ao Fernão Ferro ter "sangue azul" (ou até "régio") se nem sequer sabia o nome dos seus avós, do pai, da mãe, dos tios, dos primos ?!... (E nesse tempo ainda não se faziam testes de paternidade.)
Ferro não era apelido nobre, mas plebeu. E isso fazia toda a diferença, ser "filho de algo", Ora ele era filho de ninguém... Nem no "sinal dos expostos" havia qualquer pista sobre a sua filiação. Apenas um pedaço de um tecido de seda da China, que só os ricos podiam comprar naquela época. A mãe, biológica, seria uma representante da nova nobreza bragantina ou, talvez antes, filha de algum burguês enriquecido pelo comércio atlântico do açúcar ou dos escravos.
Não fora deixado na roda dos expostos da Misericórdia ou de um dos muitos conventos da cidade, como era habitual, mas numa cestinha, ao ar livre, discretamente deixada na monumental escadaria que dava acesso à fachada principal, manuelina, do Hospital Real de Todos os Santos. Um sítio (onde hoje é o Rossio) por onde já então circulava muito povo.
Não admira, por isso, que nos primeiros tempos tenha sido criado no Hospital, na "Casa dos Enjeitados". Na capela foi logo batizado pelo capelão. ( "Não fora morrer de repente o anjnho".)
O padrinho de ocasião foi o barbeiro-sangrador que a essa hora e dia estava de serviço. Acabou por se afeiçoar à pobre criança a quem foi dado, por caridade, o seu apelido, Ferro. Fernão Ferro foi, pois, o seu nome cristão.
Mas a afeição pelo miúdo ( "um rapaz macho, perfeitinho, ruivo e de olho esverdeado", o que também não era habitual na Lisboa desse tempo) não seria inteiramente desinteressada.
Recolhida a criança na "Casa dos Enjeitados" e na sequência do seu batismo, o barbeiro recebeu, uns dias depois, a visita de um criado, que ele conhecia de vista, de uma família rica da vizinhança.
Veio-lhe fazer um "trato sigiloso": recebia, em espécie e em géneros, uma "certa maquia anual" para cuidar e educar, na sua casa, o "menino"... No Hospital, era certo e sabido, era maior o risco de adoecer e morrer. O Hospital era um "locus infectus"...
Não tinha, o Fernão Ferro, aos vinte anos, grandes memórias da sua primeira infância. Terá tido uma ama de leite,de fartos peitos, possivelmente negra, fornecida pela Misericórdia de Lisboa, que administrava o Hospital, desde os anos 1560. Fora isso, viveu, desde cedo, na casa do seu padrinho de batismo e pai adotivo. Mas gostava de ir brincar no logradouro do Hospital, com os filhos da criadagem.
A família do barbeiro Ferrão tinha uma casa térrea, modesta mas relativamente ampla, com quintal, horta, laranjeiras e limoeiros, já fora da cerca fernandina, para os lados da Graça.
Talvez o barbeiro-sangrador fosse de origem mourisca ou judia sefardita. Já o pai e o avô tinham sido figuras populares na Mouraria, herdando o mesmo ofício e sendo pagos pelo Hospital pelas "sangrias". Também iam a casa de gente de bem, a pedido do físico (médico) ou do cirurgião.
Em casa, tinha o Fernão uma escrava, negra, filha e neta de escravos, que, além das lides domésticas, cuidava do "Enjeitado". Esse labéu ficou-lhe para o resto da vida. Constava do assento de batismo. Nunca conseguiria fazer a sua "árvore genealógica" por causa da sua condição de "exposto", filho de pai e mãe incógnitos.
O Fernão Ferro teve sorte, mesmo assim, em chegar aos trinta.
Como ele, havia centenas de crianças em Lisboa, a maior das quais não não conseguia franquear a gigantesca barreira dos cinco anos. Era altíssima a mortalidade infantil (neonatal e abaixo dos 5 anos de idade).
Mas um dia o Ferrão partiu na carreira da Índia como cirurgião. Era o seu estágio final, depois de um ano de teoria e prática na escola do Hospital. Já não era novo para semelhante aventura... Podia demorar dois anos a regressar a casa... ("Vá-se lá saber as razões por que um homem deixa o seu doce lar para ir trabalhar para tão longe!"...)
Por volta de 1710, com 20 anos, o Fernão Ferro, depois de ter feito o Colégio de Santo Antão, que era dos jesuítas, acabou por ir tirar, na Universidade de Coimbra, o curso de medicina. O antigo barbeiro-sangrador, e seu padrinho, agora cirurgião, se não rico, pelo menos remediado, mandava-lhe dinheiro da Índia através da Misericórdia de Lisboa que funcionava, nessa época, como uma espécie de agência bancária.
O Fernão Ferro, se tivesse feito cânones ou leis, teria tido por certo outras perspetivas de futuro: o funcionalismo régio, a diplomacia, o alto clero... Mas faltou-lhe alguém que o tivesse aconselhado melhor e orientado os seus passos na vida. O padrinho estava longe, trabalhava agora no Hospital de Goa. Já não voltaria, de resto, a ver mais o afilhado nem a sua família de sangue. Morreria, aos quarenta anos, de "morbo gálico", ou seja, de sífilis. Era o que constava na nota necrológica que chegara ao Fernão Ferro com a sua última mesada.
A sua primeira vida também irá ser breve. Fernão Ferro morrerá aos trinta anos, em 1721, já médico (físico) formado por Coimbra, fazendo jus ao provérbio popular que dizia: "aos trinta anos, quem não é louco é médico".
Teve uma "morte inglória" (como se todas as mortes não fossem, afinal, "inglórias"!) quando vinha de barco para Lisboa, e foi apanhado por uma tempestade ao largo das Berlengas.
Trazia com ele uma negra da Senegâmbia, "linda de morrer, da côr de âmbar", que lhe custara uma pequena fortuna. Era a amante de um cónego da Sé ("que já estava com os pés para a cova")... O bispo obrigou-o a desembaraçar-se da escrava, por causa do "público e notório escândalo de mancebia".
Para o Fernão Ferro, a Lia "valia ouro", na cama, na cozinha, nas lides domésticas, nas confidências (... e no amor, por que não ?, não amaria ninguém mais na vida como aquela negra dengosa). O cónego, ao batizá-la, tinha-lhe posto um nome bíblico, Lia.
Na segunda vida, entre 1721 e 1782, ainda foi negro e escravo de um mercador cristão-novo, de apelido Medina, em Cabo Verde, que em Lisboa tivera problemas com o Tribunal do Santo Ofício. (Talvez por delação, o que era habitual, de um vizinho, cristão-velho, a quem emprestara dinheiros a juros.)
Nunca chegará a saber, ao certo, as razões por que o seu amo lhe deu a carta de alforria. Terá escapado assim ao seu cruel destino que era, seguramente, no Novo Mundo, um engenho de açúcar ou uma mina de ouro no Brasil, quando o Medina o arrematou num leilão, a um "negreiro" de passagem pela ilha de Santiago. (Dizia-se que o navio levava excesso de carga, correndo o risco de naufragar em caso de tempestade tropical. Em Cabo Verde o esclavagista aligeirou a carga.)
Cristão-novo, amigo dos jesuitas, o Medina acabou por se estabelecer no Norte de África, em Tânger onde prosperou como importador de lanifícios ingleses e de tapetes orientais (nomeadamente otomanos e persas).
O agora Inácio, de seu nome (talvez em homenagem ao outro, Loyola), acabou por morrer de varíola aos 60 anos, no ano em que viria também a cair em desgraça o marquês de Pombal. (Ironia: a escassos anos do médico rural inglês Edward Jenner ter descoberto o princípio da imunização, neste caso, contra a varíola, a doença que mais vítimas terá feito em toda a história da humanidade.)
Trinta anos antes trabalhava num barco de cabotagem, ancorado no mar da Palha, no estuário do Tejo, em Lisboa. Às 9 e tal da manhã de sábado, do dia 1 de novembro de 1755, foi engolido por uma vaga enorme. Valeu-lhe, literalmente, uma providencial "tábua de salvação".
Exausto, despejado pela violência do tsunami, acabou por ir dar à praia da Trafaria. Foram dias pavorosos que lhe deram a exata dimensão da precariedade da vida terrena.
Da margem esquerda do rio, submergido em destroços de toda a ordem (cadáveres, mastros e velame de navios, troncos de árvore, etc.), viu Lisboa arrasada e a arder, durante dias e dias. Não sobrara nada: o opulento paço real, a patriarcal, a casa das Índias, os conventos, as igrejas, as casas dos nobres e dos ricos comerciantes, nada, a quem um náufrago, como ele, pudesse pedir um pão por caridade.
Passou dias e dias a deambular pelas praias à cata de comida e de trapos com que se pudesse cobrir. Sobreviveu. E foi face ao atroz egoísmo que atacou os sobreviventes daquele cataclismo, que o Inácio Medina decidiu inscrever-se numa leva de soldados da fortuna para ir combater na guerra dos Sete Anos (1756-1763). Ao fim de uma marcha forçada até Montemor o Novo, foi riscado da lista de pré. Afinal, aos trinta e quatro anos já era velho.
Há um hiato na sua "fita do tempo". Não sabe, por exemplo, como chegou ao Porto, ao serviço de um mercador de vinhos, inglês. Por pouco escapou ao cadafalso em fevereiro de 1756. Foi um dos milhares de amotinados contra a Companhia Geral de Agricultura do Alto Douro. Também andou aos gritos, "Viva o Rei, Viva o Povo, Morra a Companhia, Morra!"
Não sabe porquê, talvez pelo ambiente de contestação à política pombalina que se vivia nas tabernas do Porto e que ele frequentava, na Ribeira, e também por influência da colónia inglesa com quem ele convivia.
Como falava razoavelmente inglês, não foi difícil passar por súbdito britânico, apesar da cor da sua pele, com o falso nome de William Smith. Ficou grato ao seu amo inglês, para o resto da vida: foi ele que o resgatou das masmorras pombalinas...
Não se estranha, por isso, cinquenta anos depois, ver um tal William Smith, Son, como intérprete no seio do comando do estado-maior das tropas luso-britânicas aquando da batalha do Vimeiro, em 1807.
Ainda trabalhou na construção das Linhas de Torres e assistiu à retirada das últimas tropas napoleónicas, em novembro de 1810. Acabou por se sentir mais britânico do que português e, por volta de 1825, ano da sua morte, pouco ou nada entendia já do que se estava a passar no seu país, à beira de um guerra civil. Morreria cego. Talvez providencialmente. ("Deus escrevia direito por linhas tortas".)
Ainda fizera "alguns fretes" aos ingleses como ter de testemunhar a morte infamante do general Gomes Freire de Andrade no forte Julião da Barra, em 1817.. Suprema humilhação para um grande militar e patriota, um "mártir da Pátria"!... Por enforcamento!...
"O sabor a sangue quente e o cheiro acre da pólvora" talvez ajudem a explicar por que na sua quarta vida (1825-1891), ele tenha querido abraçar a carreira das armas e, na revolta da Patuleia (1846-1847), tenha acabado por comandar um dos bandos da guerrilha miguelista, sob as ordens do general escocês MacDonell... Tão mercenário como ele, afinal. E foi nessa reencarnação que ele mais sujou as mãos "com o sangue de gente tão portuguesa, tão patriótica e tão boa, afinal, ou até melhor do que ele"...
Não gostava de falar desse tempo... Foi talvez o dinheiro e a "vã glória de mandar" que o terão motivado a seguir a causa dos "legitimistas". Ignorante sobre os acontecimentos passados (a guerra civil de 1828-1834, na verdade uma "guerra duplamente fratricida"), acreditava que desta vez fosse o dele o partido dos vencedores.
Nunca chegara a conhecer pessoalmente o Senhor Rei Dom Miguel, exilado em Viena depois do Tratado de Évora Monte, em 1834, ainda ele era uma criança de nove anos. Mas no Minho, onde vivia, falava-se muito de vários sósias que, explorando a boa-fé do povo, se faziam passar pelo rei, "regressado para resgatar o trono à usurpadora da sobrinha e dos Cabrais"...
Vivia na casa de um abade, com grosso cabedal e farto passal, a quem tratava por sobrinho (as más línguas diziam que era filho). A revolução liberal e sobretudo o triunfo dos "mata-frades" (!) vieram impossibilitar o desejo do tio de ver o Joel de Castro abraçar a carreira eclesiástica.
Aos vinte e um anos, sem rumo certo na vida, acabou por "andar à traulitada" na revolta da Maria da Fonte, que começou ali mesmo, no concelho vizinho de Póvoa de Lanhoso. Era um bom jogador de pau, bem apessoado, e tinha as costas quentes... Com "gosto por mulheres, jogo e vinho", como o descreveu o seu amigo Camilo, numa das suas novelas... Não admira por isso que passado uns escassos meses se tenha envolvido, por vontade do tio (mas também por paixão sua), na revolta da Patuleia.
O abade, "corcunda" dos quatro costados (e com um ódio visceral aos "malhados") confiou o seu querido sobrinho ao general miguelista, que por sua vez lhe entregou o comando de um dos seus bandos de guerrilha.
Sem o saber esteve ao lado do Zé do Telhado, algumas vezes (e contra, noutras). Os setembristas ou "patuleias", da Junta Revolucionária do Porto, reuniam-se sob o estandarte do visconde Sá da Bandeira, na luta contra os cartistas , do partido dos Cabrais. Os "patuleias" fizeram alianças "contra natura" com os miguelistas ou "legitimistas", em Valpaços e outros combates. Mas na retirada para o Porto, através do rio Douro, combateram-se, uns e outros, ferozmente, impiedosamente, em Porto Antigo, já em terras de Cinfães...
Aqui o Joel de Castro adotou o nome de William Smith, Son. Foi ferido, em combate. E aprendeu à sua custa a amarga verdade: que numa guerra civil, não há valores, princípios, bandeiras, família, amigos, camaradas... Nem honra nem glória. Muito menos compaixão. A traição, a lisonja, o oportunismo e o " salve-se quem puder" são moeda corrente...
Soube mais tarde do destino cruel que foi reservado ao Zé do Telhado, preso na Cadeia da Relação do Porto e desterrado para Angola. Ouvira falar dele, muitas vezes, e dos seus feitos em combate (e depois como chefe de salteadores). Mas nunca o chegaria a conhecer pessoalmente, aliás com muita pena sua...
Felizmente Joel de Castro soube arrepiar caminho a tempo e levar uma vida honesta até ao fim dos seus dias. Morreu sem honra nem glória. Um ano depois do Ultimato Inglês.
Do Rafael Meneses, de origem goesa (1891-1945), também não há muito que contar. Católico, monárquico, alegadamente descendente de vice-.reis da Índia, apoiou a Ditadura Militar e depois o Estado Novo. Fez carreira na administração colonial em Moçambique. Morreu de tuberculose, em Lisboa, no final da licença graciosa a que tinha direito. Já de nada lhe valeria a recente descoberta da penicilina,
Mais de cento e tal anos depois do Ultimato Inglês, não aceitaram, em 1965, o Xavier Oliveira como "objetor de consciência". Na cerimónia de juramento de bandeira, na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, recusou-se a levantar o braço e a abrir a boca, em plena formatura. Ficou "petrificado" a ouvir os outros soldados-cadetes a "jurar defender a Pátria até à última gota do seu sangue".
O seu comportamento, insólito, desalinhado, de lesa-pátria, gerou logo algum sururu entre a assistência mais próxima, constituída por familiares dos recrutas e demais povo anónimo. Alguns, mais exaltados, acabaram por chamar a atenção do oficial de dia que foi logo a correr para sanar o incidente. Com firmeza e descrição, deu-lhe ordem de prisão, levando-o rapidamente para fora da formatura.
Foi tratado, de maneira humilhante, como "testemunha de Jeová". Passou pelo presídio militar para cumprir a pena de prisão a que fora condenado pelo Tribunal Militar, até ser amnistiado aquando da visita do papa Paulo VI a Fátima, em 13 de maio de 1967.
Riram-se dele, os juízes militares, quando lhes disse que era metempsicosista, não tendo nada a ver com as testemunhas de Jeová.
– Metempsi... quê ?
– ...psicosista, metempsicosista, aquele que acredita na transmigração das almas – esclareceu o Xavier.
Não tiveram, suas excelências, a mínima curiosidade em saber algo mais sobre a a crença do Xavier... Havia mais sentenças a lavrar nesse dia, pelo que, sem mais delongas, passaram ao caso seguinte, a de um tipo, desertor, que fora apanhado na fronteira de Vilar Formoso quando tentava fugir, "a salto", para fora do país...
Xavier Oliveira foi amnistiado parcialmente dos seus crimes militares, mas não se livrou da tropa. Acabou por aceitar repetir o juramento de bandeira e ir para o ultramar, não como alferes miliciano, mas como simples soldado básico. Nãoi era o primeiro nem seria o último.
Na Guiné, um capelão mais "porreiro", acabou por aproveitá-lo como "sacristão", mesmo sabendo que ele, embora batizado, não era católico praticante. Calou-se. Aceitou a canga que lhe puseram em cima, como de outras vezes. Só queria que chegasse o fim daquele pesadelo, por volta de meados de 1969 (pelas suas contas).
De resto, ninguém mais o queria para nada, nem para descascar batatas ou ir à lenha. "Até parecia que tinha lepra". Toda a gente o rejeitava logo que ele abria a boca para dizer que estava na sexta reencarnação e tinha nascido em 1690. Alguns persignavam-se, julgando estar em frente de um fantasma. Outros chegaram a querer mandá-lo para a psiquiatria. "O gajo é doido varrido!"...
Àparte alguns ataques e flagelações a que esteve sujeito o seu aquartelamento no sul da Guiné, nunca pegou na G3 que lhe estava distribuída. Fazia gala em dizer que não sabia usá-la nem muito menos desmontá-la e montá-la. Devolveu-a ao quarteleiro.
Quando o inimigo atacava, ele atirava-se para as valas e esperava que a tempestade (em geral, breve) passasse. Infelizmente houve quem tombasse a seu lado. E, enquanto não chegava o cangalheiro de Bissau para soldar o caixão de chumbo, era preciso limpar, preparar e vestir condignamente o cadáver.
Foi-lhe atribuída mais essa tarefa. A princípio custou-lhe muito. Chegou a vomitar ao ver tripas de fora e membros decepados. Mas depois tornou-se banal o que antes era macabro. E até chamava "presuntos" aos cadáveres dos seus pobres camaradas.
Não havia eletricidade, muito menos câmaras frigoríficas. A casa mortuária era a acanhada capela do quartel. Os corpos entravam rapidamente em putrefacção. E o cheiro, nauseabundo, tornava o ar irrespirável. Quando o médico do batalhão estava na sede do batalhão, usava uma mistura de formol e fenol para preservar os cadáveres. O sacana do capelão furtava-se a esta tarefa que não cabia no seu múnus espiritual. Limitava-se a dizer as suas rezas, aspergir o corpo com água benta e fugir o mais rápido possível da capela.
No fim, o Xavier até acabou, com justiça , por ter um louvor, dado pelo seu comandante de batalhão, um bom homem.
A sua sétima e última reencarnação tornou-se, entretanto, um incógnita angustiante. Mas foi uma cigana, quem lhe leu a sina, pegando-lhe na mão direita.
Tinha ele vinte anos, em 2044. E por ela soube alguns dos eventos mais dramáticos do seu hipotético futuro:
(i) não chegaria ao séc. XXII (o que o deixou mais aliviado);
(ii) a linha da vida não era muito legível no que respeitava a futuras complicações de saúde;
(iii) tinha uma linha do coração curta, com tendências monogâmicas, mas iria ter um grande amor (o que o deixou intrigado);
(iv) a linha da cabeça era bem definida, mostrando determinação e lucidez (o que ele interpretou como um bom augúrio);
e por fim, (v) a linha do destino também não era bem percetível...
Desistiu de saber mais, quando a cigana pronunciou o topónimo "Cansalá"...Soou uma campainha na sua cabeça... Tinha lido em tempos um conto sobre o fim do império do Gabu e o suicídio coletivo dos seus defensores mandingas ante o cerco, em 1867, do poderoso exército de Alfa Molo Balde, fula do Futa Djalon. Cansalá era, de certo modo, a "pass-word", para uma terrível premonição sobre o futuro da humanidade, que, tal como ele, trazia ao peito, uma "bomba-relógio" em contagem decrescente...
O seu atávico, secular, pessimismo veio ao de cima... Teve uma terrível crise existencial... E de fé. Pôs tudo em causa, os seus trezentos e muitos anos de vidas, afinal, todas elas absurdas...
E numa bela noite de verão, de 2044, foi até ao alto da praia de Paimogo (onde ele desembarcara, de um vaso de guerra, com um pequeno grupo de ingleses, em agosto de 1807), perscrutou o vasto mar do Cerco, disse adeus às Berlengas, saudou o farol do cabo Carvoeiro e as traineiras que andavam à pesca da sardinha, grafitou com "spray" a palavra "Cansalá" nas paredes do forte setecentista de Paimogo, ligou os faróis do automóvel, pôs um cêdê com a nona sinfonia de Beethoven, reclinou-se no assento do condutor, fez uma incisão , com um xis-ato, na pele da zona peitoral, arrancou o "pace-maker", e deixou-se entrar por aquela noite negra e eterna, que nunca mais teria madrugada...
Foi a sua singela despedida da Terra da Alegria, como diria o poeta Ruy Belo se fosse vivo, e se ainda passasse o verão, como era seu costume, ali na praia, ao lado, da Consolação...
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