terça-feira, 29 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26090: Timor Leste: Passado e presente (27): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Anexo VI: um herói esqucido e injustilado, o tenente António PIres

O actor Marco Delgado no papel de Tenente Pires, na série "Abandonados" (realização de FranciscomManso, produção RTP, 2022). Imagem: cortesia de RTP e
 


1. No livro de José dos Santos Carvalho, que temos vindo a seguir (*), reproduzindo excertos e notas de leitura, há uma adenda, no final (pp. 195/204), que merece também destaque: nela o autor reproduz  informações complementares de dois sobreviventes, tal como ele, da tragédia que foi a ocupação japonesa de Timor  (fevereiro de 1942 / setembro de 1945). 

A adenda foi escrita em dezembro de 1970, quando o livro já estava no prelo. Por um feliz acaso encontrou em Lisboa Joaquim Luís Carrapito, antigo deportado, padeiro   (em Díli e depois em Baucau). Este, por sua vez, apresentou-lhe um segundo sobrevivente, César de Castro, também ele antigo deportado, serralheiro, a viver na Cova da Piedade, Almada. 

Na adenda tomamos conhecimentos de factos novos, ocorridos durante a ocupação nipónica. Mas, mais importante do que a revelação das circunstâncias e pormenores de mais uma série de crimes bárbaros, importa sublinhar o papel do tenente Manuel António Pires, um verdadeiro herói que arriscou a sua vida  para salvar compatriotas seus (e em especial mulheres e crianças, talvez cerca de uma centena, repatriados para a Austrália) e que foi um grande patriota (acabaria por morrer em 1944 na prisão,  às mãos dos japoneses).  
 
2. Sobre esse doloroso período (fevereiro de 1942 / setembro de 1945) (em que morreram 90 portugueses e c. 40 mil timorenses), o médico José dos Santos Carvalho publicou, 30 anos depois, um livro de memórias, "Vida e morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (imagem da capa, a seguir) . 



Capa do livro de José dos Santos
Carvalho:"Vida e Morte em
Timor Durante a Segunda
Guerra Mundial",
Lisboa: Livraria Portugal,
1972, 208 pp. , il


 
 O livro (disponível em formato digital na Internet Archive) e o autor merecem ser aqui lembrados. Recorde-se que a obra foi digitalizada e carregada, em 2010, no Archive.org, por um sobrinho do autor ("Fernando in Lisbon"). Na dedicatória lê-se: "Ao Fernando, com um abraço, muito amigo, do tio, José. Lisboa, 2/v/72" (**)
 
Recorde-se, entretanto, que dos 28 louvores atribuídos formalmente, pelo Governador aquando da cessação das suas funções, com datas de 10 de outubro e 21 de novembro de 1945, apenas se contempla um profissional de saúde (o médico de 2ª classe José dos Santos Carvalho). Os restantes são militares (oficiais, sargentos e praças) (n=10), pessoal da administração (chefes de posto e outros) (n=10), deportados (=6), além de 1 missionário e o diretor da Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho...

Há um silêncio incómodo em relação à figura do tenente Manuel de Jesus Pires, administrador de Bacau.

Mais tarde, já em junho de 1947, no relatório que fez para o Governo sobre os "acontecimentos de Timor", o antigo Governador (alvo de suspeições de "colaboracionismo", de que acabou por ser ilibado)  alargou a lista dos portugueses e inclui uma mão cheia de timorenses, vivos e mortos, merecedores do reconhecimento da Pátria portuguesa: são mais de 60 os liurais, chefes de suco, "moradores" (milícias), e outros "indígenas" expressamente citados. 

Mais uma vez o tenente Manuel de Jesus Pires aparece como "persona non grata" aos olhos do regime de então, sendo completamente esquecido (para não dizer banido).  O Governador que esteve a desgraça de estar em Timor neste período trágico da sua (e nossa) história, não lhe terá perdoado a sua colaboração com os Aliados (australianos e americanos), desrespeitando assim a orientação superior (de Salazar) que era de manter, a todo o custo, a estrita neutralidade...face aos invasores estrangeiros do território (os australianos e depois os japoneses).

Mas este português (tal como outros que optaram por resistir aos japoneses, como o deportado político, o dr. Carlos Cal-Brandão) merece, oportunamente, um poste sobre a sua história. (Sobre ele, de resto, já aqui falámos no blogue em vários postes desta série e dissemos que, se ele fosse vivo, em 1945, no regresso a Portugal, seria seguramente preso e condenado por deserção e traição.)

 Recorde-se apenas, "en passant", que a sua história inspirou uma recente série televisisa, cujo guião teve por base o livro Timor na II Guerra Mundial: o diário do Tenente Pires (editado pelo ISCTE,  da autoria do historiador António Monteiro Cardosoentretanto falecido em 2016).


(...) "Portugal tem um novo herói. Chama-se Manuel de Jesus Pires, mas podemos tratá-lo como Tenente Pires. Foi ele o administrador da Vila de Baucau durante a invasão de Timor pelos japoneses, em 1942, e liderou a resistência ao invasor, tendo salvado quase uma centena de vidas numa altura em que o regime do Estado Novo abandonou portugueses à sua sorte. A sua história é agora uma série de ficção da RTP com o título 'Abandonados' " (....)
 

Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.)


Anexo VI:  Adenda: o papel do tenente Pires (pp. 195-204) (Excertos)

 


(...) Estando já no prelo o presente livro, um acaso providencial fez-me deparar numa das ruas de Lisboa com o sr. Joaquim Luís Carraquico que eu conhecera em Díli exercendo a profissão de industrial de padaria.

A sua amabilidade permitiu-me obter o esclarecimento de circunstâncias de acontecimentos de que eu tinha imperfeita noção e a notícia de outras que eu desconhecia e que é forçoso transmitir ao leitor para sua mais completa elucidação.

No dia 14 de novembro de 1942 encontrava-se o sr. Carraquico em Baucau onde residia após a evacuação de Díli ordenada pelo Governador.

Constando-lhe o assassinato de europeus em Manatuto por uma coluna [negra], que se dirigia a Baucau, afastou-se desta vila e seguiu para o interior na direcção de Quelicai.

Reuniram-se os foragidos de Baucau, e outras terras, cerca de 300 europeus e timorenses, nas faldas do monte Mate-Bían, no suco de Lai-Súru-Lau, sendo naturalmente guiados pelo tenente Pires e dedicadamente auxiliados por timorenses que lhes traziam alimentos e permanentemente os informavam dos movimentos dos japoneses.

Assim, chegou ao seu conhecimento que, após o assassinato do administrador de Manatuto [dr. João Mendes de Almeida, em 13 de novembro de 1942],e do secretário [Augusto Pereira] Padinha, haviam os japoneses passado em Vemasse, a caminho de Baucau, e, aquando ou depois da sua passagem, se tinha dado o assassinato do deportado sr. António Dias que vivia numa casa que possuía à beira da estrada de Manatuto a Baucau, num suco de Vemasse.

No dia seguinte ao da chegada dos japoneses a Baucau, uma coluna atingira Lautém onde então foram assassinados [em 17 de novembro de 1942] o administrador Manuel [Arroio E.] de Barros e a esposa [Maria das Dores de Barros], e dois deportados, os srs. António Teixeira e Mário Gonçalves [no dia seguinte].

O grupo de foragidos, de que faziam parte muitas mulheres e crianças, estava sob a permanente ameaça das colunas negras e, por isso, o tenente Pires contactando com um oficial australiano que se encontrava então por aqueles lados [1], conseguiu a sua evacuação para a Austrália num destroyer que veio ancorar na praia da Aliambata na noite de 18 de dezembro [de 1942].

Pressurosamente se apresentaram no local do embarque todos os foragidos, porém só foram autorizados a embarcar os constantes duma lista elaborada pelo tenente Pires, entre os quais todas as mulheres e crianças.

O sargento Martins, de metralhadora em punho, impediu, então a salvação de muitos dos homens, os quais teriam de ficar em Timor "para manter a soberania portuguesa naquela área e para auxiliarem as forças australianas que haveriam de vir a desembarcar na ilha".

Assim, o sr. Carraquico, o dr. [José Aníbal Torres] Correia Teles [médico] , o condutor de obras públicas, [Orlando] Vale do Rio Paiva, e vários outros, assistiram à partida das suas famílias e eles ficaram para ali, abandonados, fracionados em pequenos grupos para evitar as colunas negras que os perseguiam, mas amigável e caridosamente ajudados pelos timorenses da região.

Em breve os foragidos se sentiram cercados pelos japoneses que se instalaram em Ossú, Viqueque, Báguia e Quelicai, lançando colunas negras pelo interior.

Impôs-se-lhes, assim, a retirada para a zona litoral de Luca e Barique onde ainda não dominavam os nipónicos e havia locais propícios à ancoragem de embarcações que os viessem salvar, transportando-os para a Austrália.

Como a tropa japonesa patrulhasse incessantemente a estrada de Viqueque a Ossú, os foragidos só conseguiram atravessá-la divididos em pequenos grupos, altas horas da noite e guiados por dedicados amigos timorenses.

O grupo a que pertencia o sr. Carraquico foi acampar em Nátar-Bora, na região de Luca, e outros grupos ficaram por ali perto. Dois missionários [Padre António Manuel Serra e padre Júlio Augusto Ferreira], o secretário 
[de circunscrição José Luís] Howell de Mendonça e o chefe de posto Eugénio de Oliveira, juntaram-se ao deportado sr. Américo de Sousa [surrador, de profissão] e foram acolher-se à protecção de um chefe de um suco [2] ao qual pertencia a companheira do sr. Sousa e que também vinha com eles.

Em Nátar-Bora, o dr. Correia Teles que estava muito doente e extremamente debilitado, afastou-se momentaneamente dos seus companheiros e suicidou-se descalçando a bota alta e premindo o gatilho da caçadeira que trazia, com o dedo grande do pé, depois de ter apoiado os canos da espingarda contra o maxilar inferior.

Em janeiro de 1943 receberam os foragidos uma comunicação do dr. Cal Brandão (que se encontrava com militares australianos para os lados de Fátu-Berliu) , de que no dia 9 viria um navio à praia de Kirás, junto à foz da ribeira Sáhe, ao sul da povoação da Soibada, para evacuar para a Austrália os australianos e, também, os portugueses que por ali andavam.

Assim, na tarde do dia aprazado encontraram-se em Kirás algumas dezenas de portugueses com o dr. Cal Brandão e a tropa australiana comandada pelo major [Bernard] Callinan. Pelo dr. Cal Brandão foi então referido que o comandante australiano havia proibido o embarque ao aspirante [administrativo José] Armelim Mendonça, assim, como a toda a sua família, não lhes permitindo, sequer, a deslocação a Kirás! [3]

Por grande infelicidade, as duas primeiras baleeiras que chegaram à praia e eram as destinadas ao transporte dos portugueses, voltaram-se devido ao mar bravo, pelo que somente puderam embarcar muito poucos, juntamente com os militares australianos.

Lembra-se o sr. Carraquico de terem conseguido embarcar:

  • a esposa e filhas do tenente reformado Sequeira;
  • os cabos Rente chefe do posto do Remexio] e Robalo;
  • os enfermeiros Alfredo Borges e Marcelo Nunes;
  • o aspirante administrativo Artur Oliveira;
  • e os deportados Arsénio José Filipe, José Maria e Rodrigo Rodrigues.

Ficou em Timor uma secção australiana (16 militares), que, segundo o dr. Cal Brandão, se foi esconder nas montanhas de Fátu-Berliu com a incumbência de observar o movimento das tropas inimigas e dar informação pela TSF para a Austrália.

A situação dos portugueses foragidos era agora mais que nunca desesperada, pois as colunas negras continuamente os perseguiam. Forçados a esconder-se nos matagais pantanosos da planície de Barique onde os mosquitos que transmitem o paludismo constituem legião mortífera, estavam condenados a privarem-se de alimentos provenientes de plantas cultivadas pois esta zona é completamente despovoada devido aos timorenses evitarem nela residir por ser doentia.

Seguiram-se tempos dos mais desgraçados e miseráveis para aqueles infelizes que, minados pela fome e doença e sugados pelos mosquitos erravam pela floresta do litoral de Barique, colhendo frutos e raízes silvestres e apanhando a furto uma espiga em horta de há muito abandonada e, sempre, sob o terror das colunas negras que tanto os incomodavam.

Fracionados em pequenos grupos para mais facilmente poderem subsistir viam, pouco a pouco, cair em mortos de inanição ou de doença ou apanhados pelas colunas negras vários companheiros.

O enfermeiro Alcino Madeira, um seu irmão e o cunhado, tenente reformado Sequeira, resolveram afastar-se da costa sul e procurar abrigo entre timorenses seus amigos na terra da família Madeira, a Ermera. Puseram-se a caminho, mas todos cairam assassinados, não se sabendo, porém, onde nem como.

Também o cabo Acácio de Oliveira, o deportado sr. Severino Faria Coelho, o deportado sr. Manuel Simões Miranda e um enteado deste último, garoto de cerca de oito anos, se afastaram do grupo em que andavam para procurarem comida. Apanhados por uma coluna negra, todos foram assassinados com exceção do sr. Miranda que conseguiu escapar-se na ocasião mas que sucumbiu, depois, à fome.

O enfermeiro Fernando [José Maria] Senanes, ferido numa perna por uma bala disparada por uma coluna negra atacante, foi apanhado e assassinado à catana, sendo-lhe decepadas as mãos para se exporem como troféu no alto de uma azagaia! [na região de Luca, antes de 28 de fevereiro de 1943].

O velho sr. Delfim, que era nos tempos de paz o encarregado das oficinas dos Serviços de Obras Públicas em Díli, já não podia andar e, por isso ficara numa povoação timorense, ao cuidado de um chefe de suco, onde durante algum tempo foi muito bem tratado. Morreu intoxicado, porém, por lhe terem dado numa refeição mandioca brava, talvez no intuito de se apoderarem das patacas mexicanas que ele guardava numa faixa que lhe envolvia o abdómen e cujo volume se distinguia perfeitamente sob a camisa.

Em meados de fevereiro veio um submarino americano à praia da «alfândega» de Barique
 [4]  para evacuar para a Austrália todos os militares dessa nacionalidade e os timorenses de Ossuroa que os tinham auxiliado.

Neste mesmo navio embarcou também o tenente Pires; que só o fez depois de muito lho pedirem os seus companheiros e com o fim de instar na Austrália por socorro urgente aos portugueses.

Conta o dr. Cal Brandão que os australianos deixaram aos portugueses de Timor dois aparelhos transmissores e recetores de TSF e uma cifra para que pudessem continuar a comunicar com a estação de Port Darwin ficando a cargo do sargento-telegrafista da Armada, Luís de Sousa, adido à Missão Geográfica, no tempo de paz.

No grupo a que pertencia o sr. Carraquico andavam o cabo reformado Alexandre [B. Gomes] (por alcunha o «cabo Macau») e o enfermeiro Manuel Turquel dos Santos, os quais sofriam de enormes úlceras, nas pernas, instaladas em ferimentos devidos aos espinhos do mato que lhes rasgaram a carne durante as precipitadas correrias.

Num dado dia, foi o grupo atacado por uma coluna negra chefiada por japoneses e todos se puseram em fuga, sendo forçados a atravessarem uma ribeira de águas quase paradas mas funda. 

Passado o perigo e reunido de novo o grupo deram pela falta daqueles dois companheiros. Timorenses amigos lhes vieram depois comunicar terem encontrado os dois cadáveres boiando na ribeira. Deduziram que o afogamento teria sido motivado pela debilidade dos membros inferiores que não permitiu o aguentarem-se de pé nem a nado.

Deste mesmo grupo fazia também parte o soldado Mendes [ou António Mendes, cabo de infantaria ?] que andava transtornado mentalmente, parece que por ter explodido uma bomba muito perto de si. Veio a morrer, de fome e paludismo, pouco depois.

O sr. [Orlando] Vale do Rio Paiva, condutor de obras públicas, foi atingido por uma intoxicação geral que se manifestava por bolhas que se rompiam e ulceravam e em breve faleceu. 

O sr. Soares que no tempo de paz estava empregado na plantação do sr. Sebastião da Costa, no posto da Hera, fazia parte de um grupo de foragidos que foi atacado por uma coluna negra. Enervado, em vez de fugir, enfrentou a turba, de pistola em punho. Lançaram, então, contra ele uma granada de mão que o vitimou.

O Pe. Francisco Madeira andava num grupo de que fazia parte, além de outros, o deportado sr. Jacinto Estreia, e recebeu de um amigo timorense o presente de um cacho de bananas num momento em que se encontrava com desesperada fome. A abundante e não habitual refeição provocou-lhe, porém, uma indigestão que o vitimou.

Lembra-se, ainda, o sr. Carraquico de três portugueses europeus que morreram à fome, «só com pele e osso», na costa sul. Foram eles, o sr. Venceslau Pereira (escrivão do tribunal de Díli) , o deportado sr. Mário Vitorino Enguiça e outro deportado conhecido pelo apelido de «Silvinha» , o qual nos seus últimos tempos ficou cego devido às privações.

Em princípios de julho 
[de 1943] o tenente Pires voltou da Austrália num submarino americano dando a notícia de que em breve viria um navio evacuar os portugueses foragidos. Pela TSF combinaram estes com os autralianos que o local do embarque fosse a já referida «alfândega» de Barique [4] e o dia escolhido, o de 3 de agosto.

Com efeito, pelas 5 horas da tarde desse dia, ancoraram duas «vedetas» australianas onde embarcaram as seguintes pessoas de que o sr. Carraquico se recorda:

(i) Deportados: 

  • dr. Carlos Cal Brandão, 
  • Joaquim Carraquico, 
  • Jacinto Estrela,
  • Domingos Paiva,
  •  Paulo Soares, 
  • Hilário Gonçalves, 
  • Álvaro Damas, 
  • Francisco Horta, 
  • José Luís de Abreu, 
  • Bernardino Dias, 
  • Hermenegildo Granadeiro, 
  • António Pereira (e esposa), 
  • Pedro de Jesus (e família), 
  • Francisco Albuquerque (e esposa)

(ii) Sargentos: 

  • Lourenço Martins, 
  •  José Arranhado, 
  •  Luís de Sousa

(iii) Cabos: 

  • José Pires (chefe do posto de Lacluta) e família, 
  • Ilídio dos Santos
  •  José Rebelo

(iv) Outros: 

  • Eduardo Gamboa (Chefe de posto), 
  • António Sebastião da Costa, 
  • Henrique Pereira, 
  • Fernando Pereira, 
  • Joaquim Campos (Funcionário das Obras Públicas), 
  • Abel Cidrais (Funcionário das Obras Públicas),
  • 0 Sr. Sousa (natural da Índia Portuguesa),
  • duas filhas do falecido sr. Manuel Simões Miranda,
  • dois chineses,
  • vários timorenses dos dois sexos

Em Timor ficou um grupo de voluntários, em missão, de observação, de que faziam parte os seguintes portugueses: 

  • Tenente Pires, 
  • Chefe de posto Matos e Silva, 
  • Chefe de posto  José  [Plínio dos Santos] Tinoco   [morto na cadeia de Díli, em 8 de abril de 1944] 
  • Enfermeiro Serafim  [JOaquim] Pinto  [morto na cadeia de Díli, antes  de 29 de abril de 1944] 
  • Radiotelegrafista Patrício Luz ,
  • Soldado  [ou cabo de infantaria ?]  João Vieira. 

Julga-se que todos eles morreram na prisão japonesa   [em 1944]  com exceção do sr. Patrício Luz que se escondeu entre timorenses amigos da sua família. 

Dos portugueses que conseguiram passar para a Austrália, aí faleceram os seguintes: 

  • Coronel Jorge Castilho  [5],
  • Sargento Gastão Ornelas de Vasconcelos,
  • Joaquim Campos,
  • António Sebastião da Costa,
  • Sr. Cachaço (empregado do sr. Sebastião da Costa),
  • Sr. Santos (olheiro das Obras Públicas),
  • Um menino timorense.

Teve o sr. Carraquico conhecimento de alguns pormenores de assassinatos de portugueses, os quais amavelmente me referiu. Pelo cabo Rente, que era o chefe do posto do Remexio, soube dos assassinatos dos deportados srs. Ramos Graça e Fernando Martins.

O cadáver do primeiro foi encontrado retalhado à catana japonesa de tal modo que estava irreconhecível. Os japoneses haviam-no abandonado numa ravina não longe da casa em que o sr. Ramos Graça habitava.

Quanto ao sr. Fernando Martins (que era coxo por ter um joelho anquilosado e com a perna fletida) , havia-se juntado a uma guerrilha australiana que actuava na área do Remexio. Passando o grupo por um acampamento japonês instalado num local situado entre o Remexio e Díli, notaram que as sentinelas estavam a dormir, o que aproveitaram para se aproximarem e lançarem uma granada de mão para o meio do acampamento.

Então, os japoneses perseguiram-nos e alcançaram o sr. Martins ao qual prenderam com uma corda pelo pescoço a um cavalo e assim o arrastaram até Díli e o abandonaram na praia, onde o sargento Vicente, chefe da polícia, somente pôde reconhecer o cadáver pelo aleijão do joelho.

Soube também o sr. Carraquico como foi assassinado o alferes reformado Alípio Ferreira que vivia em Cribas com a sua esposa timorense, um filho adulto e uma filha muito gentil e elegante. Quando por sua casa passou a coluna do tenente Ramalho que havia combatido os rebeldes de Maubisse, o alferes Ferreira, profundo amigo dos timorenses, pediu ao comandante que lhe deixasse ficar à sua protecção um rapazinho timorense que ele tinha recolhido por já não ter pai nem mãe.

Após o assassinato de europeus em Manatuto, o alferes Ferreira refugiou-se numa palhota bem escondida no mato, protegido pelo sigilo dos seus amigos timorenses. Porém, era necessário sair dela e ir a uma certa distância para trazer a água essencial para a vida da família e disso era encarregado o garotito de Maubisse.

Ora, num dado dia, deu-se a fatal coincidência de este ter encontrado no seu caminho uma coluna negra em que vinham timorenses da sua terra, que logo o reconheceram. Inocentemente, indicou-lhes o abrigo do seu protetor que logo foi assassinado juntamente com o filho [Alberto Ferreira], escapando incólumes a esposa e a filha.

Sobre os assassinatos de portugueses na circunscrição de Lautém após a chegada de japoneses, referiu-me o sr. Carraquico ter-Ihe constado, dias depois, que em Lautém haviam sido mortos o administrador Manuel [Arroio E. ]de Barros e a esposa [Maria das Dores de Barros] e os deportados Mário Gonçalves e António Teixeira e, em Iliómar, o chefe do posto, cabo [João ] Brás e o deportado Raul Dias Monteiro.

Acrescentou, então, que eu poderia ser devidamente esclarecido sobre esses bárbaros acontecimentos pelo sr. César de Castro [serralheiro ] que eu conhecera deportado em Timor e agora reside na Cova da Piedade. Com a melhor vontade se prontificou o sr. Castro a rememorar a tragédia de que foi figurante e da qual é o único europeu sobrevivente.

Aproveitando as qualidades do sr. César de Castro, hábil serralheiro, o Estado havia-o contratado 
[6 ] para exercer as funções de encarregado da fábrica de serração de madeira instalada em Loré (na área do posto de Iliómar e na costa sul) , junto à principal e mais rica floresta de Timor . Raras vezes ele se poderia deslocar a Lautém pois que, além do percurso a cavalo demorar cerca de dois dias, ele era o único responsável por todos os serviços da fábrica, competindo-lhe a direcção, administração, contabilidade, etc.

Porém, em novembro de 1942, apresentou-se em Loré o deportado sr. José Filipe, recomendado pelo administrador Barros para trabalhar junto do sr. Castro, o que permitiu a este deixá-lo a vigiar os trabalhos na fábrica e seguir para Lautem para apresentar contas ao administrador, receber os salários, etc, e tratar de assuntos da sua vida particular.

Chegado à vila na manhã do dia 15 foi instalar-se em casa do deportado Luís Maria Félix que exercia as funções de olheiro da circunscrição. Por este seu amigo foi então informado de que não havia comunicações telefónicas para oeste de Lautem, nada se sabendo pois do que se passava no resto de Timor [7].

Apresentou-se, em seguida, na secretaria da circunscrição tendo-o o administrador convidado para almoçar em sua casa, o que não pôde aceitar por estar comprometido a ir tomar a refeição com um comerciante chinês, juntamente com o sr. Luís Félix.

À tarde, quando os dois amigos conversavam na varanda da residência do sr. Félix, ouviram um tiro, sendo em breve informados por timorenses que passavam espavoridos que os japoneses haviam chegado e morto a tiro o sr. Mário Gonçalves [deportado] . Imediatamente a família do sr. Félix (companheira timorense e dois filhos) se pôs em fuga para os arredores e logo apareceram militares japoneses que se instalaram na casa, destinando um quarto para os dois europeus e dando-lhes ordem de não se afastarem do local.

Assim se passaram oito dias em que eles se mantiveram isolados, eles próprios cozinhando a sua comida. Passado este tempo, os japoneses avisaram-nos que seguiriam para Baucau no dia seguinte.

Assim, o sr. Félix conseguiu disso avisar a família que logo voltou do mato e com os europeus foi metida numa camioneta. Em Baucau embarcaram numa lancha de desembarque que os levou a Díli.

Seguiram depois para a zona de concentração de Liquiçá onde o sr. Félix veio a morrer de beribéri [em 10 de junho de 1945] e o sr. Castro se manteve até ao fim da guerra.

Segundo timorenses contaram à companheira do sr. Félix, o deportado Mário Gonçalves havia, por acaso, saído a cavalo para os arredores da vila quando a tropa japonesa que chegava o encontrou. Mandaram-no desmontar e meteram-no numa camioneta, levando-o para Lautém onde o encerraram na casa de um comerciante chinês. Tendo ele pedido licença para ir tomar banho à praia, esta foi-lhe concedida, o que não obstou ser abatido a tiro no trajeto!

Das circunstâncias em que se deram as mortes do administrador Barros e da esposa e do deportado António Teixeira [8] nada soube o sr. Castro, nem na ocasião nem depois.

Segundo na época dos acontecimentos constou ao sr. Carraquico, o administrador foi assassinado após a chegada dos japoneses à vila, seguindo-se-lhe na mesma sorte a sua esposa, mas por ela o ter insistentemente requerido aos algozes de seu marido, pois queria morrer com ele.

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos, título: LG)

___________


Notas do autor (complementadas pelo editor):

(1) Segundo o dr. Cal Brandão (Funo, Porto, 1946,  p. 115), tratava-se do capitão Brothers, inglês, chefe de um grupo da Inteligência Militar Australiana, que se havia instalado junto da habitação do liurai D. Paulo, de Ossuroa, na área do posto administrativo de Ossú.

(2) Segundo um louvor conferido pelo Governador, tratava-se do chefe do suco de Umuai de Baixo, área do posto de Viqueque, Miguel da Costa Soares. 
 ["Conservou  escondidos em sua casa, com grave risco de vida, os padres Serra e Ferreira, o secretário Mendonça e o aspirante  Eigénio de Oliveira durante dois meses, mostrabdo-se sempre leal e dedicado português. Tendo-lhe sido  confiado dinheiro (180  libras) pelo secretário Mendonça, no fim da guerra entregiu  integralmente a quantia que havia recebido"... Fonte:   antigo Governador Ferreira de Carvalho, "Relatório dos Acontecimentos de Timor", Lisboa,  junho de 1947] 

(3) O aspirante administrativo José Armelim Mendonça prestava serviço na sede da circunscrição de Manatuto. Deve ter-se refugiado com a sua família no interior dessa circunscrição, depois, segundo conta o dr. Cal Brandão, apresentou-se aos australianos na área de Fátu-Berliu, pedindo ajuda económica.

(4) O local era assim designado pelos timorenses por ai existirem uns barracões onde aguardavam transporte para Dili, os géneros que embarcações lá vinham carregar.

(5)  O coronel da aeronáutica Jorge de Castilho, descendente de António Feliciano de Castilho, foi o ilustre capitão encarregado da navegação aérea no hidroavião «Argus» comandado por Sarmento de Beires. Colaborador e íntimo amigo do almirante Gago Coutinho, era uma personagem de excepcional valor, brilhando sempre pela sua cultura e agudez do seu espírito.

(6) Em1927 chegaram a Timor 80 deportados, acusados de pertencerem a uma organização "bombista", a "Legião Vermelha", muitos deles operários e artesãos. O governador Teófilo Duarte (1928-1929) aproveitou, habilmente, as suas competências profissionais e deu-lhes emprego na ilha. Havia ainda um pequeno grupo de presos, oriundos de Macau. Estes deportados eram chamados "socais", para os distinguir dos "políticos", como dr.Carlos Cal-Brandão, envolvidos em ações contra a Ditadura Militar,em 1931. Ao todo deveriam ser quase uma centena, os deportados em Timor. (LG).

(7) A linha telefónica havia sido cortada pelos japoneses em Baucau, após a sua chegada à vila. Porém os de Lautém estavam longe de imaginar o que sucedera.

(8) O sr. António Teixeira, natural da Ilha da Madeira, exercia em Lautém atividades de pesca. Era geralmente conhecido pelo «António Ilhéu».



Mapa de Timor em 1940. In: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pág. 11. (Com a devida vénia). Assinalado a vermelho a posição relativa de Maubara e Liquiçá, a oeste de Díli, onde se situava a eufemisticamente chamada zona de proteção,  , imposta aos portugueses pelo exército nipónico (finais de 1942 - setembro de 1945)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

Guiné 61/74 - P26089: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (14): assim nasceram os Jagudis, nome de guerra do meu grupo de combate, na CCAÇ 3 (Barro, 1968/69)


O A. Marques Lopes e o seu guarda-costas









Os meus "Jagudis"

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edução e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Em maio de 1968, o alf mil  at inf A. Marques Lopes está de regresso à Guiné para completar o resto da sua comissão de serviço, depois de nove meses no HMP, em Lisboa (*).

Em junho de 1968 está em Barro, na região do Cacheu, na fronteira com o Senegal, comandando 3º Gr Com da CCAÇ 3.  À frente do COP 4 está o major Correia de Campos.  E da CCAÇ 3, o  cap art Carlos Alberto Marques de Abreu.

Na altura, e de visita a a Barro, o gen Spínola "deu indicação para se dividir a companhia em pelotões de acordo com as etnias (o tirar partido das rivalidades entre eles)"... 

Vamos ver como foi feita essa "partilha" étnica, conforme a "ordem" do Spínola (**).


2. Do livro de memórias do A. Marques Lopes, "Cabra Cega" (Lisboa, Chiado Editora, 2015), reproduzimos as pp.  496 e 500/503) (que também constam  parcialmente da sua página do Facebook, em postagem de 16 de abril de 2022).


Como nasceram os "Jagudis", o nome de guerra do meu grupo de combate, 
na CCAÇ 3 (Barro,1968/69)

por A. Marques Lopes (1944-2024)



 (...) Como eu era o alferes mais antigo, o comandante da companhia perguntou-me o que é que eu queria:

– Quero os balantas – disse eu.

E o meu grupo de combate foi quase todo de balantas (tinha um cabo fula, o Mamadu, e três furriéis brancos, além de mim). Ouviam a rádio do PAIGC mas demo-nos sempre bem. Porque eu sempre fiz por isso. Por exemplo: um dia, fui com um que estava doente através da mata até Bigene, porque em Barro não havia médico; emprestei dinheiro a todos, mas todos me pagaram quando me vim embora...

Foi sempre minha preocupação não matar população civil (o tal alferes Gonçalves terá alguma coisa a dizer sobre isto... lembro-me de uma situação). Mas era difícil, pois a visão e a filosofia da vida deles era diferente. Um dia, por exemplo, foi apanhado no meio de um tiroteio um velho cego.

 – Mata!  – foi a reacção.

 – Não  –  disse eu.

Mas foi complicado.

Numa das tais operações do COP 3, não sei já qual, um guerrilheiro do PAIGC levou uma rajada no baixo ventre e ficou com os tomates pendurados. Disse para fazerem uma maca para o levarem. Fizeram a maca, mas não o quiseram levar:

–  Alfero, deixa estar, vem jagudi [abutre] e come ele...

– Não!

Eu e um furriel pegámos na maca e começámos a atravessar uma bolanha com água pelo pescoço. A meio da bolanha, vieram dois e disseram:

– 
Alfero, a gente pega.

Chegámos à base de operações, onde estava o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira paraquedista, e, azar, o homem do PAIGC morreu.

Em frente destes, formei o grupo de combate e, porque estava furioso, chamei-lhes todos os nomes. O tenente-coronel Correia de Campos estava de boca aberta. É evidente que nós, os ocidentais, temos uma maneira de ver as coisas, a vida e a morte, de uma forma diferente. Assim como outras, por exemplo, a democracia e a política.

Numa outra situação, houve um deles que ficou com a garganta aberta por um estilhaço de RPG2. Sucedeu mais ou menos a mesma coisa. Mas, com visões diferentes da nossas, era gente muito fixe, amigos. Tenho saudades deles e pena de não me poder encontrar com eles. Vou mandando fotografias e vou contado mais alguma coisas. (...).  (**)

(...) Gostava mais dos balantas. Eram pão pão, queijo queijo. Se gostavam, gostavam, se não gostavam, mostravam logo que não gostavam. Os fulas, está bem,  estavam abertamente com a tropa, mas as suas falinhas mansas e de submissão deixavam-me muitas interrogaçóes sobre o que estaria no interior,

Desconfianças minhas,  talvez, mas era facto que gostava mais da natural frontalidade dos balantas. No grupo de combate anterior tinha uns e outros e ficara com essa sensação. (pág. 496).

(...) A seguir houve ordem para destroçar. Disse aos meus para ficarem.  Já tinha magicado umas coisas. Havia um ou outro mais maduro  mas a maioria era  muito jovem,  tinha que lhes incutir motivação.

– Eu quero que vocês sejam o melhor grupo de combate da companhia. Que todos vos admirem e respeitem.  Vou mandar fazer uma boina camuflada e um lenço preto para cada um. Será o nosso distintivo.

Deu resultado, já sabia. Ficaram contentes e cochiraram entre eles. (....)

Vi que estavam satisfeitos e avancei com outra,

– Além disso o nosso grupo de combate tem de ter um nome paar que todos npos conheçam bem, mesmo os turras no mato quando nós aparecermos. Quem dá uma ideia ?

Fiquei a olhá-los por um momento.

–  Jagudis! – disse um deles.

– Ficam com esse nome, é ? – perguntei alto.

Ficaram. Assim nasceram os "Djagudis". Tá bem, fossem abutres. A minha intenção era ganhar a confiança e a simpatia deles. Não propriamente para fazer a guerra, porque já não acreditava nela, mas sim porque tinha que estar ali e queria ter influência sobre aquela gente que desconhecia. Já me apercebera que, no fundo, eram soldados como aqueles que tivera antes, os da metrópole. Tinham sido recrutados como estes e estavam na companhia por isso. Procurei conhecê-los um a um.

O Watna, o Sumba, o Bidinté, o Abna, o N’dafá, o Kuluté, e outros, eram normais, sem nada de especial. Mas havia uns que se distinguiam. Por exemplo:

  • o Falcão, o que avançara com o nome para o grupo de combate e que era o apontador da metralhadora ligeira; apresentava um rosto sempre com ar de dureza e usava umas botas de borracha, chovesse ou fizesse sol; tinha voz seca mas não era conflituoso;
  • o André Gomes, a quem chamavam “o professor”,  porque estudara no Liceu Honório Barreto antes de ser recrutado, que era de etnia balanta mas cristão, sempre impecável com uma camisola branca limpinha por baixo do camuflado;
  • o Blétche Intéte, aquele a quem eu dera um murro por ter abandonado o posto, pequeno de altura mas entroncado, ficara seu amigo, talvez por isso; não lhe dissera que o preterira como guarda-costas mas ele andava sempre por perto com ar protector;
  • e o Otcha, fula no meio de balantas, distinto só por isso, porque, sempre sereno e com voz calma, ia ganhando a simpatia de todos.
Mas o caso deveras singular era o de dois irmãos, o Etudja e o Moba. O Moba, apontador do morteiro 60, era um matulão com cerca de um metro e oitenta e o Etudja não devia ter mais que um metro e sessenta e cinco. Além disso, este era mais novo, um rapazinho meigo e de boas falas enquanto o Moba era um brutamontes sempre sério e pouco atreito a amizades.

Achara tanta piada a esta situação que tentei tirar-lhes uma fotografia em conjunto mas o Moba não deixou. Disse que o Diancong, uma espécie de entidade dos animistas balantas, não permitia porque ele era Ngahy, uma categoria social deles, e o Etudja era Fuur, outra categoria social entre os 17 e os 20 anos., podia fazer com que ele não arranjasse mulher.

Não entendi bem, tal como me custara antes a entender muitas coisas e costumes daquela gente da Guiné. O Moba também não explicou, porque não tinha explicação, era só crença.

Encarreguei o André Gomes de dar aulas de português aos que quisessem, não obriguei ninguém. Nunca foram muitos os alunos porque aquilo era voluntário e a maior parte estava-se borrifando para o português.

O Blétche, se bem que já soubesse o que queria dizer “um murro no focinho”, foi um dos que quis ir, talvez por, tendo sido antes guarda-costas do Rodolfo, ter visto que era bom saber mais português.

Assisti algumas vezes às aulas e fora interessante ver “o professor” explicar palavras em português ao Otcha. Como o André era balanta e não sabia fula, a base da explicação tinha de ser em crioulo.

Com este contacto os três até se tornaram bons amigos. Mas esta amizade teve outra razão mais profunda. É que eu, informalmente mas na prática, tornei os três meus adjuntos. O Otcha por ser o meu guarda-costas, é claro, o André por ser ponderado e ter influência sobre os outros e o Blétche porque, desde o episódio do murro, se tornara um fiel admirador meu.

Mas houve também outro factor de peso nesta escolha. Na primeira noite que saíra com eles para uma emboscada num dos carreiros de infiltração, ficara admirado por vê-los todos a ir munidos de cantil. Não ia ser preciso assim tanta água, mas tava bem, não liguei.

Ao fim de uma hora depois de se instalarem fui dar uma vista de olhos pelos locais onde estavam distribuídos. Espanto. Grande parte deles estava a dormir e os que não dormiam estavam quase bêbedos. Vi logo que o que tinham levado nos cantis era aguardente de cana.

Só o Otcha não, estava ao pé de mim, além de que era fula e não bebia. O André também não, estava atento, só bebia às vezes e pouco, não era por hábito. O Blétche estava bem desperto. Sabia que bebia, mas ele mostrou-me que não tinha levado aguardente de cana. Mas os outros estavam todos mais ou menos apanhados pela cana. Dei um raspanete aos furriéis e ficou assente que, de futuro, ninguém saía à noite com o cantil.

E foi assim em todas as noites que saímos aos corredores para emboscadas (pp. 500/503)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos: LG)

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Notas do editor:




segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26088: Notas de leitura (1738): Quando se ensinava a literatura da Guiné-Bissau nas escolas portuguesas (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
Foi uma agradável surpresa ter encontrado esta iniciativa de apresentação aos alunos do 3.º ciclo, isto em 1997 e 1998, de uma apresentação de escritores africanos lusófonos, a escolha que recaiu para a Guiné-Bissau foi a de o primeiro romance de Abdulai Silá e uma novela de Fausto Duarte, que obteve em 1934 o primeiro prémio de literatura colonial, e os elogios do escritor Aquilino Ribeiro. Tudo leva a querer que a iniciativa não teve continuidade e, entretanto, desapareceu a comissão nacional dos Descobrimentos portugueses.

Um abraço do
Mário


Quando se ensinava a literatura da Guiné-Bissau nas escolas portuguesas

Mário Beja Santos

Nos anos 1990, o Ministério de Educação criara um grupo de trabalho para as comemorações dos Descobrimentos portugueses. A coordenação científica coubera a Aldónio Gomes e Fernanda Cavacas, os autores eram Ana Maria Matos e Maria Ofélia Medeiros. Foram concebidos materiais dentro de uma linha editorial que procurou garantir uma prática docente multidisciplinar, sobretudo no ensino básico, como continuidade de um encontro de culturas que a história marcou e de que as literaturas em língua portuguesa são repositórios férteis. Adquiri o material destinado ao 3.º ciclo sobre as novas literaturas africanas. Primeiro Angola, com outros escritores Pepetela e José Luandino Vieira; depois, Cabo Verde com os escritores Teixeira de Sousa e Germano de Almeida; segue-se a Guiné-Bissau com Abdulai Silá e Fausto Duarte; quanto a Moçambique, a escolha recai em Mia Couto e Calane da Silva; por último, São Tomé e Príncipe com Albertino Bragança.

Há primeiro um texto extraído da obra de Abdulai Silá, Eterna Paixão, uma obra literária de indesmentível valor, seguem-se alguns extratos de Dúvida absoluta:
“Subitamente, sem ter reduzido a velocidade, encetou uma série de movimentos com ambos os braços, torcendo o volante do carro sem piedade. Deixou a estrada principal e meteu-se na estrada secundária que nascia logo ali, sem se anunciar.
Dando prova de grande perícia e habilidade, conseguiu manter o veículo sob controle, conduzindo-o no centro da estrada estreita, recentemente alcatroada.
(…) Depois de ter fechado a porta do carro, começou a caminhar em passos lentos, em direção à vivenda. Era alto e aparentava andar na casa dos 35 anos. Vestia um fato castanho elegante, com uma gravata preta com riscas oblíquas de cores diferentes que ia amarrada a uma camisa toda branca.
Depois de ter carregado mais vezes o botão da campainha, o homem aproximou-se mais da porta da entrada, num gesto de quem espera que ela seja aberta de imediato.
– Ah, é o senhor! – exclamou, algo surpreendida, a mulher que, entretanto, acabara de abrir a porta e se prontificava a tomar do recém-chegado o maço de documentos que este trazia na mão. – Mas voltou hoje muito cedo, ehh!

Mbubi era uma senhora que, apesar do corpo e da idade que aparentava ter, era muito ágil e solícita.
Apesar da sua popularidade, ninguém conhecia ao certo quantos anos é que tinha. A sua idade era avaliada a partir da filha mais velha, uma menina mulata que se dizia ser fruto da incapacidade do primeiro patrão branco de resistir aos encantos da cozinheira negra, cuja compleição física considerava uma flagrante injustiça divina em relação à sua esposa branca.
Estava naquela casa fazia mais de três anos, desde que a mãe da Senhora, a quem servira durante muito tempo, resolvera ir de vez para a Europa.”


O escritor vai tornar Mbubi uma figura pivô da narrativa, pouco sabe deste seu patrão Daniel, há ali alguém ligado ao aparelho do Estado, escutara fortes discussões entre o casal, deduziu que algo de grave tinha acontecido. E o leitor é confrontado com Daniel que percorre a sua sala de visitas examinando as peças. “Recordava-se da avidez que tinha em descobrir e manifestar a sua africanidade, de explorar e valorizar tudo o que a seus olhos se apresentava como genuinamente africano.” Mbubi prepara para o patrão uma refeição, este só quer um chá, e anuncia que vai conversar sobre um assunto com a empregada. Toca o telefone, era a Senhora a anunciar que não iria chegar tão cedo. Somos confrontados com um clima de tensão, chega, entretanto, a mulher de Daniel, Ruth, de quem o autor faz um retrato, segue-se uma curta troca de palavras desta com Mbubi, esta volta aos seus trabalhos, mas houve uma nova discussão entre o casal:
“Vinda provavelmente de trás de si, Mbubi ouviu uma amálgama de vozes ásperas e recordou-se das discussões entre o casal. Discussões que eram cada vez mais frequentes, cada vez mais longas, cada vez mais violentas. Viu, então, a cara de Ruth, carregada de maldade. Aquela mesma maldade que despejara sobre si, negando o combinado, recusando deixá-la ir à sua tabanca de origem, onde esperava encontrar toda aquela gente que tão raramente via, de que tinha muita saudade e com quem precisava tanto confraternizar…
Com a cara de Ruth na memória, Mbubi sentiu subitamente a dúvida absoluta transformar-se em certeza. Uma certeza absoluta.”


Segue-se um comentário destinado ao professor. Uma condução frenética, desenha-se a primeira personagem, apresenta-se Mbubi, esta prepara-se para tratar do patrão branco; introduz-se Ruth, a mulher do patrão, que exerce prepotência sobre Mbubi. “Na sua mente a transposição da figura masculina, do patrão, pela imposição da figura feminina da patroa vai provocar em Mbubi uma certeza absoluta. A casa não voltará a ser a mesma. E adivinha-se que o pano que cai sobre o ecrã do cinema em linguagem fílmica de narrativa aberta.”

Auá, é um romance de Fausto Duarte que recebeu o primeiro prémio da literatura colonial em 1934, centra-se numa jovem que conhecerá a tragédia do amor numa sociedade em que o destino da mulher era um negócio dos pais. O episódio escolhido é uma ida à feira, lá vão duas mulheres levando cabaças na mão a caminho da cidade:
“Bissau era um novo espetáculo para os olhos dessa rapariga habituada ainda à paisagem uniforme do mato e à vida de Sare-Sincham. Contemplava admirada os grandes armazéns, escassamente iluminados, sempre no mesmo estilo de igrejas provisórias, onde trabalhavam dezenas de indígenas, limpando a mancarra, ensacando o coconote para carregar em potentes camiões. Automóveis fugiam velozes, e Auá, receosa de tanto bulício, agarrava-se a Farió, que lhe indicava a melhor forma de caminhar pela rua, que se tornara quase intransitável. Mais adiante, num retângulo murado, vinha um rumor confuso de vozes. Era o mercado, romaria de naturais vindos de todos os recantos. Mulheres mancanhas, de carapinha oleosa, expunham em grandes cabaças produtos de uma indústria doméstica ainda rudimentar.

Ali, acocoradas, Papéis chegadas de Boi, esguias, de lábios pendentes, vendiam grandes bolas de sabão negro e pequenas pirâmides de bananas dispostas sobre o pavimento sujo do mercado. Acolá, um cabo-verdiano, de mangas arregaçadas, retalhava uma perna de porco, enquanto a mulher apregoava torresmos. Djilabês mandingas esperavam, sossegadamente, os compradores de colas guardadas em grandes frascos.
“(…) Auá seguia, curiosamente, o movimento dos carros. Por elas passavam grupos de indígenas descalços, que vestiam pitorescas indumentárias. Bijagós com calções de serapilheira e tronco nu; Papéis de Biombo, com perfis de mulheres de grandes tranças cobertas por lenços de seda, e que seguiam rua fora de mãos dadas; mancanhas que vendiam leite, deixando ver os dentes pontiagudos e grandes seios enrugados.
Auá e Farió, feitas as compras, regressaram a Morcunda.”


Segue-se o comentário, a referência à riqueza vocabular, a viagem a um mercado graças a Auá, a multiplicidade de etnias e línguas e o contraste entre aquele bulício e o silêncio local por onde caminham: “As lojas de panos e os alfaiates maravilham os olhos e provocam o desejo de comprar o que está nas montras. Auá e Farió, voltam ao seu bairro, onde o silêncio, agora, deve ser mais sentido depois do bulício da cidade.” Enunciam-se estratégias a utilizar para o tratamento do texto e comentários e dá-se algum vocabulário para que o leitor saiba o que é uma cabaça, o que é o capim, o chabéu, o coconote, um doloquê (camisa), a mancarra, o poilão, a tintamarre (barulheira.

Uma recordação dos tempos em que estas novas literaturas africanas podiam ser versadas nos bancos das escolas portuguesas.


Abdulai Silá
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Nota do editor

Último post da série de 25 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26077: Notas de leitura (1737): Notícia de um conflito interétnico sangrento na ilha de Bissau, em 1931 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26087: O nosso livro de visitas (224): Gonçalo Silva, bisneto do Comandante Jerónimo, que comandou a Canhoeira Salvador, gostaria de obter ainda mais informações acerca do seu bisavô, que combateu na batalha de Negomano onde Teixeira Pinto perdeu a vida



A canhoeira "Pátria", em 1903, no Tejo (Fonte; Museu da Marinha). Cortesia de Wikipedia


1. Mensagem de Gonçalo Silva, bisneto do Comandante Jerónimo, que comandou a Canhoeira Salvador, com data de 9 de Outubro de 2024:

Caro Professor,

Sou bisneto do meu Bisavô Jerónimo e sei que foi comandante da canhoneira Salvador, e combateu no Rovumo onde o Capitão Teireira Pinto perdeu a vida.[1] [2]
Ainda comandou a Canhoneira Pátria, no Chinde e Macau.

Infelizmente a pouca documentação e a sua morte prematura, julga-se alzeimer ou efeitos da malaria.

Tenho recolhido com dificuldade alguma documentação, a sua espada e outras e uma fotografia da Canhoneira Salvador que julgo única!

Fica aqui o meu contacto muito gostariamos de juntar ainda mais informação, destes verdadeiros herois pois combateram Paul Emile Lettow, um dos mais astutos militares alemães.[3]

O meu bisavô só teve um filho Manuel Bivar (Eng. António Manuel Vahia Neves Weinholtz de Bivar) primeiro engenheiro electrotécnico do IST, fundador da Rádio e TV em Portugal.
Anedota curiosa: em Março de 1937 esteve em Berlim com a minha Avó para discutir as ondas rádio União Europeia de Radiodifusão, a minha Avó muito alta e dura (ao contrário do avô engenhocas mais baixo), ficou no jantar ao lado do Goring (filho do governador alemão africano) contava que disse que os portugueses e o sogro combateram as tropas alemãs do Lettow até ao final da guerra.

Cumprimentos,
Gonçalo Silva
gcorneliodasilva@hotmail.com

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Notas do editor

[1] - Vd. Wikipédia: João Teixeira Pinto

[2] - Vd. Academia Militar - In Memoriam João Teixeira Pinto

[3] - Vd. Wikipédia: Paul Emil von Lettow-Vorbeck

Último post da série de 1 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P25997: O nosso livro de visitas (223): Nelson Quintino Lage, Soldado Condutor Auto da CPM 2537, através do Formulário de Contactos

Guiné 61/74 - P26086: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (37): Bafatá e a Célia Dinis, que merecia uma estátua e não uma medalha...

Foto nº 1 > Bafatá >  26 de outubro de 2024 > A avenida principal


Foto nº 2 > Bafatá >  26 de outubro de 2024 > A baixa

Foto nº 3 > Bafatá >  26 de outubro de 2024 > O jardim de Bafata junto ao rio Geba, bem cheio, que este ano agora no final das chuvas tem uma cota bem alta


Foto nº 4  > Bafatá >  26 de outubro de 2024 > A bajuda junto ao mercado com o rio ao fundo


Foto nº 5 > Bafatá >  26 de outubro de 2024 > Frente do antigo mercado colonial (.., e que ainda funciona como mercado)

Foto nº 6 > Bafatá >  26 de outubro de 2024 >  O mercado de Bafatá ... Onde este ano se pode entrar de canoa. A chuva este ano têm está a ser muita e em grande quantidade o que já não acontecia há muitos anos.


Foto nº 7 > Bafatá >  26 de outubro de 2024 > A Célia Dinis (viúva do João Dinis), nossa tabanqueira,   que merecia uma estatua e não uma medalha. (Recorda-se que o João Dinis, um antigo camarada nosso, nascido nas Caldas da Rainha, em 1941, morreu em 2021 com COVID); o casal era muito popular no nosso tempo;  tinham um restaurante e uma escola de condução.)



Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Patricio Ribeiro, natural de Águeda, 75 anos de África, 40 de Guiné-Bissau, empresário, antigo fuzileiro (Angola, 1969/72), histórico membro da nossa Tabanca Grande (desde 2006):


Data - sábado, 26/10, 22:35
Assunto - Bafatá

Luís

Estou no Leste, hoje por Bafatá e amanhã por Nova Lamego, a conduzir 8 h por dia, desde Bissau, passando por Mansoa, Jugudul e Bambadinca (*).

Amanhã envio mais fotos.

Abraço, Patrício

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Nota do editor:


Último poste da série > 27 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26083: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (36): E que Deus, Alá e os bons irãs nos dêem a bianda o mafé de cada dia...

Guiné 61/74 - P26085: Contactem-nos, há sempre alguém que pode ajudar ou simplesmente saber acolher (5): Lamine Bah escreve-nos, em francês, a pedir referências sobre o nosso camarada, o maj pilav António Lobato, recentemente falecido



Formulário de Contacto do Blogger: disponível na coluna estática, do lado esquerdo do blogue.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)





Capa do livro do António Lobato (1938-2024), "Liberdade ou evasão: o mais longo cativeiro da guerra" (5ª edição, DG  Edições, Linda-A-Velha, 2014, 276 p.). 

1. Mensagem recebida através do Formulário de Contacto  do Blogger (*):


26/10/2024, 13:15

Bonjour,

Je suis content de découvrir votre blog. Il me permet d'avoir des
précisions sur l'opération portugaise Mar Verde à Conakry le 22 novembre
1970.

Je voudrais avoir des détails sur Antonio Lobato,  un pilote portugais qui a
été détenu 7 ans à Conakry.

Mercure

Cumprimentos,
Lamine Bah 

Nota: Este email foi enviado através da gadget Formulário de Contactos em
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com


2. Tradução para português (LG):

Bom dia.

Estou feliz por  descobrir o seu blogue. Deu-me informação detalhada sobre a operação portuguesa Mar Verde em Conacri , no dia 22 de novembro de 1970.

Gostaria de saber algo mais sobre António Lobato, um piloto português que esteve detido durante 7 anos em Conacri.

Mercure

Cumprimentos,
Lamine Bah  (c/ indicação de email, que por princípio omitimos)

Observação: este e-mail é enviado por meio do formulário de contato do gadget
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com


3. Resposta do editor LG:


Lamine Bah:

Salut, merci | Obrigado pelo contacto. 

Nous avons plusieurs références sur les sujets dont vous parlez | Temos no blogue  diversas referências sobre esses tópicos:


Mr. António Lobato, notre compagon d'armes,  a écrit ses mémoires de guerre: "Liberté ou évasion : la plus longue captivité de la guerre"  (titre en français) (5.ème ed., 2014, 276 pages)  | António Lobato, nosso camarada de armas, escreveu um livro de memórias, em português: "Liberdade ou evasão: o mais longo cativeiro da guerra" (5ª edição, DG  Edições, Linda-A-Velha, 2014, 276 p.). 

________________

Nota do editor:

Último poste da série > 3 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23945: Contactem-nos, há sempre alguém que pode ajudar ou simplesmente saber acolher (4): Mensagens recebidas nos últimos dois meses de 2022

domingo, 27 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26084: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (41): "A gema de fora"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"


A gema de fora

Mal a luz do dia beliscou a frincha da janela, o homem acordou, acordou, como sempre, com pedaços do passado agarrados ao pijama, às mãos e aos cabelos.

Sentou-se na beira da cama e um sonolento: Oh! Que merda! Soltou-se da garganta ainda seca do bagaço da véspera. Quando os pés apalparam a falta dos chinelos, moldou os passos ao chão de modo a evitar o mais possível a madeira fria do soalho. Sobre a cómoda, continuava a tristeza à mistura com águas-de-colónia de vários tipos. Abriu um sorriso quando viu no tapete o artigo que acabara de escrever na véspera e que o sono fizera escorregar-lhe das mãos, dera-lhe o título Orgasmo, inspirando-se numa dessas tardes em que o fim do domingo abre as portas à demência. A caminho do quarto de banho, ia pensando nas palavras que nada dizem e na flatulência da comunicação que o fizera deitar-se tão tarde e acordar, assim, com a gema de fora.

Sempre nele permanecera uma grande dúvida quanto à eficácia de debates como o da véspera, será que têm algum valor como profiláticos da deterioração mental que a idade e os tempos acarretam ou são, eles próprios, catalisadores dessa mesma deterioração? Sobretudo se tais debates não passam de regateirices, confusões, dessintonia de mediocridade e estupidez, discutindo pessoas reles, factos ridículos, ou ideias banais, estafadas e apodrecidas, sobretudo se tais debates se processam entre corruptos, golpistas e terroristas que invadem as casas, maquilhados de gente de bem e cobardemente espantalhados de homens dignos. Sempre pensara que não se deve transformar em espetáculo o perigo da lavagem de muitos rostos pelo sabão da ingenuidade das pessoas, a verdade é só uma, e ele não aderia, de ânimo leve, à tese de que cada um teria a sua verdade, a verdade existe, está lá, está sempre lá, dentro das coordenadas humanas, há quem dela se aproxime e quem dela se afaste, mas o único caminho da verdade é o caminho da lucidez e não há lucidez que não assente na razão. Sem deixar de considerar que a irracionalidade é o caminho das trevas, cada um tem o direito a escolher o seu caminho da verdade, mas aí tem-se o direito de o julgar pela escolha, se se lhe conhece a formação ou a deformação, a inteligência ou a indigência, a humildade ou a petulância, o rigor ou a confusão, a seriedade ou a manigância. Grande respeitador do relativo e da cultura da diferença, o homem que não tinha nome consideravase adversário do consenso, do consenso acima de tudo, que destrói e anula o indivíduo, e da tolerância, tolerância como virtude, que implica sempre a presença de alguém que tolera e de alguém que é tolerado. O homem acordou maldisposto porque não acreditava na existência de debates fluidos, corajosos e pedagógicos e, mesmo assim, cedera-lhes parte do seu tempo de sono.

Convidar tanta gente de caras e tantas caras de gente, fazer cócegas em temas profundos, inacessíveis a mentecaptos, meter num mesmo saco capazes e incapazes, lúcidos e ineptos, fazer de assuntos sérios, estéreis, discussões, criar espetáculos de feira sem o mínimo receio de sujar a consciência e ofender a verdade, era mais do que razão para o incómodo acordar dessa manhã. A visão político-filosófica assente na maior preciosidade do homem, a razão, ao contrário do que muitos pensam, é a única visão profunda, dinâmica, mentalmente produtiva, constante recriação de vivências, ideias e utopias, inexoravelmente ausentes do pensamento irracional, retrógrado, estagnado e paralítico.

Já no café da esquina, o homem deu de caras com a mulher de longos cabelos negros, rosto comprido e olhos paradoxalmente achinesados, a quem pedira, há cinco anos atrás, para posar para si, nada tendo conseguido. Esguia, quase linear, de uma beleza que parecia desenhada, a sua figura prendia os olhos que nela tocavam. Sempre que o homem a via, recordavalhe alguém e bulia-lhe com qualquer coisa que havia dentro dele, ela própria, alguém que já vira, alguém que gostaria de encontrar?

Na mesa do lado, via-se que um outro homem, seguramente um habitante dessas inúmeras ilhas que se escondem no ventre da cidade, tentara encontrar uma camisita de riscas verdes a condizer com o verde das calças, se bem que mais escuro, aceitava-se, não era muito boa a combinação, mas percebia-se a ideia, já não era de aceitar tão facilmente aquela senhora vista de trás, relativamente escorreita, blusa na moda e saia quase mini, moldando formas enganadoramente jovens, que o virar da cara logo atraiçoava ao denunciar as engelhas dos setenta anos. Ninguém tem nada com isso e se ele mentalmente o comentava é porque considerava o sentido do ridículo quase um irmão gémeo da inteligência.

Uma outra senhora tentava limpar, com um guardanapo de papel, os pingos de baba que o marido, por força de tentar sorrir, deixava escorrer dos lábios inertes sobre a gravata cinzenta, deve ter sido acometido de acidente vascular cerebral, pelo menos assim o descrevera o genro à saída do banco: “O meu sogro teve um ataque celebral e ficou com a boca a tocar flauta e a pôr açúcar nas farturas.” Mas ele, provavelmente, nunca entrara num banco, não era desses, não, à esquina do banco, onde costuma fazer umas horas no engraxa, como está de baixa pela caixa, aproveita para andar de caixa pela baixa, pelo que não deve ser este o seu sogro, este tem ar de quem tem massa, o que vale é que o acidente vascular cerebral dos ricos é igual ao acidente vascular celebral dos pobres. Mesmo hemiplégico, nem por isso deixou de sugerir, com a mão válida, que a mulher esfregasse suavemente o guardanapo um pouco abaixo da fivela do cinto, ao que ela acedeu de maneira afável e sorridente. Em paga, ele abriu o livro de cheques e mostrou o que havia por lá, ela arregalou os olhos e inspecionou-lhe, com falsa displicência, o pavilhão auricular, tentando arrancar-lhe docemente uns pelos esbranquiçados e eremitas que teimaram isolar-se do mundo cabeludo. Ciente de que a poderosa e autêntica dinâmica da vida, quer se queira quer não, reside no sexo, não tinha dúvidas em aceitar que o homem do livro de cheques optaria, se fosse possível, dar-lhe a escolher, por poder levantar o pénis em vez da mão paralítica.

Do outro lado do homem sem nome, uma mulher cheirava a perfume que tolhia, bafejou os óculos, limpou-os a um pequeno lenço e pô-los em contraluz para ver o resultado, mas os seus olhos em vez de fitarem o vidro, fizeram esguelha para o companheiro que tinha na frente o generoso cruzar de pernas de uma dessas liberais criadoras de pulsões. Foi para isto que se levantou tão cedo, afinal, o que veio ele ali fazer? Um súbito silêncio, um silêncio esquisito instalou-se à sua volta, o silêncio daqueles momentos em que não se sabe o que fazer, em que se entrechocam o querer e o não querer, o sentir e o não sentir, ele tinha pedido um café e lia o jornal, lembrava-se de que não há nada mais saboroso do que faltar ao trabalho e ir para o café ler o jornal, ou melhor, algumas coisas boas que o jornal comporta, no meio de tanto lixo, levantar os olhos de vez em quando, presenciar as descarnadas cenas da vida, dar cem ou duzentos paus a um mendigo andrajoso ou a uma prostituta bem vestida que os pede emprestados, levantar os olhos de vez em quando e pensar na grandiosa obra daquilo a que chamam criação e, ao que parece, nunca fora criado nem inventado, apenas desenvolvido dentro da ordem natural, obra toda errada por adulterada, é certo, mas grandiosa.

O homem acreditava que o equilíbrio entre o que somos e o que acreditamos e o que os outros são e o que pensam é de tal modo difícil, que a forma mais sábia de nos mantermos verticais neste mundo é colocarmo-nos na posição de deitados, isto é, na posição de aprender. O comum das pessoas que escrevem não difere do comum das pessoas que leem, tudo estaria bem se as pessoas que leem não se sentissem os educandos dos sábios que escrevem, e as pessoas que escrevem não inchassem com as banalidades que dizem, há os que merecem ser lidos e os que não o merecem, simplesmente, só a meio da leitura a gente se dá conta e lá se vai aquele tempo por água abaixo. A nossa cabeça é invadida pela cobarde e revoltante ideia de pensar que a única hipótese que nos resta é não perder o sentido de humor e marimbar-se para os que não respeitam, nem de longe nem de perto, a capacidade que os outros têm, apesar de estarem calados, de ver que eles não sabem nada do que dizem, e que os seus comentários, sem vivências sérias a escorá-los ou solidez cultural a estruturá-los, não passam de mastigada para inglês ver, é sobremaneira penoso e ridículo um qualquer medíocre pegar na caneta ou na língua para analisar figuras cuja vida, formação e inteligência ele não tem capacidade para entender. Pensamos logo como se comportariam tais sábios, se tivessem uma dor no peito, uma dor no peito, porquê uma dor no peito? Tudo é secundário e virado do avesso quando há uma dor no peito, o rico diz que é pobre, o que é, quase sempre, verdade. O político de direita diz que é de esquerda e, algumas vezes, vice-versa, que é o que eles acham que os outros gostariam que eles fossem. O forte não desmente a sua fraqueza, o vigarista confessa o desejo de ter sido a pessoa mais séria, o articulista ou o comentador prestam-se a engolir o que disseram se nisso residir a analgesia.

Toda a hipocrisia vem ao-de-laço de uma dor no peito, a dor no peito despe até à nudez aquele que a sofre, dissolve a vaidade e coloca qualquer homem perante si mesmo, é o detergente que embranquece o espírito e lava a memória. A dor no peito é uma espécie de fronteira entre a vida e a morte, perante ela, ninguém tem vergonha de ser ou parecer ignorante. Não sabem que a dor no peito pode ser, apenas e exclusivamente, a somatização da consciência da nossa insignificância, se o soubessem e disso tivessem a certeza, talvez nem se importassem. Era isso que assustava o homem que não tinha nome, não a dor no peito, mas a fraqueza de um mundo que morria assustado, a grandeza delapidada no esgotar da razão, o vaguear dentro do ciclo vicioso de um sonho desfocado e confuso de que se não acorda, a sensação asfixiante de que o mundo se estreita e se dissolve no fim do corpo abalado por uma dor no peito.

Dobrou o jornal, enfiou o sobretudo e sentiu que aquela manhã não era bem igual às outras, mediu, de novo, todas as caras, perguntou a si mesmo o que estava ali a fazer no meio de uma sociedade de olhos vendados, cega, sem horizontes, que nega a razão como única riqueza do homem, voltou a perguntar a si mesmo o que fazia ali e o que tinha ele a ver com tudo aquilo, na imensidão apaixonante do Universo o que era, afinal, aquele café e aquele jornal, o que era o viver, o ter vivido, e o que se há de ter de viver.

Levantou-se e saiu, o ar fresco da manhã ainda lá estava para o acariciar.

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Nota do editor

Último post da série de 20 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26061: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (40): "O homem sem nome"

Guiné 61/74 - P26083: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (36): E que Deus, Alá e os bons irãs nos dêem a bianda e o mafé de cada dia...

 


Foto nº 1 >  Guiné- Bissau > Outubro de 2024 > "Cacres bem vivos ... para o prato tradicional da Guiné... Mercado de Gamamudo,  estrada entre Mansoa e Bambadinca".(Cacre, caranguejo da bolanha, de cor escura, termo do crioulo)



Foto nº 2 >    Guiné-Bissau > Outubro de 2024 > "O almoço de hoje", disse o djubi...


Foto nº 3A > Guiné-Bissau > Outubro de 2024 > O "pescador"... lançando a rede (numa bolanha antes de se chegar a Bambadinca, na estrada Mansoa - Jugudul -Bambadinca; o fotógrafo ve de Bissau e vai a caminho de Bafatá).



Foto  nº 3 > Guiné-Bissau > Outubro de 2024 >  "Pesca para o almoço em uma das bolanhas antes de Bambadinca" (ele escreve "Babadinca", como pronuncia o povo...)



Foto nº 4  > Guiné-Bissau > Outubro de 2024 > "Mercado de Gamamudo": um sorriso para a fotografia...


Foto n º 5 > Guiné-Bissau > Outubro de 2024 > "Mercado de Gamamudo: vendedeira"



Foto n º 5A > Guiné-Bissau > Outubro de 2024 > "Mercado de Gamamudo": uma banca com legumes e peixe (da bolanha)



Foto n º 5B > Guiné-Bissau > Outubrode 2024 > "Mercado de Gamamudo": peixe seco fumado...


Foto n º 5C > Guiné-Bissau > Outubrode 2024 > "Mercado de Gamamudo":  como se chamam em crioulo estas frutas e  legumes (algumas das quais nos são familiares) ?

 (Ver aqui brochura, em pdf,  36 pp.,  "Guiné-Bissau,da terra à mesa: produtos e pratos tradicionais". que faz referência a frutas e legumes, que têm diferentes nomes em português,  crioulo e línguas locais tais como:  jagatu, tomate sinho, quiabo, niebé (feijão mancanha), foroba, nené badaje, citi (óleo de palma), fole, tambacumba, limão-da-terra, mandiple, manganaça, cabaceira,veludo,tamarindo...



Foto nº  6  > Guiné-Bissau > Outubro de 2024 > "Mercado de Gamamudo:  Legumes da época" (...aos montinhos, um regalo para a vista)



Foto nº 7A > Guiné-Bissau > Outubro de 2024 > "Mercado de Gamamudo":   frutas e legumes.


Foto nº  6A  > Guiné-Bissau > Outubro de 2024 > "Mercado de Gamamudo: Frutas e  legumes da época" (é sempre um regalo para a vista...)


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Outubro de 2024 > "Mercado de Gamamudo"  (Pormenor de uma banca)


Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Outubro de 2024 > Em Jugudu, foto tirada do jipe: "... E lá vão eles 
[ balantas] para a sua cerimónia, e estamos nós em 2024"...

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O nosso "embaixador em Bissau" voltou ao seu posto. Depois de ter passado aqui o verão, na sua adorada Águeda, decidiu que estava na hora de voltar para aquela terra verde-rubra, que é a sua segunda ou terceira terra (depois de Angola e Portugal)...Já lá está "atabancado" há quatro décadas. (E na Tabanca Grande, há 18,  desde 1 de junho de 2006).

E quando lá chega, agora que vem aí o tempo seco, enquanto que por cá começa a aparecer a chuva, o frio. a neve, a água pé  e as castanhas, o nosso querido Patrício Ribeiro nunca se  esquece de "partir mantenhas" com os seus amigos e camaradas do "Puto"  que se reunem sob o poilão da Tabanca Grande (*)...

Sobre ele escrevemos, em 2017, o seguinte pequeno retrato a corpo inteiro:


Angola, c. 1969/72
  • Patrício Ribeiro,  empresário,  
  • português de Águeda, 
  • da colheita de 1947, 
  • vivido, crescido, educado e casado em Angola, Nova Lisboa / Huambo; 
  • antigo fuzileiro naval (Angola, 1969/72)
  • que retornou ao "Puto" (na véspera da independência...),
  • fixando-se entretanto na Guiné-Bissau, em 1984,
  •  país onde fundou a empresa Impar Lda, 
  • que é líder na área das energias alternativas; 
  • é um daqueles portugueses da diáspora 
  • que nos enchem de orgulho 
  • e nos ajudam a reconciliarmo-nos com nós mesmos 
  • e afugentar o mau agoiro dos velhos do Restelo, dos descrentes, dos pessimistas; 
  • é de há muito tratado carinhosamente  como o ´pai dos tugas´, 
  • pelo carinho e apoio que dá aos mais jovens, 
  • que chegam à Guiné-Bissau, em visita ou em missões de cooperação; 
  • de vez em quando lembra-se de nós 
  • e manda-nos fotos das suas andanças por estas bandas da África Ocidental;
  •  já estava na altura de lhe criar uma série só para ele: 
  • e chamámos-lhe, à série,   "Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro)"...(marca registada) (o primeiro poste é de 3 de abril de 2017 ) (**)

2. Embora a coluna já não o deixe andar no "gosse, gosse", ele continua a adorar conduzir o seu jipe e a calcorrear a "nha terra"... 

Seguramente que ele é, na Guiné-Bissau, uma das pessoas que melhor conhece todas aquelas bolanhas, lalas, matas, florestas, trilhos, picadas,  rios, braços de mar, tabancas, mercados, escolas,  pequenos hospitais, alojamentos locais, "resorts" turísticos, etc., e a sua gente, simples, gentil, jovem, trabalhadora... Para não falar da fauna e da flora, ele que já foi caçador, e agora só caça... de telemóvel. 

Gente guineense que todos os dias tem de lutar pelo sua "bianda com mafê"...nem que seja um peixinho da bolanha (fresco, seco ou fumado), ou uns cacres... Ou seja, é preciso, lá como cá, ganhar "o pão nosso de cada dia", ganhar para o arroz para o mafé (molho ou caldo, geralmente feito de carne, peixe ou marisco, que se junta ao arroz,a bianda).

O Patrício gosta mais de fazer e de fotografar, do que perder tempo com blá-blá... Aqui vão as suas belíssimas e sempre surpreendentes fotos (tiradas de telemóvel, com razoável resolução, c. 600 kb) com as respetivas legendas, precisas e concisas...


Obrigado, "senhor embaixador"!... E boa estação, boa estadia. Boa noite, aqui da Lourinhã. 

PS1 - Patrício, quando chegarmos ao poste 40 (vamos ainda no 36), temos de começar a pensar numa seleção das tuas melhores fotos, que estão profundamente ligadas às tuas e nossas geografias emocionais... 

Temos de passá-las a papel. Pode ser que a empresa, a Impar Lda, agora do teu filho, nora e neto...queira patrocinar a edição de um livro a condizer... Tu mereces, a gente merece... Afinal, a IMpar Lda é uma empresa social e ambientalmente responsável e dá um contributo importante para o desenvolvimento sustentado do país onde opera... (Ofereço-me para escrever o prefácio...)

PS2 - Afinal, estás a fazer 40 anos de Guiné... e 75 de África!...  "Manga de ronco", temos  que celebrar. Não te esqueças que não levas o patacão para o céu!...O São Pedro não aceita o CFA nem o dólar nem o euro... Só as "boas ações"... E um livro é uma boa ação. 

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 23 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25429: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (35): A Casa dos Direitos (antiga esquadra policial), no centro histórico de Bissau

(**) Primeiro poste da série >  3 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17203: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (1): um recorte do "Bolamense" (set / out 1963), e duas fotos para recordar: (i) uma visita do João Melo, ex-1º cabo op crito da CCAV 8351, ao antigo quartel de Cumbijã, região de Tombali; e (ii) o ilhéu de Caió, região do Cacheu