Queridos amigos,
Questiono muitas vezes se se justifica esta partilha, se haverá interesse ou curiosidade em acompanhar-me nestas deambulações. É facto que tenho nelas imenso entusiasmo, no caso vertente desenhara um programa para rever a gente de xicoração, locais já conhecidos, e tudo a finalizar desaguando em Londres sem nenhum projeto específico, mergulhar na vertigem da Megalópolis, e tomar em cima da hora decisões. Só havia um fito pré-determinado, percorrer Charing Cross Road, por ali andara em 1978 quando a RTP me permitiu um estágio na BBC TV e Rádio. A partir das 17h estava entregue a mim próprio e descobri que Charing Cross Road tinha imensas lojas com livros e tralha e uma livraria tipo catedral, a Foyles, infelizmente o mercado de Portobello é exuberante ao sábado, tal como a nossa Feira da Ladra, nessa altura estaria já em Lisboa. Foi um desapontamento, Charing Cross Road já não é o que era, como espero contar. E adorei voltar a Ashbourne, foi visita de médico mas teve o seu encanto, como aqui procuro ilustrar.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (185):
From Southeast to the North of England; and back to London – 5
Mário Beja Santos
Lamento que a visita a Ashbourne tenha sido tão minguada, quem conduz quer regressar ainda hoje a Faringdon, são umas boas horas de viagem, das Midlands para o condado de Oxford. Esta cidade é encantadora, não só guarda belíssimos edifícios georgianos e vitorianos, é muito arborizada, cheia de becos e comércio, a sua rua principal, Church Street, distingue-se por conservar marcas da sua importância no século XVIII, fiquei a saber que Catherine Booth, a fundadora do Exército da Salvação é daqui; mas limitado pelo tempo lá fui para a igreja paroquial de Santo Osvaldo com a sua impressionante agulha de mais de 64 metros. Foi consagrada em 1241, 8 sinos no campanário, o maior pesa 700 kg, o coro é vitoriano, vêem-se no teto borboletas, pássaros e animais míticos. Fica-se esmagado frente ao túmulo de Penélope, a filha única de Sir Brooke e Lady Boothby de Ashbourne Hall que faleceu com 6 anos, túmulo em mármore branco, a menina, em posição graciosa, parece estar a dormir; é indispensável ver as janelas do transepto norte, janelas medievais do século XIII, restauradas em 1991, ali se podem ver cinco histórias da infância de Cristo. Não menos impressionante é o túmulo de Thomas Cokayne e sua mulher, Dorothy, este Thomas era o guardião de Maria, rainha da Escócia, vêem-se três galos no seu brasão; a pia batismal é considerada por muitos como o mais belo exemplo em estilo inglês do século XIII (no Derbyshire). É também recomendado ver a janela pré-rafaelita que convoca duas irmãs, Mónica e Dorothy, que morreram num incêndio em casa. De regresso a Church Street também importa contemplar a escola do tempo de Isabel I, não deixa de provocar assombro o bom estado do edifício.
Vista parcial da igreja paroquial de Santo Osvaldo
Santo Osvaldo chegou a ser candidata a catedral para a diocese de Derby, a igreja foi mencionada numa obra fundamental do século XII, o Domesday Book, um inventário indispensável para conhecer a Inglaterra medieval, nesse tempo era seguramente em madeira, nesta construção gótica há mesmo uma cripta normanda. Tem uma longa nave, um amplo transepto, em ambos os braços do transepto há uma capela. É indispensável a contemplação de um conjunto de janelas, tinham uma função de alfabetização para os temas bíblicos.Veja-se a beleza dos tetos, com motivos florais, num belo apainelamento
Túmulo de Penelope Boothby, data de 1791, está na capela Boothby
Outra perspetiva do túmulo de Penelope Boothby
O guia da igreja de Santo Osvaldo recomenda especial atenção para a janela da natividade onde há vitrais medievais que datam da consagração da igreja; há uma formosa janela com seis linhas de vitrais dedicado às armas heráldicas, que data do século XIV. Como é evidente todos estes vitrais mereceram operações de recuperação, como aconteceu no séc. XIX.O famoso túmulo de Thomas Cokayne e sua mulher Dorothy
Um pormenor da igreja, andavam por ali duas senhoras a ornamentar os bancos, no dia seguinte teríamos ali a cerimónia de um casamentoEste é o conjunto de vitrais das armas heráldicas. De acordo com o texto do guia de visita, há algo aqui que tem a ver com a história de Portugal. No topo dos vitrais temos as armas de Henrique, Duque de Lancastre, a quem pertencia Ashbourne desde o século XIII, e seu genro João de Gaunt, como sabemos pai da rainha Filipa de Lencastre. É aqui mencionado que o pai da nossa rainha morreu em 1399
Pia batismal que data de 1241, portanto no tempo de consagração da igreja, é tida como um dos mais belos exemplos de vias batismais em todo o condado de Derbyshire. Podemos ver gravados na pia batismal arcos em trifólio como a flor de lis. De acordo com a simbologia, as três pétalas da flor representariam a Santíssima Trindade.
É um dos ícones de Ashbourne, a escola datada do século XVI, o ensino saía dos mosteiros e conventos, era o princípio de uma certa laicização, mas o que impressiona mais é a preservação deste património, diz o guia de Ashbourne que é completamente original.
Uma imponente casa do período georgiano (1700-1820)
Estou de regresso a Faringdon, amanhã partimos para Bath, famosa cidade termal, por ali andaram os romanos. Quando aqui cheguei, surpreendeu-me ver em muitas casas apelos à votação nos liberais democratas, havia pouquíssimas referências aos conservadores, tal como aos trabalhistas, nem uma só menção à extrema-direita. Pedi esclarecimentos, a que se devia este entusiasmo liberal democrata em território que há séculos vota conservador. E foi-me candidamente explicado que houvera entendimento entre todas as forças democráticas não conservadoras que se devia votar nos liberais democratas, era tradicionalmente a segunda força mais plebiscitada, não esquecer que apanhei por inteiro o período eleitoral, Sunak desdobrava-se em comícios e visitas, Lord Starmer fazia a mesma coisa. Pois bem, em Faringdon, creio eu, depois de 286 anos, votou liberal-democrata, a extrema-esquerda até este partido ninguém faltou, tal era o entusiasmo em pôr os conservadores na rua.É a principal rua de Faringdon, London Street, estou a despedir-me dela com imenso prazer e a ver renovada, tudo limpinho e num brinco, eles têm o mesmo problema que nós, falta habitação, os de Oxford preferem vir para aqui, para esta atmosfera campestre, os preços da habitação são mais suaves. E agora vou arrumar a trouxa, amanhã tomo dois autocarros e vou rever Bath, com todo o gosto.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 21 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26298: Os nossos seres, saberes e lazeres (659): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (184): From Southeast to the North of England; and back to London (4) (Mário Beja Santos)