sábado, 28 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26321: Os nossos seres, saberes e lazeres (660): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (185): From Southeast to the North of England; and back to London (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Questiono muitas vezes se se justifica esta partilha, se haverá interesse ou curiosidade em acompanhar-me nestas deambulações. É facto que tenho nelas imenso entusiasmo, no caso vertente desenhara um programa para rever a gente de xicoração, locais já conhecidos, e tudo a finalizar desaguando em Londres sem nenhum projeto específico, mergulhar na vertigem da Megalópolis, e tomar em cima da hora decisões. Só havia um fito pré-determinado, percorrer Charing Cross Road, por ali andara em 1978 quando a RTP me permitiu um estágio na BBC TV e Rádio. A partir das 17h estava entregue a mim próprio e descobri que Charing Cross Road tinha imensas lojas com livros e tralha e uma livraria tipo catedral, a Foyles, infelizmente o mercado de Portobello é exuberante ao sábado, tal como a nossa Feira da Ladra, nessa altura estaria já em Lisboa. Foi um desapontamento, Charing Cross Road já não é o que era, como espero contar. E adorei voltar a Ashbourne, foi visita de médico mas teve o seu encanto, como aqui procuro ilustrar.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (185):
From Southeast to the North of England; and back to London – 5


Mário Beja Santos

Lamento que a visita a Ashbourne tenha sido tão minguada, quem conduz quer regressar ainda hoje a Faringdon, são umas boas horas de viagem, das Midlands para o condado de Oxford. Esta cidade é encantadora, não só guarda belíssimos edifícios georgianos e vitorianos, é muito arborizada, cheia de becos e comércio, a sua rua principal, Church Street, distingue-se por conservar marcas da sua importância no século XVIII, fiquei a saber que Catherine Booth, a fundadora do Exército da Salvação é daqui; mas limitado pelo tempo lá fui para a igreja paroquial de Santo Osvaldo com a sua impressionante agulha de mais de 64 metros. Foi consagrada em 1241, 8 sinos no campanário, o maior pesa 700 kg, o coro é vitoriano, vêem-se no teto borboletas, pássaros e animais míticos. Fica-se esmagado frente ao túmulo de Penélope, a filha única de Sir Brooke e Lady Boothby de Ashbourne Hall que faleceu com 6 anos, túmulo em mármore branco, a menina, em posição graciosa, parece estar a dormir; é indispensável ver as janelas do transepto norte, janelas medievais do século XIII, restauradas em 1991, ali se podem ver cinco histórias da infância de Cristo. Não menos impressionante é o túmulo de Thomas Cokayne e sua mulher, Dorothy, este Thomas era o guardião de Maria, rainha da Escócia, vêem-se três galos no seu brasão; a pia batismal é considerada por muitos como o mais belo exemplo em estilo inglês do século XIII (no Derbyshire). É também recomendado ver a janela pré-rafaelita que convoca duas irmãs, Mónica e Dorothy, que morreram num incêndio em casa. De regresso a Church Street também importa contemplar a escola do tempo de Isabel I, não deixa de provocar assombro o bom estado do edifício.

Vista parcial da igreja paroquial de Santo Osvaldo
Santo Osvaldo chegou a ser candidata a catedral para a diocese de Derby, a igreja foi mencionada numa obra fundamental do século XII, o Domesday Book, um inventário indispensável para conhecer a Inglaterra medieval, nesse tempo era seguramente em madeira, nesta construção gótica há mesmo uma cripta normanda. Tem uma longa nave, um amplo transepto, em ambos os braços do transepto há uma capela. É indispensável a contemplação de um conjunto de janelas, tinham uma função de alfabetização para os temas bíblicos.
Veja-se a beleza dos tetos, com motivos florais, num belo apainelamento
Túmulo de Penelope Boothby, data de 1791, está na capela Boothby
Outra perspetiva do túmulo de Penelope Boothby
O guia da igreja de Santo Osvaldo recomenda especial atenção para a janela da natividade onde há vitrais medievais que datam da consagração da igreja; há uma formosa janela com seis linhas de vitrais dedicado às armas heráldicas, que data do século XIV. Como é evidente todos estes vitrais mereceram operações de recuperação, como aconteceu no séc. XIX.
O famoso túmulo de Thomas Cokayne e sua mulher Dorothy
Um pormenor da igreja, andavam por ali duas senhoras a ornamentar os bancos, no dia seguinte teríamos ali a cerimónia de um casamento
Este é o conjunto de vitrais das armas heráldicas. De acordo com o texto do guia de visita, há algo aqui que tem a ver com a história de Portugal. No topo dos vitrais temos as armas de Henrique, Duque de Lancastre, a quem pertencia Ashbourne desde o século XIII, e seu genro João de Gaunt, como sabemos pai da rainha Filipa de Lencastre. É aqui mencionado que o pai da nossa rainha morreu em 1399
Pia batismal que data de 1241, portanto no tempo de consagração da igreja, é tida como um dos mais belos exemplos de vias batismais em todo o condado de Derbyshire. Podemos ver gravados na pia batismal arcos em trifólio como a flor de lis. De acordo com a simbologia, as três pétalas da flor representariam a Santíssima Trindade.
É um dos ícones de Ashbourne, a escola datada do século XVI, o ensino saía dos mosteiros e conventos, era o princípio de uma certa laicização, mas o que impressiona mais é a preservação deste património, diz o guia de Ashbourne que é completamente original.
Uma imponente casa do período georgiano (1700-1820)
Estou de regresso a Faringdon, amanhã partimos para Bath, famosa cidade termal, por ali andaram os romanos. Quando aqui cheguei, surpreendeu-me ver em muitas casas apelos à votação nos liberais democratas, havia pouquíssimas referências aos conservadores, tal como aos trabalhistas, nem uma só menção à extrema-direita. Pedi esclarecimentos, a que se devia este entusiasmo liberal democrata em território que há séculos vota conservador. E foi-me candidamente explicado que houvera entendimento entre todas as forças democráticas não conservadoras que se devia votar nos liberais democratas, era tradicionalmente a segunda força mais plebiscitada, não esquecer que apanhei por inteiro o período eleitoral, Sunak desdobrava-se em comícios e visitas, Lord Starmer fazia a mesma coisa. Pois bem, em Faringdon, creio eu, depois de 286 anos, votou liberal-democrata, a extrema-esquerda até este partido ninguém faltou, tal era o entusiasmo em pôr os conservadores na rua.
É a principal rua de Faringdon, London Street, estou a despedir-me dela com imenso prazer e a ver renovada, tudo limpinho e num brinco, eles têm o mesmo problema que nós, falta habitação, os de Oxford preferem vir para aqui, para esta atmosfera campestre, os preços da habitação são mais suaves. E agora vou arrumar a trouxa, amanhã tomo dois autocarros e vou rever Bath, com todo o gosto.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 21 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26298: Os nossos seres, saberes e lazeres (659): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (184): From Southeast to the North of England; and back to London (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26320: Operação Grande Empresa, a reocupação do Cantanhez e a criação do COP 4, a partir de 12 de dezembro de 1972 - Parte V: Um ano depois, pelo Natal de 73, dá-se iníco à Op Estrela Telúrica: "Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade" (António Graça de Abreu, CAOP1, Cufar, 22, 25 e 26 de dezembro de 1973).



Foto nº 1




Foto nº 2


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CAOP1 > c. 1973/74 > Em cima, o António Graça de Abreu, em Cufar, no rio Cumbijã (foto nº 1); na foto seguinte (nº 2), posando de camuflado, no aeroporto de Cufar, em janeiro de 1974, com Miguel Champalimaud.

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Um ano depois do início da Op Grande Empresa (*), o Cantanhez continua a "ferro e fogo"... É o que se deduz da leitura do incontornável diário do  António Graça de Abreu, de que já publicamos,  em tempos,  extensos excertos, com a devida autorização do autor. 

Estamos a falar do  "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp)

Recorde-se que o nosso António Graça de Abreu:

(i)  chegou a Bissau a 24/6/1972, vindo de DC-6, de Lisboa;

(ii) foi colocado no CAOP1 - Comando de Agrupamento Operacional nº 1, sediado em Canchungo (Teixeira Pinto);

(iii) era alferes miliciano, com a especialidade de atirador de infantaria, reclassificado por incapacidade parcial em "Secretariado, Serviço de Pessoal";

(iv)  chegou a Canchungo, de helicóptero, a 26, de manhã;

(v) nunca identifica, no livro,  o seu primeiro comandante, coronel paraquedista [ Raul Durão, durão de apelido e durão no exercício da autoridade];

(vi) tinha um diário, onde escrevia quase todos os dias (ou, em alternativa, cartas e aerogramas que mandava à sua mulher, num total de 347, até ao fim da comissão, em  17/4/1974);

(vii)  teve os seus primeiros "trinta e cinco dias de férias em Portugal" de 7 de novembro a 17 de dezembro de 1972 (período em que não tem quaisquer notas no seu Diário); (uns dias antes, a 12, começara a Op Grande Empresa, no sul da Guiné);

(viii)   passou depois por Mansoa (Parte II do Diário) para acabar a sua comissão, sempre no CAOP1, em Cufar, no sul da Guiné (Parte III).

É desta III parte do seu diário, que transcrevemos as suas entradas relativas aos dias 22, 24 e 26 de dezembro de 1973. É já com-chefe e governador da Guiné o gen Bettencourt Rodrigues. 

É em Cufar que o António Graça de Abreu passa o seu Natal de 1973, o seu segundo Natal na Guiné, numa época claramente de escalada da guerra no sul... 

Estava em curso mais uma grande operação no Cantanhez, a Op Estrela Telúrica, na sequência  da Op Grande Empresa (reconquista e reocupação do Cantanhez, península do Cubucaré, dezembro de 1972-junho de 1973). 

Como ele escreveu ironicamente, "Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação 'Estrela Telúrica.' Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade". 



2. Excertos do Diário da Guiné:


(...) Cufar, 22 de dezembro de 1973 

Deixei a cidade [de Bissau], deixei o frenesim das gentes, os motores, a poluição, a confusão e regressei ao bucolismo do campo, à nada pacata aldeia africana, aos rebentamentos de granadas, foguetões e bombas, às cabeças alteradas pela guerra, ao desamor e aos medos.

Ao descer do Nordatlas na pista da Cufar, deparei-me logo com a nossa ambulância à espera, pronta para as evacuações para Bissau. Mais um morto e oito feridos, fuzileiros estacionados no Chugué,  atacados no rio Cumbijã,  mesmo em frente a Cufar.

Preparam-se grandes operações na zona. Os comandos africanos vêm cá para baixo fazer mortos, ter mortos. Ontem – isto é muito animador! – deslocaram-se para Cufar mais dois médicos (um cirurgião e um anestesista) mais uns tantos enfermeiros. Trouxeram uns quilos largos de aparelhagem médica e cirúrgica, e materiais para primeiros socorros, enfim temos um aparato clínico capaz de assustar o menos medroso.


Os pobres vão morrer com a certeza de que morrerão bem acompanhados e assistidos.

Por estes dias, chegarão mais quinhentos homens, três companhias de comandos africanos, mais a minha conhecida 38ª de Comandos e ainda talvez paraquedistas. Estes homens vão tentar a “limpeza” do Cantanhez. Em Bissau, encontrei alguns alferes amigos da 38ª que me puseram a par do que se espera com esta operação. Os rapazes também estão receosos, o moral não é elevado.


Entretanto, os Fiats continuam a bombardear aqui à nossa volta, com poucos resultados, parece que os guerrilheiros já possuem abrigos à prova da nossa aviação.

Cufar, 24 de dezembro de 1973 


Tempo de Natal. Paz na terra aos homens de boa vontade, na Guiné em guerra.

Fui a Cadique com o meu coronel, de sintex, dez quilómetros descendo o rio Cumbijã.  

Os pobres de Cadique,  a 1ª C/BCAÇ 4514/72  , que tiveram dois mortos na terça-feira passada, estão a entrar na engrenagem da loucura. Já houve soldados que se recusaram a sair para o mato. Outros, ou os mesmos, na confusão de uma flagelação, atiraram com uma granada de mão ao tenente-coronel,  comandante do batalhão que não o atingiu por pura sorte. 

O tenente-coronel não tem culpa do sofrimento e da morte dos seus homens, limita-se a cumprir ordens, não pode pegar no batalhão e marchar sobre Bissau, ou sobre Lisboa. De resto, entre os muitos oficiais do QP que tenho conhecido, este tenente-coronel é um dos homens mais humanos e sensíveis ao sofrimento dos seus subordinados.

A zona de Cadique é terrível, os guerrilheiros deixaram construir a estrada para Jemberém e agora passam o tempo a dinamitá-la e a emboscar as NT. Sabotaram os sete pontões do trajecto, abriram enormes brechas no asfalto, em vários sítios. 

Para arranjar a estrada, a tropa de Cadique avança com camionetas carregadas de terra e troncos de árvore. Depois dos primeiros dois quilómetros, começam a ser flagelados. Quem quer caminhar para a morte?

Os dias estão tão bonitos! Frescos, serenos, com pouca humidade, manhãs de sol que abrem os braços para os homens, o fumo a sair das tabancas e a espalhar-se sobre os campos, como em Portugal. A natureza não tem culpa da insensatez, do desvario da espécie humana.


Cufar, 26 de dezembro de 1973

Graças ao Natal, umas tantas iguarias rechearam as paredes dos nossos estômagos. Houve bacalhau do bom, frango assado, peru para toda a gente e presunto, bolo-rei, whisky e espumante à discrição, só para oficiais. 

Fez-se festa, fados, anedotas, bebedeiras a enganar a miséria do nosso dia a dia.

Hoje, 26 de Dezembro, acabou o Natal e, ao almoço, regressámos às cavalas congeladas com batata cozida e, ao jantar, ao fiambre com arroz.

Isto não tem importância, importante é a ofensiva contra os guerrilheiros do PAIGC desencadeada na nossa região com o bonito nome de “Estrela Telúrica”. Acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar, a “Estrela Telúrica” prolongar-se-á por mais uma semana.

Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38ª CCmds, fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre o Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com certa gravidade. 

Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a “embrulhar”, seis feridos graves entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos Africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata,[1] com dois mortos e quinze feridos. Chegaram com um aspecto deplorável, exaustos, enlameados, cobertos de suor e sangue. Amanhã os mortos e feridos serão talvez os fuzileiros… No dia seguinte, outra vez Comandos ou quaisquer outros homens lançados para as labaredas da guerra. 

O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os Fiats a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso.

Na pista de Cufar regista-se um movimento de causar calafrios. Hoje temos cá dez helicópteros, dois pequenos bombardeiros T-6, três DO, dois Nordatlas e o Dakota. A aviação está a voar quase como nos velhos tempos. 

Os helis saem daqui numa formação de oito aparelhos, cada um com um grupo constituído por cinco ou seis homens, largam a tropa especial directamente no mato, se necessário os helicanhões dão a protecção necessária disparando sobre as florestas onde se escondem os guerrilheiros, depois regressam a Cufar e ficam aqui à espera que a operação se desenrole. 

Se há contacto com o IN e se existem feridos, os helicópteros voltam para as evacuações e ao entardecer vão buscar os grupos de combate novamente ao mato. Ontem, alguns guerrilheiros tentaram alvejar um heli com morteiros, à distância, o que nunca costuma dar resultado.

Sem a aviação, este tipo de operações era impossível. Durante estes dias os pilotos dormem em Cufar e andam relativamente confiantes, há muito tempo que não têm amargos de boca. Os mísseis terra-ar do IN devem estar gripados porque senão, apesar dos cuidados com que se continua a voar, seria muito fácil acertar numa aeronave, com tanto movimento de aviões e hélis pelos céus do sul da Guiné.

Cufar fica a uns quinze, vinte quilómetros da zona onde as operações se desenrolam. Todos os dias, às vezes durante horas seguidas, ouvimos os rebentamentos e os tiros dos “embrulhanços”, das flagelações. É impressionante o potencial de fogo, de parte a parte. Os guerrilheiros montam também emboscadas nos trilhos à entrada das matas onde se situam as suas aldeias. Aí as NT começam a levar e a dar porrada, e não têm conseguido entrar nas povoações controladas pelo IN.

Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação “Estrela Telúrica.” Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade.

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Nota do autor:

 [1] Sobre o acidentado percurso do alferes Marcelino da Mata, ver a narração pessoal da sua participação nesta guerra em Rui Rodrigues, (coord.), Os Últimos Guerreiros do Império, Editora Erasmos, Amadora,1995, pp. 195-213.

(Revisão / fixação de texto, para publicação no blogue: LG)

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sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26319: Notas de leitura (1758): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Tanta turbulência na História da Guiné neste período que precede o 5 de outubro de 1910. O quebra-cabeças da ocupação continua a ser a reorganização militar, não se querem indígenas na terra, mas sim de S. Tomé e Angola e até de Moçambique, ninguém se mostra disponível para corresponder ao pedido, o encarregado do Governo anda de candeias às avessas com o Chefe de Estado-maior, os Balantas andam insubmissos em Goli, insubmissa está toda a região do Oio, é nisto que chega um capitão de Infantaria para governar, Francelino Pimentel, escreverá um importante relatório ao ministro da Marinha onde deixa bem claro a porção de focos de hostilidade permanente, há régulos que se tinham revoltado que pedem perdão, os de Bissau pedem perdão, os do Oio pedem perdão, no entanto há situações de grande tensão na circunscrição de Cacine, Francelino Pimentel ainda consegue recrutar 144 indígenas, chega o 5 de outubro, o governador demite-se, depois disso a favor da nova ordem, depois demite-se e embarca para Lisboa, nesse mesmo mês de outubro chega o governador Carlos Pereira, o tal que manda derrubar as muralhas à volta de Bissau. Estamos agora na Guiné da I República.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (7)

Mário Beja Santos

Oliveira Muzanty revelou-se um governador dinâmico em campanhas e expedições, como é evidente com resultados espúrios. Reaparece na Guiné no início de 1909, a sua ação foi alvo de importantes críticas, acusaram-no de não ter conseguido resolver os principais problemas ligados ao Oio e à ilha de Bissau. Chega e regressa prontamente a Lisboa, o encarregado do Governo é o secretário-geral Duarte Guimarães. O Residente de Geba, Belmiro Ernesto Duarte Silva, recebe o do régulo do Cuor, Abdul Injai, o pedido para socorrer os postos Balantas que estavam a ser atacados, e então o Residente pede ajuda ao régulo Abdulai do Xime, terá assim nascido uma desinteligência entre Abdul Injai e o chefe do posto de Bambadinca, à cautela o Residente de Geba determina que não sejam entregues armas e munições a Abdul.

Em Bolama, o secretário-geral Duarte Guimarães e o Chefe de Estado-maior Ilídio Nazaré, andam de candeias às avessas. Os indígenas das povoações de Mansoa atacaram o posto de Goli (provavelmente Porto Gole), mas foram repelidos, nova zanga entre o secretário-geral e o Chefe de Estado-maior, o primeiro nomeou o segundo comandante do posto de Goli. Chegado a este lugar, Nazaré ordena a saída do corpo auxiliar do chefe Abdul e prepara-se um ataque a uma povoação de Balantas, Nhafo, os Balantas não ofereceram resistência. Continuam as desavenças entre as duas autoridades. Ilídio Nazaré virá mais tarde para Lisboa, tinha entregue a Muzanty um plano de reorganização militar da província. Nazaré pretendia não fazer recrutamento de indígenas, anteriormente este recrutamento tinha sido feito à custa de homens de Mutaro Injai e de Abdul Injai. Para Nazaré, uma perfeita e cabal ocupação da província carecia de uma divisão em sete zonas militares, a que corresponderia uma guarnição com um total de 2 mil homens. Mas estava consciente de que tais encargos eram pesados para o tesouro, daí ter proposto para a província uma guarnição de um pelotão misto de Engenharia, uma bateria mista de Artilharia, um pelotão de Cavalaria e quatro companhias de Infantaria, num total de 871 homens. Considerava que o problema do recrutamento indígena se resolveria com gente de Angola. Na província só se poderia contar com Turancas para a cavalaria e alguns Fulas para a infantaria.

Chega, entretanto, o novo governador, o capitão de Infantaria Francelino Pimentel, reajusta o plano de reorganização militar, é curioso o modo como propõe a distribuição das forças que se deveria fazer pelos diversos postos da província: no Xime e Bambadinca, região Fula perfeitamente dominada, os postos não necessitavam de grande força militar, o mesmo acontecendo em Arame e Samogi, respetivamente nas regiões Baiote e Balanta do rio Farim; quanto a Goli e Caraquecunda, os postos deveriam ter guarnição reforçada, era preciso “manter em respeito a gente do chefe Abdul”; Culicunda deveria manter-se ocupada, se bem que com reduzida guarnição; quanto a Bissau, esta precisava de uma forte guarnição “não só para prevenir a eventualidade (pouco provável) de um golpe de mão por parte dos Papéis, como ainda para garantia de segurança do elemento estrangeiro.” Francelino Pimentel escreve para Lisboa que a situação política da província se mantinha pouco satisfatória. Havia grandes falhas no pagamento do imposto palhota. Pedia para a província uma guarnição própria. O ministro do Ultramar responderá em março de 1910 informando Bolama de que as companhias de atiradores e a companhia indígena de Moçambique iriam ser substituídas de duas companhias indígenas de Infantaria, com o efetivo de duas companhias cada, a serem recrutados na Guiné, S. Tomé e Angola. Verificar-se-ão enormes dificuldades no recrutamento de indígenas fora da Guiné.

Um pouco antes da chegada de Francelino Pimentel apresentaram-se em Bolama representantes de todo o Oio pedindo a paz e aceitando todas as condições que o secretário-geral lhes impunha: entrega de todas as armas Snider, construção de três postos à escolha do Governo, multa de 200 vacas e pagamento do imposto a partir de janeiro. Ilídio Nazaré não foi ao Oio para ratificar a condições de paz, o secretário-geral decidiu esperar pelo novo governador.

Ilídio Nazaré irá ser procurado por um representante de régulos que se tinham revoltado, Infali Soncó do Cuor e Boncó Sanhá de Badora, propuseram uma conversa com os grandes e chefes de quase toda as povoações do Oio, procurava-se o reconhecimento de que todos os habitantes do Oio pretendiam a paz. Ilídio Nazaré elaborar um relatório sobre esta digressão através do Oio e relata o teor das conversas havidas com os dois régulos que no passado se tinham revoltado, no fundo eles procuravam o perdão.

Chega Francelino Pimentel à Guiné e aceita perdoar os Papéis, lavrou-se um auto de vassalagem, os régulos de Intim, Bandim e Antula, como representantes do povo da região dos Papéis pediam perdão ao Governo de Sua Majestade, e acatavam certas condições: ficavam obrigados a prestar auxílio ao Governo “quando chamados para castigar povos insubmissos ou rebeldes”, ficando com direito a “metade das presas feitas em gado ou géneros”; não permitiriam que na sua região se praticassem morticínios ou se aplicassem castigos que denodassem barbaridades.

Há ainda a apontar um incidente fronteiriço da circunscrição de Cacine, a delimitação de fronteiras não impediu que continuassem incidentes com indígenas dos territórios franceses. Foi o que aconteceu em Cacine, houve uma incursão de Futa-Fulas que vieram para caçar e cortar borracha no mato. O régulo queixou-se, houve para ali desacatos, demorou a voltar à normalidade. No final de dezembro de 1909 estabeleceu-se um posto militar na região do rio Armada, próximo da povoação Balanta de Bissorã, posto esse que foi atacado no início de janeiro de 1910 pelos Oincas. O novo governador informa o ministro que a criação dos postos militares e a nomeação dos régulos do Cuor e Badora haviam sido feitos contra a vontade do gentio, temia novos ataques dos Oincas, mas havia que ocupar pacificamente as regiões dos Papéis e dos Oincas, e substituir os régulos Abdul e Abdulai “que tão nocivos e prejudiciais têm sido na região de Geba”. Mas havia que aumentar a guarnição, o governador insistia que as forças da província eram insuficientes, insistirá junto do ministro no problema de organização militar, o que escreve merece meditação:
“Por um lado, temos os Papéis, Balantas e Biafadas, aparentemente submissos, por outro a residência de Geba, odiando-se Fulas-Forros e Fulas-Pretos e a região dos Oincas insubmissos; em Cacheu, seis regiões aparentemente submissas, três insubmissas devido a leviandades dos Residentes, por os terem obrigado ao pagamento coercivo do imposto palhota, e os Manjacos – por onde Vossa Excelência pode muito bem calcular que a ocupação pacífica de algumas regiões se tem de fazer inadiavelmente, evitando-se complicações futuras que podem acarretar sérios dissabores.”
E, mais adiante, acrescenta: “O ter-se adiado e esperado que a evolução do tempo se encarregue de resolver importantes assuntos coloniais, bem patente e frisantemente nos tem provado as graves questões diplomáticas que têm advindo, quantos territórios temos perdido, as imposições que temos suportado e as quantias fabulosas que a metrópole se viu obrigada a despender com colunas de operações, quantias que, somadas, dariam para desenvolver e fazer prosperar a maioria das províncias.”

O governador é chamado a Lisboa, no regresso depara-se-lhe um conflito entre o encarregado do Governo e o secretário-geral, consegue recrutar 144 indígenas, pede dinheiro para construir habitação para as famílias deles, o ministro pede para que este problema orçamental fique na província. E assim chegamos ao 5 de outubro de 1910, o governador demite-se, depois diz que não, que é a favor da nova ordem republicana, depois insiste na exoneração, a 21 de outubro entregou o Governo e seguiu para Lisboa. O novo governador, o tenente da Armada Carlos de Almeida Pereira chega a Bolama a 23 de outubro.

Armando Tavares da Silva
Governador Carlos de Almeida Pereira (o primeiro governador da República), 1910-1913
Mapa holandês de 1727, a Guiné seria a Negrolândia
Abdul Injai
Interior da Fortaleza de Cacheu
Governador Francelino Pimentel

(continua)
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Notas do editor

Post anterior de 20 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26294: Notas de leitura (1756): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 23 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26303: Notas de leitura (1757): "Lavar dos Cestos, Liturgia de Vinhas e de Guerra", por José Brás; Chiado Books, 2024 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26318: A Nossa Poemateca (1): "Ladainha dos Póstumos Natais" (1971), de David Mourão Ferreira (1927-1996) (escolha de Valdemar Queiroz, minhoto de criação, alfacinha por adoção)


1. A escolha é do Valdemar Queiroz, que nos enviou no passado dia 19, às 14:25, este pungente poema de Natal, do David Mourão Ferreira (1927-1996), e que, ele, Valdemar, dedica a todos "os que estão sós, velhos e doentes (que às vezes me lembro ser o meu caso)". 

Com este poste inauguramos uma nova série, "A Nossa Poemateca".  

O nosso leitor manda-nos um poema de que gosta, da sua autoria ou de algum poeta lusófono (português, brasileiro,  cabo-verdiano, guineense, são tomense, angolano, moçambicano, goês, macaense, timorense, e por aí fora).  A gente em princípio publica (depois de uma primeira apreciação crítica). 

Temos de ter em atenção os direitos de autor: se o poema não for original, convém indicar a fonte: o autor,o título do livro, a editora, o local, a data, a página...

De qualquer modo, este  é um exercício de "blogoterapia" (ler poesia faz bem à saúde de cada um de nós  e ao moral das nossas tropas...),  mas também de divulgação dos nossos poetas lusófonos ("Do Minho a Timor", sem complexos de superioridade ou inferioridade, e muito menos sem  ressentimentos: afinal, a nossa Pátria é a nossa língua, é um território mais vasto que o delimitado pelas nossas fronteiras...).

O Valdemar Queiroz tem 195 referências no nosso blogue. Integra a nossa Tabanca Grande desde 16/2/2014. Foi fur mil art, CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70). 

Minhoto de nascimento (Afife, Viana do Castelo), veio para Lisboa trabalhar, ainda menino e moço. A inspeção do trabalho nunca deu conta de nada... Afinal, era preciso ganhar para a bucha...Depois foi Valdemar Queiroz "Embaló" lá na zona leste da Guiné, em 1969 e 1970.

É doente crónico, portador de uma DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica). Pai e avô, com filho e netos nos Países Baixos. É um lutador nato e um exemplo para todos nós. "Parte mantenhas" em crioulo com a vizinhança que passa sob a a sua janela: vive na Rua (multiétnica) de Colaride, Agualva-Cacém, Sintra. E é um leitor (e comentador) quotidiano do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Já lhe ofereceram um "pelouro": diz que não quer ser "corrompido"...


A Nossa Poemateca (1)

LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS

Por David Mourão Ferreira (1927-1996)


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito


David Mourão-Ferreira,
in "Cancioneiro de Natal" (Prémio Nacional de Poesia, 1971)
(Lisboa, Editorial Verbo, 1971)

Guiné 61/74 - P26317: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (34): Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª C / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) - Parte IV




Fotos nº 1A e 1 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  " (...) Depois de 7/8 meses a vermos o céu sempre igual e a atmosfera amarelada com as poeiras vindas do deserto, os primeiros pingos grossos de chuva eram celebrados com grande alívio por nós e contagiante alegria pela criançada que aproveitavam as poças de água para se refrescarem, brincarem e encharcarem os adultos incautos"…





Foto nº 2A, 2B e 2   > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > "(...) . Mesmo em cenário de guerra havia disposição para 'jogatanas' de futebol. Este campo foi construído durante período que vivi em Fulacunda. Havia ainda um outro campo térreo, que na época das chuvas ficava impraticável para futebol."... (Na foto 2B, o Jorge Pinto, é o do meio, o quarto a contar da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda)






Foto nº 3A  e 3 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Soldados construindo a capela cristã.... Claro, não podia faltar o "bioxene" aos carpinteiros, a trabalhar ao sol...



Foto nº 4 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  O alf mil Jorge Pinto lendo a revista norte-americana "Time" (talvez esquecida por algum "velhinho" que tenha por ali passado: a revista é de  10 de maio de 1971).


Foto nº 5 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  Capa da revista "Tine, edição de MAY 10, 1971: "How to cope with Japan's business | Sony's Akio Morita"-|  (Como lidar com os negócios do Japão | Akio Morita da Sony. )
 
Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagemcomplementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


1. O Jorge Pinto [ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Turquel, Alcobaça; professor do ensino secundário, reformado; membro da Tabanca Grande desde 17/4/2012, com 6 dezenas de referências no blogue ] tem o melhor álbum fotográfico sobre Fulacunda, região de Quínara, chão biafada. Pela qualidade técnica e estética bem como pelo interesse documental dos "slides" que tirou. 

Estamos a republicar, depois de reeditadas,algumas das suas melhores fotos (*).

________________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 21 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26296: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (33): Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª C / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) - Parte III

Guiné 61/74 - P26316: Casos: a verdade sobre... (51): a terrível emboscada na estrada Ponte Caium-Piche, em 14/6/1973 (ex-sold cond auto, Florimundo Rocha, c. 1950-2024; ex-fur mill Ribeiro, natrural de Braga, CCAÇ 35446, Piche, 1972/74)



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > Dezembro de 2015 > O que resta do célebre memorial do 3º Gr Com da CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974)), dedicado aos seus mortos: "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold AP Dani Silva. 3º Gr Comb, Fantasmas e Lestos (?). Guiné- 72/74" (***)...

O Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, natural de Valpaços, morreu aqui, vítima de uma armadilha que ele montava e desmontava com regularidade, na margem do rio... A trágica ocorrência foi no dia 19 de fevereiro de 1973...  O 1º cabo Torrão, e os soldados Gonçalves, Fernandes e Santos morreram numa emboscada entre a Ponte Caium e Piche, em 14 de junho de 1973).

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A CCAÇ 3544 (Piche e Pontre Caium, 1972/74) pertencia 
ao BCAÇ 3883 (Piche, 1972/74) (***)



Florimundo Rocha
(c. 1950-2024)
1. Morreu há dois meses o nosso camarada Florimundo Rocha (ex-sold cond auto, CCAÇ 3546, Piche e Ponte Caium, 1972/74, natural de Lagoa, membro da Tabanca Grande, desde 11/4/2011 [foto à direita, Ponte Caium, 1973] (*):

Ele era um dos sobreiventes dos ocupantes do Unimog 411 ("burrinho"), que ia à frente da pequena coluna  que foi emboscada em  14/6/73, a escassos quilómetros de Pixhe.  Ele era o condutor.

Em sua homenagem, voltamos aqui a reproduzir a reconstituição desse confronto com o IN, juntando a também a versão d0 fur mil Ribeiro (natural de Braga) que ia ao lado do condutor, e que foi gravemente ferido. (**)


I. O Rocha já não se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973.


Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o “burrinho do mato”, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa, Alfama) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos…

II. Também não pode precisar a hora exata, mas terá sido depois das 9 da manhã. "Foi seguramente da parte da manhã".

Antes de partirem para Piche, uns tinham jogado à bola, e outros (uma secção) tinham ido à lenha, como era habitual… Eram actividades que eles faziam pela fresca. Lembra-se que o Torrão nesse dia estava de serviço à lenha. Quanto ao futebol, costumavam jogar, de manhã, pela fresca. O Rocha não falhava um jogo, aliás veio continuar, depois da peluda, a jogar futebol, em clubes da 2ª e 3ª divisões, no Algarve. (Ele era naturaçl de Lagoa.)


III. Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras.


Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que “malta de Buruntuma [CCAÇ 3544], ou de Camajabá [outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]” também vinha atrás, numa terceira viatura…

O "Wolkswagen" (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele, no Unimog 411. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores.

IV. A distância entre a primeira viatura (o Unimog 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de “80 metros”. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o “burrinho” dava, em estrada alcatroada.

O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi “na curva” que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. “Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil”… Pelo número de efectivos (falava-se no fim “em mais de 200”), está visto que a emboscada “não era para eles”, mas sim para o pessoal de Piche.

V. Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na “zona de morte”, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. 

O Rocha ficou caído no lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo (da estrada Ponte Caiuu- Piche).  O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN.

VI. A emboscada poderá ter demorado “15 a 20 minutos”… O IN teve tempo para tudo: meio escondido, a uns 50 metros já da viatura sinistrada e dos camaradas feridos, viu uns gajos "brancos", “cubanos”, a falar espanhol, a saltar para a estrada… Já não pode precisar quantos eram, mas eram sobretudo “brancos”, poucos negros… Falavam em voz alta, e diziam qualquer coisa, em espanhol, como “condutor morto, condutor morto”… 

Completamente impotente, sem poder intervir, viu com os seus próprios olhos o espectáculo macabro, os tiros de misericórdia que acabaram com a vida dos camaradas moribundos, tiros na nuca ou na boca. Confirma o que já tínhamos dito antes: os corpos foram depois retalhados, por rajadas de Kalash…

VII. Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada.

 Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como “dormia todos os dias, como ainda hoje dorme” (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)…





Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da Ponte Caium > Da esquerda para a direita: O 1º Cabo Pinto, e os soldados Ramos, Cristina (segurando granadas de morteiro 60), o "Wolkswagen#, o Fernandes, de pé (outro que morreu na emboscada de 14/6/1973) e o Silva ("que percorreu 18 km com um tiro no pé!")... Foto e legenda do Jacinto Cristina: falta identificar o condutor do Unimog 404.

Foto: © Jacinto Cristina (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


VIII. A única versão que até agora tínhamos desta emboscada, era a do Cristina (que ficou no destacamento e que, portanto, só pode contar o que lhe contaram os sobreviventes; ou do que se lembra dessas versões, e que já aqui resumimos, em tempos:

(...) “Em data que o Cristina já não pode precisar, a sua companhia sofreu uma violenta emboscada, entre Piche e Buruntuma, montada por um grupo ‘estimado em 400’ elementos IN (ou ‘turras, como a gente lhe chamava’)...Um RPG 7 atingiu a viatura da frente da coluna, que ia relativamente distanciada do grosso da coluna, e que explodiu...Houve de imediato 4 mortos: O Charlô e o Fernandes foram dois deles... Dos outros dois o Cristina já não se lembra.

(...) “Com as granadas de mão dos mortos, o 'Wolkswagen' conseguiu aguentar o ímpeto da emboscada, mas chegou a ter uma Kalash apontada à cabeça... Ninguém sabe como ele se safou... O Silva por sua vez levo um tiro no pé, fugiu, e mesmo ferido fez 18 km até ao aquartelamento”...


IX… E voltamos ao monumento erigido à memória dos mortos da Ponte Caium (vd. foto acima). A ideia, não há dúvida, “foi do Alexandre”, do Carlos Alexandre, o "Peniche". que tinham conhecimentos de moldes por trabalhar na construção naval, na sua terra, Peniche.

 Ele, Rocha, também deu uma ajuda. Mas não lhe perguntem datas nem pormenores. Disse-lhe que o Cristina já não se lembrava de nada e que o Alexandre estava furioso por causa da amnésia dos camaradas.

X. Disse-me, por outro lado, que a filha ia mandar-nos as fotos pedidas, para poder entrar na nossa Tabanca Grande.

 Sentiu-se muito bem em falar comigo e contar toda esta tragédia. Estava mais calmo do que da primeira vez, em que me falou desta tragédia, emocionadíssimo. É um homem simples e franco. Pu-lo à vontade, mas ainda não consegui que ele me tratasse por tu… “Muito obrigado, o senhor (sic) tem aqui uma casa às suas ordens, quando vier a Lagoa”…

XI. Da nossa conversa, à noite ao telefone (foi ele que me ligou), fiquei a saber que, em janeiro de 1973, tinha vindo de férias à Metrópole. 

Estava, de regresso, em Piche quando se deu a tragédia que matou o furriel Cardoso, já em 19 de fevereiro de 1973. Só depois dessa data é que foi para a ponte, para onde ninguém gostava de ir. E por lá ficou até ao fim da comissão.

XII. Mas logo a seguir, aconteceu outra tragédia: a morte do Silva, apontador de canhão sem recuo… 

Morreu na sua viatura quando tentaram levá-lo, moribundo, até ao helicóptero, foram pela estrada fora, sem picar, sem segurança. Tarde demais. Um estúpido acidente, que marcou muito o grupo.

XIII. Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explosão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro “grande”, o 81…

O Rocha esclarece ainda que na foto de grupo [vd. poste P8029], não é o Santiago (que é da Covilhã), mas sim o Serra (que é de Barcelos), quem aparece à esquerda, de pé…

XIV. Nunca foi a um convívio do batalhão ou da companhia. Voltei a dar-lhe os contactos telefónicos do Jacinto Cristina. Tentara ligar para o fixo, mas ninguém atendeu. Em, contrapartida, já tinha falado com o Alexandre (ou o Alexandre com ele), o "Peniche"….

Sobre a ponte diz que era de boa construção, dos princípios dos anos 60. “Até se dizia que tinha sido construída pelo Amílcar Cabral”… Rectifiquei: o Cabral não era engenheiro de pontes, mas agrónomo… Não bate certo…

XV.  Outras memórias da ponte: O gen Spínola um dia aterrou lá, estavam a jogar futebol… Usavam todos barba e cabelo compridos. 

Não havia barbeiro. O Spínola deu uma piada qualquer, ia de heli para Buruntuma.

XVI. Despedi-me do Rocha, para o poupar, mas com a promessa de voltarmos a falar, com mais tempo e vagar. Percebo que lhe fazia bem. 

E que, por outro lado, só lhe interessa a verdade dos factos… Parece ter boa memória fotográfica.



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > 3º Grupo de Combate (Os Fantasmas do Leste) > Destacamento da Ponte de Caium > 1973 > Álbum fotográfico do Florimundo Rocha >  A famosa equipa de futebol: 

"Em primeiro, ao centro, o Rocha, o dono da bola, à direita o José Alberto, à esquerda o Pinto [que o Jacinto Cristina voltou a reencontrar 38 anos depois]. 

"De pé, na segunda fila, à direita, o Barbeiro, o furriel Barroca, o Santiago que tem a fita na cabeça, e o furriel Ribeiro" (Legenda: Carlos Alexandre, Peniche).


Foto: © Florimundo Rocha (2011). Todos os direitos reservados .
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Reproduzimos a seguir o comentário do ex-fur mil Ribeiro, que vive hoje em Braga, e que pertencia ao 3º Gr Comb ("os Fantasmas do Leste") da CCAÇ 3546 (Piche e Ponte Caium, 1972/74), ao poste P8061 (****). 

É pena não haver mais versões,  que nos permitissem, por exemplo, confirmar a alegada participação de cubanos e a  crueldade dos tiros de misericórdia aos moribundos (cujos cadáveres terão sido depois retalhados com rajadas de Kalash, com requintes de selvageria) (*****).

A única informação de dispomos, do lado do exército, é a que é reproduzido pela CECA (2015):  não bate certo com as versões aqui apresentadas, que falam em quatro mortos (o 1º cabo Torrão, e os soldados Gonçalves, Fernandes e Santos), quatro feridos graves, evacuados para o HM 241 (o fur mil Ribeiro, mais o   Algés, o Silva e o Rolo), e um Unimog 411 destruído por LGFog RPG...

Além disso, os militares emboscados não podiam perfazer dois grupos de combate: só havia um destacado na Ponte Caium (er alguns militares tiveram que lá ficar para assegurar a sua defesa, como foi o caso do Jacinto Cristina, que era municiador de morteiro 81, e o Sobral, que era o apontador)...  

Segundo o testemunho reproduzido a seguir, do ex-fur mil Ribeiro (e que bate certo com a informação que me deu em tempo o Jacinto Cristina), o destacamento da Ponte Caium foi a Piche com um "seção reforçada", num Unimog 411 (e uma Berliet de Camabajá (carregada com materiais de construção). 

Fazer uma coluna destas, numa distância de mais de 20 km, com um "burrinho" e uma secção, era temerário... Dá impressão que alguém (o comando do BCAÇ 3833, ou o comandante da CCAC 3546) quis "branquear" a situação... 

"Acção - 14Jun73

Pelas 08h45, na região de Copiró 
 [e não Capiró] sector L4, na área de Piche, 2 GComb / CCaç 3546 foram emboscados por um grupo inimigo que causou às NT 3 mortos, 2 feridos graves e 14 feridos ligeiros na região de Copiró. 1 viatura "Unimog" das NT ficou danificada."


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pág. 302 (Com a devida vénia...).


3. Comentário do fur mil Ribeiro, 3º Gr Com / CCAÇ 3546 (****):

Caro amigo Florimundo Rocha, gostava de fazer algumas correcções ao teu comentário sobre a fatídica emboscada de 14/6/1973:

Ponto nº I:

(…) “O Rocha já se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973. Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o ‘burrinho do mato’, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa. Alfama) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos” (…) (FR).


Quem ia de pé ao teu lado era eu, furriel Ribeiro; atrás, sentados do lado esquerdo (da morte), ia o Fernandes, o Torrão, o Charlô e o Santos, todos estes camaradas morreram; e do lado direito ia o Rolo, o Algés, o Silva e não me lembro quem era o outro que falta.


Ponto nº III :

(…) “Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras. Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que ‘malta de Buruntuma [CCAÇ 3544, ], ou de Camajabá [outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]’ também vinha atrás, numa terceira viatura… O 'Wolkswagen' (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores” (…) (FR).


Nós fomos a Piche porque já não havia mantimentos, o alferes Afonso, do 1º pelotão, chegou à Ponte Caium e pediu-me para eu lhe disponibilizar uma secção e um Unimog para ir a Piche buscar alguns mantimentos. Não vinha ninguém de Buruntuma, apenas vinha uma Berliet de Camajabá.

Ponto nº IV:

(…) “A distância entre a primeira viatura (o 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de ‘80 metros’. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o ‘burrinho’ dava, em estrada alcatroada. O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi ‘na curva’ que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. ‘Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil’… Pelo número de efectivos (falava-se no fim ‘em mais de 200’), está visto que a emboscada ‘não era para eles’, mas sim para o pessoal de Piche. (…) (FR).


A emboscada não era para nós mas sim para uma coluna de grande reabastecimento de munições para Buruntuma que, não se sabe porquê!, foi anulada em Nova Lamego.


Ponto nº V:

(…) “Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na ‘zona de morte’, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. O Rocha ficou caído no lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo. O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN. (…) (FR).


O nosso burrinho foi atingido com um RPG 7 na parte de trás do banco do condutor na chapa da carroçaria e com outro RPG 7 no gancho do reboque, foi isto que fez com que o Unimog saltasse, e o pessoal foi cuspido e perdemos as G3 mas tu apanhaste 2 ou 3 e uma delas era a minha, obrigado Rocha.

 Ponto VII:

(…) Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada. Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como ‘dormia todos os dias, como ainda hoje dorme’ (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)… (FR).


Ó Rocha, não tiveste o meu conforto porque eu não to pude dar, visto eu ter sido evacuado para o hospital em Bissau, com o Algés, o Silva e o Rolo, e todos nós estávamos tão chocados como tu.


Ponto XIII:

(…) “Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explosão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro ‘grande’,  o 81” (…) (FR).


Os Furriéis estavam sempre juntos na ponte, primeiro foi o furriel Cardoso que foi tomar conta da passagem do destacamento do 4º para o 3º pelotão; passada uma semana foi o pelotão com o furriel Barroca para a Ponte Caium e eu, furriel Ribeiro,  fui uma semana mais tarde porque fiquei a aprender a fazer e a ler […] (codificar e descodificar mensagens ). Estivemos sempre juntos e no dia da emboscada quem estava na Ponte Caium era o furriel Barroca.



4.  Comentário do editor:

Não temos aqté  agora (passados 13 anos!) qualquer contacto do Ribeiro (telemóvel, telefone, email...), a não ser este comentário. Dizem-nos que vive em Braga. Mas sabemos que é leitor do nosso blogue. 

Aproveitámos, na altura, em 2011,  para lhe agradecer os preciosos esclarecimentos adicionais que veio trazer sobre esta emboscada de que ele felizmente escapou, embora ferido com gravidade.

 Não é fácil "voltar ao passado" e reviver momentos terríveis como este. Mais um razão para o Ribeiro se juntar â nossa Tabanca Grande, composta na sua grande maioria por camaradas da Guiné, de diferentes épocas da guerra, de 1961 a 1974, e de diferentes lugares, de norte a sul, de leste a oeste... Continua  de pé o nosso convite,s e por acaso ele nos voltar a ler.
 




Guiné > Zona Leste >  Região de Gabu > Carta de Piche (1957) (escala 1/50 mil) > Local provável, assinalado a vermelho,  na zona de Copiró, da emboscada, levada a cabo por um forte dispositivoo do PAIGC, integrando "cubanos", a "três ou quatro quilómetros de Piche", a seguir a a um curva, do lado esquerdo da estrada (alcatroada) Ponte Caium-Piche, em 14 de junho de 1973. 

 O troço Ponte Caium-Buruntuma não estava alcatroado em 1974 (segundo o depoimento do Rocha). Repare-se que estamos perto da fronteira com a Guiné Conacri, na direcção sudeste (para onde terão retirado as forças do PAIGC, que seriam  c. de 200, segundo a versão do Rocha, um número de qualquer modo impossível de confirmar).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

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Notas do editor:



Vd. também poste de 24 de março de 2010 > Guiné 64/74 - P6042: Tabanca Grande (209 ): Jacinto Cristina, natural de Ferreira do Alentejo, CCAÇ 3546 (Piche e Caium, 1972/74): Foi soldado atirador, mas a guerra fê-lo padeiro...

(*****) Último poste da série > 4 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26230: Casos: a verdade sobre ... (50): António Lobato, sete anos prisioneiro de Amílcar Cabral e Sékou Touré / L' affaire Antonio Lobato, sept années prisionnier d' Amilcar Cabral et de Sékou Touré