domingo, 31 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3157: História da CCAÇ 2679 (1): Apresentação (José Manuel Dinis)


1. Mensagem de José Manuel Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 26 de Agosto de 2008:

Olá Pessoal da Tabanca!

Não fiz a apresentação da CCAÇ 2679, pelo que refiro, teve origem no BII19, no Funchal. Os atiradores eram todos oriundos da Ilha, autênticas pérolas, sendo os graduados e os especialistas originários do Continente. Ali fizemos, recruta, especialidade e IAO, a par de actividades civis de grande nível gozatório. Que pena a paródia da despedida não estar no âmbito do blogue.

Embarcados no Uíge, nas condições por demais descritas por outros camaradas, aportámos em Bissau no dia 2 de Fevereiro de 1970.

Navio Uíge > Foto retirada do Site Navios no Sapo, com a devida vénia

Experimentávamos o calor pegajoso. Aos primeiros alvores, já havia muita gete desperta a olhar para a margem de vegetação densa. As cores eram diferentes. O verde não era bem verde. A torrente de água não era translucida. O Geba parecia café com leite, efeito da erosão e dos movimentos das marés. E, subitamente, parecíamos chegar ao inferno, com o estrondo de sucessivos rebentamentos. Era a guerra no seu esplandor.

Ia nas nossas cabeças que na Guiné a guerra era ao metro quadrado. Os aspectos contidos e graves. No íntimo, cada um pensaria na sua capacidade para sobreviver.

Até que aparece o Pidgiguiti, a ponte cais para o desembarque. Começa a circular o aviso para não nos deixarmos olhar pelos estivadores, com certeza com ligações aos turras, que nos identificariam como alvos preferenciais. Houve quem ficasse apreensivo. Tudo correu com normalidade inquietante. A curiosidade em redor era parcimoniosa, muito diferente de um grupo excursionista. A terra sufocava. E o nosso destino foi o Quartel de Adidos em Brá.

Terá havido alguma indecisão sobre o destino a dar à Companhia, pelo que, com excepção dos serviços, tivémos dezoito dias de férias antecipadas, tempo suficiente para os procedimentos de iniciação à vida africana.

Em Bissau, sê bissalense. Fiquei desconfiado com as heroicidades e perigos profusamente explanados na 5.ª Rep, o Bento. E experimentei as ostras no Zé da Amura. Fui jantar ao Solar dos Doze, completamente rendido ao fado e ao tinto. Fui à Meta atraído pela pista de automóveis, mas não experimentei as aceleradelas naquela confusão constante, bebi Monks e, provavelmente, deixei o ADN no meio dos apalpões à grande bunda da camareira.

Recusei o Pilão que imaginava um Vietnam. Nos Adidos reencontrei um contemporâneo de colégio, mais velho, em regime de prisão, que chorava e cantava o fado com fervor, após petisqueira e beberricagem, generosamente providenciada pelo senhor Peniche, com vário anos de Guiné, em virtude dos sucessivos processos disciplinares.

Soldado, sargento, capitão, era conforme, na modalidade de prisão aberta, era figura pública que providenciava os géneros para as festas celulares, espaço aberto à minha responsabilidade.

Nos entretantos, aprendi a evitar as árvores em caso de ser atacado, nada como o baga-baga, a não me sentar à frente no unimog, nem do lado do depósito de combustível, a cortar as orelhas aos turras abatidos e a deixar um cartão de cumprimentos nos corpos abandonados... coisas interessantes que a instrução ignorou.

Um dia fui tomar conta de um Posto de Transmissões, a primeira missão, e ali contactei com as térmitas e um imponente baga-baga, coisa nunca vista.

Outro companheiro de colégio, que acompanhava as senhoras do Movimento Nacional Feminino, ofereceu-me um camuflado parecido com os dos Páras e, por força disso, causei grande espanto, quando em 20 de Fevereiro de 1970, a Companhia, na totalidade, embarcou em LDG, de Bissau para o Xime, e fui respeitado como um veterano duro e circunspecto, disfarçando a condição piriquitante.

Após o desembarque organizou-se a coluna motorizada para Nova-Lamego, onde chegámos ao anoitecer. Lembro-me da impressão que me causou uma árvore fracturada e queimada, em consequência de uma roquetada, onde se destacava o corpo da granada meio enterrado num tronco, conforme explicação abalizada do condutor, velhinho manhoso.

E lembro-me do ensinamento de que todos os cuidados são poucos, concerteza a martelar o alferes mais atrevido, pela sua imagem, deitado e barricado com as bagagens, entre as pernas dos soldados sentados no banco da viatura, com a arma apontada para o mato.

À humidade dos corpos, juntava-se a poeira até Bafatá. Tanta coisa nova, como ração de combate para todo o dia. Por acaso porreira, com chouriço e patê, a que juntei cervejinha para molhar o bico. Passámos a noite numa Repartição Pública, em colchões espalhados no chão, juntinhos, que o espaço não era a perder de vista.

Cumprimentos ao pessoal
José Dinis

P.S. - Desculpem a falta de revisão ao texto, mas as diabruras do computador associadas às traições da minha vista, deixam-me sem paciência, e com mau feitio. J.D.
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Nota de CV:

Vd. poste de 24 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3147: Tabanca Grande (83): José Manuel Dinis, Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda (1970/71)

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Dinis,

A tua cara não me é estranha, já nos cruzámos aqui pelo Estoril ou Cascais prezumo.

Temos de nos encontrar e formar uma mini Tertulia aqui pela linha, pois há "manga" deles que estiveram na Guiné.

O Mourão, presidente da junta de freguesia do Estoril, o Graça Abreu professor em Mafra e outros muitos mais, passaram por aquela bonita terra.

Já agora como mais velho e como ainda fui de "Amarelo", não fales nas orelhas senão podes ter umas assobiadelas.

Um Abraço do tamanho do Cumbijã.

Mário Fitas (Estoril, Bº. Stº. António.