Quinta da Senhora da Graça, São João de Lobrigos, estrada de Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião > 28 de Agosto de 2008 > Fim de tarde, com a serra do Marão ao fundo... Imponente, poética, misteriosa, esmagadora... Cercada de verde por todos os lados...
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > O José Manuel Lopes in su situ, o Alto Douro Vinhateiro, património mundial da humanidade...
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > A entrada, íngreme, da quinta que o Zé Manel recebeu de herança do seu avô materno ("com pagamento de tornas, aos restantes herdeiros", convém que se diga...).
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > O Zé Manuel, em "farda nº 3", a de trabalho, mostrando as vistas da sua quinta... "Com um pé no Douro, e uma mão o Marão", como ele gosta de "legendar". Na foto, à direita, o meu cunhado, Augusto Soares (Gusto, na intimidade), economista e gestor reformado, e o nosso especialista em vitivinicultura na Nossa Quinta de Candoz, que fica na região demarcada do vinho verde (Marco de Canaveses, Paredes de Viadores, sub-região de Amarante).
Fotos, texto e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
1. Na passada 4ª feira, dia 27 de agosto, ia eu a caminho do Marco de Canavezes para passar os últimos dias de férias na nossa Quinta de Candoz, quando dei conta que tinha um registo de chamada no meu telemóvel. Era do Zé Teixeira. Lembrei-me então, mas já tarde, que às quartas feiras está, de há muito, marcado encontro semanal da tertúlia de Matosinhos, na Casa Teresa. Imaginei que o Zé Teixeira me estivesse a convidar a desafiar para aparecer lá. E não me enganei, depois de entrar em contacto com ele, à hora do almoço. Estiveram lá quase todos os tertulianos habituais, incluindo o José Manuel Lopes .
Aproveitei então esta última semana de férias para concretizar outros projectos, um dos quais foi o da visita ao José Manuel Lopes, na sua Quinta da Sra. da Graça, perto da Régua. Estava planeada desde o nosso último encontro, em Monte Real. Bastou-me telefonar-lhe para ele, de imediato, se mostrar disponível para nos receber, a mim, à Alice e aos meus cunhados Nitas e Gusto. A visita ficou marcada para as 13h de 5ª feira passada, dia 28.
A Quinta da Sra. da Graça fica a 2 ou 3 km de Peso da Régua, na estrada nacional nº 2, Régua-Santa Marta de Penaguião-Vila Real. Por detrás da quinta passa a A24. Já faz parte do concelho de Santa Marta de Penaguião, freguesia de S. João de Lobrigos. A estrada apanha-se junto às três pontes da Régua, um dos locais que está ligado às memórias de infância do Zé Manel.
Peso da Régua > 28 de Agosto de 2008 > O sítio das três pontes... É aqui que se toma, à esquerda, a estrada para para Santa Marta de Penaguião, paralela à A24... A 2 ou 3 quilómetros fica a Quinta da Senhora da Graça... Em primeiro plano a velha ponte do Eiffel, hoje desactivada... Tinha um tabuleiro de madeira onde passavam carros de bois e peões... Um ex-libris da Régua. Tiveram o bom senso de não a deitar abaixo, contrariamente ao que é habitual neste país com o património edificado...
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Abril de 2008 > Estrada Peso da Régua - Santa Marta de Penaguião - Vila Real, paralela à A24 > Tabuleta com a indicação do acesso à quinta.
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Foi-me fácil dar com o sítio. Parti de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canavezes, seguindo pela margem direita do Douro, por Eiriz, até à Régua. São cerca de 70 km de paisagens magníficas, a começar pelas terras de São Martinho do Zêzere, onde fica a Quinta de Tormes, imortalizada numa das obras-primas do Eça de Queirós, A Cidade e As Serras. (Na Quinta de Tormes está a sede da Fundação Eça de Queirós.) Parando em dois ou três miradouros, é mais de 1 hora de viagem, numa estrada, de piso recentemente melhorado, mas de traçado antigo, cheio de curvas e contracurvas.
Reconheci de imediato o Zé Manuel, a trabalhar no seu armazém, a ultimar uma encomenda de vinhos. De costas, não se apercebeu da minha chegada. Estava, para mais, a ouvir num velho leitor de CD músicas do seu/nosso tempo: Zeca Afonso, Pink Floyd… Percebi, pelo traje desportivo, que tinha acabado de fazer o seu jogging (12 km, o que é uma obra, no verão, no Alto Douro, em que o termómetro ultrapassa por vezes os 40 graus)...
Nesse preciso momento chegava um casal de turistas, franceses, de carro, à procura de pernoita. Julgo que iam a caminho do Alto Minho, demandando a Pousada de Terras do Bouro. Tinham visto, na estrada, a tabuleta Quinta Sra. da Graça. O Zé Manuel, além de vinho, faz turismo rural. Tem 3 quartos, que quer alargar para 7 dentro em breve. Foi uma solução de recurso, devido à perda de rendimento que implicou a expropriação de mais de metade da quinta, para a construção da autoestrada, que passa ali ao lado, a A24.
Feitas as apresentações e as ofertas (trouxemos-lhe uma caixa do nosso vinho verde, produzido na Quinta de Candoz), o Zé Manel de imediato nos foi mostrar a sua casa e a sua quinta. E o dia foi curto para pôr a conversa em dia… Entretanto, chegou a Maria Luísa Valente, e foram-nos depois apresentados os filhos do casal: a mais nova, a Marta, estudante, que dentro de poucas semanas irá para Coimbra fazer o seu curso de Design e Multimédia; e o Vasco, de 24 anos, talentoso e medalhado enólogo, além de disc-jokey nas horas vagas…
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > O edifício que veio do tempo do avô: reconstruído depois do incêndio de 1959: hoje funcionam como armazém , a parte de baixo; e ampla sala de jantar para eventos, a parte de cima (com vistas fabulosas sobre a Régua, o rio Douro, os vinhedos, a serra do Marão). A piscina (salgada...) é uma das amenidades que está associada à parte hoteleira... Na foto em baixo, o Zé Manel explica como encontrou esta relíquia arqueológica, enterrada no xisto: um moinho manual para o milho...
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
A Quinta da Senhora da Graça pertencia ao avós maternos do Zé Manuel. Eram originalmente sete hectares de solos de xisto, íngremes, duros de trabalhar, situados entre os 250 e os 400 metros, onde não entra tractor, só mula ou macho… Dali pode-se, de facto, metaforicamente falando, “ter um pé do Douro” (com a Régua, lá em baixo, à nossa esquerda) e “uma mão no Marão” (imponente, azul, no seus 1800 metros de altitude, rodeada por um mar verde de vinhedos)… A frase, de antologia, é do Zé Manel, cuja paixão pelo Douro e pelo Marão eu só conhecia dos seus poemas de Mampatá…
Foi a casa onde o Zé Manel cresceu e viveu até ir para a tropa. O resto da familía (pai, mãe e mais seis irmãos) vivia na Régua onde o pai era tesoureiro da câmara municipal e projectista do cinema local (Não admira, por isso, que o Zé Manel seja também um cinéfilo, e passe hoje, desolado, pelo velho edifício do cine-teatro da Régua, em ruínas; tal como eu, tem no Cinema Paraíso, do italiano Giuseppe Tornatore, 1988, um dos filmes da sua vida).
A casa ficou em ruínas, depois de um incêndio em 1959, sendo depois reconstruída pelo avô (que é uma figura de referência para o Zé Manel). Quando veio da tropa, o nosso camarada fez questão de lá continuar a viver e a dedicar-se à vitivinicultura. Entretanto, trabalha numa empresa inglesa, do ramo de vinhos, a Cockburn & Smith. Casou com a Luísa em 1983, e por um questão de ética e deontologia profissional, a exploração da Quinta da Sra da Graça ficou em nome da Maria Luísa Valente Lopes. O Zé é um homem de valores.
Quinta Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > Em cima, o Zé Manel e a Luísa, sua companheira, que ele trata por você, com grande ternura... Foi uma das suas musas inspiradoras, no tempo em que fazia poesia... Em baixo, gravura dos tempos heróicos do Douro, emoldurada. Local: A Tendinha, casa de pasto, muito popular, da Régua (cidade onde, de resto, há excelentes restaurantes, para todas as bolsas, ou quase...).
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
O Zé Manel trabalhou cerca de 30 anos na empresa inglesa, até à morte do Sr. Smith, um antigo piloto da RAF (força área britânica), cujo avião foi abatido pelos alemães no Canal da Mancha, sendo o inglês recolhido por pescadores franceses… Mesmo sabendo isso, o Zé Manel nunca confidenciou ao patrão que tinha feito a guerra colonial na Guiné… Ele vem a sabê-lo mais tarde, quando alguém, um antigo camarada de Mampatá, apareceu, nos escritórios de Gaia, a pergunta por um tal José Manuel que tinha estado na Guiné e que ninguém, pelos jeitos, conhecia… (O sr. Lopes trabalhava na filial, na Régua; em Mampatá era apenas conhecido por José Manuel...). o sr. Smith um dia veio expressamente à Régua para conhecer, de mais perto, o seu colaborador que, afinal, também tinha – Você nunca mo disse! – repreendeu-o.
– É uma aspecto do meu currículo que não interfere minimamente no meu trabalho – desculpou-se o Zé Manel.
Vê-se que fala, com grande simpatia e cumplicidade, do seu antigo patrão que ía todos os anos a França pagar a sua dívida de gratidão à família que o salvou, na II Guerra Mundial, e a que atribuiu uma pensão vitalícia…
Depois da morte do sr. Smith, a empresa passou de mãos, ficando sob o controlo de uma multinacional, inglesa, e o Zé Manel optou pela rescisão amigável do contrato e pela indemnização a que teve direito. A partir daí, dedicou-se a tempo inteiro à sua paixão, que é fazer vinhos do Douro… A exploração continua em nome da Maria Luísa Valente Lopes...
O resto da história é conhecida: recentemente, um dos seus vinhos tintos DOC, o Pedro Milanos Reserva 2005, ganhou um espectacular 2º lugar (medala de prata) numa competição internacional, em provas cegas, no meio de milhares de produtores de todo o mundo… Não faltaram as invejas, as intrigas, os ciúmes, num meio (o vitivinícola, do Douro) que é afinal pequeno (40 mil produtores, meia dúzia de grandes empresas e seus enólogos que dominam o sistema):
– O que se passa a nível da enologia nacional é vergonhoso: há enólogos-turbo que fazem vinhos de Norte a Sul do país… Ora o enólogo não pode estar em toda a parte ao mesmo tempo… E tem meia dúzia de semanas, num ano, para mostrar o que vale.. O que se passa é que eles põem os putos, como o meu, a trabalhar para eles, por tuta e meia (menos de 500 euros)… E quem ganha os prémios, não são os putos, são eles… É difícil a uma jovem enólogo afirmar-se em Portugal, rompendo com as regras (viciadas) do sistema. Por isso alguns, e dos melhores, acabam por emigrar. Para o Chile, por exemplo. Ainda há dias uma amigo e colega do meu filho Vasco veio cá despedir-se da gente…
Não se pode ser mais frontal e corajoso, ao denunciar uma situação, como esta, que é pouco conhecida dos consumidores, e que mexe com muitas coisas (poder, dinheiro, prestígio, história, cultura, consumo, gastronomia, deontologia profissional, ética nos negócios, responsabilidade social...). Mas o Zé Manuel é também um homem lúcido e desassombtado: acabada a minha geração, desaparece esta paisagem que eu tanto amo... Somos cerca de 40 mil produtores, mas poucos, muito poucos, são verdadeiros profissionais. Não há cultura empresarial. E a terra atinge preços altamente especulativos... Há tempos pediram-me dez mil contos por um bocado de chão que confina com a minha quinta... Eu disse ao dono que nem mil lhe dava: dez mil contos é um investimento que nunca mais vou recuperar em vida...
Quinta Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > A adega onde o Zé Manel faz o seu vinho... Na foto de cima, meias pipas de carvalho francês onde envelhecem os lotes de vinho feitos com as diferentes castas... Para quem não sabe e acha caro um vinho de reserva DOC, um casco de carvalho novo, francês, importado, custa 750 euros mais IVA... Usa-se uma vez, só uma vez, para dar o gosto da madeira ao vinho... Depois serve apenas para o vinho de segunda escolha e, por fim, para a aguardente... E com meia pipa (cerca de 300 litros), engarrafam-se no máximo 400 garrafas... que podem ser vendidas directamente pelo produtor a 5 euros cada (30 euros uma caixa de seis)... Como se vê, um pequeno produtor (de 30 pipas...) nunca poderá enriquecer a produzir e a vender vinho... Resta a paixão, o saber-ser, o saber-estar, o saber-fazer... O ser é mais importante que o ter: esta é a filosofia do Zé Manel e da Luisa, que têm uma lindo projecto de vida em comum...
Na foto em baixa: os tachos com que se serve a comida, no campo, por altura das vindimas... O Zé Manel garante não ter problemas de falta de mão de obra: nas vindimas, os trabalhadores, sazonais, comem à mesa da família, são bem tratados e bem pagos... A vindima pode mobilizar quinze a vinte pessoas. O vinho tinto é todo pisado ao pé, como manda a tradição e a ciência... Durante o ano, o Zé Manel tem apenas um colaborador, externo à família, que o ajuda nos trabalhos agrícolas... Além de excelentes vinhos, a Quinta também produz um maravilhoso azeite - cerca de 600 litros - que desaparece num ápice: colhe-se à colher, ensopado no pão, no prato, de todas as maneiras e feitios... As oliveiras, aqui, bordejam os vinhedos.
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
É um homem generoso, lúcido, apaixonado mas realista, combatente, crítico e às vezes cáustico que nos fala da sua terra (a Régua) e da sua região (o Alto Douro Vinhateiro, “património mundial da humanidade”)… É crítico em relação às elites, às famílias importantes... Não perdoa os crassos erros de urbanismo que se têm cometido na Régua, em nome do poder autárquico, democrático, e que descaracterizaram a cidade:
- Dantes, toda a gente tinha acesso à vista de rio, a partir da janelas das suas casas… A especulação imobiliária e a ditadura do betão mudaram o perfil da cidade. A excessiva volumetria dos novos edifícios destruiu a Régua do meu tempo de menino e moço… Valha-nos, ao menos, o termos conseguido trazer para a Régua o Museu do Douro... Foi a única coisa boa que nos aconteceu nestes últimos dez anos… É a Régua e não Gaia que é a capital do Vinho do Porto e da Região do Douro.
Quinta Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > A última criação da dupla Vasco Valente Lopes / José Manuel Lopes... Penedo do Barco, vinho tinto, DOC, Douro... 14 graus. Um néctar, já o provámos em Candoz. O Zé Manel acha-o superior ao Pedro Milanos... Todos os anos ele faz um vinho tinto reserva, com nome diferente... É um criador e um criativo. E tem no filho, enólogo, que já estagiou na Austrália -país de grandes enólogos - seguramente um continuador a quem já transmitiu a paixão pelo Douro, a sua paisagem, a sua gente, o seu vinho... Para quem quiser provar este vinho superior, pode encomendar directamente ao produtor: 50 aéreos por caixa de seis, entregue ao domicílio, sem mais encargos. (O Pedro Milanos, tinto, DOC, Douro, 2005, sai a 30 aéreos por caixa de 6 garrafas). Telefone: 254 811 609. E-mail: quinta.grande@mail.pt
Só um produtor-poeta como o Zé Manel podia pôr no rótulo da garrafa um texto de antologia como este:
"Nascido entre muros de xisto, à mão plantados por Durienses anónimos, escultoresdeste fantástico Douro, Património da Humanidade, este vinho é resultado do microclima Duriense, do solo xistoso, das nobres castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Touriga Roriz e Touriga Barroca, de muita tradição e paixão. Vinificado em lagares tradicionais, procurámos dar-lhe a qualidade que só as pequenas qualidades garantem plenamente e o tempo certo para nascer e crescer. Este é o nosso vinho, uma parte da nossa vida que queremos sempre cheia e partilhada".
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Dá gosto ouvir o Zé Manel, na sua terra, na sua casa, na sua quinta, a falar do Douro, do vinho, das vinhas, da agricultura, da enologia, mas também do seu passado, do seu presente e do seu futuro… E, claro, a falar também da Guiné e da experiência da guerra colonial.
- Só me chateei uma vez com o pai, que era um homem severo, mas de princípios: foi quando ele tentou livrar-me de ir parar à Guiné… Ainda mexeu os seus pauzinhos. Foi comigo a Lisboa. Chegado lá, desistiu, quando percebeu a minha determinação em cumprir o meu dever. Na altura, eu estava convicto que ia defender a Pátria… E lá fui parar a Guiné, a Mampatá, em rendição individual, com ano e meio de tropa…
Na sua casa ainda me mostrou alguns “recuerdos” que trouxe do tempo em que esteve em Mampatá… A maior parte do tempo a fazer segurança aos tipos da Tecnil que estavam a abrir a nova estrada Buba – Mampatá – Quebo - Salancaur.
- Trouxe comigo uma Kalash... Um dia tive que a deitar ao rio… Houve uma denúncia, a GNR apareceu cá em casa… Ainda me chatearam. Mostrei-lhes apenas o carregador, que ainda hoje conservo… Também tenho um carregador de uma Tokarev. Numa cena de copos, em Bissau, um capitão qualquer acabou por ficar com ela, ou melhor, roubou-ma. E tenho aqui esta peça de museu: um cantil do PAICG, perfurado por uma bala de G3…
Quinta da Senhora da Graça > 28 de Agosto de 2008 > Memórias da Guiné (1972/74): restos de despojos de uma batalha... Um cantil, perfurado, um carregador de Kalash, outro carregador de Tokarev...
Recorde-se aqui um dos poemas do nosso Josema, Naquela picada havia a morte, em que o pesadelo da guerra está omnipresente, o terror das minas e das emboscadas, enquanto se rasgava a estrada até Salancaur:
Naquela picada havia a morte
havia a morte naquela picada
de vinte e quatro
foi tirada a sorte
para um foi a desgraça
o diabo o escolheu
ou foi Deus que o esqueceu
havia a morte
naquele caminho
naquela picada havia a morte.
Estrada de Nhacobá, 1973
josema
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Segundo depreendi, este material pertencia uma guerrilheiro abatido pelas NT. A construção da estrada (alcatroada) acima referida (e que chegou a Salancaur, por alturas do 25 de Abril de 1974) foi uma das maiores "provocações" que o Spínola fez ao PAIGC. A estrada entrava no coração das "regiões libertadas" no sul, e afectava o corredor de Guileje, por onde entravam mais de dois terços dos abastecimentos da guerrilha, para todas as frentes (armamento e outro equipamento, víveres, medicamentos, material escolar, bens de consumo corrente, etc.).
- Spínola era um estratego com visão... - reconhece o José Manuel que prefere falar, com mais calor humano, das suas missões de paz: auxiliava o Fur Mil Simões no posto escolar de Mampatá, chegava à bola com os putos das tabancas, conseguindo com isso levá-los a frequentar a escola portuguesa (em detrimento da escola corânica, o que não deixava de levantar problemas com o cherno local)...Fala com grande admiração do Simões (hoje doente) cuja despedida de Mampatá foi uma verdadeira manifestação de massas, de alegria, saudade e dor... Millhares de africanos apareciam ao longo do caminho a despedir-se do Fur Simões, que partia para a Metrópole, depois de finda a sua comissão:
- Um espectáculo impressionante... Nunca conheci ninguém tão popular entre a população local como o Simões... Infelizmente não aparece nos nossos encontros anuais. Está doente...
Volta falar-me da experiência do pós-25 de Abril… e da sua admiração por alguns guerrilheiros do PAIGC com quem se correspondeu, ainda por uns largos tempos depois do seu regresso a Portugal...
O dia foi curto para tantas emoções e novos conhecimentos. Resta-me dizer que almoçámos numa casa de pasto castiça, A Tendinha, na Régua, e que comemos pernil de porco, guisado, que estava uma delícia. Acompanhado com um rosé, fresquíssimo, que o Zé Manel trouxe de casa.
Ele e a Luisa tinham gente em casa, ao jantar. Amigos do Museu do Douro, além dos hóspedes do turismo rural e os clientes, já habituais, que vêm expressamente do Porto e de outros sítios comprar-lhes caixas de vinho... Não quisemos mais abusar da sua hospitalidade. Por volta das seis da tarde estávamos de regresso ao nosso sítio, em Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, com vista para a Serra de Montemuro e, ao fundo do vale, o Rio Douro, a famosa barragem do Carrapatelo por onde obrigatoriamente os cruzeiros do Douro que seguem até à Régua.
O Zé Manel e a Luísa ficam-nos a dever uma visita... Até lá, o nosso muito obrigado por este dia "cheio e partilhado". Boa saúde, bom trabalho. Luís Graça
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Nota de LG:
Vd. último poste da série de 26 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3149: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (5): Com o Pepito na Lourinhã, capital dos dinossauros (Luís Graça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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