Ilustração feita pela Joana Graça (2008), designer e filha do Luís Graça, para "Os nossos regressos". Com os nossos agradecimentos.
O meu regresso
Paulo Santiago
Em fins de Julho de 1972 vim a Bissau, penso que a uma REP (1) ligada ao material, tratar de um auto de abate de facas de mato, que estavam em falta na carga do PelCaçNat 53. Herdei a situação do meu antecessor, como piriquito pensei estar tudo certo, não imaginava faltarem a merda das facas. Ficou tudo resolvido, regressando ao Saltinho de avião, via Xitole.
Saltinho, uma paisagem idílica se não fosse ....
Com a devida vénia ao autor da foto que não identifiquei.
Paludismo agora
Na aeronave comecei a sentir arrepios de frio,"estou lixado, agora vou ficar doente"pensei.
Estava mesmo doente,diagnóstico paludismo.
Tirando umas otites,nunca qualquer doença tinha convivido comigo naqueles vinte e dois meses,tinha tido o acidente com o morteiro, o que originou uma colecção de pontos no toucinho da coxa, mas não me atirou para a cama, andei agarrado a uma bengala improvisada,
o psico também andava alterado, mas doença, daquela de atirar um gajo abaixo, chegava agora.
Fui medicado,mas aquilo era lixado, tinha frio e transpirava rios de água, levantava-me e sentia-me como se fosse numa tempestade em mar alto, cambaleava e caía como se estivesse com a maior das bebedeiras, um suplício.
Andava nestas bolandas, chega o meu substituto, esqueci o nome, era da Figueira da Foz. Chegou a 30 ou 31 de Julho. Passado um dia ou dois, ainda muito atordoado, mas já melhor, lá lhe transferi a carga do pelotão. Tudo certinho.
No dia 3 de Agosto, pela manhã, informaram-me que tinha sido pedida uma evacuação, não urgente, para uma mulher da população, evacuação que seria feita através de avião do Xitole. Preparei as malas, dei dois camuflados, um ao Bobo outro ao Cristóvão e iniciei as despedidas.
Estava contente, mas a despedida abalou-me imenso. Primeiro, era o Fur Mil Mário Rui, com mais tempo de comissão, ainda ia continuar no 53 até chegar quem o substituisse, segundo, eram os meus cabos e soldados com quem convivera desde Out. 70, que tanto me tinham ajudado e apoiado, principalmente nestes últimos meses de enfrentamento com o Lourenço.
Choraram e chorei lágrimas sentidas. Será que algum dia iria encontrar alguns deles?
De coluna para o Xitole, primeira vez sem G-3
Pela primeira vez sem arma, lá fui na coluna, ao início da tarde de 3 de Agosto de 72, para o Xitole, à espera de um avião que não chegou.
Conhecia mal a malta do Xitole, na anterior companhia tinha algum convívio com os Alf's, nesta, quem conhecia melhor era o médico.
Como o avião não veio, arranjaram-me sítio para ficar. Estava a escurecer, e sentados junto à messe bebíamos um copo fazendo horas para o jantar.
Com o PAIGC é Guerra até ao fim
Há um Alferes matulão que diz "faz hoje um ano, o quartel foi atacado, é o aniversário do PAIGC e o Jamil não está cá".
Ainda o eco destas palavras não se tinha extinto, ouvem-se saídas de canhão S/R. Tudo para a vala que ficava ao lado.
Merda, um ataque na despedida, a vala com alguma água e eu meio febril.
As granadas a rebentarem ali perto, acho que uma acertou numa qualquer edificação, e o Alferes matulão começa a levantar a cabeça "oh caralho baixa-te", dizem-lhe os outros e ele responde "esta saída já foi nossa, é o 10,7".
Passado pouco tempo,acabaram os rebentamentos, aproximando-se um militar que informou ter o morteiro 10,7 encravado logo com a primeira granada que lhe enfiaram.
Sei hoje o nome do Alferes matulão,chama-se Joaquim Mexia Alves.
Com a PM a Guerra é só em Bissau
No dia seguinte, mais uns medicamentos tomados, apareceu o avião que me trouxe para Bissau.
Fui ao QG saber quando tinha avião para regressar à "Metrópole"e quando fazia o pequeno trajecto até ao Clube de Oficiais, pára um jipe da PM ao meu lado, donde sai um cabo que se me dirige e após a continência da praxe diz "o meu Alferes não pode andar com essas botas" (eram botas de fuzileiro).
Fiquei fodido "ó seu caralho, já ando com estas botas há muitos meses, perante toda
a gente, portanto não me foda, não vim ontem do mato para você me chatear a cabeça" e segui para o Clube.
O NRP Orion estava atracado em Bissau, onde bebi os últimos copos com o Comandante Rita que me ofereceu para despedida uma garrafa de Napoleon.
De Boeing para Lisboa e de táxi para casa, com paragem na Ponderosa
Passada uma semana em Bissau, um sábado, apanho o Boeing dos TAM de regresso a Lisboa.
Não tinha ninguém à minha espera, os meus pais não sabiam da minha vinda naquele dia.
Juntámo-nos quatro militares, três iam para o Porto, apanhámos um táxi e viemos
por aí acima.
Em Alcoentre parámos na Ponderosa, aí telefonei para casa dizendo ao meu pai que ia a caminho de casa. Trazia comigo a minha máquina fotográfica Olimpus que ficou esquecida no táxi, nunca mais aparecendo.
Na segunda-feira fui a Lisboa aos Adidos, onde me passaram a papelada habitual.
Depois parti para outra...mais ou menos apanhado.
Paulo Santiago
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Notas de vb:
(1) 4ª Rep, eventualmente;
(2) art. relacionado em
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