por Alberto Branquinho, ex-alf mil da CArt 1689 (1967/69)
Recordando o piloto-aviador HONÓRIO (2)
O Honório, já falecido, que, quando saiu da Força Aérea, seria sargento piloto-aviador, cumpriu, pelo menos, duas comissões na Guiné. Era natural da Cidade da Praia, na, agora, República Democrática de Cabo Verde.
Foi uma figura quase mítica durante os anos que esteve na Guiné ao serviço da FAP. Após a independência de Cabo Verde e depois de várias vicissitudes, acabou por ser piloto e comandante de voo da companhia de aviação da sua terra natal – Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV).
Na Guiné era conhecido (pelo menos pelo seu nome) por toda a tropa rastejante. Sempre que uma coluna era sobrevoada a baixa altitude por um FIAT, desaparecendo imediatamente para além das copas das árvores, os soldados rompiam aos gritos de: “- Ah Honore! “ ou de: “- Ah Honoro!”, enquanto agitavam os quicos por cima das cabeças.
O zunir dos motores de um FIAT, que voasse baixo, era (naturalmente!) pilotado pelo Honório (3) e por mais ninguém. Não tinham dúvidas. Os T6 que ronronavam lá bem em cima (e que o Honório também pilotava), para o pessoal rastejante nada tinham a ver com o Honório. Eram outros pilotos…
- O Leixões disse que viu o Honore em Bambadinca e que ele é preto.
- Ele não disse que era preto. Disse que era mulato.
- Eu não acredito!
O racismo primário de quem saiu de uma aldeia do interior português para aquele teatro africano (sem ter passado, previamente, por Bissau), não admitia que "um aviador com aquela categoria" pudesse ser "preto".
A dúvida permaneceu, mas sempre que um silvo, seguido do zunir dos motores de um FIAT lhes sobrevoava as cabeças quando atravessavam uma bolanha, lá vinham, espontâneos e sem reservas, os gritos:
– Ah Honore !
– Ah Honor!
Os quicos voavam, o peito enchia-se de ar e, até, as cabeças seguiam mais alevantadas.
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Notas de vb:
(1) Vd. poste anterior desta série:
(2) Também conheci o Honório. Em 1965/66 era Furriel Pil Av. Dava-nos apoio aéreo nos T6 e levava correio e mantimentos nas DO aonde fosse preciso. Era muito estimado pelo pessoal apeado. Abaixo segue transcrição de parte do relatório de uma das operações em que o Honório deu apoio aéreo:
-"6/04/66, Op. 'Olinda', Buba. Reconhecimentos aéreos confirmam a existência de uma base IN junto ao pontão de Buba Tombó. Na última operação ali efectuada, as NT foram emboscadas por um grupo calculado em cerca de 100 elementos. Na mesma acção foram levantadas 2 minas a/c e um fornilho na estrada Buba-Buba Tombó. Sabia-se que o mesmo itinerário se encontrava minado e que a picada Sare Tuto-Buba Tombó também devia estar minada contra pessoal pois já nele tinha sido accionada uma mina a/p.
"O acampamento de Buba Tombó servia de ligação entre as bases de Antuane e Injassane para os reabastecimentos IN e cortava a estrada em Buba e Fulacunda. Não havia guia para o acampamento, apenas guias da zona. O grupo de comandos, constituído por 15 homens, saiu de Buba às 21h20, iniciando a progressão pela estrada na direcção a Buba Tombó. A cerca de 3 kms desta decidiu-se aguardar o amanhecer e procurar um caminho que o conduzisse ao acampamento. O grupo fez várias pontuadas mas teve de regressar devido à densa vegetação impedir a progressão.
"Os T-6 surgiram pouco antes das 07h00. Procurou estabelecer-se a ligação rádio, o que não foi possível porque as frequências tinham sido alteradas, sem conhecimento das forças terrestres envolvidas. Estabelecida finalmente a ligação, mas os indicativos também não estavam certos. Os T-6 começaram a picar sobre a base o que levou o grupo a procurar abrigos (...) Com as frequências e os indicativos alterados, não havia a certeza de que os pilotos tivessem identificado as posições do grupo. Os T-6 afastaram-se, regressando momentos depois. Pelo diálogo travado entre os pilotos, concluiu-se que iriam abandonar a zona e recolher a Bissau.
"O grupo de comandos, não encontrando o trilho de acesso ao acampamento, tentou encontrá-lo através da mata. Às 7h15 foi avistado um elemento IN que disparou uma rajada de PPSH sobre as NT, atingindo gravemente um soldado no ventre. Foi passada busca às casas e recolheu-se o material encontrado. O acampamento era constituído por duas moranças, com 12 camas numa e 8 noutra, com abrigos cavados no terreno à volta. Não sendo possível evacuar o ferido no local, foi o mesmo transportado a corta-mato, enquanto o IN fazia fogo de morteiro e de RPG sobre o acampamento. Os T-6 voltaram à zona, quando as NT se encontravam já a cerca de 3 kms de Buba."
(3) Quem é que está lá em cima? É o Honório, quem havia de ser! O Honório, naqueles anos, era mais que um piloto, era um símbolo, representava a ajuda vinda dos céus. Não é de estranhar que tudo o que voasse fosse "pilotado" pelo Honório. Camaradas que com ele voaram nos anos 1968/1970 sustentam que, nesses anos, pilotava "apenas" as Dornier-27.
(3) Quem é que está lá em cima? É o Honório, quem havia de ser! O Honório, naqueles anos, era mais que um piloto, era um símbolo, representava a ajuda vinda dos céus. Não é de estranhar que tudo o que voasse fosse "pilotado" pelo Honório. Camaradas que com ele voaram nos anos 1968/1970 sustentam que, nesses anos, pilotava "apenas" as Dornier-27.
5 comentários:
A propósito do Caboverdeano Honório ser preto ou mulato, tenho a dizer que entre eles Caboverdeanos teem um conceito sobre a côr deles próprios, que ouvi uma resposta de um velho caboverdeano que, penso eu, é redundante: A nossa côr é "caboverdeana".
E ainda sobre a côr de OBAMA a que os americanos dizem negro, o moçambicano Mia Couto, numa entrevista foi claro sem ofender: Obama é negro na América, mas aqui na África é mulato.
É tudo ainda muito difícil de ultrapassar.
Antº Rosinha
Caro Amigo,
Alberto Branquinho, Dr. as regras aquí são assim pesso desculpa pelo tratamento.
Estimado Alberto Branquinho, obrigado por teres trazido o Honório à nossa Tabanca.
É que há coisas extrordinárias, há duas horas que saí da esplanada do Hotel Baía, onde numa mini tertúlia nos juntámos três Lassas de Cufar, eu o Carlos Filipe e o Zé Gameiro Pedrosa que foram colegas do Honório na Escola de Regentes Agricolas de Santarem ( Pois é o Honoróio tambem foi Eng. Técnico Agrário).
Estou a escrever depois de ter telefonado ao Zé Pedrosa, que depois de revivermos as histórias com o Honório em Cufar, me contou algumas aventuras em Cabo Verde, o Zé Pedrosa de Férias e o Honório como Comandante dos TACV.
Ai Alberto branquinho os T6 do Honório, conheciam-se logo. E nas DO27? Alguém andou de DO com o Honório? Por vezes parecia que queria aterrar no Cumbijã. Velhos tempos. Já lá está! Obrigado Alberto Branquinho por esta homenagem e sentido reconhecimento ao Honório.
Não era nem preto, nem mulato nem branco, era como diz o Joaquim Mexia Alves um "camarigo".
Um abraço,
Mário Fitas
Amigos e camaradas, brancos, pretos e mulatos, gente da nossa Tabnaca Grande:
O Honório é uma figura que perdura na nossa memória. Não tanto por ser cabo-verdiano (cuidado com a demasiada ênfase nas questões da 'cor da pele'...), como sobretudo por ser, aos olhos do comum militar no TO da Guiné, um 'gajo maluco', popular, que gostava do seu copo e que fugia um bocado aos cânones do militar-como-mandava-a-puta-da-sapatilha... (Lembra-se da expressão que era linguagem de caserna ?)
Quem é que não ouviu falar dele, do Honório, nomeadamente na Zona Leste ? Não privei pessoalmente com ele, mas viu-o várias vezes em Bambadinca, no período em que lá estive, com a malta da minha CCAÇ 12, entre Junho de 1969 e Março de 1971. E sempre a pilotar a D0 27.
Acho que vale a pena criarmos, no nosso blogue, uma série só para os Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras... Os primeiros postes podem ir para o Honório, com toda justiça, propriedade e oportunidade...
Há já material suficiente, incluindo os postes que já foram publicados no blogue do nosso camarada Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné-Bissau 1965/74... Há lá intervenções do Jorge Félix e do J. Mexia Alves (e do Monteiro Ribeiro, melec) que eu já recuperei...
Depois pode ser que apareçam mais depoimentos de gente da FAP ou até dos TACV. Gostava de saber, por exemplo, como é que ele lidou com as questões de fractura, conflito e transição: o PAIGC no poder, na Guiné e em Cabo Verde... Como é que ele chega aos TACV, por exemplo...
Por outro lado, temos o nosso Jorge Félix e eventualmente outros Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (o epíteto é um elogio, é um mimo, é uma ternura!) que andam por aí, sem eventualmente quererem ou poderem dar a cara...
Talvez o Jorge e o Victor nos possam ajudar nesta nobre tarefa de 'reabilitar e valorizar a memória dos nossos camaradas da FAP'... (Também gostaria de fazer o mesmo para a Marinha, o terceiro ramo das nossas FA)... É tempo de enterrarmos de vez os nossos estereótipos sobre tropas de elite, topa-macaca, filhos e enteados, ricos e pobres...
Isto sem querer entrar, de modo algum, em competição, antes pelo contrário, com o blogue do Victor, que tem um público-alvo diferente do nosso... e que é um blogue 'especialista' (enquanto o nosso é 'generalista') e com o qual nós queremos manter uma saudável e frutuosa relação de mútuo apoio, de troca e até de complementaridade...
DE resto, o Victor (a quem eu saúdo pelo sucesso do seu blogue) sabe bem que não precisa de nos 'pedir licença' para usar os nossos materiais, bastando para tal citar a fonte; e nós, o mesmo...
Um Alfa Bravo. Luís
O meu conhecimento do Honório.
Aquando dos reabastecimentos ou outra acção aérea, sabíamos de antemão quem era o piloto. A sua aproximação à pista logo o indiciava, esta no seu topo tinha uma série de arbustos em linha. Lá vinha a Dornier, com o seu trem de aterragem quase a tocar nos arbustos e contacto com o solo para se deter poucas dezenas de metros à frente. Perguntei-lhe uma vez qual a razão destas aterragens curtas, respondeu-me com a sua habitual boa disposição, que andava a tentar bater o recorde.
Tive oportunidade de voar com ele. Era bastante exibicionista, isso custou-me a quase engolir o estômago, quando ele picou e se elevou com rapidez. Consegui ficar caladinho só por uma questão de vergonha.
Era sabido que o Honório era bastante produtivo, isto é, por sua conta e risco aproveitava o regresso das suas missões para fazer mossas nos acampamentos IN.
F. Neto
A Propósito do Honório:
Eu não conheci o Honório, pessoalmente, mas em Aldeia Formosa (Quebo), em 1970, o Honório, piloto, caboverdeano, era uma figura "presente". Os meus camaradas operacionais falavam dele como um camarada de luta, competente e dedicado.
Sei que não foi fácil a integração dele, depois de 1974, mas hoje, não vale a pena falar dessa fase. É bom que guardemos na nossa memória, o Honório, tal como cada um de nós o conheceu nesses anos, nesse tempo.
Com permissão da Tabanca, um Abraço especial ao Alberto Branquinho e ao Mário Fitas.
Manuel Amaro
Fur. Mil Enf.
CCAÇ 2615
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