segunda-feira, 18 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4371: Contraponto (Alberto Branquinho) (1): Mudam-se os tempos

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (*), ex-Alf Mil da CArt 1689, Guiné 1967/69, com data de 15 de Maio de 2009:

Assunto: Nova série - "Contraponto"

Caro Carlos Vinhal

Os outros editores que me perdoem, mas dirijo este texto ao Carlos Vinhal, que foi quem insistiu comigo para continuar a escrever umas coisas.

Resolvi atribuir-lhe o título "CONTRAPONTO". Portanto, agora já posso escrever (de quando em vez) àcerca do meu umbigo.

Junto vai o CONTRAPONTO (1).

Um abraço (para todos)
Alberto Branquinho



CONTRAPONTO
 

1 - MUDAM-SE OS TEMPOS…

A vida é cheia de paradoxos. E de contradições. Resultam muitas vezes das mudanças causadas pelo decurso do tempo. Não nos damos conta deles e delas se não estivermos atentos, porque temos o espaço mental ocupado com outras realidades necessárias à sobrevivência diária.

Recordei aquela história contada pelo Comissário de Polícia francês que, nos anos 50 do século passado, quando era, ainda, agente de polícia, recebia ordens para, em Paris, seguir e investigar as vidas e as actividades de uns estudantes africanos negros, naturais das colónias francesas. Concluía dizendo que, como Comissário, agora chefiava muitas vezes as forças policiais que faziam a segurança a esses mesmos (antigos) estudantes, na qualidade de Chefes de Estado das ex-colónias, tornadas países independentes.

Vem isto a propósito de ter constatado da presença de ex-militares guineenses em Portugal, em maior número do que imaginava e, também, da possibilidade de nos cruzarmos, na rua (em Lisboa e em localidades dos arredores), mais vezes do que pensamos, com ex-guerrilheiros do PAIGC, com os quais trocámos tiros, bazucadas, morteiradas e canhoadas há trinta/quarenta anos.

(Não tendo em conta, como é óbvio, as figuras públicas guineenses que, sabemos, estiveram em Portugal ou por aqui passam).

Para quem duvide ou ponha em causa esta afirmação, recomendo que passe durante as tardes, no Largo de São Domingos, em Lisboa e circule entre os muitos guineenses que por ali estão, conversam, se encontram e reencontram. Muitos (talvez) refugiados. Nos dias de mais calor um grande grupo abriga-se à sombra de um poilão (perdão, de um pinheiro) que existe ao pé da Ordem dos Advogados.

Talvez o maior desejo da maior parte desses guineenses seja viver e trabalhar em Portugal ou, quem sabe, conseguir a cidadania portuguesa. Ora, o paradoxo está aqui: de entre eles, pela idade que aparentam, haverá, também, ex-guerrilheiros do PAIGC, que terão os mesmos desejos.

O mesmo se terá passado em França, depois da Indochina e, principalmente, da Argélia.

Isto parece cínico, mas não pretende sê-lo. Somente observador da realidade.

É necessário passar tempo e tempo para que ocorram mudanças causadas pelo fluir desse mesmo tempo, observadas através de outras lentes e com a maior serenidade. Uns tirarão umas conclusões, outros concluirão de forma absolutamente diferente e haverá, também, quem não conclua coisa nenhuma, limitando-se a observar sem qualquer cinismo ou sarcasmo. Quando muito, com cepticismo, mas sem cantar a canção que cantávamos, nas casernas, nos tempos do C.O.M., em Mafra: “Oh tempo, volta para trás…”

A propósito se transcrevem aqui as duas quadras de um conhecido soneto de Luís Vaz de Camões, que, há muitos, muitos anos, concluiu que:

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas da lembrança
E do bem (se algum houve) as saudades.
......................................
"

Mas, enquanto houver homens (e mulheres) com força e de boa-vontade, esperança haverá.

Alberto Branquinho


2. Comentário de CV:

Peço aos leitores que não acreditem que eu insisti com o Branquinho para ele escrever umas coisas. Era incapaz de fazer isso.

Aconteceu que quando ele numa mensagem enviou aquilo de dizia ser o último episódio de "Não venho falar de mim... nem do meu umbigo", fiz-lhe ver que o Blogue não podia desperdiçar camaradas que escrevem, e muito menos aqueles que por jeito ou formação escrevem melhor, como era o seu caso.

O Branquinho prometeu voltar, desta vez para falar do seu umbigo, e aqui está.
Saudamos o seu regresso.
__________

Nota de CV:

24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4243: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (21): Poema à volta do umbigo

4 comentários:

Anónimo disse...

A. Branquinho, aborda a diáspora dos Guineenses, que sabe-se que não é apenas para Portugal, e que no fundo é o retrato de toda a África subsahriana e não só, e que está sendo uma tragédia para aqueles países, pois que todos ós que são mais capazes "fogem" do "desastre" em que aquilo se tornou.

Mas, como a Europa é a principal responsável de toda aquela tragédia, os africanos vão lembrando, sempre que poddem, nos arredores das principais capitais europeias, que "existem".

Antº Rosinha

Anónimo disse...

É preciso estar vivo, estar atento, ser pessoa e não gente para poder observar e ver.

Obrigado pelo texto que tão bem define o que é ser Português, sem nacionalismos mas também sem medo de dizer ou escrever o que se sente.
Bsardinha

Unknown disse...

O Branquinho assinala uma realidade e que nós, os mais "velhos" até gostaríamos que não só os guineenses mas todos os os africanos tivessem uma oportunidade de vida melhor, para além da guerra, que, dizem, acabou. Foi há 35 anos. E não guardamos rancor a ninguem. Nota-se pelo escritos aqui e em todo o lado. Não concordo com o Rosinhas. Pelo menos na parte que toca a Portugal. Depois destes anos todos após guerra, depois das indemnizações que pagamos; depois de todas as ajudas humanitárias que demos e ainda continuamos a dar, quer ao nível de governos, quer ao nível de associações "carolas"; e durante todos os anos da nossa soberania não deixamos obras nos vários países ? Será que esgotamos reservas de petróleo, diamantes, madeiras, etc. ? Não deixamos edifícios, hospitais, escolas ? Em Moçambique, Cabora Bassa não é, ou não deveria ser uma fonte de riqueza ? Para além do seu presidente ter dito há cerca de dois anos, Cahora Bassa finalmente é nossa,depois de termos lá enterrado milhões e milhões de contos depois do 25 de Abril, quem tem mantido em funcionamento aquele gigante ? E que ganhamos nós, Portugal ? E no nosso tempo de África ? Não ajudamos aqueles povos ? Não ensinavamos a ler, não davamos ajuda médica ? Qualquer turra que fosse ferido não era tratado condignamente ? Perguntavamos a alguem és turra ou tens fome ? que nao lhes estendessemos a nossa ração ? Porque destruiram casas, hospitais e o que por lá ficou ? E quem se aproveita das riquezas que existem em África ? Falo por mim e pelo que assiti durante dois anos. Mas também é verdade que em Portugal se tentou destruir tudo -e se bem se se lembram muita coisa o foi- e se nao houvesse alguem que os parasse seriamos comparados aos Africanos. Só que eles têm imensas reservas naturais e nós só tinhamos demagogos.
Um abraço para a Tabanca.
Branquinho, continua com os teus textos

Anónimo disse...

Portojo, foram portugueses que lá deixaram os hospitais e as cabora-bassa, mas foram europeus os principais responsáveis por aquele tipo de indepedências.

E os portugueses que fizeram aqueles hospitais e caborabassas, não foram bem aqueles europeus que fizeram as independências de Abril!

Eu não misturo tudo no mesmo saco!

Cumprimentos

Antº Rosinha