O soberbo Rio Geba, junto a Porto Gole. Do outro lado, a margem esquerda. Mais à frente, para leste, o Rio Corubal vai desaguar no Rio Geba. No tempo do Jorge Rosales (1964/66), os fuzileiros deitavam a bóia e prendiam a LDG - Lancha de Desembarque Grande, que vinha de Bissau... No Geba era eles que impunham a ordem e a lei... Mas em Ponta Ponta Varela, na marge eswuerda, entre a Ponta do Inglês e o Xime, já havia ataques, do PAIGC, à navegação de cabotagem.
Na foto, encoberto pelo capim, o marco comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné (1446-1946). Porto Gole foca na na margem direita do Rio, na estrada Bissau - Nhacra - Mansoa - Porto Gole - Bafatá (No tempo do Jorge Rosales, já estava interdito o troço Mansoa- Porto Gole). (LG)
Foto: © Jorge Rosmaninho, autor do blogue Africanidades (2009). Direitos reservados
LIgou-me estar tarde, por telefone, mais um camarada, o Jorge Rosales, de 69 anos, residente em Monte Estoril / Cascais, e que esteve em Porto Gole (1964/66)... Tem falado ao telefone com o Henrique Matos (*), que esteve a seguir a ele em Porto Gole (1966/68).
Falei-lhe do Abel Rei (1967/68), que é mais novo, e que ele naturalmente não conhece... O seu objectivo era, muito simplesmente, o de poder ainda inscrever-se , a tempo, no nosso IV Encontro, em Ortigosa, o que eu assegurei automaticamente. É o nosso participante nº 96.
É pai da Doutora Marta Rosales, minha colega (ISCTE e FCSH/UNL). Aqui vai, muito sumariamente, uma primeira apresentação do nosso novo camarada, que tem muitas fotografias do seu tempo de comissão e que vai levá-las, consigo, para o IV Encontro.
Diz-me que era muito amigo do mítico Capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”.
O seu prestígio, a sua influência e e o seu carisma eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC). Jovem (teria hoje 72/73 anos se fosse vivo), era um homem imponente, nos seus 120 kg.
Schulz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços … Mais tarde, será morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias administrativos, todos eles residentes em Porto Gole… Nesse dia o destacamento é abandonado pelas NT: “ um dia trágico para quem estava no inferno de Bissá, como escreveu o Abel Rei no seu diário (Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné, 1967/68, editado em 2002, pp. 68/70) (**)…
O Jorge Rosales pertencia à 1ª Companhia de Caçadores Indígena, com sede em Farim. (Havia mais duas, uma Bedanda e outra em Nova Lamego, acrescenta ele.) Ficou lá pouco tempo, em Farim, talvez uma semana. A companhia estava dispersa. Foi destacado para Porto Gole, com duas secções (da CCAÇ 556, do Enxalé) e outra secção, sua, de africanos.
Tinha um guarda-costas bijagó. Parte dos soldados eram balantas. Possuíam apenas 1 morteiro (60) e 1 bazuca. A farda ainda era amarela. Ficou 18 meses em Porto Gole. Ia a Bambadinca jogar à bola com os de Fá. Foi uma vez a Bafatá, apanhar o NordAtlas. Lembra-se da piscina.
Enquanto lá esteve, em Porto Gole, havia um certo respeito mútuo, de parte a parte. A influência de Cabral era evidente, fazendo a distinção entre o povo (português) e o regime (colonialista). Podiam deslocar-se num raio de 10 km…. Mas a ligação com Mansoa já se perdera. O troço já não era seguro. Em Mansoa estavam os respeitados Águias Negras (BART 645, que dominavam o triângulo do Óio: Olossato, Bissorâ e Mansabá) . Do lado do Geba, eram os fuzileiros que impunham a lei e o respeito. Lançavam uma bóia e fundeavam a LDG em frente a Porto Gole.
Vinha quase tudo por rio: os frescos, a bianda, os cunhetes de munições… (excepto o correio, que era lançado do ar, de DO 27, e às vezes ir cair no tarrafo; em contrapartida, o correio expedido ia de LDG... Singularidades de Porto Gole que não tinha uma simples pista de terra batida, para as aeronaves).
Tem vários amigos fuzos, desse tempo, incluindo o comandante Castanho Pais. Do outro lado, a nascente estava a CCAÇ 556, no Enxalé… Também conhece dois furrieís do Enxalé, de quem se tornou amigo. Também passou por Fá. E no final da comissão, esteve em Bolama, por onde passavam os periquitos… Conviveu com algumas companhias que, de Bolama, partiam para operações no continente…
No seu tempo (Março de 1966), morreu em Porto Gole o Alf Mil António Maldonado, que o veio substituir. O Maldonado, de Coimbra, estava em Bolama. Eram amigos, tinham estado em Mafra. Tinham combinado revezar-se ao fim de um ano. O Maldonado vinha para Porto Gole e o Jorge ia para Bolam… No meio disto, há um coronel que vem dificultar o acordo de cavalheiros. Enfim, uma história que é preciso contar com tempo e vagar. O Maldonado é morto num ataque violentíssimo a Porto Gole, depois de as NT terem feito um ronco nas áreas controladas pelo PAIGC… Ferido, aguardou em vão o heli que só podia vir de manhã. A mãe do Jorge foi ao enterro, em Coimbra. O cadáver foi rapidamente trasladado, contrariamente ao que acontecia na época. Esta morte abalou muito o Jorge Rosales, seu amigo.
Voltando ao nosso IV Encontro, o Jorge está entusiasmadíssimo com a ideia de poder encontrar malta de Bambadinca, Xime, Enxalé, Porto Gole, Fá... Queixa-se de estar isolado, de não ter ninguém do seu tempo, até pelo facto de ter sido de rendição individual. Está reformado de uma dessas empresas que faziam o reabastecimento de combustível aos aviões, no aeroporto de Lisboa. Alguma malta da TAP e da ANA deve reconhecê-lo. Falei-lhe do Humberto Reis, do José Brás, do Alberto Branquinho, do Mário Fitas… Mas no aeroporto há milhares de pessoas a atrabalhar.
Tem uma segunda habitação, no Couço, Coruche… Há muita rapaziada que passou pela Guiné. Anda com ideias de lá voltar, à Guiné, com mais malta do seu tempo… Quer fazer parte do nosso blogue, que acompanha diariamente (***). Já lhe dei as boas vindas à nossa Tabanca Grande, já o inscrevi na lista de participantes no nosso IV Encontro. Vai lá ter, não leva a esposa... Já actualizei o blogue. Abraço. Luís
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4023: Memória dos lugares (19): Porto Gole, 1966, muito antes das tristes valas comuns... (Henrique Matos)
(**) 19 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4380: Bibliografia de uma guerra (45): Entre o Paraíso e o Inferno, de Abel de Jesus Carreira Rei (CART 1661, 1967/68)
(***) Vd. poste de 6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4472: Tabanca Grande (150): Luís Marcelino, ex-Cap Mil, CMDT da CART 6250, Mampatá, 1972/74
5 comentários:
Camarada eu estive em Porto-Gole em
Março/Abril de 1968,nesse tempo o Comando ficava na Habitação existente,e servia de alojamento aos Oficiais e Sargentos,a restante ficava no celeiro e nos abrigos,construidos,e abarracamentos construidos junto da casa maior,o monumento existente á chegada dos Portugueses ao local estava capinado e servia de referência a quem subia o Geba,a População estava alinhada formando uma rua até ao cruzamento da estrada que ía pra Mansoa e para Enxalé,de frente pró Geba junto ao monumento a pista ficava do lado direito,no esquerdo no pequeno vale com laranjeiras e uma horta ficava o poço onde nos abasteciamos de água,na altura a Cop.que lá estava tinha pessoal em Bissá e em Enxalé,salvo erro era uma Comp.de Art.já não recordo o seu nº.mas sei que tinha um número considerá-
vel de Baixas,foi quando apareceram as 1ªminas incendiárias
que fustigavam as colunas de reabastecimento a Bissá,tenho algumas fotos lá tiradas com a Malta inpecável,foi onde vi a maior jibóia na Guiné morta quando se ía buscar lenha pra fazer a comida,foi aqui que tentaram envenenar toda a Companhia deitando no poço,toda o tipo de restos de vacas mortas tripas peles,o poço era tapado com tampo de madeira e na base do gargalo havia um buraco pra enfiar a mangueira da bomba foi por aí que introduziram tudo,nas barbas de um posto de sentinela,mas pela horta era fácil.
As flagelações eram feitas do cruzamento na altura foi construido aí um posto avançado,pra evitar as flagelações
durante a minha estada nunca fomos atacados.
José Nunes
Beng.447
Brá 68/70
Cheira-me que esta história ter-se-á passado (ou bem poderia ter-se passado) em Porto Gole:
Conta o António Martins de Matos, na altura Tenente Pilav, de Fiat G-91 mas também de D0 27, que o pessoal tinha que pôr a mão na massa em tudo o que tivesse asas e voasse...
No final de um destacamento de DO-27 em Nova Lamego (fins de 72 ou início de 73), e no momento de regressar a Bissau, o homem do SPM (Serviço Postal Militar) pergunta-me se posso largar um pequeno saco com correio num destacamento situado no trajecto para a Base de Bissalanca, não me lembro do nome, entre Bambadinca e Bafatá, sem pista, sem placa, ... sem nada... .(eventualmente poderá ser Missirá, mas penso que deveria ser um outro destacamento).
Mas que tivesse atenção porque o último piloto a largar o saco tinha sido um grande nabo, tinha calculado mal e este tinha-se perdido no mato, para desespero do pessoal.
Claro que sim, estamos aqui para apoiar a tropa, saco embarcado, viagem sem incidentes até ao respectivo destacamento, contacto estabelecido com o pessoal, boas notícias, vão receber mais um saco de correio, saco de fora da janela, passagem pelo lado direito do objectivo, subida do DO-27 quase à vertical para perder velocidade, inversão rápida, queda de asa à esquerda, picada à FIAT G-91, apontar ao centro do destacamento, saco largado, cai em pleno objectivo, recuperação da picada, ... a satisfação do dever cumprido!.
E não é que os malcriados nem sequer vêm ao rádio agradecer o esforço deste piloto que, na execução do circuito para a largada, quase tinha posto o cabo mecânico a deitar a carga ao mar ?!
Aterragem em Bissau, ... malandros, ... malcriados, ... mal agradecidos… Chega-se o cabo mecânico, ainda suado e amarelo pelo que tinha sofrido, e diz-me:
- Meu Tenente, trazemos uns fios presos à cauda do avião.
Desculpem lá o incómodo, ... oxalá o correio tenha valido a pena.
Fonte:
11 de Março de 2009
Guiné 63/74 - P4010: FAP (15): Correio com antenas... (António Martins de Matos, ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74)
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2009/03/guine-6374-p4010-fap-15-correio-com.html
Caro amigo
O destacamento da história do “Correio com Antenas” era algo de muito pequeno, com uma guarnição de 30 ou 40 homens (não mais), sem pista, sem placa de helicóptero. Lamento desiludir-te mas não tem nada a ver com Porto Gole.
Porto Gole era uma povoação de dimensão média, com pista, quartel, tabanca, ....
Lembro-me de, estando aterrado nesta pista, ter visto o Capitão do quartel a tentar fazer piões com uma Berliet.
Um abraço
António Martins de Matos
Jorge Rosales noticias da C.C.556, o que é do meu conhecimento a 556 não faz almoço de convívio.
Por esse motivo há alguns camaradas mas por enquanto só têm aparecido praças rasas, que todos os anos se juntam a nós no almoço da C.C.557.
O que nos orgulha muito receber no nosso seio irmãos da companhia gémea.
Este ano vai ser em Almeirim Santarém.
Um alfa bravo Colaço.
Estou nas Termas de Monfortinho e só tenho o portátil do amigo António Dias, ex-Alf Mil da CCaç 2406, Tigres do Saltinho, e que quer entrar no Blog mas tem a doença dos velhos, mas já está a aprender a navegar na net. Estou contente por finalmente ter a possibilidade de conhecer o Jorge Rosales.O Dias manda um abraço para o pessoal da tabanca, em especial para o Beja Santos com quem esteve em Mafra. Da minha parte aquele abração e até à Ortigosa. Henrque Matos
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