quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5768: Efemérides (43): 4 de Fevereiro de 1961, O princípio da Guerra Colonial (José Marques Ferreira)




1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 4 de Fevereiro de 2010:

Camaradas,

Estava eu de volta do teclado, quando me apercebi que hoje, dia 4 de Fevereiro, é uma data que se salienta, por estar conotada com o início dos movimentos de libertação (assim designados), pela autodeterminação e independência africanos, nos quais se incluíam os territórios sob administração portuguesa.

Sendo assim, envio este meu modesto contributo de forma a que ainda vá a tempo de se incluir no «blogueforanadaevaotres».

Melhor dizendo, vão mais que três. Muitos...

E assinalo a data com as estórias dos infelizes falecimentos de dois camaradas da CCaç 462.

4 de Fevereiro de 1961
O princípio da Guerra Colonial

O dia 4 de Fevereiro de 1961, é a data em que se assinala de «forma oficial», o início da Guerra Colonial, em Angola, em que Portugal se viu envolvido durante 13 anos. Pouco tempo depois foi a vez do início das hostilidades na Guiné e em Moçambique.
Foram anos duros, que marcaram pela negativa toda uma geração de jovens, com repercussões que ainda hoje influenciam muitas das suas vidas e dos seus estados de saúde.

Eu entrei nessas fileiras, donde muitos viriam a desertar, em Janeiro de 1963 (já expliquei tudo em anteriores postes no blogue).

O que é certo, é que em Julho de 1963, desembarquei na Guiné, e, durante dois anos, não sofri muito, mais pela sorte que me tocou, que por muitos outros factores. Regressei em Agosto de 1965, tendo chegado a Lisboa em 14 do mesmo mês, num navio que passou sob a recém acabada de construir ponte, a que chamaram Salazar, e, que em 1974, foi rebaptizada para ponte de 25 de Abril, que se mantém ainda hoje.

A minha unidade militar (uma companhia), dormiu nesse dia da chegada em Lisboa e, ao outro dia por volta das sete da manhã, embarcou de comboio em direcção a Chaves, onde tinha decorrido a sua instrução e formação.

O BC 10 (Batalhão de Caçadores 10, agora denominado Regimento de Infantaria de Chaves), foi uma das unidades militares que preparou e «forneceu» muito pessoal para a dita Guerra Colonial.

Percebe-se hoje porquê. Como outras Unidades Militares ainda existentes pelo país, a sua geografia local, a flora, os trilhos, os caminhos, etc. eram perfeitamente propícios ao treino de ambientação militar para a guerra de guerrilha em África.

Chaves, tinha tudo para a preparação de militares deste conflito. Aliás, as especificidades da guerra de guerrilha africana, era novidade então surgida no mundo (tal como é agora o terrorismo).

Fenómeno que surgiu, logo a seguir ao término da II Grande Guerra e cujo objectivo era a emancipação e autodeterminação dos povos de vários países.

Os tipos de acções, armadas e violentas, a que raros exércitos estavam preparados para enfrentar, de manifesta revolta contra o dominador, quando o dominado era pobre e tinha poucas possibilidades de reacção, permitia e estes últimos, mesmo com escassos recursos, a recorrer a esta via guerreira, com o intuito de provocar o desgaste físico e psíquico contínuo aos adversários e a consumir energias políticas e económicas do país dominador.

A aposta era que, mais tarde ou mais cedo, o colonizador cedesse às pressões de todo o tipo e restituísse os poderes administrativos, económicos e políticos.

Foi quase o que aconteceu com Portugal, porquanto alguns historiadores e políticos, já antes de Abril de 1974 diziam e escreviam, que as coisas, tal como estavam nas Províncias Ultramarinas, não poderiam durar muito mais. Não fosse a «revolução dos cravos», como ficou conhecido o 25 de Abril de 1974, e, na Guiné, a guerra com o PAIGC estava, no mínimo, muito complicada, havendo alguns episódios que confirmavam, no terreno, isso mesmo.

Conflitos em que morreu muito português e muitos africanos. Da minha freguesia apenas um homem faleceu (natural da Aguieira), e, pelo que julgamos saber aqui, a sua morte foi motivada por doença.

Muitas pessoas ficaram deficientes fisicamente e psiquicamente, para as suas vidas inteiras.

Da minha companhia, entre cerca de 130 militares, apenas dois faleceram.

Um foi o José Gonçalves Ruas, 1º cabo de Minas e Armadilhas, de Penude - Lamego, que faleceu em 27 de Agosto de 1964, próximo de uma localidade junto à fronteira com o Senegal (chamada Sedengal), ao ser atingido pelos efeitos de uma armadilha que estava a montar e que explodiu, atingindo-o mortalmente.

Nesse dia eu não estava em Ingoré, tinha ido ao comando de Batalhão, a Bula, e foi lá que eu soube pelos camaradas de transmissões, o que se tinha passado naquele local. Nesse mesmo dia e ao princípio da tarde, os meus camaradas da companhia, passaram em Bula a toda a velocidade em direcção a Bissau, levando o corpo do infeliz Ruas, como todos lhe chamávamos. Está sepultado ainda, segundo creio, no cemitério de Bissau, na campa 1020.

O segundo falecimento, foi o do 1º cabo atirador, Artur Branco Gonçalves, de Vilarelho da Raia - Chaves, no dia 13 de Outubro de 1964, no Hospital Militar 241, em Bissau, para onde fora evacuado de helicóptero, por motivo de doença. Está também sepultado em Bissau na campa 1108, admito. A doença que o vitimou, embora eu não tenha a certeza, terá sido uma úlcera gástrica, que, certamente, pelo seu estado, já não foi a tempo de qualquer intervenção cirúrgica.

Esta e outras efemérides, estou certo, não se apagarão, mesmo depois de desaparecerem todos os protagonistas que nela participaram, durante aqueles treze anos.

A este assunto voltarei mais tarde.

Os meus cumprimentos para toda a tertúlia desta Grande Tabanca,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes
____________
Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

12 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro José Ferreira

É sempre oportuna a justa homenagem que se faz à memória daqueles que terminaram a sua vida no decurso da sua participação nas 'campanhas africanas', por um lado para que não se esqueçam deles e ao mesmo tempo para recordar a aberração do que se foi passando.
Hélder S.

Luís Graça disse...

Obrigado, José Ferreira, por nos teres tido a delicadeza e a sensibilidade de nos relembrar essa efeméride...

Nunca mais esqueci essa data, ou melhor, os primeiros acontecimentos da guerra do Ultramar, que teve, de resto, outros antecedentes que não são chamados para aqui...

Para os mancebos em idade militar que nós eramos - como tu - ou em que nos deveríamos de tornar - como eu, uns anos mais novo -, o 1961 marcou-nos como ferro em brasa... Marcou toda a nossa geração, e sobretudo à medida qu nos fomos apercebendo que ela guerra (aquelas guerras) estava(m) para dar e durar...

Deixei há tempos isso escrito num texto poético:


Por esse Geba acima

(...)

Desde os teus catorze anos,
desde 1961,
desde o grito de guerra
Angola é Nossa,
que ouvias, de olho e ouvido bem abertos,
na televisão,
do café público da tua vilória,
a RTP, o novo ópio do povo,
Negage, Pedra Verde, Nambuangongo,
enfim, há pouco mais de oito anos,
que sabias
que foras apanhado como um cão,
em contra-mão da história…
- Angola… é Nossa!,
Angola… é Nossa!

E aqui estás, neste caixote flutuante,
sem colete nem salvação,
sem bode expiatório,
nem álibi,
sem uma simples palavra de explicação,
sem razão
para matar ou morrer,
de morte matada,
de G3 na mão,
porquê eu, porquê tu, meu irmão,
mas com cinco litros de sangue
no corpo,
a derramar pela Pátria,
se for preciso,
em rega gota gota,
ou até em bica aberta,
que a Pátria não se discute,
a Pátria, a Fátria ou a Mátria
que te pariu,
meu safado,
meu javardo,
a caminho da guerra,
que não sabes onde começa
e onde acaba.
E sobretudo quando acaba…
Recapitulas:
- Tite, Porto Gole, Ponta Varela…
E registas no teu caderninho
os primeiros termos da gíria de caserna:
embrulhanço,
turras,
gosse-gosse,
irãs,
jagudis,
bolanha,
mancarra,
jubi,
bunda,
macaréu…

(...)

31 de Julho de 2009
Guiné 63/74 - P4761: Blogpoesia (57): Por esse Geba acima... até Contuboel, o eldorado (Luís Graça, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, 1969/71)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2009/07/guine-6374-p4761-blogpoesia-57-por-esse.html

Luís Graça disse...

Na cronologia do sítio "Guerra Colonial", pode ler-se:

1961-02-04 > Revolta em Luanda, com ataques à Casa de Reclusão, ao quartel da PSP e à Emissora Nacional, "acção considerada como o início da luta armada em Angola" (sic).

http://www.guerracolonial.org/cronology

Considerada por quem ? Os historiógrafos, os historiadores, a ideologia oficial ?...

Estas efemérides são sempre controversas... (É como o início da guerra da Guiné que, para o PAIGC, começou com a 23 de Janeiro de 1963, em Tite, e não a 3 de Agosto de 1959, mo Pidjiguiti, e muito menos com as escaramulas provocadas pela FLING em Domingos,em Julho de 1961)...

O mais importante é, para cada povo, a "apropriação", mitológica ou não, datas que marcam o seu percurso histórico ... De qualquer modo, sabemos como os "vencedores" tendem a escrever (ou a tentar escrever) a história...


Para os angolanos, o 4 de Fevereiro de 1961(e a "caça ao negro" que se lhe seguiu nas ruas de Luanda, e que nós não soubemos cá, por que a censura não deixava...) e não o 15 de Março de 1961 (início da sublevação da UPA no norte de Angola, como massacre de centenas de colonos brancos e pessoal doméstico angolano) é que são o nascimento oficial do "nacionalismo angolano".

É provável que o 4 de Fevereiro, "mais urbano", seja mais exaltante para o vitorioso MPLA do que o 15 de Março...

Esta é uma questão que está fora do "âmbito" do nosso blogue e sobretudo da nossa "competência", já que não somos historiadores...

Para os jovens, portugueses, como nós, o 4 de Fevereiro de 1961 é um "toque a rebate"... A verdade é que em 15 de Março já estavam a desembarcar, em Luanda, vindas de Lisboa, as 4 primeiras companhias de caçadores que vinham reforçar a guarnição do território...

Joaquim Mexia Alves disse...

Julgo que, e apenas julgo, segundo conversas tidas nos idos de 75 em Angola, prende-se bastante com o facto do 4 de Fvereiro ser uma acção do MPLA, e o Março ser da FNLA, UPA naquele tempo.

E também para o facto de a primeira ser um "acto de revolta" e a segunda um "acto de barbárie".

Aliás em Macau também houve uma "revolta" grave que nunca foi conhecida na Metrópole.

Abraço camarigo para todos

Anónimo disse...

MPLA em 4 de Fevereiro, UPA, em 15 de Março e UNITA no Natal de 1966.

Quem estava em Luanda no 4 de Fevereiro não ficou tão perturbado como no 15 de Março.

Foi no 15 de Março (UPA), que o Salazar lançou a ordem para Angola em força. E eu fui novamente mobilizado e fiquei furriel.

Quem era do MPLA tambem ficou baralhado com a acção da UPA, e afinal o problema já era internacional.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Rosinha: Por que não falar (escrever) sonbre esses tempos ? Sei que foram dolorosos, para muitas famílias e comunidades... Par tu mesmo, seguramente. Mas tu és o único, de nós, que pode escrever "de cátedra" sobre estes acontecimentos... Dispõe do blogue, que também é teu... Luís Graça

Anónimo disse...

Caros camaradas;

Agora não me deixo ultrapassar pelo tempo, como aconteceu em tempos com um outro post, que falava do Manuel Alegre, natural daqui (ao lado) e de vez em quando também residente, na sua casa da Rua Vaasco da Gama-Águeda.
Digo isto porque daquela vez não vim espreitar. Nem imaginava no que ia dar!
Agora vim até cá. E vi a amabilidade (e também a delicadeza) com que me tratam, quando abordei com o mesmo espírito simplista e modesto esta data, aqui mesmo no nosso blogue.
Concordo, nos precisos termos em que são apresentadas as dissertações sobre os temas, com o caso das datas em evidência.
Pois, sei também, que quando se diz que uma Instituição foi fundada em tal data, parece-me sempre historicamente errado, porque certamente a ideia de uma iniciativa germinou antes, com todos os detalhes, pormenores, acertos, pessoas, congregação e ultimação, até se tornat oficial, numa precisa data.
Mas o dia 4 de Fevereiro, é preponderante e marcante, quer para nós quer para os Angolanos. É natural que a acção acontecida neste dia tenha sido germinada muito antes.
E como não esqueci, como outras datas que não conheci, pelas razões aqui expressas (censura, controlo de factos, transformá-los em linguagem cifrada, etc.) de tudo houve, mas uma fica sempre...
A todos, agradeço os interessantes comentários, com um abraço.

JM Ferreira

Anónimo disse...

A propósito do começo da guerra em Angola, que não foi em 4 de Fevereiro como convém ao MPLA, veja-se o testemunho do sargento José Castelo Branco de Moura publicado na edição 348 da revista “Combatente” de Junho de 2009, no seguinte endereço:

http://ultramar.terraweb.biz/07Efemerides/02FEV1961/Cassanje_02Fev61.pdf

Abraço ao tabancal
Henrique Matos

Anónimo disse...

http://ultramar.terraweb.biz/
07Efemerides/02FEV1961/
Cassanje_02Fev61.pdf

Espero que agora saia correcto

Anónimo disse...

Luis Graça, doloroso? para imensa gente sim: conhecia um cabo que morreu no ataque à casa de reclusão (único morto) e estava castigado, mas como tinha bom omportamento andava cá fora.

A casa da reclusão é uma fortaleza antiga e ele estava com o sentinela à porta de armas.

Na esquadra de catete morreram penso que 6 policias, não conhecia pessoalmente nenhum.

Mas pessoalmente, é dificil de explicar, mas afirmo que vivi de 1957 a 1974, um tempo glorioso, fabuloso, feliz...cheio de saúde fisica e mental em todo o território de Angola.

Tentarei explicar, mas vai ser dificil compreender, a muita gente.

Antº Rosinha

Carlos Pinheiro disse...

Parabéns pela lembrança da data histórica. É sempre bom lembar os acontecimentos, sejam eles de que indole forem, para que a memória não esqueça e, neste caso, que os homens do poder sejam forçados a aprender.
Obrigado.
Carlos Pinheiro
Ex. 1º Cabo Op. Msgs. Guiné 68/70

Torcato Mendonca disse...

Escrevi mas não seguiu.Dizia eu:
É, quanto a mim, necessário esse relato. Quem melhor do que tu, António Rosinha para o fazeres? Estamos num espaço plural, quer queriam ou não e querem todos os nossos Camaradas. Por isso se procura a verdade dos factos e do que efectivamente aconteceu. O meu, o teu,o relato de qualquer um será sempre subjectivo e passível de contestação. Como tudo nesta nossa vida.Só que o relato feito por quem o viveu, contado honestamente e procurando a verdade,vem dizer a nós e a quem nisso estiver interessado, essa parte da nossa história (H) como Povo e a de outros Povos.

É um resumo do que escrevi e se evaporou ciberespaço fora.

Ao Luís Graça e a ti as minhas desculpas pela intromissão. Divergência salutar sim,o unanimismo é dispensável, cheira a...resignação e deixa andar.
Abraço fraterno Torcato