quinta-feira, 31 de março de 2011

Guiné 63/74 - P8022: Notas de leitura (223): Spínola, o anti-general, de Eduardo Freitas da Costa (José Manuel Matos Dinis)

1. José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), em mensagem do dia de 26 de Março de 2011 enviou-nos esta recensão:


Spínola, o anti-general

José Manuel Matos Dinis

Comprei num alfarrabista, e achei muito interessante a dissecação feita sobre o general, expressa numa publicação Edições FP, Lisboa, - 1978, Sob o título "Spínola, o anti-general", da autoria de Eduardo Freitas da Costa, que se infere admirador de Salazar. Interessante mas amarga.

Logo na introdução, o Autor dá-nos este naco de avaliação:..."sente-se que a grande preocupação de A. Spínola era não só tornar patente um desembaraço pessoal que não pudesse ser discutido como associar-lhe essa arrogante, altiva, afectada e desdenhosa imagem de 'vedeta' guerreira: queria ser invejado pelos seus iguais, temido pelos superiores, respeitado pelos seus subordinados, admirado por todos."

Não se trata de uma biografia, antes, até pela data da publicação, de uma análise toldada pela revolução de 25 de Abril (um ajuste de contas), onde o general esteve envolvido desde a fase preparatória e funcionou como chapéu onde se abrigavam os capitães revoltosos, detectando-lhe ambições, hesitações, contradições, cedências e incompetências, numa constância que lhe destrói a imagem.

Logo a seguir àquela passagem, adianta: ..."os cuidados de imagem acabaram por sobrepôr-se às preocupações da essência"...

Aponta-lhe a ambição civil do chefe militar, referindo que a primeira incongruência e contradição entre a imagem e a realidade, situa-se no momento em que é designado para a Guiné. Que a partir de então, quando lhe eram entregues simultâneamente funções de Comando-Chefe de uma delicada zona de operações militares e de Governador de uma pacífica provincia, não se manifesta no espírito de Spínola nem um equílibrio de preocupações, nem sequer a tendência - que seria desculpável num general... - para sobrepor os cuidados militares às inquietações políticas.

"Durante os seus anos de Guiné é clara e evidente a constante atenção posta em revelar os seus pretensos dotes de governante, enquanto reduz a sua actividade militar a rasgos e impulsos de tenente-coronel de cavalaria", opinando claramente que a Spínola faltou a estratégia e o cuidado militar na condução da guerra, enquanto teorizava frequentemente sobre política, com a generalizada cobertura da comunicação-social. Este poderá considerar-se o mote para a apreciação ao período da Guiné. E continua: "logo a partir da entrevista que lhe concedeu o Presidente Salazar (para confirmar o convite do ministro Silva Cunha) antes da partida do general para Bissau, se revela, de facto - segundo confissão própria (País Sem Rumo, pgs 17/23) - a real ambição civil deste aparente chefe militar. É sintomático que, nas sete páginas que resolveu dedicar à minuciosa narrativa do que entendeu dever nessa oportunidade dizer ao então chefe do governo, não figura uma só linha de declarações de intenções, ao menos, de carácter militar e tudo sejam considerações de carácter político, procurando corrigir o que ele pretendia ser, por parte do presidente Salazar, 'um imperfeito conhecimento' das circunstâncias".

Sobre a demagogia do 'soldado-velho', como gostava de se afirmar, socorre-se o autor do depoimento insuspeito de Alpoim Calvão que refere lançar luz sobre "a forma aberrante que assumia, no ânimo do general, a função de comandante-chefe de forças em operações. Uma ou duas dúzias de páginas do volume 'De Conakry ao M.D.L.P.', daquele oficial da Armada, bastam para mostrar até que ponto os cuidados de vedetismo obscureciam em Spínola quanto deveria constituir elementar preocupação de um general; o que na realidade lhe importava era a sua popularidade, a valorização da sua imagem pessoal, em quanto ao resto, em quanto ao que devia competir efectivamente a um comandante-chefe, era indisciplinado, agia por impulsos, mostrava-se arrebatado e irrascível, imprudente e precipitado, incapaz de uma concepção estratégica global e reflectida".

Lembrei-me do discurso de recepção à minha Companhia, e das referências que o general fez aos traidores que estariam na retaguarda, afirmava-se paternalmente e pronto a receber qualquer um de nós, e também me lembrei de ter mandado tapar as valas em Pirada que, dizia, devia ser uma localidade aberta e pacífica para receber quem demandasse a Guiné, e onde passados dias, só por um grande milagre não ocorreu uma chacina, no decurso de uma invasão do IN que se distraíu nas lojas, enquanto o pessoal assistia a uma projecção de cinema. Exemplos do referido arrebatamento.

O autor ainda acusa de ambição o general, sustentado na carta que, em 1961, o então tenente-coronel, à data sem quaisquer funções que o obrigassem, escreveu - "por imperativo militar" - a oferecer-se para a guerra e a imiscuir-se em política interna do País, ultrapassando a hierarquia militar e os ministros do Exército e do Ultramar, numa clara violação disciplinar.

O autor acusa Spínola de se julgar um génio político e, "como todos os génios, um incompreendido", que em 15/4/1972 disse a M. Caetano: "afirmei-lhe que a minha acção na Guiné se encontrava avançada no tempo em relação à política ultramarina portuguesa vigente, a qual, em meu entender, não estava acompanhando ao ritmo desejado a evolução social do Mundo" (País Sem Rumo, pg.26).

Ora, na ocasião, a Guiné era uma minudência comparada com Angola, onde se registavam elevados índices de crescimento social e económico, sem qualquer razoabilidade de comparação.

Estribado num texto do vice-almirante Pereira Crespo (Porque Perdemos a Guerra), o autor vai confrontar as posições do general para concluir que a solução política preconizada, corresponderia a uma rendição, e escreve: "o general, ao que parece, entendia porém que seria solução política da guerra o facto de lhe pôr termo, em abstracto, sem curar do sinal positivo ou negativo desse termo, como se o que estivesse em causa fosse o fenómeno da guerra em si mesmo e não os objectivos que, com essa guerra o IN pretendia atingir e nós evitar que ele atingisse".

Prosseguindo, a teoria federalista de M. Caetano terá inspirado a Spínola o livro "Portugal e o Futuro", rampa de lançamento para a candidatura a PR, e também foram as imprecisões de conceitos e de orientações por parte do governo, que "alentavam todos os impulsos e todas as audácias" do general, nomeadamente no que respeita a iniciativas para a paz e à existência de um "saco-azul" de que M. Caetano refere não ter prestado contas.

Com o 25 de Abril e o período subsequente, a autor alonga-se em explanações e transcrições, para concluir como o general esteve sempre controlado pelas facções dos capitães, foi levado a tomar decisãoes que contrariam as teses de "Portugal e o Futuro" (nomeadamente o reconhecimento à autodeterminação incondicional e a independência da Guiné), andou de hesitações em hesitações em busca de apoios que não teve, passou pela frustração do 28 de Setembro e, finalmente, pelo vexame da fuga em 11 de Março.

Durante um ano fez um périplo por vários países na vã tentativa de reunir apoios, e de alguns foi coagido a sair, até regressar a Portugal para se sugeitar a julgamento.
Julgamento que o livro propõe na perspectiva do autor que, disseca e critica as edições de Spínola, socorre-se de várias fontes, e canaliza-nos essa torrente numa descrição de bom português.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7430: Convívios (203): Novo Encontro da Tabanca da Linha (3) (José Manuel Matos Dinis /Miguel Pessoa/Mário Fitas)

Vd. último poste da série de 30 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8017: Notas de leitura (222): A Luta pela Independência, por Dalila Cabrita Mateus (2) (Mário Beja Santos)

8 comentários:

Anónimo disse...

Achega à ponderação da competência e 'conhecimento de causa' do autor e para determinação do ponto de vista usado


Eduardo Freitas da Costa (1915-1980)
Jornalista e ensaísta. Grande defensor da causa nacionalista, adepto incondicional do Estado Novo e admirador de Salazar, dedicou-se, nesse contexto, a uma actividade ensaística por vezes polémica, mas não despicienda de interesse. Foi chefe da redacção do jornal de extrema direita A Vitória e do Diário da Manhã, órgão da União Nacional. Ocupou o lugar de adido de imprensa na Embaixada de Portugal junto do Governo de Franco e dirigiu, na Presidência do Conselho salazarista, um Gabinete de Estudos de Informação. Foi também administrador da Rádio Televisão Portuguesa. Com o "25 de Abril", exilou-se em Espanha, em cuja capital viria a falecer. Numa perspectiva nacionalista, ocupou-se da vida e da obra de Fernando Pessoa, tendo, nomeadamente, publicado um livro polémico - Fernando Pessoa: Notas a Uma Biografia Romanceada (1951) -, onde faz algumas rectificações de ordem biográfica à Vida e Obra de Fernando Pessoa, de João Gaspar Simões. Já no exílio de Madrid, foi ali responsável, com José António Llardent e Joaquim Puig, por um número duplo monográfico da revista Poesia (Nos. 7/8, Primavera de 1980), dedicado a Fernando Pessoa.
(Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. IV, Lisboa, 1997)

Bibliografia
Testamento da Europa,1942
O Príncipe e O Novo Príncipe – Machiavelli e Gama de Castro, 1943.
Marxismo, a Doutrina Falsa, 1945.
Efemérides da História de Portugal, 1950
Fernando Pessoa – Notas a uma biografia romanceada, 1951.
Textos de Salazar sobre Política Ultramarina, 1952.
Prefácio e escolha selecçãode textos - Fernando Pessoa, 1960.
Seleção e prefácio de Salazar – Não Discutimos a Pátria, 1961.
Quase História, 1962.
Organização e selecção de Salazar – Antologia, 1966.
Para um retrato de Salazar, Breve in memoriam, 1971.
Acuso Marcelo Caetano, 1975.
Portugal Urgente, 1978.
Para uma Nova Fundação de Portugal, 1978.
História do 28 de Maio, 1979
Spínola: o Anti-general, 1979.

SNogueira

Anónimo disse...

Msis uma achega:

"A ascensão de Marcelo Caetano à Presidência do Conselho de Ministros, em 28 de Setembro de 1968 - com as suas incoerências, as suas hesitações, as suas arbitrariedades, o seu consubstancial hibridismo político - longe de rectificar os erros cometidos, ampliou-os e criou a situação que veio a desembocar (com o seu conhecimento se não com a sua cumplicidade) no golpe militar de 25 de Abril de 1974. Interrompera-se, com Marcelo Caetano, o que deveria ser uma evolução no sentido de se aperfeiçoar e consolidar a recuperação do projecto nacional iniciado pelo "28 de Maio"; o golpe de 1974 concretizou essa interrupção, procurando paradoxalmente - como expressão de modernidade, actualização e progresso - voltar à situação de liberalismo parlamentar vencida em 1926 [...].
Onde o retrocesso se verificou por inteiro - e com muito maior amplitude e profundidade - foi no próprio conceito e na definição material da Nação: com a entrega das parcelas africanas e oceânica do território português e a abdicação do seu pluricontinentalismo essencial, rectrocedeu-se aos começos do século XV - quando Portugal ia realmente ser Nação..."

Eduardo Freitas da Costa, "História do 28 de Maio", Edições do Tamplo, 1979, pp. 302-303.

Luís Graça disse...

Presume-se que a "achega" seja do leitor anterior, SNogueira, identificado perante o editor como antigo oficial pára-quedista (com comissões nos 3 TO de Africa).

Lembro aqui a regra do "não anonimato", pelo que peço aio leitor (anónimo) que subscreva o seu comentário... São as regras do jogo... LG

Anónimo disse...

Desculpa, Luís e caros camaradas. A "achega" foi minha.
Que raio! Esquecime de "assinar".
Um abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

... e também me esqueci do hífen no "esqueci-me".
É muito esquecimento junto!
Abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

" No problem" camarigo Carlos Cordeiro.
Agora já há atestados médicos para o esquecimento.Soube há pouco tempo que um "colega" meu, passou um atestado médico dizendo que fulano x sofre de esquecimento e por isso se esqueceu de se apresentar no centro de emprego.
Eu para os camarigos estou à disposição, se sofrerem é claro de esquecimento...se se esquecerem de ir trabalhar, de pagar impostos, ..ou outro...qualquer serve...é só pedirem que eu passo.
AH... É À "BORLA"
C.Martins

Anónimo disse...

Obrigado pela informação e pela generosidade, camarigo C. Martins.
Os pedidos e os atestados terão que ser, obrigatoriamente, inseridos aqui no blogue como postes?

Um abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Ao único militar graúdo ( acima de capitão) que me fez companhia, a mim e aos meus homens em Nhacobá, onde juntamente com a C. CAV. 8351 embrulhou;

Ao único oficial do exército português que na chegada da minha Companhia a Bissau, permitiu que, alto e em bom som dele se discordasse na defesa de um federalismo ultrapassado e continuasse uma discussão política em sítio mais recatado;

Ao Comandante em Chefe que visitou a minha Companhia por diversas vezes cumprindo religiosamente com as promessas que fazia em termos de apoio logístico e bélico;

Ao Comandante militar da Guiné que na minha presença deu um "raspanete" a um tenente coronel a propósito de um qualquer disparate de reordenamento em Colibuia, raspanete que se tornou audível e a subir de tom, quando a água que o oficial pretendia sacudir do capote molhava os não graduados.

Ao general que escreveu na ditadura o "Portugal e o Futuro", hoje desvalorizado porque é muito fácil ser-se democrata em democracia;

Ao marechal António de Spínola, os meus parabéns por ter sido atacado da forma como foi por um "adepto incondicional do Estado Novo e admirador do Salazar", por um homem "chefe de redacção de um jornal de extrema direita".

Pena que o meu Blogue tenha sido o veículo deste " Anti-General".

Sinceramente não esperava que desta moita saísse tal coelho.

Vasco A. R. da Gama