1. Primeiro poste da série "Memórias da CCAÇ 1546 (1966) - Reportagens da Época", de autoria do nosso camarada Domingos Gonçalves*, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68), enviadas em mensagem do dia 22 de Agosto de 2011.
Memórias da CCAÇ 1546 (1966) - Reportagens da Época - I
A Caminho do embarque
7 de Maio de 1966
Pelas cinco horas da manhã o corneteiro executou o toque de alvorada.
Os homens da Companhia de Caçadores n.º 1546 levantaram-se, fardaram-se, prepararam as respectivas bagagens e, pelas sete horas da manhã, tomaram o pequeno almoço.
Às oito horas e meia, em formatura, a Companhia despediu-se do Pragal, abandonando o aquartelamento e a povoação em passo de corrida, obedecendo à voz de comando do capitão.
Como era muito agradável o destino que nos esperava, era necessário correr ao seu encontro!...
Para trás, nos olhares saudosos da população que nos via partir, ficavam já muitas histórias de amores passageiros, mas talvez profundos, construídos durante as escassas semanas em que a Companhia permaneceu no pequeno aquartelamento que se debruçava, singelo, sobre o Tejo.
Entretanto, as viaturas do Exército já haviam carregado as bagagens e rumado para as bandas de Lisboa.
Embarcada num cacilheiro, a Companhia desceu o Tejo, até Porto Brandão, onde, no mesmo barco, iniciaram a travessia do rio os homens das Companhias de Caçadores n.º 1547 e n.º 1548, também pertencentes ao Batalhão n.º 1887.
De Porto Brandão o cacilheiro levou-nos ao cais da Rocha, onde se desembarcou e se preparou a formatura do Batalhão para o desfile do embarque.
Gare Marítima da Rocha Conde D´Óbidos
Com a devida vénia ao Blogue Restos de Colecção
Depois foi a cerimónia da despedida.
Houve discursos e recordações para os soldados, oferecidas pelas senhoras do Movimento Nacional Feminino.
Estiveram também presentes no local, bastante discretas, algumas raparigas do Serviço de Apoio aos Milicianos, um movimento pouco conhecido, constituído por gente nova, que prestava alguma ajuda aos jovens que, por causa da guerra, tinham que abandonar estudos, interromper cursos e partir para as colónias.
O EMBARQUE
Eram dez horas da manhã.
O Sol caía, abrasador, sobre a marginal lisboeta, queimando, inclemente, o rosto entristecido de cada homem.
A formatura estava impecável.
A luz incidia, radiosa, sobre a cor das fardas e sobre os galões dourados dos oficiais e sargentos, dando uma alma estranha, mas cheia de nobreza e brilho, ao Batalhão em parada...
De repente, quase angélico, ecoou nos ares o toque de sentido.
De imediato, como se fora um só corpo animado pela força do mesmo espírito, o Batalhão inteiro, mais de setecentos homens, o rosto iluminado pelo sol ofuscante, ficou petrificado, olhando em frente.
E os metais do clarim soltaram nova melodia, desta vez, ainda, mais harmoniosa, e a formatura fez direita volver.
O clarim tocou de novo...
A fanfarra soou...
O eco profundo causado pelo ruído de mais de setecentos homens marchando, espalhou-se, grandioso, ao perto e ao longe, para voltar de novo ao asfalto que as botas pisavam rudemente...
E o desfile prosseguia até se desfazer nas escadas do Uíge, que os soldados, ainda sob a força hipnotizante do toque de fanfarra, subiam a marchar.
Finalmente, quando o último soldado já se encontrava a bordo, a escada do barco levantou-se.
No cais, amontoavam-se centenas de homens, mulheres e crianças, olhos fixos no barco pronto para iniciar a viagem.
Eram os familiares e amigos que ficavam.
No rosto de cada um pairava, tristonha e dolorosa, a imagem da saudade.
No barco, olhando o cais, os irmãos, as namoradas, ou outros familiares, que ficavam, os soldados apenas almejavam o fim do quadro pungente que viviam. Todos desejavam sentir o barco a deslizar rio abaixo, o mais rapidamente possível.
Às doze horas, sensivelmente, o Uíge levantou ferro e, muito lentamente, foi sulcando as águas calmas do Tejo, rumo ao Atlântico misterioso, belo e fundo.
Agitadas pelo vento, desfazendo-se em espuma, as ondas faziam baloiçar o barco que, vagaroso, deslizava nas águas mansamente.
A luz do sol incidia, ténue, na planura das águas e, do Barreiro a Cacilhas, da Praça do Comércio a Belém, o rio era um imenso lençol de prata, um verdadeiro mar a desfazer-se em pérolas.
Bandos de gaivotas pairavam nos ares, poisavam na água, esvoaçavam de novo, enquanto, sempre baloiçando, o Uíge, impelido pela força dos hélices, ia cortando a massa líquida.
A ponte, ainda em construção, o Cristo Rei de Almada, os Jerónimos, o Padrão dos Descobrimentos, a Torre de Belém, os rochedos da costa, tudo foi desaparecendo do horizonte.
No barco, pensativos, os soldados, rapazes do Minho, de Trás-os-Montes, das Beiras, de Lisboa e das Ilhas, iam contemplando a terra que desaparecia, sem que a esperança morresse em seus corações.
A alma do regresso seguia bem enraizada no peito de cada um.
Quantas promessas à Virgem e aos Santos eles fizeram antes de embarcar! Eles e os familiares... E as namoradas...
(Continua)
____________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 1 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8718: Convívios (361): Relembrando o 1.º Convívio da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, em Fátima, no dia 24 de Maio de 1997 (Domingos Gonçalves)
2 comentários:
Caro Domingo Gonçalves
Saude para si e todos os seus.
Refere o SEVIÇO APOIO aos MILICIANOS.
Sendo realmente muito pouco conhecido, seria interessante algumas palavras acerca da sua constituição e trabalho.
CCoutinho
ccbitton@gmail.com
Já não é a primeira vez que esta camarada de armas vem ao blog.
Desta vez a curiosidade foi mais forte, e "consigo" descobri que quase somos vizinhos: eu mora nas patameiras/pombais, e esteve na guiné.
Já agora: Pilão tem alguma coisa a ver com o IMPE?
Um abraço para o Carlos Coutinho
Enviar um comentário