terça-feira, 8 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9013: (Ex)citações (153): Oleg Ignátiev e a biografia de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos / Mário Serra de Oliveira)

 

No seguimento da publicação dos postes 8995 e 9006 (Amílcar Cabral, a biografia romanceada de Oleg Ignátiev), de autoria do nosso camarada Mário Beja Santos, integrados na série "Notas de Leitura", ocorreu uma troca de mensagens entre o autor destas Notas e o mais recente Mário da nossa tertúlia, o camarada Mário Serra de Oliveira - que permaneceu uns anos na Guiné-Bissau depois da sua passagem à disponibilidade, e após a independência daquele país, até 1981 - que passamos a reproduzir:



i) - Mensagem de Mário S. de Oliveira com data de 6 de Novembro de 2011, dirigida a Mário Beja Santos:

Olá Amigo e Camarada Mário Beja Santos!
É um prazer contactar contigo tendo por tema esse tal Olev Ignatiev!...

É que, numa rápida análise que fiz aos teus comentários, chamam-me à atenção alguns pontos referidos e que, pontualmente farei referencia sobre cada um deles.

- Rafael Barbosa - que conheci pessoalmente durante a minha estadia na Guiné - Maio de 1967 a Dezembro de 1968, enquanto militar e, depois, até Agosto de 1981, já na vida civil.

- Grupo de estudantes foi enviado para a China - e que, sobre o qual, procuro alguns esclarecimentos.

Começando pelo último, gostaria de perguntar se acaso a informação a que tiveste acesso, indica que, desse grupo, fazia um tal Mário (tal como tu e eu) Mamadou Turé mas que dava pelo nome de MOMO TURÉ!...

A razão é que estou a terminar de alinhar os últimos retoques sobre um livro que já está escrito mas não publicado, onde entra parte da minha crítica a esse Olev Ignatiev porque, no livro "Três Tiros da Pide" de sua autoria, ele refere-se ao MOMO e a um restaurante - O PELICANO - do qual eu era encarregado geral.

Aconteceu que, o MOMO desapareceu - não compareceu ao serviço, no dia seguinte, logo após eu, minha mulher e irmã dela, meu irmão e mulher, minha irmã e marido, juntamente com alguns rebentos, incluindo a minha primeira e única filha, termos estado a celebrar (?) - foi isso que o MOMO nos disse, um aniversário de nascimento.

Aconteceu que, logo no dia seguinte, me aparecem três agentes da PIDE no Pelicano, a fazer perguntas sobre o MOMO.

Não adiantando entrar sobre qie tipo de perguntas, o certo é que, eu achei muito estranho que eles soubessem do desaparecimento dele. Nem 24 horas tinham passado!

O ponto é que, mais tarde, MOMO foi acusado - e fuzilado consequentemente - de ter participado na morte de Amílcar Cabral com a conivência da PIDE, o que eu duvido.

Por um lado, talvez mas, olhando friamente para a situação política naquela época, e, de um modo geral para a repercussões a nível internacional, não seria "smart" - vivo nos EUA - aniquilarem uma figura como AM. Se aconteceu, deverá ter sido acidental.

No entanto, o OLEV narra os acontecimentos como - O MOMO foi trabalhar para o Restaurante Pelicano e pouco tempo depois desapareceu.

Ora... fui eu quem abriu o Pelicano - em 14-11-69 - e, foi durante a minha estadia no mesmo que a minha filha veio ao Mundo 6-9-70 (um ano). Momo assistiu ao primeiro aniversário dela - 6-9-71 - e continuou ao nosso lado por bastante tempo.

Esta coisa de "pouco tempo depois" é pouco clara. Eu estava lá, porque no dia da festa de anos(?) do MOMO tive o meu primeiro acidente de carro. Nunca esqueci que me despistei, e os cavalos foram beber água a uma bolanha.

Sobre o Rafael Barbosa só te digo que o conheci tão bem tão bem que tanto no Pelicano como mais tarde no meu próprio Restaurante - O NINHO DE SANTA LUZIA - ele me visitava porque, desde o Pelicano - onde ia periodicamente a falar com o MOMO - creio até que ambos estiveram juntos no Tarrafal. A bebida predilecta dele era "Laranjina C".

Olha... há um manancial de episódios - incluindo o planeamento de uma bomba no meu restaurante pelo próprio Rafael Barbosa que, só lá não foi colocada após palestra miinha, feita a todos os meus empregados, depois de - mais uma vez a PIDE - me ter chamado à Central para me informar deste plano.

Já depois da Independência, elementos do PAICG me confirmaram da razão porque é que lá tinha sido colocada uma bomba. Foi a minmha palestra com o meu pessoal.

Enfim... se quiseres podes passar estes comentários à Tertúlia, pois até creio que eles gostarão de saber.

Um abraço.
Mario S. de Oliveira
1.º Cabo Amanuense nº262 - BA 12- 
Guiné Maio de 67 a Dez. 68. 
Durante a Guerra, durante a Independência e após. Dava para escrever 10 livros. Estou no primeiro e a alinhavar o segundo.
Boa sorte a todos.


ii) - Resposta de Mário Beja Santos ao Mário Oliveira em 7 de Novembro:

Meu caro Mário,
O teu email foi uma bonita surpresa. Ficas a saber que o meu jantar de casamento foi em "O Pelicano", em 20 de Abril de 1970. Tomei a liberdade, dada a importância das tuas informações históricas, de repassar o teu email para dentro do blogue.
Faz precisamente um ano, estive na Guiné, parei demoradamente em frente a "O Pelicano", é uma completa ruína. Se gostares, envio-te a fotografia que então tirei.

Não sabia de tantas histórias do Momo, não dou grande crédito às versões que correm relativamente à natureza da conspiração do assassinato de Amílcar Cabral devido à manipulação pela PIDE. Ainda recentemente, nas memórias do guerrilheiro Bobo Keita vem referido que Osvaldo Vieira passou uma boa parte do dia 20 de Janeiro de 1973 na companhia de Inocêncio Kani – a confirmar-se, deita completamente por terra a tese do braço longo da PIDE.

Bom seria que tu desatasses a escrever sobre aqueles tempos, tens seguramente memórias do maior valor para aquele período da história da Guiné.

Recebe um abraço do
Mário



iii) - Mensagem de Mário Oliveira para Beja Santos em 8 de Novembro

Amigo Beja Santos 
Se o teu casamento foi no PELICANO, deves de ter fotos não? Sabes, na ocasião, por um motivo ou por outro, eu não era muito de tirar fotos. Estou arrependido. Sei que existiam algumas em Portugal - inclusive o MOMO com a minha filha ao colo. Obviamente ficaria encantado por receber algumas fotos do Pelicano.
Agradeço antecipadamente.

Sobre o que sei, poderá ser tudo relativamente superficial, sem base certa. Por isso é que entrei em contacto com um ainda primo - e quando digo ainda é porque ainda vive e que, não sendo primeiro primo, é primo em segunda ou terceira. Ele era rádiotelegrafista na DGS, e à pergunta feita por mim sobre se me podia adiantar algo sobre o envolvimento da PIDE, a resposta foi que não. Que não havia interesse político em liquidarem uma pessoa como AC. Internacionalmente seria muito grave. Acredito.

O certo é que a determinado momento, o MOMO me aparece no PELICANO com uma motorizada Suzuki - transporte ideal para o movimento nos trilhos da floresta e que, não havendo muita verba, ele me disse que lhe tinham dado crédito. Eu tinha visto alguns visitantes do Pelicano - que mais tarde soube estarem ligados à DGS.

Havia ainda o facto de Rafael Barbosa ser uma assídua visita ao MOMO no Pelicano. Até que ponto se interligava fosse o que fosse não sei. Só achei muito estranho que, menos de 24 horas depois do MOMO desaparecer, me aparecer a DGS - 3 agentes - a questionarem-me sobre o paradeiro dele. E, à minha resposta negativa, vem a outra - mais suspeita ainda - se ele não me tinha dito para onde tencionava ir. Isto é factual.

Agora, o estar por detrás da morte de um individuo talvez pudesse ser contraproducente, o estar por detrás da fuga, creio, o fantasma ganha mais 'pernas' na última.

Por isso, e como já passou tanto tempo, creio que alguém ligado à DGS, deve ter a 'chave' do puzzle.

Se quiseres, podes passar à Tertúlia. Muitos se irão surpreender com alguns comentários reais.

Um abraço.
do Mário para o Mário
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8945: (Ex)citações (152): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - Apreciação de António Martins de Matos ex-Ten Pilav, Bissalanca, 1972/74

2 comentários:

Luís Graça disse...

Eis o que o Bobo Keita relata sobre o Momo Turé (pág. 146 do livro de Norberto Tavares de Carvalho, "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita", 2011):

"(...) Disse ao [Amílcar] Cabral que o Momo era meu primo do lado da minha mãe m,as que era um indivíduo muioto ambicioso. O Momo era membro do Partido e nessa qualidade esteve preso nmo Tarrafal, Cabo Verde, durante sete anos.

" A PIDE fez-lhe uma lavagem ao cérebro, depois foi para Bissau, de lá fingiu fugir para o Norte e apareceu nas zonas libertadas. O Partido mandou-o para Cuba fazer uma consulta geral. Mas Momo tinha uma missão a cumprir e essa missão estava ligada à polítioca da 'Guiné Melhor' do Spínola. Em troca de quê não sei, mas foi o compromisso que ele aceitou tomar!...

"Foram libertados no dia 3 de Agosto de 1972 com outros presioneiros políticos, como o sr. Inácio Carvalho, militante clandestino preso em Bissau e enviado ao Tarrafal, o Rafael Barbosa, etc."

Fim de citação...

Aqui o Bobo Keita (ou o seu entrevistador) engana-se redondamente na data...

Recorde-se que, tal como já aqui referimos no blogue, em 4 de Setembro de 1962 foram deportados para o Tarrafal 100 guineenses, entre eles o tal Momo Turé. Foram juntar-se aos 107 angolanos que já lá estavam.

Os guineenses foram alojados numa ala separada. Em 1964 saíram cerca de 60 guineenses, sem qualquer culpa formada nem julgamento, sendo os restantes libertados em 30 de Julho de 1969, no âmbito da política "Por uma Guiné Melhor", do Governador Geral e Com-Chefe António Spínola.

Ao todo, O Gen Spínola mandou libertar 92 presos políticos, incluindo um dos históricos do PAIGC, Rafael Barbosa (1926-2007), detido na colónia penal da Ilha das Galinhas, nos Bijagós.

Carlos Silva disse...

Caros Amigos & Camaradas

1 – Beja, no Post 9006, tratas o nosso amigo e camarada por Marcos Lopes, engano de escrita. Pois o seu nome é António Marques Lopes.
2 – Quanto Oleg Ignátiev, parece ser o biógrafo oficial de Amilcar Cabral e de facto está despido de rigor histórico.
2 – Luís, o teu comentário apenas consiste em destacar o seguinte:
Aqui o Bobo Keita (ou o seu entrevistador) engana-se redondamente na data....
3 – Pois é, dos vários livros que li sobre a morte/assassinato de Amilcar Cabral em 20-01-1973, a versão dos elementos do PAIGC que já escreveram sobre o tema, bem como, daqueles vão falando sobre o assunto, é no sentido de atribuir à PIDE/DGS a responsabilidade/co-autor moral do assassinato.
Só que, até hoje nós sabemos quem foram os autores materiais do crime, que depois de serem interrogados foram executados em Conakri, com várias histórias envolventes relativamente a essas execuções.
Com certeza que nesses interrogatórios os autores materiais/executados disseram alguma coisa sobre o que os motivou a cometer esse crime hediondo, que é matar um ser humano. Pois eles [presumo] quer ou não sobre pressão devem ter referido algo sobre essa sua conspiração e isso em lado algum veio a público, pois nem Luís Cabral, Aristides Pereira, Pedro Pires, Queba Sambu, Bobo Keitá; Oleg Ignátiev; etc etc falam sobre o que decorreu ou resultou desses interrogatórios.
Talvez, ou com certeza, estão interessados em omitir para a história, esses factos para na dúvida atribuírem à PIDE/DGS a responsabilidade e co-autoria moral do assassinato, que até hoje não conseguiram demonstrar e ou apresentar provas.
Enfim….
3 – Para mim, tenho que a história da Luta da Libertação do PAIGC é e será sempre cantada em termos vitoriosos veja-se o que escrevem e dizem os seus protagonistas defensores que existem entre portugueses, apresentando-nos sempre como os vencidos e nunca admitindo as derrotas.
Haveria milhares de exemplos para citar….
De tantos que já desmistifiquei, cito aqui mais um dessa visão redutora que pretendem veicular.
O Bobo Keita, que na ua entrevista creio que não trás nada de novo para a ribalta, pois os temas abordados já são conhecidos, relata mais uma visão redutora sobre a Batalha de Cumbamori (pág. 123 do livro de Norberto Tavares de Carvalho, "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita", 2011) - …” Foi a única baixa mortal que tivemos nesse dia, o resto eram feridos, mas em número relativamente importante”…
Ele, que efectivamente esteve lá, contrariamente ao que diz Luis Cabral no seu livro Crónica da Libertação, págs 315 a 320, o qual ia sendo apanhado pelas NT, pois escapou porque se pôs em fuga com o Francisco Mendes “Chic Té”, considera pela rama, que sofreram um grande revés, pois tiveram pelo menos 6 mortos e dezenas de feridos.
No meu site, tenho um relato sobre este tema muito mais desenvolvido e a versão deles fica muito aquém da que eles admitem. Pode estar empolada, mas foi muito mais do que eles pretendem transmitir, na sua visão/vontade redutora dos acontecimentos.
No que concerne a Cumbamori perderam sempre, incluindo na célebre batalha de “Guidage” 1973.
Enfim, já se escreveu muito, mas em termos quantitativos nem faço ideia do que falta escrever e que jamais vai ser escrito, pois a geração da Guerra Colonial para nós, bem como para eles da Luta pela Libertação está a caminhar para o fim.
Vou tentar alinhavar um post
Um abraço ao Mário Oliveira
Com um abraço amigo
Um abraço
Carlos Silva