Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) > Aspetos da construção e defesa (destaque para o morteiro 81 e o obus 10.5) do aquartelamento, que será abandonado e destruído em 28 de janeiro de 1969, por ordem do Com-Chefe, gen António Spínola. Fotos do arquivo de Idálio Reis, editadas por L.G.
Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
1. Continuação da publicação de "Os Gandembéis", poema de autoria coletiva (mas com forte contributo do poeta João Barge, 1944-2010), escrito em 1969, que retrata a epopeia da CCAÇ 2317 em Gandembel e Ponte Balana (*), recolhido e reproduzido pelo nosso camarada e amigo Idálio Reis, engenheiro agrónomo reformado, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317, no seu livro A CCAÇ 2317 na guerra da Guiné: Balana / Ponte Balana, edição de autor, 2012 (il, 250 pp.).
O lançamento deste livro, que é uma peça fundamental para a historiografia da guerra colonial na Guiné, seraá feito no Palace Hotel, no próximo dia 21, no âmbito do VII Encontro Nacional da Tabanca Grande.
Os Gandembéis
Canto II
I
Em Gandembel, tanta tormenta e tanto dano,
Tantas as vezes a morte apercebida;
No arame farpado, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida;
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida?
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno.
II
Dali para Changue-Iaia se parte (#)
Onde as tropas estavam temerosas
Para que à gente mande que se aparte
Da mata inimiga e terras suspeitosas
Porque mui pouco vale esforço e arte
Contra infernais vontades enganosas;
Porque na estrada rebentam fornilhos
E há mais noivas por casar e mães sem filhos.
III
Agora nestas partes se nomeia
Simões furriel, o africano Fome,
Coelho transmissões, que se arreia
Das vitórias da Pátria sem nome.
Aqui, enquanto as minas não refreia
O soldado Pacheco fica informe.
Um braço do forte Quicão aparece
E o coração de todos, pela dor, escurece.
IV
Assim, nesta incógnita espessura
Para sempre deixámos os companheiros
Que, em tal caminho e em tanta desventura
Sempre connosco foram aventureiros.
Quão fácil é ao corpo a sepultura!
Quaisquer negras terras, quaisquer outeiros
Estranhos, assim mesmo como aos nossos,
Receberão de todo o Ilustre os ossos.
V
Mas o magriço, que já então lhe convinha
Tornar a Bissau, acostumado,
Que tempo concertado e ventos tinha,
Para ir buscar o descanso desejado.
Recebendo o piloto que lhe vinha
Foi dele alegremente agasalhado;
Rapidamente no helicóptero entrou
E, sadicamente, c´o a mão ligada acenou.
VI
Jorge de Moura, o forte Capitão
Que a tamanhas empresas se oferece,
De soberbo e altivo coração,
A quem a Cunha sempre favorece,
Para aqui se deter não vê razão,
Que sequiosa a terra lhe parece
Por diante passar determinava
E assim lhe sucedeu como cuidava.
VII
Tamanho o ódio foi e a má vontade,
Que ao soldado súbito tomou,
Sabendo ser sequaces da Verdade
Que o Filho de David nos ensinou.
Pois o Maia, com gana e virilidade (##)
Da companhia as rédeas tomou.
E foi assim, à base de mérito e favores
Que este se encheu de louvores.
VIII
Corrupto já e danado o mantimento
Danoso e mau ao fraco corpo humano;
E, além disso, nenhum contentamento,
Que sequer da esperança fosse engano.
Cremos nós, se este nosso ajuntamento
De soldados não fora lusitano,
Que durara ele tanto obediente?
Porventura, o que será desta gente?
IX
Imagine-se agora quão cuidados,
Andaríamos todos, quão perdidos,
De fomes, de tormentas quebrantados.
Por climas e por terras não sabidos!
E do esperar comprido tão cansados
Quanto a desesperar já compelidos,
Por céus não naturais, de qualidade
Inimiga da nossa Humanidade.
X
Enquanto os deuses do QG famoso
Onde o governo está da humana gente,
Se ajuntam em jantar lauto e guloso
Formando um concílio indiferente;
Bebendo vinho fino e espumoso
Vão para a piscina conjuntamente
Convocados da parte do Melhor
Onde domina o Chefe do Estado Maior.
XI
E enquanto isto se passa na formosa
Ilha do Bissau omnipotente,
Defendia a terra a gente belicosa
Lá da banda do Guilege muito quente,
Entre a fronteira da Guiné e a famosa
Base de Salancaur, o sol ardente
Queimava então os homens, que Tifeu
C´o temor grande em heróis converteu.
XII
E o velho careca, de aspecto venerando,
Chefe da Secretaria, cheia de gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes o lápis, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que em nós em volta ouvimos claramente,
C´um saber só de guerras feito,
Tais palavras tirou do esperto peito:
XIII
Ó gloria de mandar, ó vã cobiça,
Desta vaidade, a quem chamamos fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C´uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades nos soldados experimentas!
XIV
A que novos desastres determinas
De levar esta Companhia e esta gente?
Que perigos, que mortes lhes destinas,
Debaixo de algum louvor proeminente?
Que promessas de paz e de minas
Levantadas, que lhe farás tão facilmente?
Que vida lhes prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?
XV
Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o quartel amigo,
Se enfraqueça e se vá deitando ao longe!
Buscas o incerto e incógnito perigo
Por que a fama te exalte e te lisonge,
Chamando-te senhor inteiro
De Gandembel, do Balana e do Carreiro.
XVI
E tu, Comandante, de grande fortaleza,
Da determinação que tens tomada
Não olhes por detrás, pois é fraqueza
Desistir-se da cousa começada.
E mais, pois excedes em ligeireza
Ao vento leve e à bala bem mandada,
Não esqueças de defender o quartel
A que nós outros chamamos Gandembel.
__________________
Notas de L.G.:
(#) Referência ao trágico dia 4 de agosto em que a CCAÇ 2317 perde, em combate, 4 dos seus elementos, na sequência de uma coluna logística, proveniente de Aldeia Formos, perto da ponte sobre o Rio Changue Iaia. Foram eles o Fur Mil At Inf Abel Gomes Simões (natural de Montemor-o-Novo), o Sold At Inf António Pereira Moreira e o Sold At Inf Eduardo Costa Pacheco, ambos de Paços de Ferreira, e ainda o Sol Trms Inf Manuel Roxo Coelho, natural de Castelo Branco. Morreu ainda um soldado do Pel Caç Nat. Há ainda dois feridos graves, que serão evacuados para Lisboa.
(##) Alf Mil At Inf Mário Moreira Maia, o segundo comandante da companhia.
Guiné > Região de Tombali > Carta de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Changue Iaia e de Gandembel, ma estrada Aldeia Formosa - Gandembel- Guileje - Gadamael - Cacine.
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Nota do editor
(*) Último poste da série > 5 deabril de 2012 > Guiné 63/74 - P9704: O Cancioneiro de Gandembel (4): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte IV) (Idálio Reis
(*) Último poste da série > 5 deabril de 2012 > Guiné 63/74 - P9704: O Cancioneiro de Gandembel (4): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte IV) (Idálio Reis
6 comentários:
Velhos companheiros: Certamente não vos lembrais de mim porque fiz uma efémera passagem pela 2317 quando quiz o destino que fosse substituír o fur mil Alves devido à infelicidade que o vitimou. O meu nome é Júlio Madaleno e operei o tal morteiro 120 que lá foi colocado e estava instalado na parte de trás do abrigo da browning. Pelas frequentes consultas que faço ao blog estou informado do livro do amigo Idálio Reis e do almoço programado para 9 de junho onde vou tentar estar presente para rever antigos camaradas de armas.
Um grande abraço do ex-fur mil J M
juliomadaleno@gmail.com No f.book identificável em foto com guitarra.
SIMPLESMENTE FABULOSO.
A NÃO TER SIDO "TERRÍVEL" GOSTARIA DE POR AÍ TER ANDADO E QUEM SABE SE NÃO TERIA CONTRIBUÍDO TAMBÉM PARA ESSA OBRA DE TAMANHO FÔLEGO QUE ME TEM SIDO PROPORCIONADO LER.
PARABÉNS, IDÁLIO.
ABRAÇO.
manuelmaia
Manel Maia, nosso querido bardo do Cantanhez:
Chegaste com um "atraso" de cinco anos à Guiné e ao Cantanhez... Acredito que terias dado a tua mãozinha na elaboração dos Gandembéis, se lá estivesses estado na CCAÇ 2317, em Gandembel e Ponte Balana... E no teu tempo (1973/74) também não tinhas conhecimento dos Gandembeis... O nosso blogue tem sido afinal uma ponte de ligação entre as mais variadas gentes que estiveram no TO da Guiné, entre 1961 e 1974, incluindo bardos, trovadores e poetas como tu... Um abraço. Luis
Caro Idálio Reis!
Adorei esta capacidade de juntar palavras e factos!
É sem dúvida uma epopeia:
-uma,não!duas.
A epopeia dos factos, e a epopeia dos registos!
Os meus Parabéns!
Orgulhosamente
Felismina
Meu caro Idálio:
Realço, mais uma vez, a qualidade de algumas fotos que vêm acompanhando Os Gandembéis, este espetacular "pastiche" de algumas estrofes de Os Lusíadas.
Camões, lá do "assento etéreo onde subiu" há mais de 300 anos, deve estar maravilhado com a desfaçatez com que um grupo de lusos-guerreiros fez uso do seu poema épico.
Os Gandembéis: que dolorosa maravilha!
Abraço
Correção:
Estas contas!
Luís de Camões faleceu em 1580. Assim, usa o seu "assento etéreo" há mais de 400 anos.
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