sexta-feira, 13 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9742: Notas de leitura (350): A Guiné vista pela Agência-Geral do Ultramar em 1967 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 5 de Março de 2012:

Queridos amigos,
Obtive este prospeto em Lisboa, aí por Maio ou Junho de 1968. Palavra que procurei acreditar em tudo quanto li, embora à partida me tenha feito uma certa confusão só ver imagens de Bissau. Depois, no Leste, vi o mapa e confrontei-o com a realidade do tempo, aquela Guiné era inverosímil, deslocada da realidade e muito antes de ter eclodido a luta armada. Ainda hoje estou para saber o que se pretendia do público oferecendo a imagem de uma região fora do tempo.

Vou pedir ao Carlos Vinhal, com as suas artes, que mostre a Guiné de 1967 concebida pela Agência-Geral do Ultramar.

Um abraço do
Mário


A Guiné vista pela Agência-Geral do Ultramar em 1967

Beja Santos

“Quem procura sempre alcança”, lembrava-me deste prospeto da Agência-Geral do Ultramar, era oferecido nos serviços do SNI, nos Restauradores, foi aqui que eu o obtive, seguiu comigo para a Guiné e ardeu na flagelação de Missirá de 19 de Março de 1969. Já na altura era motivo de galhofa, tal o irrealismo de pôr nas mãos do público um documento desfasado da vida da Guiné atual. Compreende-se que por razões ideológicas não se quisesse falar da guerra, eram só ações de polícia, bandos vindos do exterior, etc. Mas, a quem é que a Agência-Geral do Ultramar queria seduzir?

Os dados históricos são irrepreensíveis… só que ficam ao nível da pacificação, anos 30 do século XX, parece que não havia História mais recente, depois dos Descobrimentos do século XV, da exploração do monopólio real por Fernão Gomes, da capitania-mor do Cacheu, da capitania-mor de Bissau, do governador Honório Pereira Barreto, da sentença arbitral do presidente dos Estados Unidos Ulisses Grant, em que se reconheceu a Portugal o direito à ilha de Bolama, o último facto relevante parece ter sido a autonomia administrativa dada à Guiné, em 1879, em que se nomeou governador o coronel Agostinho Coelho. A partir daí só se fica a saber que “a província da Guiné começou a caminhar num passo firme e seguro para um progresso que é hoje uma realidade incontestável”.

Vejam-se as comunicações: o porto de Binta é o segundo da província em movimento. Tínhamos nesse ano uma rede de estradas com uma extensão total superior a 3 mil quilómetros e mais: “São muito numerosas as carreiras de autocarros entre diversas localidades da província”. Todas as fotografias do prospeto têm a ver com Bissau: monumento ao “Esforço da Raça”, edifício do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, monumento a Nuno Tristão, Palácio do Governo, pormenor da Avenida Marginal, instalações da Associação Comercial, Industrial e Agrícola, Hospital Central de Bissau, há até mesmo um trecho do coqueiral de Santa Luzia.

Vejamos agora o mapa na escala de 1:1 000 000 e convém não esquecer que o ano é 1967. Do outro lado de Bambadinca temos Sinchã Corubal, ao tempo terra de ninguém, com trilhos percorridos pelas populações de Madina, não há uma só referência a Geba, Fá Mandinga, não existe o regulado de Joladu, Badora, Mansomine. Só lamento não saber digitalizar todo o mapa, vou pedir tal generosidade ao Carlos Vinhal, hoje só vai meia Guiné, território suficiente para quem ali andou, do Sul ao Centro-Leste se rever com a Guiné daquele tempo.

E fica uma última questão, certamente irrespondível: a quem servia o irrealismo, a camuflagem, o anacronismo?

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9719: Notas de leitura (349): Os Últimos Governadores do Império, coordenação de Paradela de Abreu (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

"E fica uma última questão, certamente irrespondível: a quem servia o irrealismo, a camuflagem, o anacronismo?"

Pois é Mário, e qual era o batalhão ou esquadrão que ao embarcar para a Guiné, tinha um MBS a pensar em ler coisas dessas?

Mas como dizes que esse prospecto ardeu em Março de 1969, ainda sobreviveu ao seu autor uns mesitos a mais.

Vendo as coisas a esta distância, talvez a partir dessa data já fosse tudo mesmo demasiado "anacrónico", para insistirmos mais 6 anos.

Ou ainda seria cedo demais para desistirmos?

Sei não! como diremos no próximo acordo ortográfico.