1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 14 de Maio de 2013:
Meus caros amigos e ex-camaradas de armas,
Apesar do pouco tempo transcorrido desde o termo da guerra civil de 1998-1999, é muito interessante a coletânea de textos que foi publicada pela “Soronda”, revista de Estudos Guineenses, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa da Guiné-Bissau em finais de 2000, num número especial dedicado ao conflito.
Muito embora os textos não sejam todos de igual valia e alguns primarem mesmo, pela especulação pura, vale a pena dedicar alguma atenção ao que escreveu, por exemplo, Fafali Koudawo ou Tcherno Djaló.
Os diferentes artigos traçam-nos uma panorâmica do que pensava (e, presumivelmente, ainda pensa) a elite culta bissau-guineense e alguns especialistas estrangeiros sobre aquele devastador conflito armado.
Com os meus cumprimentos cordiais e amigos
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alf Mil de Infª.
CCaç 2402,
ex-embaixador de Portugal em Bissau 1997-1999)
Soronda – um exercício a várias vozes sobre a guerra civil
Em Dezembro de 2000, a revista “Soronda”, revista de estudos guineenses do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa de Bissau, publicou na sua nova série, um número especial totalmente dedicado à guerra civil de 1998-1999 (Soronda, 7 de Junho. Revista de Estudos Guineenses. Bissau: INEP, Nova Série, n° 2, dezembro 2000).
Trata-se do que podemos designar por um exercício a várias vozes, nem sempre concordantes entre si e de qualidade variável. Todavia, há que se louvar o esforço, pois trata-se do único documento – ou, se se quiser da única colectânea de documentos que se conhece - em que de uma forma séria e minimamente rigorosa se pretendem abordar as grandes questões suscitadas pela guerra civil. Há a acrescentar que, na altura da publicação, o tempo transcorrido, desde o termo do conflito ainda era muito curto e os diferentes participantes no exercício amiúde não escondem as suas simpatias por uma ou outra das fações beligerantes.
Como é bem sublinhado logo na introdução, o INEP, a cerca de um quilómetro da linha da frente, foi ocupado pela soldadesca durante 9 meses e aí estiveram aquartelados militares senegaleses que, como se soube na época, saquearam o edifício e serviram-se dos livros e de outro material como combustível para a confeção das suas refeições. O INEP foi milagrosamente reabilitado em pouco tempo, logo após a cessação de hostilidades, muito embora se tenha perdido uma parte importante do seu espólio.
A guerra é abordada em 3 grandes capítulos: (a) as origens remotas e imediatas do conflito; (b) os ângulos internos e externos do desenrolar das hostilidades ao longo de 11 meses de campanha; (c) o impacto do conflito em distintos aspectos da vida bissau-guineense.
No artigo “A crise no PAIGC: um prelúdio à guerra”, Caterina Gomes Viegas e Fafali Koudawo analisam a crise interna do partido então no Poder, designadamente entre as fações encabeçadas, por um lado, por “Nino” Vieira e pelos seus acólitos e, por outro, por Saturnino Costa/Malan Bacai Sanhá, com reflexos tribalistas e racistas (opondo-se os últimos, que se consideravam pretus nok – ou seja, guineenses puros - aos burmedjus – mestiços – que integravam as hostes ninistas). Estas rivalidades entre antigos companheiros de luta não prenunciavam nada de bom. As lutas internas que datavam do tempo da luta de libertação, mas que se agudizaram nos anos 80 e 90, os sucessivos adiamentos do congresso do PAIGC e o impasse que se gerou quando este teve lugar com a aparente, mas, como se veio a saber, pirrónica vitória de “Nino” conferiam à situação uma gravidade que não podia ser escamoteada. Por outro lado, o PAIGC – e o Congresso era disso prova cabal – ignorava, deliberadamente, os grandes problemas com que o país e a sociedade se debatiam: o tráfico de armas para Casamansa, a instabilidade nas Forças Armadas e a respetiva reforma, a situação dos antigos combatentes, etc. Para os autores, o impasse do VI Congresso do PAIGC constituiu o prelúdio para guerra.
Tcherno Djaló, em “Lições e legitimidade nos conflitos políticos na Guiné-Bissau”, considera que a “a história contemporânea da Guiné-Bissau tem sido uma sucessão de actos de violência política e institucional”(p. 25). Faz a análise dos processos de legitimação dos constantes atos de violência na Guiné-Bissau, desde o movimento de independência que é pela sua própria natureza violento, mas legítimo, ao 14 de novembro de 1980 e ao levantamento de 7 de junho de 1998, cuja legitimidade é menos clara, mas que se reclamam sempre, quer num caso, quer noutro, da herança de Cabral. O agravamento da situação económica e o crescente divórcio entre a classe dirigente e o povo, agravado por um forte sistema repressivo estarão na origem do 14 de novembro. Fatores étnicos que vinham de trás terão contribuído para o desfecho. Todavia, há que sublinhá-lo, os fatores pessoais também pesaram, com a supressão do cargo de Primeiro-ministro que “Nino” detinha e a sua consequente despromoção. Tratou-se, pois, de transformar uma racionalidade individual numa ação coletiva. Quanto ao 7 de Junho, Tcherno Djaló descarta os fatores etno-tribais como estando na origem do levantamento, encontra fundamentos pessoais, nas posições de Ansumane Mané e a primeira razão da sua legitimidade consiste na intervenção estrangeira: “a chegada do corpo expedicionário das tropas da Guiné-Conakri e do Senegal desencadeou de imediato uma onda de nacionalismo e patriotismo que há muito não se via na Guiné” (p. 31). A gestão “empresarial” dos negócios do Estado em proveito próprio e da “clique” de “Nino” Vieira terão contribuído para a imagem negativa do regime junto da opinião pública. A legitimidade do Chefe de Estado contrastava com a ilegalidade da intervenção militar estrangeira. Em termos de consequências, o 7 de Junho representa, em primeiro lugar, o fim do regime de “Nino” Vieira, em segundo lugar, a implosão do PAIGC, em terceiro, a reabilitação das Forças Armadas e dos antigos combatentes. Todavia – e este aspeto, na nossa opinião, é da maior relevância - , “doravante, conscientes da força que representam no seio da sociedade, os militares passam não a reivindicar, mas a exigir os seus direitos”. Do ponto de vista político, as regras do jogo são invertidas, permitindo o acesso ao poder de uma formação política maioritariamente balanta, em detrimento da elite luso-cristianizada e mestiço-crioula que havia desde sempre dominado o país. Outras consequências são, igualmente, analisadas, quer económicas, quer a nível da sub-região, quer ainda em termos da credibilidade externa da própria Guiné-Bissau. O autor conclui, repisando a mesma argumentação utilizada para o 14 de Novembro, a ação política violenta é motivada por uma dinâmica pessoal que “transforma a racionalidade individual numa ação coletiva.”
Roy van der Drift apresenta um relato de caráter quase jornalístico sobre o conlfito, intitulado “Democracy: Legitimate warfare in Guinea-Bissau”, em que entremeia descrições meramente factuais com muita especulação e algumas frases bombásticas da sua lavra. Entre estas últimas, destaca-se, por exemplo, o não ter havido qualquer guerra civil na Guiné-Bissau, o que é um contra senso, quando não uma inverdade, e que se está perante uma relação inter-étnica harmoniosa, o que contraria frontalmente o que nos diz a história e a antropologia. Para o autor, os diferentes episódios de beligerância, ao longo de 11 meses são uma espécie de escaramuças intermitentes (!). No que respeita às especulações, Van der Drift, alega que a França e o Senegal estariam por detrás da destituição do brigadeiro Ansumane Mané, o que nos parece descabido; que a rápida chegada do corpo expedicionário senegalês já estaria planeada desde há muito, uma vez que o primeiro contingente avançou para Bissau logo a 7 de Junho (aqui, a questão levantada afigura-se-nos pertinente); que os franceses terão posto à disposição de “Nino” Vieira e dos seus aliados, na fase final da guerra, canhões de 155 mm e que, segundo um padre italiano, cerca de 100 “conselheiros militares” franceses teriam estado envolvidos na ofensiva de Janeiro-Fevereiro de 1999, asserções que carecem totalmente de provas. O autor dá claramente a entender que a Guiné-Bissau sob “Nino” Vieira se integrava gradualmente na francofonia, o que, em nosso entender, é uma presunção, esta, sim, com algum fundamento, mas não era ainda um dado adquirido. Em suma, há que ler-se com algum distanciamento e as devidas cautelas este relato.
Fodé Abulai Mané apresenta-nos um artigo intitulado “O Conflito Político-militar de 7 de Junho de 1998: a Crise de Legitimação”. O autor começa por analisar a posição da Comunidade Internacional quando o pleito se iniciou para em seguida passar à análise jurídica da argumentação invocada pelas partes e pelos demais actores no decurso do conflito para fundamentar as diferentes posições. Tem como base de partida os documentos assinados antes da guerra – designadamente com o Senegal e com a Guiné-Conacri - e depois enumera e analisa os textos negociados durante o período de hostilidades. Vamos apenas aflorar os acordos subscritos com os países vizinhos, remetendo o leitor para o texto quanto aos demais documentos. Relativamente aos instrumentos internacionais subscritos com o Senegal, Abulai Mané refere-se ao Acordo em matéria de Segurança e Defesa de 1990 e ao respetivo Protocolo adicional, que precisa aquele, ambos invocados invariavelmente pela parte afeta a “Nino” Vieira para justificar a intervenção senegalesa. Para o autor, “no citado protocolo, não se encontrou disposição alguma que permitisse a entrada das forças armadas de um país no outro para resolução de um conflito interno” (p. 75). A. Mané conclui: “ Se o recurso à violência por parte dos próprios militares para a resolução de uma situação interna é ilegítimo, a resposta adoptada pelas autoridades também não foi a permitida pelo direito interno.” (p. 76). Quanto ao Tratado de Amizade e Cooperação com a Guiné-Conacri de 1994, trata-se de um texto mais político do que jurídico, com o emprego de expressões e frases vagas, abrindo porém a porta para outros textos mais precisos, que não terão chegado a ver a luz do dia. Mané refere: “percorrendo todas as disposições do Tratado, não se destaca nenhuma norma jurídica capaz de limitar o comportamento de um Estado na sua cooperação com o outro, o que nos leva a alinhar com os tratadistas internacionais que consideram textos desta natureza de menor importância jurídica.” (p. 77). Dada a amizade entre Lansana Conte, o presidente da Guiné-Conacri e “Nino” Vieira, bastou que este, num acto voluntarista, pedisse a intervenção do exército da Guiné-Conacri para que aquele anuísse, “sem a cobertura de qualquer suporte jurídico” (p.78).
Carlos Cardoso assina um texto intitulado “Compreendendo a crise de 7 de junho na Guiné-Bissau”. Sem descartar outras hipóteses, Cardoso “vê na crise de Estado a razão principal do levantamento popular conduzido por Ansumane Mané” (p. 89). São pelo menos curiosas as designações empregues relativamente à guerra civil, para além de conflito, fala em crise (o que é no mínimo vago), para depois mencionar “rebelião armada”. Parece que em inúmeros casos – este não é, como sabemos, único - há como que um medo irracional de chamar os bois pelos nomes. Ao procurar as causas remotas do conflito encontra duas ordens de fatores, por um lado, sociais – o descontentamento nas Forças Armadas e nas camadas mais desprotegidas da sociedade – e, por outro, políticos – a rejeição de um regime anti-popular centrado no Presidente da República, com a concomitante “erosão do Estado”, em que os dirigentes do PAIGC gravitavam em torno de interesses económicos próprios e do tráfico de influências. Carlos Cardoso fala também na “ausência de Estado”, com excepção do aparelho repressivo que se mantinha plenamente operacional. Menciona ainda a clivagem verificada nas Forças Armadas entre os antigos combatentes e os oficiais mais jovens. No seu entender regista-se um desvio em relação às linhas orientadoras do pensamento de Amílcar Cabral. Adianta ainda que o processo de democratização de 1991 nunca foi plenamente assumido em que se regista um desrespeito pelo princípio da separação de poderes. De certo modo, afasta as motivações pessoais que terão contribuído para Ansumane Mané pegar em armas contra o Chefe de Estado. A este respeito, refere: “ a sublevação militar levada a cabo por Ansumane Mané parece ter motivações pessoais, mas as razões que levaram à adesão esmagadora e à revolta da população prendem-se com a ausência de orgânica de Estado, em que os interesses do pais eram relegados para um plano inferior, onde as instituições funcionavam com muita debilidade, ou praticamente não existiam, porque tudo dependia do PAIGC e do seu presidente.” (p. 97).
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 17 de Maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11581: Notas de leitura (481): Os Portugueses nos Rios da Guiné (1500-1900), por António Carreira (2) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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8 comentários:
Meu caro camarada F.H.Silva
Não resisto a comentar...
Não sei se eram 100 conselheiros militares franceses...mas que alguns foram apanhados à mão e que até ficaram "cagadinhos"..pudera..tendo sido rapidamente recambiados para o Senegal.
Julgo que toda a gente viu na T.V. um capitão senegalês todo "impante" dizendo que acabavam com aquilo numa semana..e uma semana depois passeavam morbidamente a sua caveira.
E o contingente militar francês estacionado em Dakar
Também por lá andavam dois vasos de guerra franceses, julgo que corvetas..mas que a nossa Vasco da Gama pôs em sentido...
Do lado de lá de Pirada estava um Batalhão Senegalês(por sinal quase todos com ar de recrutas e denotando um certo "cagaço" nos comportamentos) e em Pirada muitos militares Guineenses pró-Ansumane Mané,mas vestidos à civil e com ar descontraído...
E as 20 t de arroz comprado no Senegal pela AMI e que apodreceu na fronteira..
Interesse francês na Guiné-Bissau!!! !!! que ideia...
C.Martins
Meu caro camarada C. Martins,
Seria bom que tivesse a oportunidade de ler o que escrevi no meu livro "Crónicas dos (des)feitos da Guiné", Almedina, Coimbra, 2012 em que esta questão da ingerência francesa está explicada com algum pormenor, ao longo de várias páginas. Interesse francês na Guiné-Bissau? É mais do que evidente e eu sou o primeiro a reconhecê-lo, aliás vivi o problema bem de perto e informei as autoridades civis e militares portuguesas da época. Por outro lado, quanto à "intervenção directa", existem factos, mitos e também pontos ainda por provar. Que a houve, certamente, só que nalguns pontos se exagerou. Quem conta um conto...Caso haja interesse, poderei disponibilizar um exemplar, em modalidade própria a debater por e-mail.
Cumprimentos cordiais
Francisco Henriques da Silva
Meu caro camarada C. Martins,
Seria bom que tivesse a oportunidade de ler o que escrevi no meu livro "Crónicas dos (des)feitos da Guiné", Almedina, Coimbra, 2012 em que esta questão da ingerência francesa está explicada com algum pormenor, ao longo de várias páginas. Interesse francês na Guiné-Bissau? É mais do que evidente e eu sou o primeiro a reconhecê-lo, aliás vivi o problema bem de perto e informei as autoridades civis e militares portuguesas da época. Por outro lado, quanto à "intervenção directa", existem factos, mitos e também pontos ainda por provar. Que a houve, certamente, só que nalguns pontos se exagerou. Quem conta um conto...Caso haja interesse, poderei disponibilizar um exemplar, em modalidade própria a debater por e-mail.
Cumprimentos cordiais
Francisco Henriques da Silva
Meu caro camarada F.H.Silva
Como não me trata por tu, irei fazer o mesmo.
O meu comentário não visava a sua pessoa,evidentemente, mas sim os autores dos diferentes artigos de opinião.
Longe de mim ter a pretensão de debater este assunto consigo, seria ridículo da minha parte pela simples razão de que na altura era o representante do nosso País em Bissau e eu um modesto voluntário da AMI no leste da Guiné onde por sinal se circulava à vontade e em relativa segurança.
Certamente tem conhecimentos que eu não tenho e até provavelmente segredos de estado que como é lógico não pode divulgar.
Aquilo que afirmei foi através de fontes que considero seguras e sem necessidade de mentirem e também pelo que presenciei no terreno.
Como certamente saberá na fronteira com o Senegal o mercado negro e o contrabando funcionava na perfeição, só era boicotado aquilo que poderia dar uma boa imagem de Portugal perante as populações guineenses e não quero falar dos próprios políticos locais(alguns)que também não nos viam com "bons olhos"..pudera.
Um alfa bravo
C.Martins
Meu caro C. Martins,
As minhas sinceras desculpas. Não foi minha intenção criar distâncias não te tratando por tu. Comecei a escrever naturalmente e como não te conhecia, empreguei a terceira pessoa distraidamente,sem pensar, como o faço nestas circunstâncias.
Quanto à guerra civil da Guiné e passados cerca de 15 anos, creio que não existem grandes segredos de Estado (nem grandes, nem pequenos). Aliás, no meu livro faço tábua rasa de todos esses segredos, podes crer. Tive informações de várias fontes sobre a presença francesa e as únicas coisas que eu próprio posso confirmar e com o concurso de várias outras fontes que também as corroboram são as seguintes:
(a) a França, em Bissau e em Dakar, aconselhou sempre o Governo da Guiné-Bissau e os seus aliados do Senegal e da Guiné-Conakry quanto à condução do conflito (militarmente, entenda-se);
(b) os soldados franceses que faziam a segurança da embaixada circulavam por toda a parte, designadamente na linha da frente;
(c) os helicópteros franceses transitavam, sem entraves e com regularidade entre Bissau e Cap Skirring e/ou Dakar;
(d) Os canhões de 155 mm aparecem na fase final da guerra, presumivelmente fornecidos pela França.
(e) O material de guerra empregue pelas forças senegalesas era de origem francesa, o que foi confirmado pelo próprio embaixador francês em Dakar.
Quanto à presença direta de militares gauleses, refiro no meu livro o seguinte: "No dia 20 [de Junho], em mais uma manobra de contra-informação, a Junta Militar afirmava “ter capturado sete militares franceses, armados até aos dentes que estariam a orientar o tiro da artilharia senegalesa.” Os alegados soldados franceses teriam sido filmados e fotografados. A imprensa dita de referência noticiou esta pretensa captura em grandes parangonas, mas os vídeos e as fotos jamais foram vistas por quem quer que seja." (p.316). Mais adiante, refiro: “As malhas que a França tece na Guiné”, in “O Independente” de 26 de Fevereiro de 1999. Apesar de existirem vários testemunhos (entre eles o de um padre italiano), nunca se provou, sem margem para dúvidas ou contestações, a presença de militares franceses directamente envolvidos em acções de combate (nota de roda-pé 345).
Regista-se, de facto, quase um incidente, logo no início de 1999, salvo erro, em que um avião de reconhecimento português (suponho que um P3) sobrevoou uma corveta francesa.
O Primeiro-ministro do Governo de Unidade Nacional Francisco Fadul acusou directamente a França de se imiscuir no conflito da Guiné-Bissau, com bombardeamentos de artilharia naval para posições da Junta Militar, na ofensiva de finais de Janeiro/início de Fevereiro de 1999. Paris desmentiu prontamente.
Isto é o que se sabe de fonte segura quanto à
ingerência militar francesa. Tudo o mais afigura-se-me especulativo. Na altura, os rumores em Bissau eram incessantes e tinham de ser devidamente aferidos. A meu ver, a França nunca interveio directamente, mas sim através do seu peão, o Senegal. Eles não caíam daí abaixo
Quanto à influência/ingerência política e diplomática de Paris, isso é outra história bem mais longa e daria pano para mangas, porque, efectivamente, mesmo antes do conflito até ao seu desfecho foi permanente, agressiva e insidiosa. Conheci bem o problema e esse foi um dos meus campos de batalha
Tenho todo o gosto em debater contigo ou qualquer dos camarads do blogue estas questões.
Abraço
Francisco Henriques da Silva
Meu caro C. Martins,
As minhas sinceras desculpas. Não foi minha intenção criar distâncias não te tratando por tu. Comecei a escrever naturalmente e como não te conhecia, empreguei a terceira pessoa distraidamente,sem pensar, como o faço nestas circunstâncias.
Quanto à guerra civil da Guiné e passados cerca de 15 anos, creio que não existem grandes segredos de Estado (nem grandes, nem pequenos). Aliás, no meu livro faço tábua rasa de todos esses segredos, podes crer. Tive informações de várias fontes sobre a presença francesa e as únicas coisas que eu próprio posso confirmar e com o concurso de várias outras fontes que também as corroboram são as seguintes:
(a) a França, em Bissau e em Dakar, aconselhou sempre o Governo da Guiné-Bissau e os seus aliados do Senegal e da Guiné-Conakry quanto à condução do conflito (militarmente, entenda-se);
(b) os soldados franceses que faziam a segurança da embaixada circulavam por toda a parte, designadamente na linha da frente;
(c) os helicópteros franceses transitavam, sem entraves e com regularidade entre Bissau e Cap Skirring e/ou Dakar;
(d) Os canhões de 155 mm aparecem na fase final da guerra, presumivelmente fornecidos pela França.
(e) O material de guerra empregue pelas forças senegalesas era de origem francesa, o que foi confirmado pelo próprio embaixador francês em Dakar.
Quanto à presença direta de militares gauleses, refiro no meu livro o seguinte: "No dia 20 [de Junho], em mais uma manobra de contra-informação, a Junta Militar afirmava “ter capturado sete militares franceses, armados até aos dentes que estariam a orientar o tiro da artilharia senegalesa.” Os alegados soldados franceses teriam sido filmados e fotografados. A imprensa dita de referência noticiou esta pretensa captura em grandes parangonas, mas os vídeos e as fotos jamais foram vistas por quem quer que seja." (p.316). Mais adiante, refiro: “As malhas que a França tece na Guiné”, in “O Independente” de 26 de Fevereiro de 1999. Apesar de existirem vários testemunhos (entre eles o de um padre italiano), nunca se provou, sem margem para dúvidas ou contestações, a presença de militares franceses directamente envolvidos em acções de combate (nota de roda-pé 345).
Regista-se, de facto, quase um incidente, logo no início de 1999, salvo erro, em que um avião de reconhecimento português (suponho que um P3) sobrevoou uma corveta francesa.
O Primeiro-ministro do Governo de Unidade Nacional Francisco Fadul acusou directamente a França de se imiscuir no conflito da Guiné-Bissau, com bombardeamentos de artilharia naval para posições da Junta Militar, na ofensiva de finais de Janeiro/início de Fevereiro de 1999. Paris desmentiu prontamente.
Isto é o que se sabe de fonte segura quanto à
ingerência militar francesa. Tudo o mais afigura-se-me especulativo. Na altura, os rumores em Bissau eram incessantes e tinham de ser devidamente aferidos. A meu ver, a França nunca interveio directamente, mas sim através do seu peão, o Senegal. Eles não caíam daí abaixo
Quanto à influência/ingerência política e diplomática de Paris, isso é outra história bem mais longa e daria pano para mangas, porque, efectivamente, mesmo antes do conflito até ao seu desfecho foi permanente, agressiva e insidiosa. Conheci bem o problema e esse foi um dos meus campos de batalha
Tenho todo o gosto em debater contigo ou qualquer dos camarads do blogue estas questões.
Abraço
Francisco Henriques da Silva
Caro camarada F.H.Silva
As desculpas não eram necessárias porque não fiquei ofendido.
O teu comentário é suficientemente esclarecedor em relação a este tema.
Acrescento apenas que enquanto nós temos o complexo do colonizador,os franceses continuam a sê-lo sem problemas e se não for pela via diplomática, avança a Legião.
Apesar de tudo e por alguma razão o Nino Vieira se refugiou na nossa embaixada e pediu asilo político em Portugal e não foi de certeza por medo das retaliações que os opositores não o capturaram aí,sendo como é evidente se o fizessem um crime muito grave à luz do direito internacional,mas sim por respeito a ti e ao que representavas.
Recordo ainda a destruição do centro cultural francês em Bissau,os motivos eram evidentes.
Em tempos o Senegal quis anexar a Gambia mas como é uma ex-colónia Inglesa,bastou aos Ingleses dizerem que esta era intocável e nunca mais se falou no assunto.
Nessa altura assisti a uma cena caricata na nossa embaixada em Dakar em que o nosso embaixador (certamente conheces)com a sua voz de "trovão" se impôs a todos não só invocando a sua qualidade de embaixador de Portugal como ainda invocou a sua qualidade de decano..a propósito de simples lugares de estacionamento em que queriam beneficiar o embaixador dos E.U.A.,apesar do assunto ser ridículo,senti orgulho por ele.
Termino,transmitindo-te a minha estima e consideração, por nessa altura conturbada teres representado tão dignamente Portugal.
Um alfa bravo
C.Martins
Obrigado pelas tuas palavras
Um Alfa Bravo
Francisco Henriques da Silva
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