1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos uma mensagem.
Relatos, na primeira pessoa, da Operação “Bolo Rei”
Toy Sardinha esteve num desses combates e foi um dos feridos graves
Balas de raiva
Debitei, recentemente, um texto no nosso blogue onde trouxe à luz o nosso camarada, e meu particular amigo, Toy Sardinha, um soldado que fez parte da CCAV 1747, sendo o seu destino o destacamento em Bissum. Tive o cuidado de refazer, superficialmente, o seu trajeto militar pelos trilhos da Guiné até ao momento da trágica emboscada sofrida, resvalando o conteúdo do meu tema para os momentos dolorosos pelos quais passou.
Frisei o contacto com IN num dia em que o entoar dos sinos já tocavam os celestes sons natalícios. Estava-se precisamente do dia 24 de dezembro de 1967. Recordo que o balanço final dessa inesperada emboscada montada pelo IN, resultou num morto e quatro feridos.
Perante a realidade contada pelo antigo combatente, insisto no título balas de raiva uma vez que, em meu entender, o rótulo desmitifica a raiva sentida por cada um de nós quando as balas dispersas pelo infinito horizonte, penetravam em corpos de companheiros inocentes que caminhavam ao nosso lado.
Refleti, confesso, sobre o teor do seu ferimento grave e literalmente tracei o seu longo processo de recuperação. Debrucei-me, também, sobre a sua luta titânica que apontava para uma melhoria substancial no seu quotidiano. Objetivo conseguido, não obstante a sua visível deficiência física. Hoje o Toy é, tal como sempre o foi, um homem feliz.
Aceitando o repto lançado pelo Luís Graça, caminhei no trilho da esperança que visava esmiuçar uma profícua certeza sobre a razão do “embrulhar” numa altura de festa que se previa solene e próspera: o Natal. Tanto mais que o nosso camarada Luís Martins, ex-alferes miliciano, e que conheceu esses combates, já tinha lançado dicas factuais sobre as operações “Bolo Rei” e “Cavalo Orgulhoso” que tiveram lugar nesse período natalício de 1967 na zona de Bula.
Num encontro, mais um, em Beja, com o nosso antigo combatente da CCAV 1747, propôs-lhe um desafio memorial que visou, logicamente, trazer à tona da reminiscência razões óbvias que resvalasse para os conteúdos da emboscada e as suas consequências.
O Toy, com as suas faculdades mentais em plena perfeição e com o sorriso nos lábios, como é hábito, começou por nos dizer: “Lembro-me que dormimos no mato na noite de 23 para 24 de dezembro. Essa operação envolveu toda a minha companhia e muitas outras. Foi um ronco enorme. Era gente por todo o lado”.
Reata a conversa e afirma: “Tratou-se efetivamente da Operação Bolo Rei, uma vez que estávamos precisamente na época do Natal. Foi um pandemónio. Não sei se se terá efetuado uma outra em simultâneo. Não me recordo. Esta operação, Bolo Rei, começou no dia 22 de dezembro de 1967 e só terminou a 3 de janeiro de 1968. Eu fui ferido a 24 de dezembro às 11 horas da manhã. Foram combates intensos. Soube mais tarde que no fim da operação se registaram 7 mortos e 32 feridos”.
O Toy, com ar brincalhão, recorda esse malfadado dia: “Estávamos emboscados e demos conta de dois homens e uma mulher no trilho. Eram turras. Houve um grande alvoroço, não conseguimos apanhar os homens, fugiram, mas conseguimos apanhar a mulher. Estava grávida. Depois ouviram-se gritos para deixarmos a mulher em paz. Levantou-se um burburinho de tal ordem que tivemos que abandonar o local que, entretanto, se tornara perigoso e passado pouco tempo estávamos a embrulhar na emboscada. Lembro-me que era para atravessarmos uma ponte, o que não aconteceu, resolvemos ir por um outro lado, só que a emboscada já estava montada e nós caímos nela. Se temos atravessado a ponte teria sido uma grande razia. Tivemos um morto e quatro feridos”.
Memórias de um combatente que foi, no fundo, um dos muitos militares que se depararam com as consequências das balas de raiva num conflito armado que marcou, inquestionavelmente, gerações de jovens enviados para as frentes de combate.
Guiné um território onde António Manuel Moisão Sardinha se deparou com o encurtar da sua comissão. Chegou em julho e foi ferido em dezembro.
Registemos pois o seu depoimento. Que surjam outras opiniões de camaradas que estiveram envolvidos nas Operações “Bolo Rei” e “Cavalo Orgulhoso”.
Proposta deste vosso camarada: Comandante Chefe do nosso blogue, Luís Graça, sugiro que António Manuel Moisão Sardinha, vulgo Toy, se torne membro da nossa Tabanca Grande. Lancei-lhe o desafio, ele aceitou, ficando a minha proposta de uma ida do camarada ao próximo encontro (almoço) dos velhos tabanqueiros. Prontifiquei-me em levá-lo comigo.
Um abraço camaradas deste alentejano de gema,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
6 comentários:
OK, Zé, mais uma vez obrigado. Vou formalizar a entrada do Toy Sardinha na nossa Tabanca Grande. Ele já está mais do que apresentado, já mandou uma foto atual e já contou duas histórias, por teu intermédio...
Mas se houver mais, melhor, incluindo fotos... Por exemplo, do tempo de internamento e recuperação no hospital de Bissau e depois na Estrela.
Sendo ele um homem que trabalhou no setor da saúde (ARS Alentejo), terá mais sensibilidade para a sua passagem pelos 2 hospitais...
Um abraço, até dia 26, sábado, na Casa do Alentejo. Temos que combinar o "programa"... LG
Spbre a Op Bolo Rei, ver poste de Manuel Setôdio,
13 DE OUTUBRO DE 2012
Guiné 63/74 - P10526: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68) (Parte II): Bula, Op Bolo Rei, uma grande operação de 15 dias, de 22/12/67 a 3/1/68: 40 mortos e 5 feridos confirmados e 14 capturados, do lado IN; 7 mortos e 32 feridos do lado das NT; recuperados 44 elementos pop
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2012/10/guine-6374-p10526-manuel-serodio-ex-fur.html
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OP "BOLO REI"
1) Missão: combater a atividade inimiga no setor.
2) Batida através de patrulhamento, golpes de mão e emboscadas.
3) Zona de ação: região norte do setor
4) Data de início: 22 de Dezembro de 1967
5) Duração: 15 dias
6) Forças intervenientes: CCaça 1787, 1788, 1801, CCav 1747, 1650, CArt 1746, 1648, 1647, 1802, e três pelotões de rtilharia do BAC 1;
23 de Dezembro de 1967
Forças das companhias 1787 e 1788 que patrulhavam a trgião a sul de Bipo, foram emboscadas por 1 grupo inimigo. Â pronta reação das nossas tropas, o inimigo retirou com baixas prováveis. As nossas tropas sofreram 1 morto e 7 feridos. Neste contato, a companhi sofreu o seu primeiro morto e 5 feridos, dois deles graves.
31 de Dezembro de 1967
Apoiadas pela força aérea e pela artilharia, as CCaç 1787 e 1788 conseguiram entrar no acampaento inimigo de Choquemone, tendo capturado diverso material e destruído as instalações inimigas.
03 de Janeiro de 1968
As CCaç 1787 e 1788 efetuarm um cerco às tabancas da península de S. Vicente, tendo detido 83 elementos da população. Posteriormente, após interrogatório, verificou-se que 2, eram elementos inimigos.
Conclusões:
Como reflexo da operação "BOLO REI", e até ao fim do mês de Janeiro de 1968, apresentaram-se 124 elementos da população de áreas anteriormente controladas pelo inimigo.
Durante a operação o inimigo sofreu 40 mortos e 5 feridos confirmados, e 14 capturados. As nossas tropas sofreram 7 mortos e 32 feridos. Foram recuperados 44 elementos da população.
Vd. também poste do João Martins (e não Luís Martins)...
3 DE MAIO DE 2012
Guiné 63/74 - P9844: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte II_ Batismo de fogo em Bissum-Naga até às férias...
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2012/05/guine-6374-p9844-memorias-da-minha.html
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Excerto:
(...) Chegámos a Bissum a 21 de Dezembro [de 1967], portanto, na semana que precede o Natal, pelo que, como de costume, e talvez para esquecer as saudades das famílias que nessa quadra ainda são mais intensas, iniciámos a operação “Bolo Rei”, a que se seguiu a operação “Cavalo Orgulhoso”.
Tive uma adaptação particularmente difícil, porquanto logo nos meus primeiros dias tivemos feridos e mortos, e, na véspera de Natal, de forma imprópria de gente civilizada, houve um elemento considerado afecto ao inimigo que foi muito, mas muito maltratado, pelo que fiquei a saber da selvajaria de que também éramos capazes. Foi um dos piores locais da Guiné por onde passei.
Terra de balantas, etnia altiva e independente, nunca me senti muito bem visitando as palhotas e interagindo com a população, dir-se-ia que, ao longo de cerca de 500 anos de convivência os nossos povos tiveram muito poucos contactos.
A tabanca localizava-se entre o aquartelamento e o rio Cacheu, ao longo da estrada, de modo que eramos atacados apenas dos quadrantes Sul e Este. Nós e a população éramos frequentemente sujeitos a flagelações por parte do IN que nos atacava tanto de dia como de noite, pelo que, durante os meses que estive lá, dormi sempre sem saber o que eram uns lençóis e um pijama. (...)
Era o tempo das grandes "operações de limpeza", envolvendo efetivos da ordem dos 2 batalhões e prolongando-se por mais do que uma semana: Op Bolo Rei, 15 dias; Op Lança Afiada, 10 dias...
Estas operações, típicas do 1º ano do "consulado" spinolista, foram depois abandonadas...
Luís,
O nosso camarada Toy é uma pessoa extraordinária. Conheço-o desde os meus tempos de menino e moço. Antes da tropa jogámos futebol no Despertar, em Beja. Eu era um miúdo quando me iniciei no futebol federado, tinha 13 anos, e ele, mais velho, creio que era júnior ou sénior. O Toy é uma autentica "enciclopédica" na arte de saber estar. É muito brincalhão. Passa uma tarde a contar anedotas e a divertir uma plateia. No tempo é que trabalhei na Segurança Social e ele na Saúde, promovermos vários encontros onde ele se afirmava como o principal protagonista. É um homem simples e jamais recusou falar da sua realidade como deficiente das Forças Armadas. Um "fardo" que carrega desde o dia 24 de dezembro de 1967. Uma deficiência adquirida numa emboscada na Guiné aquando a operação "Bolo Rei", como fez questão em referir. Fiz-lhe a proposta de ir comigo ao próximo encontro nacional do nosso blogue. Não rejeitou. Admitiu. Seria ótimo ouvi-lo ao vivo numa tarde em que coloca toda a gente a rir. É um homem com uma força imensa. Gosto da sua postura. É meu amigo. Educado e trabalhador teve o privilégio em saber lidar com a eventual desgraça que teimou em encurtar-lhe a vida. Mas o Toy nunca desistiu. Hoje está aposentado. Longe vão os tempos na Guiné, de Bissum e o dia da famigerada emboscada lá para as bandas de Bula.
Dia 26 de outubro, sábado, lá nos encontraremos na Casa do Alentejo em Lisboa. Vou levar comigo dois grupos de rapaziada amiga. Serão ouvidos os sons do meu grande Alentejo numa tarde cultural. Agradecia que passasses a palavra a camaradas que pisaram o solo guineense.
Um abraço,
Zé Saúde
Camarigo Luís Graça
Obrigado por me teres enviado, pessoalmente, esta informação, relativa à minha "estadia" em Bissum e relembro que nessa altura o governador e chefe militar da Guiné era o General Arnaldo Schultz.
Quanto ao General Spínola, podia ter muitos defeitos, mas, estou convencido que se ele tivesse sido na altura, que ainda não era tarde demais, 1º. ministro, as coisas não teriam evoluído para o final desastroso e inglório que conhecemos, porquanto, em minha opinião, ele teria dado mais força às populações e aos seus chefes tradicionais, os régulos, o que retiraria todas as veleidades aos interesses imperialistas internacionais, URSS, USA e China, que ficariam sem os falaciosos argumentos de "liberdade" e "independência" que caracterizaram as razões do seu envolvimento e de todo o apoio, logístico e militar, nomeadamente os mísseis "strela" terra-ar de elevadíssima tecnologia que, a partir de 73, quebraram definitivamente as forças anímicas da nossa tropa.
É público, o nome dos "líderes" que em países do leste, em Moscovo e em Pequim receberam "educação" e treino mulitar, assim como de cubanos contra os quais combatemos.
Grande abraço
João Martis
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