Reporto-me ao inquérito que lançaste para “ocupar” o blog, nesta altura em que as férias começam a fazer rarear as nossas intervenções. Desta vez (vá lá...) concordo contigo e considero muito pertinentes as perguntas. Essencialmente, põe-se a questão de saber se conseguiremos transmitir aos vindouros o que foi o fenómeno sociológico em que fomos obrigados a participar. Seria lógico que começássemos pelos nossos filhos, mas, como viste, há uma grande dificuldade em passar testemunho a alguém que nos seria – ou é – muito próximo, mas que, todavia, parece pouco receptivo a captar a nossa mensagem.
Nesta análise reporto-me ao meu primeiro post que, se me não engano, chamou-se “Quem Somos?”.
Nessa altura, confesso que “entrei a pés juntos” ou, se calhar dei um chuto no baga-baga e a malta que vinha atrás que se desenrascasse. Fui devidamente metralhado, mas, com o tempo, os ânimos pacificaram-se e tenho encontrado muitos camaradas que concordam comigo, o que, de certo modo, prova que eu não estava tão errado quanto parecia…
Há que partir da base de que a passagem de experiências não é possível e quem toma conhecimento de um facto só valorizará e apreciará (devidamente) os intervenientes se estiver disposto a tal e sensibilizado para uma análise (des)apaixonada do sucedido. De outro modo, o assunto cai no esquecimento e, depois, será tema para os estudiosos.
Os estudiosos que já vão surgindo vão começando a analisar o sucedido e até podemos dizer: com certo cuidado e precisão. Só daqui por mais alguns anos começarão a surgir os “verdadeiros” estudiosos que falarão de coisas que só os iniciados compreenderão e valorizarão e, mesmo assim, se puderem ser confrontados com os protagonistas ficarão na sua e recusarão o depoimento… É a lei do funcionamento da História.
Conheces certamente o exemplo da insignificante e desconhecida “Guerra Fantástica” de 1762/63 que só foi fantástica por que não a sentiste na pele (e eu também não…). De outro modo teria sido bem real.
São velhos. Estão esquecidos. Porventura toldados na memória. Enfim, o que narram “vale o que vale”.
Eles, os estudiosos, é que sabem. Eles é que leram os papéis…
No que respeita à possibilidade de transmitir a nossa experiência a quem vem a seguir, remeto para as considerações que faço no meu post para “os que vinham chegando, cumprido o dever ou a desobriga” e para a recepção que lhes era propiciada pelos(as) que cá tinham ficado e para quem o próximo jogo do “Glorioso” ou o programa de music-hall que passava na RTP (a P/B,preto e branco,,,) era mais importante do que inteirarem-se e valorizarem o que o amigo ou familiar tinha passado. Isto para não falar da reacção da “entidades oficiais” que continuavam na sua árdua tarefa de tapar o Sol com a peneira.
Contudo, o tempo passou e nunca conseguimos responder a uma pergunta simples ou complexa como são todas as perguntas simples: o que é que os ex-combatentes querem, devem querer ou será justo que o País (e os seus próximos e vindouros lhes dêem? Qual o grau de atenção que merecemos ou fazemos por merecer?
É que, para se ter qualquer coisa, neste caso: respeito, consideração e atenção para o que se fez é necessário lutarmos por isso. E, mesmo que espontaneamente no-los dessem deveríamos sempre lutar para termos um pouco mais.
Temos, contra nós, o facto de apenas termos passado dois anos da nossa vida naquela situação o que, numa vida de mais de sessenta “não tem significado especial” e… o que lá, lá vai.
Além disso – por serem verdadeiras – contamos sempre as mesmas histórias, o que não anima uma reunião de família, nem entusiasma os que nos são queridos nem os amigos e, mesmo as nossas mulheres que começam a não ter paciência para nos aturar… Algumas consideram mesmo que “aquilo são lá coisas deles” e, com uma insensibilidade digna de registo, mas imprópria de quem faz alarde da sua maior sensibilidade atávica, alheiam-se.
Por vezes penso se não teríamos mais e melhor aceitação se não tivéssemos passado o mesmo tempo, mas numa prisão ou num hospital. Julgo que, quando falássemos disso, seríamos mais ouvidos. No fim de contas seria algo mais imaginável por quem não passou pela experiência, embora talvez mais traumatizante.
Atrevo-me a transcrever o que escrevi noutro lugar:
A vida foi correndo (...). Ficámos velhos. E os velhos têm necessidade de recordar, contemplando a vida, para se sentirem gente.
Demos a nossa contribuição, modesta como é sempre é a dos homens do povo feitos soldados. Para quê? Hoje cada vez podemos menos e dentro em breve ninguém nos recordará. E nem pelo facto de termos sido muitos seremos mais recordados. Sabemos que “os povos têm má memória” e que a cultura e o conhecimento de quem fomos ou somos, como povo, é, cada vez menos, uma prioridade na formação e educação dos nossos jovens, logo, do nosso Povo.
Vejam o que sucedeu aos que foram à África nos finais do Séc. XIX e inícios do Séc. XX e ireis observar a dificuldade em invocarmos os que participaram, em Africa ou na Bélgica. Vai ser muito difícil saber os que foram e os que voltaram, mas ainda temos uns dois anos para trabalhar. A I Guerra Mundial começou há 100 anos, mas não para nós…
Sobre este tema sugeria ainda que lessem uma peça de teatro – Nápoles Milionária – que trata do modo como é recebido, no seu meio e pelos seus, um modesto guarda-freio italiano que foi à II Guerra Mundial.
Sentimo-nos orgulhosos – o que não é nada bom – e cremos que não temos hoje nada para provar a ninguém, nem podemos aceitar que nos censurem por aquilo que fizemos ou não fizemos.
Somos hoje Portugueses, com cerca de 60 anos (normalmente mais), com uma experiência traumática, de dois anos, vivida com cerca de 20, mas com reflexos (alguns bastante dramáticos) para toda a vida. Estamos ricos com uma mensagem a transmitir!
É isso que pretendi demonstrar.
No âmbito da celebração dos 10 anos do blog, experimenta organizar um questionário – mais elaborado (esta sociologia em chavetas dos “pensadores” americanos causa-me “bretoêja”) – em que ponhas a questão da comunicação com os netos(as) e com as esposas. Será importante saber a resposta para continuarmos a procurar o nosso lugar na sociedade.
Tenta estender aos colegas de trabalho, correligionários de partido, médicos que nos tratam, vizinhos e amigos. Faz a separação por sexos em vez de tratares, por junto. Tenho para mim que a aceitação junto das mulheres é ínfima e que muitas vezes atinge a repulsa, mas isto sou eu a pensar…
E pronto, amigo, aqui tens, em traços gerais, uma ideia para incendiares o blog em tempo de fogos de Verão. Põem a malta a discutir e a dizer mal, nem que seja uns dos outros, mas, por favor inquéritos em chavetas, não! Quanto melhor não será uma “redacção” sobre o tema: como consigo que as minhas recordações sejam aceites na minha família, círculo de amigos e colegas de trabalho ou reforma?
Um Ab do
António J. P. Costa
Nesta análise reporto-me ao meu primeiro post que, se me não engano, chamou-se “Quem Somos?”.
Nessa altura, confesso que “entrei a pés juntos” ou, se calhar dei um chuto no baga-baga e a malta que vinha atrás que se desenrascasse. Fui devidamente metralhado, mas, com o tempo, os ânimos pacificaram-se e tenho encontrado muitos camaradas que concordam comigo, o que, de certo modo, prova que eu não estava tão errado quanto parecia…
Há que partir da base de que a passagem de experiências não é possível e quem toma conhecimento de um facto só valorizará e apreciará (devidamente) os intervenientes se estiver disposto a tal e sensibilizado para uma análise (des)apaixonada do sucedido. De outro modo, o assunto cai no esquecimento e, depois, será tema para os estudiosos.
Os estudiosos que já vão surgindo vão começando a analisar o sucedido e até podemos dizer: com certo cuidado e precisão. Só daqui por mais alguns anos começarão a surgir os “verdadeiros” estudiosos que falarão de coisas que só os iniciados compreenderão e valorizarão e, mesmo assim, se puderem ser confrontados com os protagonistas ficarão na sua e recusarão o depoimento… É a lei do funcionamento da História.
Conheces certamente o exemplo da insignificante e desconhecida “Guerra Fantástica” de 1762/63 que só foi fantástica por que não a sentiste na pele (e eu também não…). De outro modo teria sido bem real.
São velhos. Estão esquecidos. Porventura toldados na memória. Enfim, o que narram “vale o que vale”.
Eles, os estudiosos, é que sabem. Eles é que leram os papéis…
No que respeita à possibilidade de transmitir a nossa experiência a quem vem a seguir, remeto para as considerações que faço no meu post para “os que vinham chegando, cumprido o dever ou a desobriga” e para a recepção que lhes era propiciada pelos(as) que cá tinham ficado e para quem o próximo jogo do “Glorioso” ou o programa de music-hall que passava na RTP (a P/B,preto e branco,,,) era mais importante do que inteirarem-se e valorizarem o que o amigo ou familiar tinha passado. Isto para não falar da reacção da “entidades oficiais” que continuavam na sua árdua tarefa de tapar o Sol com a peneira.
Contudo, o tempo passou e nunca conseguimos responder a uma pergunta simples ou complexa como são todas as perguntas simples: o que é que os ex-combatentes querem, devem querer ou será justo que o País (e os seus próximos e vindouros lhes dêem? Qual o grau de atenção que merecemos ou fazemos por merecer?
É que, para se ter qualquer coisa, neste caso: respeito, consideração e atenção para o que se fez é necessário lutarmos por isso. E, mesmo que espontaneamente no-los dessem deveríamos sempre lutar para termos um pouco mais.
Temos, contra nós, o facto de apenas termos passado dois anos da nossa vida naquela situação o que, numa vida de mais de sessenta “não tem significado especial” e… o que lá, lá vai.
Além disso – por serem verdadeiras – contamos sempre as mesmas histórias, o que não anima uma reunião de família, nem entusiasma os que nos são queridos nem os amigos e, mesmo as nossas mulheres que começam a não ter paciência para nos aturar… Algumas consideram mesmo que “aquilo são lá coisas deles” e, com uma insensibilidade digna de registo, mas imprópria de quem faz alarde da sua maior sensibilidade atávica, alheiam-se.
Por vezes penso se não teríamos mais e melhor aceitação se não tivéssemos passado o mesmo tempo, mas numa prisão ou num hospital. Julgo que, quando falássemos disso, seríamos mais ouvidos. No fim de contas seria algo mais imaginável por quem não passou pela experiência, embora talvez mais traumatizante.
Atrevo-me a transcrever o que escrevi noutro lugar:
A vida foi correndo (...). Ficámos velhos. E os velhos têm necessidade de recordar, contemplando a vida, para se sentirem gente.
Demos a nossa contribuição, modesta como é sempre é a dos homens do povo feitos soldados. Para quê? Hoje cada vez podemos menos e dentro em breve ninguém nos recordará. E nem pelo facto de termos sido muitos seremos mais recordados. Sabemos que “os povos têm má memória” e que a cultura e o conhecimento de quem fomos ou somos, como povo, é, cada vez menos, uma prioridade na formação e educação dos nossos jovens, logo, do nosso Povo.
Vejam o que sucedeu aos que foram à África nos finais do Séc. XIX e inícios do Séc. XX e ireis observar a dificuldade em invocarmos os que participaram, em Africa ou na Bélgica. Vai ser muito difícil saber os que foram e os que voltaram, mas ainda temos uns dois anos para trabalhar. A I Guerra Mundial começou há 100 anos, mas não para nós…
Sobre este tema sugeria ainda que lessem uma peça de teatro – Nápoles Milionária – que trata do modo como é recebido, no seu meio e pelos seus, um modesto guarda-freio italiano que foi à II Guerra Mundial.
Sentimo-nos orgulhosos – o que não é nada bom – e cremos que não temos hoje nada para provar a ninguém, nem podemos aceitar que nos censurem por aquilo que fizemos ou não fizemos.
Somos hoje Portugueses, com cerca de 60 anos (normalmente mais), com uma experiência traumática, de dois anos, vivida com cerca de 20, mas com reflexos (alguns bastante dramáticos) para toda a vida. Estamos ricos com uma mensagem a transmitir!
É isso que pretendi demonstrar.
No âmbito da celebração dos 10 anos do blog, experimenta organizar um questionário – mais elaborado (esta sociologia em chavetas dos “pensadores” americanos causa-me “bretoêja”) – em que ponhas a questão da comunicação com os netos(as) e com as esposas. Será importante saber a resposta para continuarmos a procurar o nosso lugar na sociedade.
Tenta estender aos colegas de trabalho, correligionários de partido, médicos que nos tratam, vizinhos e amigos. Faz a separação por sexos em vez de tratares, por junto. Tenho para mim que a aceitação junto das mulheres é ínfima e que muitas vezes atinge a repulsa, mas isto sou eu a pensar…
E pronto, amigo, aqui tens, em traços gerais, uma ideia para incendiares o blog em tempo de fogos de Verão. Põem a malta a discutir e a dizer mal, nem que seja uns dos outros, mas, por favor inquéritos em chavetas, não! Quanto melhor não será uma “redacção” sobre o tema: como consigo que as minhas recordações sejam aceites na minha família, círculo de amigos e colegas de trabalho ou reforma?
Um Ab do
António J. P. Costa
e CART 3567, Mansabá, 1972/74;
hoje cor art reformado, foto á esquerda, acima]:
_______________
Nota do editor:
Último poste da série > 6 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11810: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (11): Ainda o poste do Cherno Baldé e outros
Último poste da série > 6 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11810: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (11): Ainda o poste do Cherno Baldé e outros
12 comentários:
Obrigado, Tó Zé, é uma boa questão... Ou melhor são 3 questões distintas;
(i) o que é que os ex-combatentes querem;
(ii) o que é que os ex-combatentes devem querer;
e/ou (iii) o que será justo que o País lhes dê ?
Nenhuma delas é de fácil resposta... Mas não deve ser o editor a dar o pontapé de saída... LG
Olá Camarada
Agradeço a publicação do Post.
Mas creio que há ainda a questão de sabermos como e a quem conseguiremos passar a nossa mensagem. Como conseguirmos falar com os outros familiares e amigos e fazer com que nos ouçam...
Essas três perguntas são importantes e determinantes. Esta´lançado o debate. Venham as ideias concretas. As ideias vagas e demasiado genéricas não fazem avançar o "sistema".
Um Ab.
António J. P. Costa
Caríssimos,
Cordiais saudações.
Como disse num comentário anterior, o meu caso é atípico: saí de Portugal em 72, com filhos, bem como a mãe deles, nascidos noutra cultura, outro continente, mas, que isso não seja desculpa para me omitir.
Desde que chegamos, nunca fomos ouvidos,o povo estava cansado da guerra,queria esquecer esses tempos, mas isso aconteceu quase ao mesmo tempo com os veteranos do Vietnam, isso numa nação que normalmente respeita os que estão a serviço do Estado.No nosso caso, com a agravante de que os que não seguiram o nosso caminho, ganharam a "guerra" interna.No começo, talvez as esposas nos tenham escutado, mas logo cansaram.
Lembrei , quando o texto fala de velhos que somos, do avô de um colega que tinha sido Oficial na Primeira Grande Guerra, para nós, era uma figura folclórica, esse o risco que corremos.
Sinceramente, eu não quero deixar qualquer tipo de mensagem, escrevo para fazer a catarse,e "pagar" dívidas de gratidão para aqueles que me ajudaram a voltar; que os antropólogos, como hoje se faz com os Índios por aqui, até porque também somos uma tribo (urbana), reescrevam a história.
Quando era era jovem, tinha a certeza que História, era o relato dos factos,"ledo engano"!Certamente, o tal antropólogo, reescreverá, a nossa história, condicionado por seus valores, também ele, como disse Ortega e Gasset é "...o homem, e sua circunstância".
O que eu espero do País? Absolutamente NADA.
Isso que saiu "ao correr da pena"...
Nobilíssimo Camarada A. J. P. Costa, "vi" no seu comentário, um louvável espírito didático, também presente em artigo seu de 2008, mas pode ser só "olhar distorcido" de um sobrinho, filho e neto de professores.
forte abraço a todos
Vasco Pires
Tó Zé:
Tocas na ferida, temos um problema de comunicação com os outros (e em especial, os que nos são mais queridos):
(...) "Além disso – por serem verdadeiras – contamos sempre as mesmas histórias, o que não anima uma reunião de família, nem entusiasma os que nos são queridos nem os amigos e, mesmo as nossas mulheres que começam a não ter paciência para nos aturar… Algumas consideram mesmo que 'aquilo são lá coisas deles' " (...)
Vou meditar no que escreveste... LG
O problema da comunicação é também geracional... Por exemplo, como explicar aos nossos filhos e netos o que era viver no Estado Novo, nos anos 50, 60, 70... "à luz do petróleo", sem médicos, sem medicamentos, sem hopistais, sem acesso a estudos médios, muito menos superiores, com uma guerra lá longe, etc. etc.
"Se servistes a Pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que deviéis, ela o que costuma".
Palavras sábias do Padre António Vieira, no Sermão da Terceira Quarta-feira da Quaresma, ano de 1669.
Abraço,
António Graça de Abreu
Vai outra citação, esta do Livro do Desassossego do Fernando Pessoa:
"Segue o teu destino...
Rega as tuas plantas;
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
de árvores alheias."
Abraço,
António Graça de Abreu
Caros Camaradas
"Adoro" o nacional-porreismo!
Chavões como "consciência do dever cumprido", "o que lá vai... lá vai"
e outras, apelando ao conformismo e ao imobilismo são, se bem entendi, um pactuar com "a situação" que normalmente não encontro no blog.
Ficam à consideração colectiva...
Um Ab.
António J. P. Costa
Caros camaradas
Este trabalho do nosso camarada AJP da Costa é, todo ele, interessante.
Nas questões que coloca, nos comentários e interrogações com que nos inquieta, nas "quase-conclusões" que adianta.
Gostava de poder fazer algumas considerações relativamente a alguns aspectos, tanto os que concordo, sublinhando-os e reforçando a ideia com os meus entendimentos, como o que pontualmente não concordo, mas não me sinto, neste momento, capaz de o fazer.
Assim, fico a aguardar o eventual 'desafio' que venha a ser lançado ou esperar por 'melhores dias e inspiração'.
Peço desculpa.
Abraço
Hélder S.
Caros Camarigos
Este assunto mexe comigo e não ficaria bem se não lançasse a minha acha para a fogueira. É tanto o que teria para dizer, que não sei por onde começar.Irei centrar o assunto à volta da questão colocada:" afinal o que é que os ex-combatentes querem..."
Seria necessário fazer um rigoroso escrutínio para responder com segurança, mas creio não errar muito afirmando que o que pretendem é que lhes seja feita justiça. Não na devolução do muito que deram (deram está dado) mas no reconhecimento do que fizeram e sofreram e se possível(se houver querer e vontade é sempre possível) que sejam minorados os seus sacrifícios hoje, em atenção aos muitos que padeceram lá, "onde o sol castiga mais" uns durante 2 anos, outros mais e outros menos.
Foram muitos os mortos, os feridos e os que sofrem no corpo e no espírito os traumas desse tempo cruel.
Destes sofredores, uma minoria é considerado DFA, que têm sobrevivido como tem sido possível com alguns apoios e pensões de invalidez, muitas vezes insuficientes. Dos outros, muitos já estão na reforma e sobrevivem como podem, com magros recursos, insuficientes para uma vida condigna com alguma qualidade.
Mas existem ainda muitos milhares (em que me incluo) que têm que angariar o seu sustento e da sua família com o seu trabalho, em muitos casos trabalho árduo, para a sua idade e a sua saúde, vendo a idade da reforma a alongar-se para além do que seria expectável e justo.
Foi a pensar neste quadro de injustiças, que eu, através de uma mensagem que dirigi aos editores, lancei o desafio de a Tertúlia poder estender a sua acção para além da louvável partilha de afectos, podendo ser um programa motivador para celebrar o 10º aniversário. Isto na sequência do P12557-O nosso Blogue em números.
A mensagem acabou por ser publicada e embora por pouco tempo na página aberta, colheu 2 comentários de apoio. P12733
(continua)
(continuação)
Como bem diz o camarada António J. P. Costa, para conquistarmos o que julgamos justo para os ex-combatentes temos que fazer por o merecer, temos que o reivindicar e adquirir visibilidade. Para isso é preciso lutar.
O Blogue é um fórum com massa crítica capaz de fazer grandes coisas. Tem no seu activo muitos quadros que exerceram funções de comando e chefia, muitos deles aposentados e com algumas condições para advogarem a defesa de tantos (milhares) que comandaram e chefiaram e que necessitam de ajuda. Esses milhares que não andam nas redes sociais, foram soldados que deram o seu melhor, a quem se exigiu os maiores sacrifícios.
Não ficaria bem com a minha consciência se não manifestasse este cuidado. Espero que muitos outros camaradas se sintam tocados pelo dever de solidariedade para com os camaradas sem voz e que necessitam de ajuda. Organizados, unidos e determinados poderemos fazer mais do que as louváveis homenagens públicas que se têm estendido um pouco por todo o país, que lembram os que morreram nas guerras, perpetuam as suas memórias, mas não fazem o suficiente pelos que ainda vivos, sofrem no corpo e na alma as chagas que a guerra gerou.
Com amizade, abraços.
JLFernandes
Camaradas,
Quando passei à peluda, escolhi uma profissão, fui para Angola, projectei e iniciei família, tinha sonhos e fiz projectos. Tive oportunidade de constatar que Portugal tinha imensas potencialidades, algumas complementavam-se, outras projectavam-se. O "puto" expandia-se em África - também contestei a zona do escudo, e todos os dias chegavam novos habitantes e profissionais de diferentes artes, que enriqueciam e contribuíam para o desenvolvimento do território, onde já se vivia com relativa paz e harmonia social.
Portugal tinha uma população que aumentava, tinha recursos, tinha mão-de-obra com diferentes níveis de formação que era absorvida (talvez a principal razão para a "paz" angolana, e também crescia a oferta e acesso ao ensino, só os governantes não prestavam, incompetentes, não eram visionários, tolhiam o crescimento, ciosos do poder.
O mesmo, pode dizer-se, acontecia na metrópole e nos restantes territórios, ainda que com bases de partida mais atrasadas, mas havia um generalizado crescimento da qualidade de vida.
Eu era anti-situacionista pelos constrangimentos económicos e sociais que, ainda assim, não tolhiam o crescimento em absoluto - apesar de resultar maioritariamente da iniciativa (egoísta) privada. Mas dei-me conta das grandes movimentações e difusão ideológica promovidas pela Internacional Socialista, pelas exaltações que derivavam de conflitos como o Vietname e a colagem que se fazia ralativamente ao problema português, ou as repercussões mais ou menos inânes do Maio/68.
Hoje, até sabemos que o mundo ocidental (movido pela alteração das políticas anti-coloniais de Kennedy, mas também pressionado pelo bloco de leste), tornava-se mais receptivo à função dinamizadora dos portugueses, e com um mecanismo sobre a auto-determinação consagrado na Carta da ONU, para o qual, convenço-me, estávamos a caminhar (e o debate nacional poderia ser surpreendente), embora o problema radicasse principalmente no atrofiamento provocado pela super-estrutura de Estado.
E deu-se o golpe de Abril com o único objectivo de livrar os militares das mobilizações em África, o que ficou provado pelos sucessivos desrespeitos ao Programa do MFA, pelas picardias entre os seus elementos, e pelo afastamento de outros que não pactuavam com a confusão.
E desse percurso, simultâneamente de afronta, indisciplina e de festa, teve gestação a nossa "democracia", de carácter monárquico - porque existem pirâmides com estruturas de reverência e servilismo por onde se trepa, que em clima de guerra militante, gerou cismas ainda hoje inultrapassados e que tornam ineficaz a lucidez e o progresso.
Dos ingredientes anteriormente expostos, parece resultar a situação que vivemos e a perda de soberania que nos asfixia. Teremos que debater as razões da crise e do desrespeito pela sociedade, muitas vezes com práticas de corrupção. Ora, num caldo destes, o que podem querer e esperar os antigos combatentes?
Eu já me contentava se fosse garantida a dignidade aos portugueses, mas todo o processo esteve viciado desde o golpe, e agora, os novos donos cá do jardim, provavelmente,não devem ser sensíveis a quem andou na guerra.
Abraços fraternos
JD
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