1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Gesto de solidariedade com a associação “Fidju di Tuga” na Guiné,
“Filhos do Vento”
Claro que sim, Luís! Tanto mais que em território guineense já está instalada uma comissão denominada “Fidju di Tuga” que visa exclusivamente ultrapassar barreiras e o assumir de danos que a guerra propiciou.
Hoje, ao viajarmos nas “asas do vento”, chegamos a um porto seguro e deparamo-nos com realidades que se reportam a um tempo de guerra que, nós jovens, vivemos com muita intensidade.
Falar do tempo da guerrilha na Guiné, um conflito onde coabitamos na primeira pessoa, é afinal um tema que nos absorve e que traz à tona das nossas memórias imagens de índole sentimental que ainda fazem literalmente parte de um baú de histórias vividas num palco adverso.
Porém, o conhecimento generalizado que todos nós ainda hoje perfilhamos de uma outra parte da guerra que não dava tréguas, remete-nos para momentos íntimos de prazeres amorosos onde não proliferava o amor de corações partidos mas, tão-só, mais uma “escapadinha” ao interior de uma mulher humilde, e quiçá honrada, onde o enlaço carnal era simplesmente mais um delírio de um “puto” com pouco mais de 20 anos.
Reconheço que o meu espírito humanista levou-me, a dada altura, trazer a público a “menina de Gabu”. Chamei-lhe mais uma semente dos “filhos do vento”. A jornalista Catarina Gomes, do jornal “O Público”, desenvolveu a temática e foi à Guiné e andou nos trilhos dos “filhos do vento”.
A sua reportagem teve um grande impacto e hoje já está constituída uma associação em Bissau que se intitula “Fidju di Tuga”. [Vd. aqui o seu blogue: http://fidju-di-tuga.webnode.com/]
Gentes que sempre sonharam conhecer o seu verdadeiro progenitor. É óbvio que têm pai, irmãos e família. A Catarina Gomes tem desenvolvido um excelente trabalho de aproximação com esses homens e mulheres que por lá ficaram.
Prepara-se para partir em breve, uma vez mais, a caminho da Guiné-Bissau. Presentemente não se pede caridade. Além disso o nosso blogue tem princípios que urge respeitar. Pede-se, apenas, um simples rádio, um gravador ou uma máquina fotográfica digital, por exemplo, para que esses bens façam parte da bagagem da Catarina.
Camaradas, respeitemos sangues portugueses que por lá ficaram e que vivem ansiosamente o indesmentível desejo de conhecerem alguém que lhes deu o ser.
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
4 comentários:
Meu amigo e camarada José Saúde:
Tenho lido e apreciado muito as tuas crónicas da Guiné.
Sobre esta tua crónica em que começas por falar nos "Fidju di Tuga", que é também o nome da associação guineense dos filhos dos nossos camaradas da Metrópole com senhoras da Guiné acho também que fazes uma apreciação muito humana e respeitavel sobre a situação que originou estes filhos que acabaram por ficar longe dos pais por circunstâncias geográficas e coloniais.
Discordo, nunca concordei, com o nome que os portugueses, "filhos do vento" não recordo, se militares ou jornalistas, deram a esses filhos de relações amorosas mais duradouras ou ocasionais, entre militares e bajudas da Guiné. Se repararmos a associação dos guineenses filhos dos portugueses não usa essa denominação, eles sabem que não são filhos do vento, sabem que são filhos de tugas.
Os filhos do vento têm pai e mãe inseparáveis, muitos irmãos, avós tios, primos e tias, não têm casa fixa, não têm terra, não têm Pátria, circulam pela Terra inteira, levados pelo vento e a liberdade que foi a escolha que fizeram há séculos, como mais adequado ao seu temperamento.
Os "Filhos do Vento " são e sempre foram os Ciganos. Quando mais adulto, ainda antes de pensar nas guerras africanas, recordo-me de se falar deles como tal. Acho que pelo que conheci deles e pelas suas características de povo nómada a designação está bem aplicada.
Em relação aos filhos dessas senhoras guineenses e dos nossos camaradas, acho a designação inapropriada e até pouco feliz.
Em situações de guerra, em que há grandes deslocações de tropas acontecem sempre situações semelhantes aos destes filhos da Guiné, nossos irmãos. Neste comentário, sempre limitado, não pretendo fazer qualquer juízo moral sobre todas as situações semelhantes ou diferentes que deram origem a estes filhos, que não são "filhos do vento" são filhos que têm pai e mãe.
Que eu saiba os homens ainda não se reproduzem por esporos que o vento dispersa.
Eles dizem que são "Fidju di Tuga"
Pessoalmente não pretendo acusar ninguém, só quis chamar a atenção ao amigo José Saúde para uma expressão inapropriada que ele já herdou de alguém.
Um grande abraço
Francisco Baptista
Como não fiz muito bem o trabalho de casa, defeito meu, já antigo, peço desculpa à Catarina Gomes, ao Luís Graça e ao José Saúde se a critíca anterior, pode prejudicar uma causa tão nobre e solidário como a deles.
Sem ter em conta, essa designação, com a qual nunca concordei, também estarei disposto a contribuir com alguma verba para ajudar essa associação dos "Fidju di Tuga". Tal como o camarada Rui Vieira Coelho, se não estão em erro, mandem um NIB para esse fim.
Abraço
Francisco Baptista
Olá Camaradas
Pese embora a justeza do assunto tratado, considero ofensivo o nome da organização que procura os pais dos filhos dos militares portugueses que prestaram serviço na Guiné.
Não sou "Tuga", sou Português e só fui assim chamado no contexto diferente pelos guerrilheiros do PAIGC. Acho de péssimo gosto que se persista na utilização de uma alcunha do tempo da Guerra.
Não vejo bem o que esta organização espera obter. Se é ver quem foi o pai de quem não tenho nada contra, se calhar, antes pelo contrário. Contudo, parece-me excessivo que se espere mais do que isto.
Excluindo casos de violação, de que nunca ouvi falar, estamos perante leviandades de juventude das quais hoje, se calhar, ninguém sai bem...
Confesso que sempre ouvi chamar aos ciganos "filhos do vento" por não terem terra e andarem sempre e movimento, comerciando
Mas posso aceitar a designação que foi estabelecida. Uma organização para a procura de pais cujo nome contem uma alcunha de guerra é verdadeiramente inaceitável...
Um Ab.
António J. P. Costa
Camarada António Costa;
Apesar de algumas clivagens sociais e militares que herdamos da nossa sociedade pequena e demasiado escalonada, confesso que nunca me chocou como português e patriota ser chamado por tuga por naturais da Guiné Bissau. Se pensares bem no dialecto crioulo que eles falavam não existe a palavra inteira "o português" que tu desejavas.
Pessoalmente agradeço-te a ti que talvez tenhas subido a hierarquia militar a partir de oficial miliciano a consideração pelos milhares e milhares de tugas milicianos que mesmo em percentagem,foram o grosso dos mortos, feridos e combatentes das três guerras de Àfrica. Tu sabes isso, amigo e camarada, porque a tua guerra não começou pelos gabinetes de ar condicionado como a de muitos dos nossos superiores, a quem não podemos chamar camaradas mesmo depois de reformados.
O processo de democratização civil e militar deste grande general que se chama Luís Graça é o possível, não é o desejável.
Um dia numa operação em Mansabá, com dois ou três pelotões, eu muito próximo do chefe da mílicia, um guineense alto e atlético, percebo que se cruzam com formigas das mais chatas de lá, seriam as formigas "correção", não sei. Sei, ele disse a pensar que eu não ouvia ; vamos deixar as formigas para os "tugas"
Estavamos de passagem, íamos corrigir a linguagem ou a mentalidade deles?
Não quero tirar conclusões, todos os que me lêem são homens inteligentes.
Um abraço a todos
Francisco Baptista
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