quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15498: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXVI Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 2

1. Parte XXVI de "Guiné, Ir e Voltar", série do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XXVI

Uns continuaram nessas guerras, outros noutras (II)

O Capitão Rubim fez 4 comissões, num total de 9 anos em África. Nos anos de brasa envolveu-se ou foi envolvido pelos acontecimentos do 25 de Novembro, esteve preso em Custóias e em Caxias. Depois de ter passado à reserva dedicou-se àquilo que sempre o interessou, o estudo da história militar. Foi professor na Academia Militar, deu aulas a mestrandos nas Faculdades de Letras de Lisboa (Universidade Clássica) e Coimbra, montou vários projectos museológicos, como a Artilharia da Fragata D. Fernando, o Museu da Escola Prática de Artilharia, o Forte de Oitavos em Cascais, foi colaborador da Comissão Nacional dos Descobrimentos e do IPPAR num estudo que realizou sobre a Torre de Belém e tem feito palestras e conferências para alunos de Escolas Primárias, professores universitários, idosos iletrados. Tem vários trabalhos publicados, a maioria como separatas da Revista de Artilharia. E continua a investigar e a escrever enquanto para isso se sentir com forças.

O Neves da Silva, depois de regressar à metrópole, pensou acabar a licenciatura, a necessidade do sustento imediata não lhe deu tempo, decidiu ingressar num corpo militarizado e passar ao quadro permanente. Como capitão foi destacado para a Presidência da República, forneceu a segurança a dois presidentes, acompanhando-os para todo o lado, deu a volta ao mundo mais que uma vez, viu muita coisa, até um em cima de uma tartaruga. Esteve lá mais tempo que o Almirante Américo Tomás, só abandonou o Palácio de Belém quando, como Coronel, passou à reserva.

A guerra foi-lhe madrasta, a morte e o sofrimento andaram sempre com ele. A primeira vez que saiu a comandar os "Vampiros" o Vilaça passou por uma mina anti-pessoal, não a pisou, caiu a rifa ao Soldado Florêncio Terêncio. O Vilaça e os que estavam próximos voaram sem terem asas.
Quando deram pelo que tinha acontecido, faltava uma perna ao Florêncio. Não gemia, mas ainda disse umas palavras: "Meu alferes, isto não é nada, para a semana já estou operacional..."
A partir daí sempre que o Vilaça ia para o mato, por isto ou por aquilo, as coisas nunca correram bem.

Já na metrópole, o pai deitou-lhe a mão, trouxe-o para a loja de acessórios de automóveis que tinha em Braga. Com a psiquiatria sempre atrás, passaram-lhe uma receita, que arranjasse namoro, o que fez com uma linda bracarense, teve filhos, vendeu rolamentos, desodorizantes, casquilhos, óleos, pastilhas para os travões.

Separou-se da mulher, o pai morreu-lhe, passou a loja. Continuou a trabalhar em acessórios de automóveis nos arredores do Porto, ia passar os fins-de-semana a Braga com os filhos, já adultos e encarreirados. Passava largos períodos de tempo sem dar notícias, depois surgia outra vez como se tivesse interrompido a conversa no dia anterior.

A única coisa que o atrapalhava ultimamente era uma poliartrite, que quase o imobilizava. Até que um dia deu outras notícias. Que afinal por trás do tal reumatismo se escondia um cancro no pulmão. Em meia dúzia de meses, tirou um pulmão, fez quimioterapia, desapareceram as dores, passou umas belas férias em Caminha num Setembro tranquilo, voltou outra vez todo entusiasmado até às vésperas do Natal de 2006. "Olha pá, estou a falar-te para me despedir! Estou nas últimas. Um abraço, pá!".

Ainda conheceu a neta dias antes de ser enterrado no cemitério de Monte de Arcos, Braga.

O Rainha foi viver para a sua terra à beira-mar, no regaço da família, o pai influente meteu-o numa multinacional de papel. Um abraço muito apertado à sua mais que tudo reiniciou o processo, rumo ao altar, filhos a seguir, atirado para a frente como sempre. Tal como muitos outros, envolveu-se no trabalho, deixou de dar notícias, até o nome desapareceu das listas telefónicas. Soube-se depois que deu umas voltas à vida. Separou-se, casou outra vez, reformou-se, separou-se e voltou a casar, mudou-se para o Algarve, regressou à Figueira.

Vamos lá a ver se desta é de vez! Com estes imbróglios todos foi ganhando peso, chegou aos 170 quilos. Pensa em dietas e em gatos persas e também não esquece a pistola que apanhou, em Catungo, ao Pansau Na Isna e que, muitos anos mais tarde, serviu para ser julgado em Tribunal por ter uma arma de guerra em casa. Como se soube? A mulher, aquando do divórcio não lhe perdoou, pegou na arma e levou-a à Polícia.

A maior parte dos soldados desapareceu das vistas. Uns foram para França, um ou outro para o Brasil, Canadá, Estados Unidos, espalharam-se quase todos pelo estrangeiro, na construção civil e comércio. Dos que se sabe terem cá ficado, um ou outro foi sendo visto em Guimarães, Castelo Branco, num lado qualquer por aí.

O Alferes Godinho, um dos Comandos da Operação Tridente no Como, e mais tarde o chefe dos "Camaleões", embalado com a velocidade dos últimos tempos na Guiné, estampou-se com gravidade numa recta do seu Alentejo e recuperou muito devagar. Empregou-se a seguir num banco da baixa lisboeta onde trabalhou até morrer há alguns anos com uma cirrose hepática.

O Valente pequeno, o Mário Valente, continuou na tropa nos dois primeiros anos, no Ministério do Exército ali ao Terreiro do Paço, depois trabalhou quase até à idade da reforma em Lisboa, no representante de uma das maiores marcas alemãs de automóveis até ser apanhado também pela onda das fusões e das rescisões de contratos.

Com tempo disponível apesar de ser avô, ainda geriu durante uns anos, graciosamente, um canil para cães abandonados, perto da casa onde cuida da mulher, quase inválida, na margem sul.


Cerimónia do 10 de Junho de 1963
Imagem pertença do autor

O Saraiva mal acabou o curso da Academia Militar, formou uma Companhia de Comandos em Lamego, a 9.ª. Foi para Moçambique, à procura da Frelimo, uma mina anti-pessoal encontrou-lhe um pé, era uma vez um Comando, desfez-lhe a carreira num segundo1

Depois veio o 25 de Abril e os tempos turvaram-se. Presença habitual nas cerimónias do 10 de Junho na Praça do Comércio em Lisboa, não se sentiu confortável com a turbulência que se seguiu e ausentou-se do país.

Meses depois, a Associação de Comandos recém-formada quis fazer um inventário de todos os Comandos, descobriu-lhe o paradeiro em Madrid e enviou uma carta dirigida ao Excelentíssimo Senhor Capitão Comando Maurício Leonel de Sousa Saraiva. Duas ou três semanas depois recebeu a carta de volta metida dentro de um envelope que dizia “Não sou Exmº Sr., sou Capitão Comando na reforma extraordinária compulsiva do ex-Exército Português”.

Depois desta breve troca de correspondência deixou de se ouvir falar dele uns tempos, os Abris abertos não eram propícios a um guerreiro como ele.

Anos mais tarde reintegraram-no. Não que o tivesse pedido. Passou à reserva como Coronel em Setembro de 1987 e viveu mais uns anos até um cancro na laringe tomar conta dele, em Março de 2002.

O Capitão Garcia Leandro depois da Guiné foi para Timor como Chefe de Gabinete do Governador e já depois do 25 de Abril foi Governador de Macau entre 1974 e 1979.

Foi professor do IAEM e professor convidado do ISCSP entre 1999 e 2005, para o Mestrado de Estratégia, sendo actualmente professor da U.C.P., da U.N.L. e da U.A.L., para Mestrados relacionados com a Segurança, Defesa, Paz e Guerra.

Desempenhou várias funções. Conselheiro Militar da Delegação de Portugal junto da OTAN (PODELNATO) Bruxelas, Comandante Operacional das Forças Terrestres, Comandante da Componente Militar da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), Director do IAEM, Vice-CEME, Director do I.D.N. e Presidente do Conselho Coordenador do Ensino Superior Militar. Representou Portugal em múltiplas reuniões internacionais e tem publicado vários trabalhos e artigos e participou em conferências em Portugal e no Estrangeiro no âmbito da Estratégia, das Relações Internacionais, da Gestão de Crises, dos Sistemas Colectivos de Segurança e das Missões de Apoio à Paz. Foi ainda Presidente do OSCOT (Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo), Membro do “Academic Council on the United Nations System”, Académico Correspondente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa e Membro da Assembleia Estatutária da Universidade Aberta.

O Alferes de Barro, o Toilas, entrou para a Refinaria da Petrogal em Leça. Farto de trabalhar por turnos de 8 horas seguidas ingressou no ensino e em 2005 ainda dava aulas.

Depois de um grave acidente na auto-estrada Lisboa-Porto nunca mais foi o mesmo, traumatismo craniano, pneumonia, depressões, umas coisas atrás das outras. Como se soube? Coincidências! Num curso de formação na Curia, ao jantar de um desses dias, sentou-se num lugar vago, no meio deles, trinta e tal. Palavra puxa palavra, o jovem sentado em frente era filho do Toilas. Não perdeu tempo, pegou no telemóvel e ligou para o pai. Depois passou-lhe o telefone. Toilas, sabes quem está em frente ao teu filho? Lembras-te do tarrafo de Buba, de Barro e Bigene, de Sano? Não pode ser! Pode, pode, Toilas!

O Coronel Nobre Silva, o de Teixeira Pinto e de Catió, o tal do capacete, terminou a comissão da Guiné antes do tempo, regressou à metrópole amargurado, sem nunca saber quem foi ou quem foram os engraçadinhos que lhe encostaram o tal pau à cabeça. Pouca gente reparou no anúncio que, há uns anos, a Servilusa pôs no Diário de Notícias comunicando o seu óbito.

O Carlos Morais, o Carlos da Helena, quando chegou a Lisboa, tinha o pai internado nos cuidados intensivos do serviço da cardiologia do Santa Maria. O médico acabara de lhe dizer que o enfarte não fora de grande extensão, uma vida regrada, mais calma e tudo se iria compor, quando a coisa se complicou. Enterrou-o na semana seguinte. Tomou conta dos negócios, abriu uma pequena fábrica de lanifícios para os lados de Portalegre, casou-se com a secretária um ano depois na Estrela, os filhos vieram a seguir.

Muito dinheiro ganho nos tempos da bolsa, antecipou-se à crise da têxtil, vendeu as fábricas, mudou de ramo, enveredou pela restauração primeiro, depois alargou-se ao comércio da noite, muitas brancas depois passou tudo para os filhos. A última vez que ouviu falar dele foi que vivia num monte para os lados de uma barragem no Baixo Alentejo.

A bela Helena do Carlos Morais regressou mais cedo do que o contrato estabelecia. Mas o pai do Carlos, reconhecido, liquidou-lhe tudo, como se tivesse feito a comissão inteira, 60.000 escudos, na altura uma fortuna para uma moça tão nova, mais o Austin Sprite quando chegasse no navio. Abriu uma loja de pronto-a-vestir para crianças.

O Capitão Marques, o artilheiro das boites, prosseguiu na carreira militar. Quando acabou a comissão tinha à espera a família e um MG verde-escuro com capota de lona preta. Foi colocado no Regimento de Artilharia da Serra do Pilar, em Gaia, antes de voltar a ser mobilizado. O 25 de Abril também o apanhou, calhou virar-se para a resistência às mudanças, foi para o Brasil primeiro, depois para Madrid, fez-se colaborador do General Spínola, até tudo acalmar. Até morrer, amante da boa vida, andou sempre calçado com os últimos modelos que faziam capa dos Automobiles.

O Furriel Valente de Sousa passou à peluda, 28 dias depois de ter chegado a Lisboa. Casado, com um filho de berço, optou pela vida civil. A ideia de ir para o Biafra, a mania das guerras, desapareceu tudo, mais depressa ainda quando os apertou nos braços. Nunca mais vos deixo! Arranjou logo trabalho nas Páginas Amarelas, andou que se fartou pelo país todo, entusiasmou-se, foi promovido. Nunca se soube porquê, depois dos verões quentes dos meados da década de 70, foi até ao Brasil, deve ter gostado porque ficou por lá.

Nunca mais deu notícias. Há poucos meses alguém disse que já tinha morrido.

O General Schulz governou a Guiné de Maio de 64, altura em que o PAIGC começou a intensificar a luta armada, até Maio de 68, quando foi substituído pelo General Spínola. Na metrópole era o Director do Instituto dos Altos Estudos Militares quando o Major Fabião, o tal de Tite, denunciou publicamente, logo no início de uma aula, que estava a ser planeada uma intentona da extrema- direita liderada pelo General Kaulza que tinha em vista a eliminação física dos Generais Spínola e Costa Gomes. Depois do 25 de Abril foi preso em 14 de Janeiro de 1975, acusado de, entre 1958 e 1961, ter sido ministro de Interior da ditadura, e, como tal, responsável político pela PIDE/DGS.

Na cela, confessaram antigos responsáveis pela prisão, deram-lhe uma colher como talher. Esteve detido até Janeiro de 1976, vindo a ser julgado no 3.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa e absolvido em sentença de 5 de Abril de 1982. Curiosamente nada sucedeu aos civis que desempenharam funções como ministros da mesma pasta.

Retirou-se para a avenida dos Estados Unidos da América, para um andar que tinha, ali para os lados dos cinemas Quarteto até morrer em 1993.

O conhecimento da praia dos Biscoitos, da Terceira, viu-a muitos anos depois em Lisboa, numa rua a descer para a Avenida da Liberdade, quem diria, tão mau aspecto, velha, gorda, um perfume tão vulgar.

A Dora veio para Lisboa logo depois do 25 de Abril. Quando chegou à Portela, disse ao taxista que queria ir para Cascais, com a rua e o número na mão. Em frente a uma vivenda de muro alto amarrou-se à campainha. Uma criada com farda abriu o portão grande e viu-a, boina verde inclinada na cabeça, dois malões no chão. Zé Andrade2 está? Abriram-lhe a porta, a mãe do Andrade aproximou-se, hesitou, não pôde fugir com o rosto. Telefonou para Lisboa para o emprego do filho, contou-lhe a novidade, e agora o que queres que faça? A seguir, aberto o sorriso, sentou-se com ela, fez-lhe companhia no chá com torradas.

Depois foi viver para Odivelas, a seguir mudou-se para Birre, perto de Cascais. Durante alguns anos, poucos, trabalhou num jardim-de-infância. Com olho para o negócio, tornou-se sócia de uma pequena empresa de limpezas, onde deu emprego a jovens africanas, brasileiras, ucranianas e moldavas. Nunca foi muito de se deixar perder por homens, que se saiba. O único amor que se lhe conheceu foi tiro e queda. Numa montra de um stand de viaturas usadas da Mercedes, sem rugas, prateado, novinho em folha. Um SLK.

O Vasco Correia3, o pai da Teresa, ficou viúvo dois anos antes da independência. Depois do golpe do Nino, retirou-se para Cabo Verde.

O Capitão dos Comandos novos, o Alves Cardoso, estava em Angola quando se deu o 25 de Abril. Envolveu-se, ao que se diz, na luta contra o MPLA e foi ferido com gravidade.

Depois, deu corda aos sapatos para o sul de África, onde se manteve uma dezena de anos até regressar. Um olhar conhecido dele, encontrou-o muitos anos depois, arrefecidas as brasas, na praça de Londres, em Lisboa. Cara para o lado, sempre a cultivar o mistério. Mas sempre um grande capitão. Morreu em 2014.

Nino, sentido, porra! Uma lenda da guerra da independência. No PAIGC desde 1960, responsável por zonas de guerrilha, preso em Catió por um acaso fortuito pelas autoridades, circulava sem o recibo comprovativo do pagamento do imposto de circulação, não o das viaturas, claro.

Um cabo cipaio, por sinal casado com uma irmã de um tal João Bacar Jaló, que, poucos anos depois, a guerra viria a tornar uma figura mítica, libertou-o. Membro do bureau político do Partido logo em 64, chefiou a resistência no Como ao famoso 490 de cavalaria e foi no Como que os Comandos mais antigos experimentaram a sua têmpera, de tal forma que sempre que se falava no nome do Nino, fosse na instrução, no Hotel Portugal, na casa da Dora, nas casas de meninas, fosse onde fosse, punham-se todos em pé, calados, em sentido. Uma praxe como qualquer outra, claro!

Nino Vieira continuou a subir na hierarquia. Responsável político-militar da frente sul, responsável nacional das operações militares, mais tarde, foi ele próprio, em pessoa, quem comandou os ataques ao aquartelamento de Guileje. Se alguém tinha que ser, ao menos que fosse ele.

Após a independência foi Comissário de Estado das Forças Armadas, 1.º Ministro, Presidente do Conselho da Revolução, até correr com o Luís Cabral, o irmão de Amílcar, e matar a união política entre Cabo Verde e a Guiné.

Anos depois, na sequência dos acontecimentos de Casamansa, outro golpe, mas agora contra ele. Retirou-se para Portugal, Gaia, onde oficialmente residiu uns anos até se decidir por nova candidatura à Presidência da República da Guiné-Bissau, desmentindo assim as previsões dos que defendiam que a sua carreira político-militar tinha acabado. Mas as coisas não correram bem. Nem para a Guiné-Bissau, nem para o Nino. Em mais uma crise político-militar, já depois de se ter visto ameaçado em finais de 2008, Nino foi morto numa sangrenta madrugada de Março de 2009.

O Capitão Valente da CCS do QG passou à reserva pouco tempo depois, a saúde já não era a mesma, retirou-se para o seu Ribatejo, para a sua roda de amigos, uma patuscada de vez em quando, um copo de tinto ao lado que só fazia bem. O orgulhoso casapiano não gozou muito tempo esses dias, uma alma tão boa merecia estar viva ainda, ou se calhar foi melhor para ele, depende.

O Alferes Gião fez dois meses de férias quando chegou, mudou-se do Alentejo para a capital, meteu-se nas engenharias, especializou-se em informática. Uma grande empresa do ramo chamou-o para organizar o departamento, por lá andou anos a fio, até que a onda das rescisões também o apanhou, o que lhe deu muito jeito. Instalou-se num condomínio de luxo para os lados de Carnaxide e começou a dar aulas de sistemas de informação numa escola superior em Lisboa. Mais de 30 anos depois, à porta do mercado de Alvalade, num sábado de manhã, encontraram-se, um a subir as escadas, o outro a descer, com outros óculos e ainda mais baixo que antes.
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Notas:

1 - O Capitão Maurício Leonel de Sousa Saraiva foi várias vezes condecorado. Na sua "Caderneta Militar", entre outras, constam duas medalhas de Valor Militar com Palma, a de Prata e a de Ouro, e a Torre e Espada, Grau de Oficial.

2 - Nome fictício
3 - Nome fictício

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 10 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15473: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXV Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 1

11 comentários:

Costa Abreu disse...

Caro Briote, Continuas a ser UM TOP, nao so pelas maneira graciosasa e claramente esplicativa como escreves, clara mas tambem nas entrelinhas para ser lido algo de que apenas os que te conhecem de outros tempos conseguem ler. Continua, pois cada vez me vou lembrando mais coisas dos nossos tempos.
Julio Abreu
Grupo de Comandos Centurioes
Ex-Guine Portuguesa

Luís Graça disse...

Vb, extraordinária a capacidade e o alcance do teu "radar" e do teu "GPS", monitorizando os "trilhos" que cada um dos teus camaradas seguiu depois da guerra e da Guiné...

Poucos de nós saberiam acompanhar-te neste trabalho de uma vida... Esta é uma faceta que desconhecia de ti, fazendo uso do teu imenso "capital" de relações humanas que vêm dos tempos da Companha de Comandos do CTIG... Com empatia, discrição, camaradagem...

Não é por acaso que o teu nome é dos mais respeitados entre a "tribo", "família" ou "clã" dos comandos... Estás muitos patamares acimas das questiúnculas, azedumes, pequenos ajustes de contas, ressentimentos, amuos, etc., que é normal acontecerem entre as quatro paredes das nossas "casernas"...

Vb, és um senhor!... Bravo Foxtrot, Boas Festas! Luís Graça

Luís Graça disse...

"Escreve o Vb: "A maior parte dos soldados desapareceu das vistas. Uns foram para França, um ou outro para o Brasil, Canadá, Estados Unidos, espalharam-se quase todos pelo estrangeiro, na construção civil e comércio. Dos que se sabe terem cá ficado, um ou outro foi sendo visto em Guimarães, Castelo Branco, num lado qualquer por aí." (...)

Aconteceu com todas as nossas companhias... Fechámos um ciclo, não de 500 anos, mas de 600, da nossa história... OU se calhar nem isso: damos a volta ao mundo, agora ao contrário, pelas vias mais esconsas, do exílio, da emigração, da pobreza... É outra gesta, não menos nobre... O país sempre foi pequeno para tantos sonhos e tantas vidas... LG

António Duarte disse...

Parabéns pelo post. Mereces cinco estrelas. Falas de um capitão Marques. Foi o primeiro comandante da cart 3494, integrada no Bart 3873 e esteve no Xime. Após uma emboscada, com vários feridos e um morto, abril de 1972, foi para Bissau para tomar conta da antiaérea. Envolveu-se com o Spínola, no 28 de setembro de 1975. Tinha muito nível e era de conversa agradável. Abraços
António Duarte . cart 3493 e ccaç 12 dez 71 a jan de 74

antonio graça de abreu disse...

Panóplia impressionante de vidas das nossas gentes.
Quanta história, quanto Portugal por dentro, todos nós.
Parabéns, Virgínio Briote.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

POIS!

Entende-se:"TANTAS VIDAS".
É triste que o Homem (quase, quase um semi-deus) acabe quase sempre, mais ou menos, "desse jeito" (brasileiramente dizendo).
Uma geração que apanhou guerra-guerra quando começavam a ser homens e, pelos cinquenta tardios/sessenta, apanhou a guerra das rescisões (amigáveis...) e das pré-reformas. Não falando das vicissitudes da crise nas relações humanas causada pelos tempos que se iam vivendo.
O Virgínio Briote "pinta" isso tudo muito bem.
Abraço
Alberto Branquinho

Torcato Mendonca disse...

Há muito que estou parab escrever um comentário decente. Depois passa, continuo a arquivar o que escreves e, se me apetecer releio. Dizer que está bem escrito,"~ka ganda texto e etecera" outros que o façam. Concordo. Contudo penso que isto que agorta escreves merece outro destino. Tu é que sabes. "Tantas Vidas" são palavras que te roubei. Gosto. A Matilde foi um acaso. Tinha que encontrar um nome para um relato verdadeiro. Ainda agora escrevo sobre isso e arrepio-me. Estou velho, ou farto ou chateado com o momento e o o "problema" que acompanho no meu quotidiano. Sinto aquilo e revolta-me ver, naão a que a Matilde escondeu e eu vivi, mas o da mulher que me acompanha há tantos anos, a lutar contra um sacana de um corno que apaga tanta gente.Não é David contra Golias mas quase.
Sabes VB nós ,para o bem ou para o mal, ficamos fortemente marcados e temos maneira própria de encarar a vida. Dá-me mais alento ler ou reler o que escreveste aqui e agor, o que leio em bocados de um livro ou outriõ que ,muitas vezes o acaso me trás da estante para a mão.
Bem isto não estava no programa mas o que li aliviou. Depois tudo vai dar certo e o IPO há-de fazer um bom trabalho. Deixemos.
Tantas Vidas VB e uns "Jovensitos" precocemente homens e, igualmente precocemente velhos. Mas com força e,mesmo rotos ou apertados sempre prontos para a luta.Curioso parece-me que custa mais do que em nós proprios. Não sei, não sei.
Bem acabo e espero a continuação de tua parte.
Tantas Vidas e tanto para escrever. Nem sei o que escrevi e não vou ler ou rasgo a merda que teclei, que se foda.
Vai o meu abração e desculpa o vernáculo ... se tivesse uma G3 ia partir umas garrafas dependuras no arame farpado...bons tempos.

Abraço,T.M.

JD disse...

V.B.
Junto-me aos que te dão os parabéns por estas felizes memórias que nos ofereces.
Felizes pelo impacto que nos causam, pois na verdade, hoje referes altos e baixos, sucessos e insucessos da malta que convocaste para o texto, incluindo um ComChefe. São retratos interessantes sobre as vidas obliquas de cada um com quem lidaste ou acamaradaste, reflexões comuns a todos nós, mas a que tu sabes tão bem dar-lhes corpo e alma.
Se tiveres pachorra, adivinho que poderás editar uma belíssima "estória" sobre a geração da guerra de África.
Um grande abraço
JD

Anónimo disse...

Caro V. B.,
Excelente história de vidas...que dão que pensar.
Um abraço transatlântico,
José Câmara

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

O Gen. Arnaldo Schulz não foi julgado pela sua acção militar, aliás creio que nenhum chefe militar o foi, o que está certo.
Foi julgado pela sua acção enquanto ministro do interior - hoje administração interna - e comandante das polícias e, de certo modo responsável pela acção da PIDE. Estava absolvido à partida, já que ao Tomás e ao Marcelo foi dada fuga para o estrangeiro até as coisas acalmarem... depois logo se veria.
O Tomás voltou e morreu como qualquer de nós. O Marcelo morreu no Brasil, como professor de uma universidade. Não se pode dizer que tivessem tido a paga das consequências da sua acção. Este blog é a prova disso.
Foi uma injustiça? Foi! Julgar o peixe miúdo - ainda por cima de modo pouco convincente - e deixar os mandantes à solta é mau!
Foi uma boa solução? Hoje, à distância, direi que sim. Se duvidam tentem visualizar a execução e a tramitação do(s) julgamento(s). Não creio que alguém no país tivesse fervor revolucionário para tanto. E se o tivesse, que seria feito dele hoje? Juízes para os condenarem? Ora deixem-me rir! Testemunhas abonatórias teriam, certamente. Ao fim de pouco tempo os revanchistas e os "ponderados e imparciais" começariam a surgir. Os defensores "das pessoas de bem" e dos que exerceram altas funções do Estado, com toda a honestidade, e "são, por isso, credores do nosso agradecimento"... etc., etc. e mais etc..
No fundo teriam uma protecção (com fins políticos, provavelmente) que a todos nós, em situações menos graves, não nos é dada.
A culpa de ambos e de outros era a sua actuação diária e mais nada. A procura de factos concretos em que estivessem envolvidos é ridícula.
Sou do curso de saída do cap. Saraiva. Dizia para quem queria ouvir que a questão da guerra era fisiológica e acrescentava: "TOMATES!". Sabemos hoje que não era assim e, mais uma vez, a existência deste blog e do que por cá se diz, comprova-o. A imutabilidade das posições "políticas" de certos homens com provas dadas e valores reconhecido resulta de não quererem aceitar que foram alvo do conto do vigário.
No fundo, especialmente os dos primeiros tempos, estavam certos da justeza e da justiça das suas práticas e quando a realidade se impôs (e desta ou de outra maneira teria de o fazer) o edifício que tinham construído implodiu e eles sentiram-se desamparados. A culpa não é do "edifício", nem deles próprios, que deram o que tinham, numa grande generosidade sem par. Por isso, recusaram-se a aceitar que "afinal não era assim".
Destes também há no nosso blog, como já se tem visto.

Um Ab.
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

Um ponto de vista de António J. P. Costa muito interessante, esta de julgar ou não julgar.

Milhares de portugueses andaram e ainda andam com essa dos "julgamentos" por fazer, na cabeça.

Lembro-me de no 28 de Setembro de 1974 (Vim de Angola assistir ao burburinho daquele verão)

em pleno Rossio, grandes cartazes pendurados no monumento do D. Pedro IV com os nomes de Artur Agostinho e Amália Rodrigues e Jorge de Brito que este nem sabia quem fosse.

Havia outros, e o mote era, prender,julgar, etc. sem falar no "campo pequeno".

Mas quem fale em julgamento de militares do Ultramar, penso que nunca se pôs essa de julgar ninguem.

Se formos ver as guerras coloniais, a nossa ainda será das mais consensuais, porque se olharmos para a India da Inglaterra, para a Indochina e Argélia da França, e até as Malvinas Inglaterra/Argentina, não faltariam julgamentos naqueles países.

Mas há de facto ainda alguns tabús em muitas cabeças da nossa geração.

Cumprimentos