domingo, 16 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17249: Fotos à procura de uma... legenda (84): o país dos mouros (Luís Graça)





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Fotos (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


1. Marrocos é o pais dos mouros, e fundamentalemente dos berberes (do árabe, "berber") ... Há uma grande confusão terminológica: mouros, berberes, árabes, tuaregues, beduínos....

O povo berbere – a que a si próprio se chama Imazighen, no plural ou Amazigh, no singular – é um dos povos mais antigos do continente africano. Ou talvez melhor, um conjunto de povos com afinidades etnolinguísticas.

Originalmente, os berberes [palavra grave e não esdrúxula...] viviam em tribos no deserto do Sara, ocupando uma vasta região (que inclui hoje grande parte do Magrebe, o Sara Ocidental, a Mauritânia, Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia).

Cerca de 2/3 ou mais dos marroquinos serão descendentes dos povos berberes. Um terço ainda falará sua língua. Os árabes (os conquistadores, oriundos da península arábica) vêm em segundo lugar. Há depois minorias, incluindo judeus, muitos deles sefarditas (oriundos de Portugal e Espanha, depois do edito de expulsão). (Alguns, disse-me o meu guia, converteram-se ao islamismo, mas continuam a ser "endogâmicos", ou seja, não se misturam; daí ele chamar-lhes "meios irmãos.)

Os berbres tiveram o grande mérito de se saber adaptar ao deserto do Sara e ao rigor do clima (marcado pela cordilheira do Atlas, mil km de comprimentos por 100 de largura). Souberam utilizar o dromedário (camelo de uma bossa...) e ganhar a vantagem da mobilidade, acompanhando as caravanas de mercadores e tornando-se hábeis comerciantes que negociavam quase tudo, desde escravos  a especiarias, pedras preciosas, oiro, peles, tecidos, artesanato, etc. São também bons artesãos, embora melhores sejam os árabes. Nas "medinas" das cidades de Marrocos, em geral, há dois mercados distintos, o árabe e o berbere.

Há várias línguas e dialetos berberes, o que vem a favor da tese da heterogeneidade dos berberes (termo que virá do grego e do latim: bárbaro era originalmente o "não grego"; depois o não cidadão romano; e, em particular, o habitante do nordeste de África).

Os berberes, embora islamizados e arabizados, tem fama de "resistência" e "resiliência" aos conquistadores, incluindo os romanos e os árabes... No caso destes últimos, essa resistência irá até ao séc. XII... O Atlas foi um dos seus refúgios e redutos.

2. O termo mouro vem do latim. Para os romanos, os "mauros" (em latim: mauri) eram todas as populações que habitavam o noroeste da África, ou seja a "Mauritânia"...

Estas populações não eram etnicamente homogéneas, pertenciam a grupo étnico maior, o dos berberes. Com a invasão árabe, e a expansão do Islão (século VII), foram islamizadas e arabizadas. O árabe é, portanto, a língua dos conquistadores, embora ainda subsistam as línguas e dialetos berberes.

A "invasão" (o termo não é apropriado...) da península ibérica, em 711, é feita basicamente por berberes, comandados por generais árabes. Em suma, estas populações juntaram-se aos árabes na conquista da península ibérica durante o século VIII e deixaram profundas marcas entre nós, da genética à arquitetura, da língua à gastronomia...

Com a chamada reconquista cristã, os mouros na pensínsula ibérica (o Al Andaluz) acabam por ser derrotados, expulsos, dizimados, escravizados ou assimilados... O processo vai até ao séc. XIII. Data de 1492, a conquista, pelos Reis Católicos de Espanha, do último reino mouro, o de Granada. Os refugiados estabeleceram-se no norte de África. A maioria dos refugiados andaluzes estabeleceu-se no norte de África.

Com alguma propriedade, pode dizer-se que a "nossa guerra colonial" começa em 1415, com D. João I a conquistar a importante cidade de Ceuta... O seu neto, Afonso V, cohecido como o Africano, é o conquistor de Arzila e Tânger.

3. Marrocos é ainda um país de contrastes... Talvez o país do Magrebe onde as mulheres conseguiram marcar "mais pontos" em termos de emancipação política, económica, social e cultural...


É.um país que, contrariamente à vizinha Argélia, não teve que travar uma guerra extremamente sangrenta para se libertar da "proteção" dos franceses (o protetorado estendeu-se de 1912 a 1956)... A marca colonial está presente em muitas coisas: Casablanca, por exemplo, e a sua arquitetura deco e arte nova... Os topónimos, os sinais de trânsito, etc, são escritos em árabe e francês... Produz-se vinho, há jornais em francês...

Em boa verdade, e durante os 12 dias que por lá andei, senti-me relativamente confortável e seguro... O meu guia, Hammad Kalid, natural de Marraquexe, de pai árabe e mãe berbere, falava as línguas latinas: francês, espanhol, portunhol, italiano... Disse-me que o seu país estava a receber 10 milhões de turistas por ano, pretendendo atingir os 14 milhões... O turismo é economicamente bem vindo, Marraquexe e Agadir são os dois principais polos de atração... São cidades onde a presença policial e militar se faz sentir...

Parece que o árabe que se fala em Marrocos, o "darijá", é língua que, fora do país, poucos entenderão ou falarão, a não ser os marroquinos da diáspora... Creio que é também, o francês, a língua do ensino universitário...

É pena que o uso do francês, como língua estrangeira, tenha decaído no nosso país... Era a primeira língua estrangeira falada em Portugal, desde o séc. XVIII até à minha geração, a do pós-guerra. (LG)

PS - Quis saber, da parte do meu guia, a razão de ser da decadência das brilhantes civilizações de Marrocos... Ele, que é muçulmano,  foi diplomático, dizendo-me em francês qualquer coisa como... "a música e as mulheres"... O Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, diria, como bom luterano holandês, "putas e vinho verde"...

2 comentários:

Anónimo disse...

Agradeço ao Luís esta lição de história. É um assunto que muito me prende a atenção por me ajudar a compreender o mundo de hoje.

Um abração

Carvalho de Mampatá

alma disse...

Há uns anos na companhia do meu filho, passei um mês em Marrocos. Visitei as areias de Alcácer-Quibir, prestando homenagem ao meu antepassado, João Cabral, moço escudeiro, que aí foi degolado. Menos sorte teve seu primo, Segismundo, que cativo, foi vendido para as Arábias e feito eunuco..Um Cabral eunuco... Abraço J.Cabral