quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18342: Vídeos de guerra (15): "Guerre en Guinée" (ORTF, 1969, 13' 50'): o governo português suportou o custo das viagens e estadia de todos os elementos da equipa do programa "Point Contrepoint", da televisão pública francesa, durante cerca de um mês... Eu assisti à montagem do filme e trouxe, de Paris, cópia para o Marcelo Caetano... Quando viu a cena da emboscada, disse-me: "Temos que acabar com esta guerra" (Manuel Domingues)


Guiné > Região do Cacheu > Bula > Pecuré > Op Ostra Amarga > 18 de outubro de 1969 > Geneviève Chauvel, então uma jovem jornalista da Agência Gamma, depois da emboscada que vitimou 3 militares portugueses (2 mortos e 1 ferido)... No "Paris-Match" haveria de escrever um artigo de 2 páginas, com fotos suas, sobre "Guinée: l' étrange guerre des Portugais" (pp. 30-31).

Na foto, em grande plano, a Geneviève Chauvel, e a seu lado, o capitão Sentieiro (de que só se vê parte do corpo) momentos após a emboscada. Foto cedida, em 2007, ao Virgínio Briote pelo cor cav ref José Maria Sentieiro, que vive em Torres Novas, e tem a Cruz de Guerra de 1.ª Classe.


Capa da revista "Paris-Match",  nº 1071, de 15 de vovembro de 1969. Segundo o nosso camarada e colaborador permanente Torcato Mendonça, a revista, de venda livre em Bissau, terá sido apreendida nessa semana...


No sumário do referido número do Paris-Match, entre os artigos da seção "Estrangeiro", há um sobre Nixon e a sua maioria silenciosa, e outro sobre a odisseia da Apolo XII (que se preparava para a 2.ª alunissagem, a 19 de Novembro). A revista inseria ainda um pequeno texto da autoria de Geneviève Chauvel, então uma jovem jornalista da Agência Gamma, sobre "Guinée: l' étrange guerre des Portugais" (pp. 30--31) ["Guiné: a estranha guerra dos portugueses"].


Guiné > Região do Cacheu > Bula > Pecuré > Op Ostra Amarga > 18 de outubro de 1969 > O General Spínola, à esquerda, ladeado pelo major João Marcelino (2.º Comandante do BCAV 2868, então em Bissau e que apanhou boleia no heli) e o ten cor Alves Morgado, Comandante do BCAV 2868 que acompanhou o desenrolar da acção. Foto tirada momentos após a emboscada. Imagem extraída do Paris-Match (,edição de 11 de novembro de 1969).


Guiné > Região do Cacheu > Bula > Pecuré > Op Ostra Amarga > 18 de outubro de 1969> De costas, o capitão de cavalaria José Maria Sentieiro, comandante da CCAV 2485 que, por impedimento do comandante da CCAV 2487, foi encarregado de dirigir a Op Ostra Amarga. Imagem obtida momentos após a emboscada que custou dois mortos à CCAV 2487.  Imagem extraída do Paris-Match (,edição de 11 de novembro de 1969) e editada pelo blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  [ Com a devida vénia...]


Excerto do artigo da Geneviève Chauvel, p. 30

Sobre o gen Spínola, escreveu Geneviève Chauvel:

(...) "Monóculo no olho, apoiando-se no seu pingalim, este oficial parece surgir de um filme dos anos 30. Não é o Pierre Renoir de 'La Bandera', nem o Von Stroheim de 'La Grande Illusion'. O general português Spínola faz verdadeiramente a guerra. Na Guiné. Imagem soberba e irrisória: um pequeno país que possuía, há quatrocentos anos, um império imenso, sobre o qual o sol nunca se escondia, esgota-se hoje no último combate colonial do século.

Entre a Gâmbia e a Guiné de Sékou Touré, a Guiné Portuguesa conta com um punhado de colonos, face a meio milhão de autóctones, num território do tamanho de um departamento francês. De há oito anos a esta parte está transformado num campo de batalha. A guerrilha dos rebeldes, armados pela China e muito organizados – revistas, instrução política, jornais de propaganda – absorve cada vez mais as tropas portuguesas.

Lançados num país muito quente, com uma vegetação muito densa, vigiados pelo inferno das emboscadas, os camponeses de Beja, os pescadores da Nazaré ou os estudantes de Coimbra cuidam da sua elegância, a exemplo do seu comandante-em-chefe: “Mais vale ir para o céu com um uniforme como deve ser”. (...)

Paris-Match, nº 1071, L’étranger, pp. 30 e 31, texto de Geneviève Chauvel-Gamma. Tradução livre de V. Briote. (Com a devida vénia...).


1. Mensagem do nosso camarada e grã-tabanqueiro Manuel Domingues, ex-alf mil op esp, comandante do Pel Rec Info, CCS/BCAÇ 1856 (Nova Lamego, 1965/67) (*)

[Manuel Domingues, foto à esquerda; frequentou o Curso de Rangers e fez parte da CCS/BCAÇ 1856 (Nova Lamego, 1965/67); como alf mil foi comandante do Pelotão de Reconhecimento e Informação, tendo desempenhado as funções de oficial de informações e, durante alguns meses, a de oficial de operações do BCAÇ 1856, esteve no Leste, Sector L3, com o Comando e CCS sediados em Nova Lamego [Gabu]; e as companhias operacionais em Madina do Boé (CCAÇ 1416, com um destacamento em Béli); em Bajocunda (CCAÇ 1417, com um destacamento em Copá); e em Buruntuma (CCAÇ 1418, com um destacamento em Ponte Caiúm); nasceu em 1941, em Castro Laboreiro; é utor do livro Uma Campanha na Guiné (com estórias e testemunhos de vários camaradas do batalhão) bem como de O Pegureiro e o Lobo – Estórias de Castro Laboreiro (2005); está reformado, depois de uma multifacetada carreira profissional, em Portugal e no estrangeiro, em organismos públicos e em empresas].

Caros tertulianos:

Relativamente ao filme da ORTF e à reportagem do Paris Match (**), posso adiantar o seguinte: Participei em setembro e outubro de 1969 no apoio à equipa da ORTF  [, a televisão pública francesa] que realizou o filme e que incluiu Portugal e o Ultramar, com deslocações do Minho a Timor, captando imagens em todas as possessões ultramarinas. 

Esta equipa englobava cerca de uma dúzia de pessoas, entre as quais uma jornalista do Paris Match [, Geneviève Chauvel, ao serviço da agência Gamma] e um do Figaro [Jean-François Chauvel, que era simultaneamente o produtor do programa televisivo "Point-Contrepoint"].

O objectivo inicial era recolher material para incluir no programa "Point-Contrepoint" (tipo Prós e Contras) em que de um lado se afirmava que Portugal era uma potência colonialista, que explorava os povos coloniais que lutavam pela sua libertação. Esta ideia era suportada em reportagens e depoimentos fornecidos pelos movimentos de libertação a que se juntavam alguns opositores do regime, no exílio, entre os quais Manuel Alegre. Do outro lado, pretendia-se refutar esta ideia, afirmando a ideia de que o Ultramar fazia parte integrante de Portugal e mostrando o grau e ritmo de desenvolvimento que se estava a processar, sobretudo em Angola e Moçambique.

A equipa responsável pelo programa, durante as negociações, pôs como condição poder verificar com total liberdade a realidade em todos os territórios, sobretudo na Guiné, Angola e Moçambique, onde se desenvolviam as lutas de libertação.

O Governo Português aceitou, apenas impondo como condição que o elemento que tinha apoiado a equipa nas suas deslocações em Portugal e no Ultramar,  estivesse presente nos estúdios da ORTF para assistir à montagem do filme, evitando surpresas que já tinham acontecido em programas idênticos nos Estados Unidos onde a ideia de confronto acabou por ser subvertida e resultou num manifesto antiportuguês. Portanto, e em resumo, tive a oportunidade de acompanhar todo o processo.

Capa do livro "Uma campanha na Guiné
Assim, no dia da assinatura do Armistício, 11 de Novembro de 1969 [, feriado nacional em França, comemorativo do fim da I Grande Guerra Mundial, 1914-1918], o programa foi para o ar. O grau de imparcialidade, relativo, conferiu-lhe um sucesso na crítica francesa da especialidade e alguma satisfação ao Governo Português de então que pela primeira vez não deu por mal empregue o montante gasto no apoio ao programa, suportando o custo das viagens e estadia de todos os elementos, durante cerca de um mês. (***)

O próprio Marcello Caetano quis ver a cópia que eu tinha trazido [de Paris] e foi durante a sessão, quando viu a cena da emboscada na Guiné que pulverizou dois dos elementos das NT, pronunciou para mim a esperançosa frase:
- Temos que acabar com esta guerra (****).

O impacto na opinião francesa e o elevado volume de material recolhido nos próprios locais levou os produtores da ORTF a fazerem vários documentários.

Já não disponho do exemplar do Paris Match nem da cópia do filme, mas ainda disponho da reportagem do Figaro da mesma altura, onde o autor define Spínola como um misto de Goering e de Marquês de Cuevas, reportagem essa que vou tentar digitalizar e que enviarei depois para os nossos tertulianos.

Um abraço cordial do
Manuel Domingues (*****)


Guiné Região de Cacheu > Bula > Carta (1953) > Escala 1/50 mil  > Sítios por onde se desenrolou a Op Ostra Amarga, de 12 a 18 de outubro de 1969: ponta Matara (vd. carta de Pelundo), ponta Ponaté, ponta Portuga, ponta Penhasse, Bissauzinho, Bofe...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camarads da Guiné (2018)




Guiné > Região do Cacheu > Bula > BCAV 2868 (1969/70) > Op Ostra Amarga >18 de outubro de 1969 > Excerto de Sintrep (?) > No último dia, 18, as NT  acionaram uma mina A/P na região de Badapal, sofrendo dois feridos; na região de Pecuré, um grupo IN não estimado emboscou as NT, acabando por retirar com 4 mortos e 2 sofridos, e sofrendo as NT 2 mortos e um ferido...Já na região de Biura, um grupo IN, também não estimado, voltou a emboscou as NT, sem consequências, e acabando por retirar face à reação, pelo fogo e manobra,das NT.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camarads da Guiné (2018)
______________

Notas do editor:


(**) Vd. postes de:




(***) De acordo com a ficha técnica do vídeo, disponível do portal do INA - Institut National de l'Audiovisuel, a equipa da televisão pública francesa que se integrou na Op Ostra Amarga, devia ser constituída por, pelo menos, os seguintes elementos; Jean Baronnet, realizador; Jean François Chauvel, jornalista / repórter:  Roger Mathurin, operador de som; e Jean Louis Normand, operador de imagem... Haveria ainda a Geneviève Chauvel, que representava a agência Gamma e a revista Paris-Match...

O responsável pelo programa "Point Contrepoint", da ORTF, em 1969, era o jornalista Jean- François Chauvel (1927-1986), que também trabalhava para o Figaro, como grande reporter... Encontrei na Wipipedia, em francês, uma pequena nota biográfica, pela qual fiquei a saber que ele era casado, desde 1961, com a Geneviève, em terceiras núpcias... Foi além disso, membro da resistância francesa, tendo sido ferido em combate em 1944, com apenas 17 anos, tendo condecorado quer pela França pela América, por feitos em combate.

(...) Fils de l'ambassadeur de France Jean Chauvel, il est né à Pékin le 30 mars 1927 et mort à Paris le 10 février 1986.

Après des études scolaires difficiles, il s'est engagé dans la Résistance à l'âge de 15 ans. Après la Libération de Paris, il a rejoint la 2ème division blindée et a été grièvement blessé près de Baccarat à l'automne 1944, ce qui lui a valu la croix de guerre 1939-45 avec palme et le purple heart américain. Après la Libération, il a découvert le métier de journaliste dans des publications modestes parisiennes, puis a sérieusement appris le métier pendant plusieurs années à l'AFP.

Dans les années 1960, il a été intégré à la rédaction du Figaro comme grand-reporter et a été l'un des tout premiers à alerter l'opinion publique nationale et internationale sur le drame du Biafra.

En 1968, il est l'un des membres fondateurs du syndicat étudiant l'UNI.

Il est producteur de l'émission de l'ORTF Point - Contrepoint en 1969.

Au début des années 1970, il a créé et animé deux émissions de reportages pour l'ORTF : 52 (janvier 1973-août 1974) et Satellite, consultables dans les archives de l'INA. À la même époque, il a publié ses mémoires sous le titre À rebrousse-poil, un succès d'édition.

Il a ensuite quitté et le Figaro et la télévision pour produire ses propres reportages, dont Des hommes sans nom sur la Légion étrangère en 1980." (,,,)

Vd. também 15 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)

(****) Vd. (*) Vd: Novo Contacto com a Guiné: a esperança marcelista. In: Domingues, Manuel -  Uma Campanha na Guiné, do Autor.

7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Portugal, na época, não tinha aquilo a que hoje se chama uma "boa imprensa"... Podiam-se contar pelos dedos os jornais (, já não falo em rádios e televisões...), que davam alguma cobertura às posições do Estado Novo, tanto em relação à política interna como à política externa, e em especial à "questão ultramarina"...

O "orgulhosamente sós" de Salazar teve custos brutais para todos nós, na ciência, na cultura, na educação, na economia, na diplomacia, na demografia, etc.... Vivemos, teimosamente, de costas viradas para o resto do mundo ou foi o mundo que nos virou costas...

Devíamos ter apanhado o comboio da história em 1945... nem que fosse a última carruagem!

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O que o governo Marcelo Caetano fez, com os jornalistas franceses, foi "marketing político"... Agora não sei se a imagem passou, e se valeu a pena, em termos de custo-benefício... Duas páginas do "Paris-Match" é pouco... E debate no programa da ORTF, "Point Contrepoint", em 11 de novembro de 1969, não sabemos como decorreu...

No que diz respeito à Guiné, o Amílcar Cabral foi muitissimo mais habilidoso... DE resto, ele ganhou a guerra pela diplomacia e não pelas armas... Além do apoio dos países do bloco soviético e da China, tinha do seu lado o movimento dos não-alinhados e provocou brechas inclusive no bloco da NATO...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

...pela diplomacia e a propaganda

Antº Rosinha disse...

Na Europa todos os partidos socialistas e comunistas e grande parte das missões protestantes e muita católicas estavam contra a nossa presença, (desprezível) em África.

Da parte da França, após Argélia e Indochina, havia um olhar meio incrédulo e até despeitado.

Não creio que essa reportagem fosse muito atrativa para os franceses assistir à atitude colonial destes atrasados que viviam no bidonville.

Aliás, ainda hoje não aceitam de bom grado ouvir falar crioulo em Casamance, ou Inglês na Gâmbia.

Eu dava um "rebuçado" para assistir a essa reportagem completa francesa do Minho a Timor.

Antº Rosinha disse...

A NATO dominada pelos americanos, que com a Rússia tinham na mira o domínio descarado de África, foram os principais inimigos que tivemos em 1961 com o Kennedy.

Nós cedíamos em 1961, como ele queria, e estava criado o "Angola do Norte/Angola do Sul", como as coreias e os vietnames do norte e do sul.

Ninguém nos respeitava, nem a nós nem aos nossos africanos, assim como0 aos congoleses, biafrenses e toda a África.

Bem fez Mandela e os Boeres que tiveram "tomates" para não permitir estranhos na sua terra.

Nós e os fulas e outros em Angola e Moçambique também lutamos por isso perdemos.

Perdemos? a história ainda não está completa.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Rosinha, estamos de acordo: a história não está completa... Aliás, a história nunca acaba... ou acabará um dia quando desaparecer a nossa espécie...

Tens uma maneira peculiar de ver as coisas: é verdade, a França "chauvinista" não era (não sei se ainda é...) incapaz de nos olhar num plano de igualdade...Somos duas velhas "senhoras da Europa", com mil anos em cima da pele...Ora aliados, ora inimigos... Em matéria de "traumas" com o império colonial, acho que estamos melhor do que eles: a Indochina e a Argélia foram mais "traumáticos" para os franceses do que Angola, Guiné e Moçambique para os "tugas"...

Hoje, na Europa (e se é que o projeto da Europa tem pernas para andar...), temos que nos sentar na "turpeça", ou seja, ao nível do chão, para estarmos todos ao mesmo nível...

Mal de nós se não conaeguirmos, na Europa, ultrapassar os velhos "estereótipos" que ainda temos uns sobre os outros...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A madame Geneviève Chauvel, a avaliar pelo que escreveu no "Paris Match", vê-se que não conhecia de todo este "estranho" país:

(i) não havia "paysans" (camponeses) em Beja, porque Beja era a capital do Baixo Alentejo, o memso é dizer, da agricultura latifundiária: em Beja não havia camponeses, mas "ganhões", proletariado agrícola, assalariados agrícolas; camponeses, uns rendeiros, outros, pequenos proprietários, existiam nas zonas de minifúndio, nomeadamente no Norte do país;

(ii) não havia "marins" (marinheiros) na Nazaré, mas sim pescadores:

(iii) desde 1911, que Coimbra já não era a "Universidade", com a República foram criadas as universidades de Lisboa e Porto...

Os jornalistas franceses andaram por cá, e pelo "império", mas não fizeram o TPC, o trabalho de casa... Podiam ter-se esforçado um pouco mais...